Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar como se dá a contratação do empregado público na Administração Pública Indireta, verificando qual o regime jurídico aplicável nesses casos, como se dá sua admissão e demissão, bem como as diversas discussões quanto a tema, principalmente quanto à possibilidade ou não de considera-lo estável.
Palavras-Chave: Administração Pública Indireta. Empregado Público. CLT. Concurso Público. Admissão e Demissão.
Sumário: Introdução. 1 Exigibilidade de Concurso Público. 2 Contratação pelo Regime Celetista. 3 Estabilidade Constitucional do art. 41 da Constituição Federal de 1988. 4 Demissão do Empregado Público. Considerações Finais. Referências.
Introdução:
Muitas são as discussões quanto à contratação do empregado público, principalmente quanto à estabilidade constitucional elencada no art. 41 da CF/88, bem como quanto à demissão desse empregado.
No presente artigo, sem se pretender esgotar o tema em questão, propõe-se analisar tais questionamentos, verificando qual o regime jurídico aplicado à contratação, bem como qual o posicionamento doutrinário sobre o tema.
O princípio da impessoalidade, norteador da atuação da Administração, é, para Celso Antônio Bandeira de Mello (2009), um comando de vedação essencial de utilização de critérios pessoais nas tomadas de decisões pela Administração, o que legitima a exigibilidade de concurso público. Da mesma forma, o princípio da indisponibilidade do interesse público veda o administrador de sobrepor interesses pessoais aos interesses públicos, conforme Marçal Justen Filho (2014), fazendo-se essencial a existência do concurso para confirmar essa limitação.
Note que se a contratação de empregados na Administração Pública fosse realizada da mesma forma que na área privada, muitas seriam as arbitrariedades cometidas por parte do administrador, que poderia contratar quem bem entendesse para os cargos que desejasse. Haveria uma sobreposição de interesses pessoais sobre os públicos, não sendo uma atitude compatível com a função da administração.
De qualquer maneira, o art. 37 da CF, em seu inciso II, veda a contratação de funcionários por parte da Administração, seja ela Direita ou Indireta, sem a existência de um concurso de provas ou de provas e títulos, quando determina que:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
(BRASIL, 1988)
Nesse mesmo sentido, inclusive, já se manifestou o STF no Mandado de Segurança nº 21.322, que teve como Relator o Ministro Paulo Brossad, em 03/02/1992, na ementa transcrita a seguir:
EMENTA: CARGOS e EMPREGOS PUBLICOS. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA e FUNDACIONAL. ACESSIBILIDADE. CONCURSO PÚBLICO. A acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, nos termos da Lei e mediante concurso público e princípio constitucional explicito, desde 1934, art. 168. Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que pode não ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias, empresas publicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas a regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica esta igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, PAR. 1. Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Constituição
(BRASIL, 1992)
Assim, para o ingresso nos quadros das empresas públicas e sociedades de economia mista há a exigência de prestação de concurso público, como condição de validade para a contratação.
2. Contratação pelo Regime Celetista
Diferentemente do servidor público, que possui vínculo estatutário com a Administração regido pela Lei 8.112, de 1990, que dispõe sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos, o empregado público possui um vínculo contratual, sob a regência da CLT, conforme Artur Salles Viana (2014).
Sua admissão está condicionada à assinatura de sua Carteira de Trabalho pelo empregador, bem como todas as outras exigências da legislação trabalhista previstas na CLT (Decreto Lei nº 5.452 de 1943): recolhimento dos 8% mensal em uma conta vinculada ao trabalhador a título de FGTS, férias, 13º salário, dentre outros.
Conforme Carvalho Filho (2015),
As normas desse regime se antagonizam com as do regime estatutário. Primeiramente, o regime se caracteriza pelo princípio da unicidade normativa, porque o conjunto integral das normas reguladoras se encontra em um único diploma legal – a CLT. (CARVALHO, p. 605, 2015)
Logo, ainda que contratado mediante aprovação em concurso público, o empregado das Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas estabelece com a Administração um vínculo empregatício mediante a regência das Leis Trabalhistas, aplicando sobre eles os ditames da Consolidação das Leis do Trabalho.
Em 1988, com a promulgação da Constituição, ficou garantida a estabilidade constitucional a todos os servidores públicos, após três anos de exercício, não podendo ser demitidos sem processo administrativo ou sentença judicial transitada em julgado, conforme preconiza o art. 41 da Constituição, que dispõe que “são estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público” (BRASIL, 1988).
