RESUMO: O presente estudo pretende expor a história da efetivação do acesso à justiça por meio da proteção aos direitos individuais e coletivos lato sensu sob a óptica das dimensões dos direitos humanos, em especial a primeira, segunda e terceira dimensão. Busca-se, assim, demonstrar as principais modificações interpretativas desse direito diante das tradicionais dimensões de direitos humanos.
Palavras-chave: Dimensões dos direitos Humanos, direitos individuais e coletivos; acesso à justiça; direitos fundamentais.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Breve análise sobre a perspectiva histórica das dimensões dos direitos humanos. 2. A efetivação do acesso à justiça sob o prisma das dimensões dos direitos fundamentais. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O direito ao acesso à justiça ao tempo dos Estados Liberais era visto apenas como um direito tão-somente formalizado na legislação, visto que não tinha efetividade. Todavia, a partir da segunda metade do século XX, tal direito passou a ser concebido como um imprescindível meio de efetivação da proteção integral da sociedade, fato que influiu diretamente na busca pela efetivação do acesso à justiça por meio de novos conceitos processuais e da proteção aos chamados novos direitos (direitos coletivos lato sensu).
O acesso à justiça, além de ser reconhecidamente um direito fundamental – hoje sintetizado no inciso XXXV do artigo 50 da Constituição Federal de 1988 –, apresenta um quadro histórico intrinsecamente ligado à classificação das dimensões de direitos humanos, em especial a primeira, segunda e terceira dimensão.
O presente estudo busca demonstrar a perspectiva histórica dos direitos humanos baseada nas dimensões de direitos, bem como a categorização do acesso à justiça como um direito fundamental, trazendo a lume as principais modificações interpretativas desse direito diante das tradicionais dimensões de direitos humanos.
1 – Breve análise sobre a perspectiva histórica das dimensões dos direitos humanos.
Os direitos humanos não são invariáveis e, tampouco, os mesmos em todas as épocas. Ao contrário, tais direitos se afirmam sob as mais variadas perspectivas, na medida em que a sociedade requer novos meios de proteção e de afirmação de seus direitos e deveres, fatores que perfazem o estudo histórico dos direitos humanos como o método de análise mais abrangente e que alcança a melhor sistematização das transformações jurídicas.
Saliente-se, consoante assevera Sarlet (2009, p. 41/42), que a partir século XII já se verificavam nas declarações de direitos da época — como é o caso da Magna Carta de 1215, firmada pelo rei João Sem-Terra, pelos bispos e barões ingleses — a recepção de alguns direitos de liberdade que traziam em seu bojo a essência dos direitos humanos. Regramentos esses que ainda não podiam ser tidos como verdadeiros direitos humanos, tendo em vista que lhes faltavam universalidade, indivisibilidade, bem como outros requisitos essenciais para tanto.
Já a doutrina jusnaturalista, mormente a partir do século XVI, foi de vital importância para a sedimentação dos direitos humanos como são conhecidos hoje, nesse sentido (RAMOS, 2016, p. 82). Isso porque o direito natural, com forte influência dos dogmas cristãos, trouxe à tona a teoria da existência de uma ordem transcendental ao homem, reconhecendo, assim, a existência de direitos naturais, universais, indisponíveis e inerentes aos indivíduos.
Sobre o tema, assevera Paulo Nader que: “[...] o direito natural possui também função ordenadora, que se manifesta quando se identificam , com ele, os princípios gerais do direito; quando se autoriza o magistrado a decidir com equidade; quando se registram diferentes formas de resistência ao direito legítimo” (NADER, p.197).
Todavia, foi a partir dos séculos XVII e XVIII, com a laicização do direito natural — que culminou na preponderância das teorias contratualistas de Rousseau, Locke e Kant, e dos ideais iluministas – que a concepção de dignidade da pessoa humana como atributo do ser humano, assim como os ideais de soberania popular, intervenção mínima do Estado e direito de resistência dos cidadãos ganharam maior respaldo jurídico.
Assim, com o acolhimento da doutrina jusnaturalista é que os direitos humanos se integraram ao direito positivo, sendo reconhecidos nos ordenamentos jurídicos internos como direitos fundamentais[1]. Decerto, as declarações de direitos emergidas das revoluções americana e francesa[2] deram a tais direitos as características de universalidade, além de outorgar "l...] ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direito de todos os homens, e não apenas de uma casta ou estamento" (SARLET, 2009, p. 44).
Com o reconhecimento dos direitos humanos, alguns doutrinadores passaram a classificá-los nas chamadas gerações dos direitos (expressão consagrada por Norberto Bobbio), sendo que tal classificação se baseia nas mudanças históricas de perspectivas da proteção e da própria conceituação dos direitos essenciais da sociedade ao longo dos séculos.
Tais gerações indicam transformações de perspectivas dos direitos humanos que não se excluem. Ao contrário, se complementam, motivo pelo qual a utilização do termo “gerações”, para grande parte da doutrina – a exemplo de Ingo Sarlet – seria errônea, sendo mais correto o termo "dimensões de direitos".
Destaque-se que mesmo o conceito de “dimensões de direitos”, tal como consignado pela doutrina tradicional, vem sofrendo sérias críticas, máxime pela multidimensionalidade ínsita aos direitos humanos. É certo que o direito à propriedade, por exemplo, tanto pode representar, ao mesmo tempo, um direito de 1ª dimensão (enquanto um direito privado oponível à força do Estado), um direito de 2ª dimensão (função social da propriedade) e um direito de terceira dimensão (função socioambiental da propriedade).
Ao criticar a tradicional concepção das dimensões de direitos humanos, observa George Mamelstein Lima (LIMA, 2003) que:
[...] não é adequado nem útil dizer, por exemplo, que o direito de propriedade faz parte da primeira dimensão. Também não é correto nem útil dizer que o direito à moradia é um direito de segunda dimensão. O ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões.
Dadas essas considerações, cabe asseverar que o acesso à justiça, além de ser reconhecidamente um direito fundamental – sintetizado no inciso XXXV do artigo 50 da Constituição Federal de 1988 – apresenta um quadro histórico intrinsecamente ligado à classificação tradicional das dimensões de direitos humanos, conforme será exposto.
2 – A efetivação do acesso à justiça sob o prisma das dimensões dos direitos fundamentais.
Demonstrada a existência da perspectiva histórica dos direitos humanos baseada nas dimensões de direitos, bem como a categorização do acesso à justiça como um direito fundamental, cabe registrar as principais modificações interpretativas desse direito fundamental diante das tradicionais dimensões de direitos humanos.
A primeira dimensão dos direitos fundamentais abrange os direitos positivados inicialmente nas declarações e constituições decorrentes das Revoluções americana e francesa ocorridas no século XVIII, nas quais se reconhecem os ideais de dignidade humana, liberdade e resistência às arbitrariedades do Estado.
A mencionada dimensão se caracteriza, sobretudo, pela autonomia individual aliada a não-intervenção do Estado nos aspectos da vida pessoal, enaltecendo, assim, as liberdades pessoais, tais como a liberdade de consciência, de culto e de religião, a inviolabilidade de domicílio, o liberalismo econômico, a proteção ao direito de propriedade e, dentre outros, "[...] o princípio de legitimidade do poder que cabe à nação" (BOBBIO, 2004, p. 87), no qual se tem o Estado a serviço das liberdades individuais.
É certo que a primeira dimensão funciona, em verdade, como uma reação ao poder soberano do Estado por meio da preponderância dos direitos de liberdade e autonomia, tratando-se, portanto, dos chamados de direitos de cunho "negativo", dado que visam à abstenção do poder público (vide SARLET, 2009, p. 47).
Necessário observar, ainda, que tais direitos pressupõem o princípio da igualdade em sua acepção formal, isto é, a igualdade aqui almejada é aquela tão-somente perante a lei, não havendo, com isso, "preocupação com as desigualdades sociais" (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 233).
Sob o prisma da primeira dimensão, o direito fundamental ao acesso à justiça — ou acesso à ordem jurídica justa, conforme KazuoWatanabe (apud LENZA, 2008, p. 131) —em que pese já reconhecido, tinha uma característica eminentemente formal[3], haja vista que se garantia ao indivíduo o direito de ação junto à Justiça Pública sem, no entanto, guarnecê-lo de meios instrumentais para que esse direito fosse realmente efetivado.
Assim, o acesso à proteção judicial, ao tempo do liberalismo político — coincidente com a primeira geração dos direitos fundamentais —, estava claramente subsumido à feição jusnaturalista defendida por Locke[4](vide item 1.1. supra), na qual se valorizava, como direitos fundamentais, a liberdade individual por meio da atuação negativa do Estado, visto que ao indivíduo era dada a liberdade de interpelar o Judiciário, sem, no entanto, que o Estado se utilizasse de qualquer atuação positiva para proporcionar esse acesso de maneira efetiva.