Pela redação do texto constitucional, muito se discutiu quanto à extensão da aplicação dessa garantia, conforme explicitado por João Paulo dos Santos Melo e Jucianne Adelly Cunha Lima Melo (2007), entendendo alguns que tal comando abrangeria a todos os servidores públicos, sejam eles funcionários ou empregados, ficando excluídos apenas aqueles que exerciam cargo de provimento comissão e aos contratados em regime temporário, e outros que entendiam abranger somente os funcionários públicos estatutários.
O TST, por meio da súmula 390, se manifestou quanto ao tema, pacificando o entendimento de que os empregados públicos das sociedades de economia mista e empresas públicas não são detentores da estabilidade de emprego, nos seguintes termos:
Súmula nº 390 do TST
Estabilidade. Art. 41 da CF/1988. Celetista. Administração direta, autárquica ou fundacional. Aplicabilidade. Empregado de empresa pública e sociedade de economia mista. Inaplicável.
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988.
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (BRASIL, 2005)
Logo, conforme item II da súmula supracitada, não há que se falar em garantia da estabilidade constitucional aos empregados públicos das empresas públicas e das sociedades de economia mista.
Essa lógica se dá, inclusive, pela incompatibilidade do regime do FGTS com a estabilidade de emprego. A estabilidade constitucional só é garantida ao servidor investido em cargo público de provimento em caráter efetivo, conforme redação do artigo 41 da CF, e o funcionário admitido pelo regime da CLT não está investido em cargo público, é detentor de um emprego público na Administração, como expõe Rafael Oliveira (2016).
Esse mesmo autor explicita de forma clara essa distinção quando defende que o cargo público é provido pelo servidor público estatutário com “denominação, direitos, deveres e sistemas de remuneração previstos em lei” (OLIVEIRA, p. 633, 2016) e o emprego público é o vínculo contratual estabelecido pelas entidades administrativas de direito privado e os servidores celetistas.
Para esse autor,
“a estabilidade somente é reconhecida aos servidores estatutários, não alcançando os empregados públicos (regime trabalhista), uma vez que a norma constitucional se dirige categoricamente aos “servidores nomeados para cargo de provimento efetivo”“. (OLIVEIRA, p. 678, 2016)
Na verdade, a diferença principal entre o empregado celetista e o servidor público regido por regime estatutário é que aquele é garantido com a indenização fundiária, e este com a estabilidade. Portanto, já está pacificado o entendimento de que o empregado da empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que contratado mediante concurso público, não goza da estabilidade prevista no artigo 41 da CF/88, não havendo mais, na esfera trabalhista, controvérsias ao tema neste sentido.
Sobre esse assunto, porém, cabe apenas esclarecer o item I da súmula 390 do TST supramencionada, que reconhece a estabilidade de emprego aos empregados públicos da administração Direta, autárquica ou fundacional.
Pois bem, conforme João Paulo dos Santos Melo e Jucianne Adelly Cunha Lima Melo (2007), o caput do artigo 39 da Constituição estabelecia, em seu texto original, a obrigatoriedade de um só regime jurídico a todos os servidores das Administrações autárquica, fundacional e direta por parte de cada ente Federado. Era vedada a adoção simultânea do regime estatutário e celetista numa mesma Administração.
Porém, com a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, modificou-se o caput desse artigo 39, segundo Artur Salles Viana (2014), eliminando a obrigatoriedade de adoção de um regime jurídico único para os agentes atuantes na administração direta, autarquias e fundações públicas, editando a União a Lei 9.962, de 2000, que possibilitou a contratação de empregados públicos por esses entes.
Acontece que em agosto de 2007, o STF entendeu por meio de medida liminar concedida na ADI 2.135/DF, ser necessário suspender a eficácia da nova redação do art. 39 em virtude de haver inconstitucionalidade formal, decidindo que sua decisão teria efeito ex nunc, voltando a vigorar a redação originária do art. 39 da CF que exige a instituição do regime jurídico único, como bem explica Rafael Oliveira (2016).
Por seu efeito ex nunc, toda e qualquer Lei editada anteriormente à decisão do STF permaneceu válida, reconhecendo-se a validade da Lei 9.962 de 2000, sendo ela amplamente aplicada ao pessoal contratado antes de 2007, sob o regime de emprego público, admitindo-se dois regimes diferentes de servidores, os estatutários e os celetistas, nessa única hipótese.