Em arrimo ao exposto, Cappelletti e Garth (1988, p. 9) asseveram que nesse primeiro momento do acesso à justiça:
[...] A teoria era de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um 'direito natural', os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. [...]
Vê-se, portanto, que nos séculos XVIII e XIX o acesso à justiça no mundo ocidental, embora estivesse positivamente garantido aos indivíduos indistintamente, somente acolhia aqueles que tivessem condições econômicas de pagar pelas custas processuais. Com isso, a tutela jurisdicional só era exercida por quem fosse plenamente capaz de utilizá-la, dado que o Estado nada fazia pelos chamados hipossuficientes jurídicos.
Acerca da omissão do Estado no tocante à assistência judiciária gratuita, Alves (2006, p. 32) destaca que:
Nessa fase, não se cogita ainda da criação de serviços de assistência judiciária estatal como instrumento assegurador da efetiva isonomia do acesso à Justiça. O patrocínio em Juízo dos interesses das pessoas desprovidas de meios econômicos para contratar advogados dependia exclusivamente da ação caritativa e humanitária dos profissionais, não se traduzindo em obrigação jurídica oponível ao poder público.
Essa óptica formal da igualdade e do acesso à justiça — sustentada pelo Estado Liberal-Burguês — acabou por formar um verdadeiro precipício social, haja vista que a mera garantia de igualdade perante a lei nem de longe era suficiente para um tratamento justo a todos os cidadãos. Somado a isso, o impacto da Revolução Industrial, juntamente com todas as problemáticas advindas com a massificação do trabalho, tais como a exploração do trabalhador, a urbanização desordenada e o descaso com certas classes sociais, fizeram com que a sociedade pugnasse pela atuação do Estado para que este suprisse suas necessidades.
Em meio aos novos anseios sociais tem-se, no início do século XX, o enaltecimento dos direitos fundamentais de segunda dimensão — cujos marcos iniciais foram as Constituições Mexicana de 1917 e alemã de Weimar de 1919 —, caracterizado pela atuação positiva do Estado em efetivar o princípio da igualdade em sua acepção material, uma vez que a não-intervenção do Estado não mais respondia às problemáticas advindas do novo sistema de trabalho.
Oportuna as palavras de Bobbio (2004, p. 67) acerca dessa mudança de leitura da figura do Estado, conforme segue:
[...] Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado — e portanto com o objetivo de limitar o poder —, os direitos sociais exigem, para sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. [...]
No mesmo sentido, observa Zollinger (2006, p. 27) que "[...] a constatação de que a proclamação retórica da igualdade de todos perante a lei não correspondia a uma promoção efetiva dessa igualdade na realidade fática contribuiu para elevar o brado por novos direitos".
Os direitos de 2ª dimensão são, portanto, aqueles que visam à efetivação das prestações sociais por meio do Estado, com vistas à garantia concreta da dignidade da pessoa humana. Assim, o Estado passa a não somente garantir a igualdade perante a lei, como também a se utilizar de políticas públicas para que todos os indivíduos tenham acesso aos direitos sociais básicos, como assistência social, saúde, educação e trabalho, operando, com isso, "[...] a passagem dos direitos de liberdade — das chamadas liberdades negativas, de religião, de opinião, de imprensa, etc. — para os direitos políticos e sociais, que requerem uma intervenção direta do Estado" (BOBBIO, 2004, p. 63/64).
Sobre o tema André Carvalho Ramos (2016, p. 66):
Os direitos sociais consistem em um conjunto de faculdades e posições jurídicas pelas quais um indivíduo pode exigir prestações do Estado ou da sociedade ou até mesmo a abstenção de agir, tudo para assegurar condições materiais mínimas de sobrevivência.
Essa dimensão de direitos também engloba as chamadas liberdades sociais, tais como o reconhecimento de direitos da classe operária — a exemplo do direito de greve – e a possibilidade de organização sindical.
Nessa mesma linha, a partir do momento em que a sociedade ocidental necessitou de uma maior intervenção do poder público para o controle e a aplicação dos direitos sociais, o Estado passou a buscar modos de efetivar o acesso à justiça em sentido material, isto é, de maneira efetiva e integral, como observa Lenza (2008, p. 34): “[...] no Estado Social, em face da nova atribuição 'imposta' ao Estado, perante a sociedade marcada por novos valores, conflitos e anseios, busca-se não mais a igualdade meramente formal, mas uma igualdade material".
Diante dessa nova concepção de igualdade é que o mundo ocidental passou a enaltecer o direito ao acesso à justiça como um dos direitos fundamentais mais básicos e cruciais, cuja garantia é necessária a todos os indivíduos, visto que ele encerra, justamente, a preocupação com a efetivação dos direitos fundamentais.
A segunda dimensão de direitos, como visto, marcou o início da iniciativa estatal em promover o acesso à justiça de maneira integral, seja por meio da assistência jurídica gratuita, seja pela implantação da justiça gratuita, ambos sistemas cuja clara finalidade é promover a igualdade em sentido material[5].
Ressalte-se que os aludidos direitos, assim como os de primeira dimensão, visam à proteção do indivíduo singularmente considerado, tendo o princípio da igualdade como base para o alcance da justiça social. Nesse sentido, não há que se argumentar, na segunda dimensão, acerca da proteção à coletividade, visto que, conforme argumentam Mendes, Branco e Coelho (2008, p.234), "Os direitos de segunda geração são chamados direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas por se ligarem a reivindicações de justiça social — na maior parte dos casos, esses direitos têm por titulares indivíduos singularizados".
Em vista da necessidade da existência de direitos que protegessem não o indivíduo, mas sim uma coletividade que, por razões práticas, não poderiam ser individualizas ou eram de difícil individualização, assim como os meios para a efetivação do acesso à justiça para esses grupos, surgiram os direitos fundamentais de terceira dimensão (RAMOS, 2016, p. 71/72).
Tais direitos são aqueles referentes à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, à qualidade de vida, ao meio ambiente equilibrado, ao uso e conservação do patrimônio histórico e cultural, ao direito de comunicação e informática e a todos os demais direitos difusos e coletivos.
Bobbio (2004, p. 63) enumera os motivos que levaram à multiplicação dos direitos coletivos, conforme se pode observar:
Essa multiplicação ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc.
Como se vê, os direitos de terceira dimensão cujo reconhecimento se deu especialmente a partir da segunda metade do século XX — não se destinam a um indivíduo ou a um grupo somente, mas ao gênero humano. Afinal, tais direitos são aqueles ligados à fraternidade, tendo em vista que muitos deles levam em consideração as patentes diferenças sociais existentes entre as mais diversas regiões mundiais e tentam estabelecer medidas uniformes de valorização da vida humana.
Muitos dos direitos de terceira dimensão, em que pese sejam reconhecidos, ainda pertencem à seara de normas constitucionais programáticas (como no caso de alguns direitos referentes à qualidade de vida), carecendo, diante disso, da eficácia necessária para a efetivação no direito interno. Entretanto, tais direitos são, por certo, os objetos das discussões mais relevantes em sede de direito internacional.
Ainda no que toca ao tema dos direitos fundamentais, parte da doutrina, a exemplo de Ingo Sarlet (2009, p. 50/51), assevera que existe uma quarta dimensão de direitos, formulada por Paulo Bonavides, que se caracteriza pelos direitos inerentes a uma sociedade globalizada e voltada para a universalização dos direitos humanos. De tal arte, pertencem a essa dimensão o direito à democracia, à informação e ao pluralismo, observando-se que esses direitos visam, em última razão, à universalização da dignidade humana.
Norberto Bobbio também afirma a existência de uma quarta dimensão de direitos. No entanto, assevera que essa dimensão é voltada para os direitos relacionados ao patrimônio genético, tais como a biotecnologia e a bioengenharia, dado que requerem discussões éticas acerca das questões envolvendo o direito à vida e à liberdade individual.
Alguns doutrinadores, a exemplo de José Oliveira Júnior, entendem, ainda, pela existência de uma quinta dimensão dos direitos, que se concentraria nas questões referentes à realidade virtual e às consequências do uso massivo da cibernética.
Não obstante existam divergências doutrinárias acerca da existência e/ou conceituação da quarta e da quinta dimensão de direitos humanos, faz-se necessário observar que as três primeiras dimensões — além de serem amplamente reconhecidas pela doutrina — demonstram cabalmente os principais fatores de transformação dos direitos fundamentais ao longo da história, máxime quanto à efetivação e integralização do direito ao acesso à justiça.
Pela própria característica de universalização dos direitos humanos, sedimentada especialmente após a Segunda Guerra Mundial, não há dúvida que a dignidade humana é o principal fundamento dos direitos humanos, que é atribuído a cada indivíduo pelo simples fato de existir, conforme exposto no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, in verbis: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade", sendo o acesso à justiça um importante meio garantidor desse direito.