Dessa forma, existem os empregados públicos da Administração Pública Direta, autárquica e fundacional federal contratados ainda durante a vigência da alteração do artigo 39, caput, que são regidos pela lei 9.962 de 2000. A eles é garantida a estabilidade de emprego, conforme demonstrado, diante da peculiaridade na origem do seu regime de contratação, diferente dos empregados públicos contratados pela Administração Pública Indireta.
De forma geral, o empregado público é contratado pela Administração Pública Indireta para trabalhar nas Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas criadas pelo Estado. Sua admissão está condicionada à aprovação prévia em um concurso público, conforme ditames do art. 37 da CF, já explicitado nos tópicos anteriores.
Além disso, conforme já debatido, os empregados públicos desses entes públicos não gozam da estabilidade de emprego garantida aos funcionários públicos regidos pelo regime estatutário. Por estarem submetidos ao regime celetista, torna-se uma faculdade do empregador a dispensa do empregado, ainda que sem justa causa.
Ocorre que, sendo o empregador uma empresa pública ou sociedade de economia mista, ou seja, entes da Administração Pública indireta, estão submetidos aos princípios constitucionais que devem ser observados em todos os atos administrativos tomados pelos entes públicos, em virtude principalmente da supremacia do interesse público sobre o privado, gerando controvérsia quanto à demissão desse empregado.
Na verdade, o maior questionamento que se tem é o de que se para ingressar na Administração Pública se faz imprescindível a prestação de concurso público, em respeito ao art. 37 da CF, quando da demissão do empregado público, não poderia ser diferente, devendo haver respeito, da mesma forma, por parte dos entes públicos, aos mesmos princípios constitucionais, devendo haver um controle da atuação da Administração nesse sentido, conforme Rafael Oliveira (2016)
O que se tem discutido é a necessidade de respeito por parte da Administração a princípios constitucionais que a obrigam a motivar o ato de demissão do empregado público, mesmo sendo uma faculdade do empregador privado proceder com o devido desligamento do trabalhador, até na dispensa sem justa causa.
Considerações Finais
Conforme explanado acima, o empregado público não é contratado pela Administração Pública de forma subjetiva. Ele é submetido a concurso público, sem, contudo, possuir a estabilidade constitucional do art. 41 da CF/88. O regime jurídico ao qual ele está submetido é o da CLT, incidindo sobre ele todas as condições de um empregado privado, recolhimento dos 8% mensal em uma conta vinculada ao trabalhador a título de FGTS, férias, 13º salário, dentre outros.
No que diz respeito à sua demissão, tendo em vista que está submetido ao regime celetista, poderia, em tese, o Administrador Público demiti-lo com base nos seus interesses privados, o que acarretaria a violação de princípios constitucionais como da impessoalidade e moralidade.
O que se vê é que se para ingressar na Administração Pública se faz imprescindível a prestação de concurso público, em respeito ao art. 37 da CF, não poderia ser diferente quando da demissão do empregado público, devendo haver respeito, da mesma forma, por parte dos entes públicos, aos mesmos princípios constitucionais, devendo haver um controle da atuação da Administração nesse sentido.
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, DF: Senado; 1988.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula nº 390. Brasília. Disponível em: http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_351_400.html#SUM-390. Acesso em: 01 out, 2018.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo - 28. ed.– São Paulo : Atlas, 2015;
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 10ª Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª Ed. – São Paulo: Malheiros, 2009.
MELO, João Paulo dos Santos; MELO, Jucianne Adelly Cunha Lima. Motivação Do Ato Administrativo De Dispensa Do Empregado Público. Revista Direito e Liberdade, Mossoró, v. 7, n. 3, p. 179 – 200, 2007. Disponível em: . Acesso em: 04 set, 2018;
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 4ª edição - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
VIANA, Arthur Salles. A motivação na dispensa do empregado de empresas públicas e de sociedades de economia mista. 2014.70 f. Monografia. Centro Universitário de Brasília, Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais – FAJS. Brasília. 2014.
Advogada graduada na Puc Minas. Especialista em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Carolina Calhau de Castro e. O contrato de trabalho na Administração Pública indireta Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52322/o-contrato-de-trabalho-na-administracao-publica-indireta. Acesso em: 23 dez 2024.
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