Acerca da importância do princípio da dignidade humana, André Carvalho Ramos (RAMOS, 2016, p. 77) aduz que:
Diferentemente do que ocorre com direitos como liberdade, igualdade, entre outros, a dignidade humana não trata de um aspecto particular de existência, mas sim de uma qualidade inerente a todo o ser humano, sendo um valor que identifica o ser humano como tal, Logo, o conceito de dignidade humana é polissêmico e aberto, em permanente processo de desenvolvimento e construção.
No avançar dos direitos fundamentais, conclui-se que o acesso à justiça é um dos ideais mais prementes para a construção de uma sociedade jurídica justa. Embora tenha ganhado maior efetividade somente na segunda dimensão de direitos humanos, esse direito essencial funciona, em verdade, como um requisito inafastável para o alcance de quaisquer direitos já reconhecidos — seja na primeira, segunda, terceira ou qualquer outra dimensão —, ou mesmo que ainda se venha a reconhecer.
CONCLUSÃO
É certo que, ao longo dos tempos, o direito fundamental ao acesso à justiça ganhou novos prismas interpretativos, mormente no período perpassado entre o individualismo dos estados liberais e o intervencionismo do Estado do bem estar social, fato que influiu diretamente na efetivação do acesso à justiça.
Historicamente, no Estado Liberal o acesso à justiça tinha uma característica meramente formal, visto que as constituições da época garantiam ao indivíduo o direito de ação junto à Justiça sem, no entanto, que o Estado engendrasse políticas públicas para que este acesso alcançasse a todos. Destarte, vê-se que nos séculos XVIII e XIX (período referente à primeira geração dos direitos fundamentais) o acesso à justiça, embora legalmente garantido, só alcançava quem tivesse condições econômicas de arcar com o processo.
Todavia, no momento em que a sociedade necessitou da intervenção do Poder Público para coibir problemas sociais, o Estado passou a buscar maneiras de efetivar o acesso à justiça em sentido material. Assim, a partir do início do século XX, período correspondente à segunda dimensão dos direitos fundamentais, verifica-se a iniciativa estatal em promover políticas públicas para a efetivação do acesso à justiça àqueles que não tinham recursos para obtê-la, objetivando, com isso, promover a igualdade em sentido material.
Já em meados do século XX, tem-se a terceira dimensão, na qual se buscou sedimentar a tutela dos direitos pertencentes à coletividade, isto é, aqueles direitos que, por razões práticas, não podem ser individualizados ou são de difícil individualização, surgindo, com isso, os meios formais e materiais para a efetivação do acesso à justiça para esses grupos.
Em síntese, tem-se que, ao longo das gerações de direitos, o acesso à justiça ganhou uma perspectiva mais ampla, visando à proteção dos bens jurídicos tutelados, mediante a tutela jurídica justa e acessível a todos.
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[1] Acerca do termo "direitos humanos" prescreve Landim (2008, p. 42) que: "No Brasil, e no exterior, direitos humanos, direitos do homem e direitos fundamentais são utilizados para designar direitos inalienáveis do homem, os quais, nem em época de guerra, o legislador democrático pode alterar". Entretanto, parte da doutrina pátria, conforme aduz Câmara (2002, p. l), prefere utilizar a expressão "direitos fundamentais" para designar os "direitos humanos" positivados, seja no direito interno ou internacional, deixando o termo "direitos humanos" para àqueles universalmente considerados. Noutro sentido, há também quem, a exemplo de Flávia Piovesan, entende a expressão "direitos fundamentais" como os direitos essenciais positivados internamente, enquanto "direitos humanos" seriam os mesmos direitos só que positivados em âmbito internacional. A par dessa discussão, para os fins do presente trabalho acadêmico, será adotado o termo "direitos humanos" quando se tratar dos direitos essenciais universalmente considerados, enquanto "direitos fundamentais" designará os mesmos direitos, só que quando estiverem positivados em cartas internacionais e declarações constitucionais.
[2] Declaração dos Direitos do Povo da Virgínia de 1776'e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, respectivamente.
[3] No mesmo sentido asseveram Cappelletti e Garth (2008), Alves e Pimenta (2004, p. 24) e Lenza (2008, p. 34).
[4] A respeito do pensamento de John Locke, Bobbio (2004, p.56) aduz que: "Precisamente partindo de Locke, pode-se compreender como a doutrina dos direitos naturais pressupõe uma concepção individualista da sociedade e, portanto, do Estado, continuamente combatida pela bem mais sólida e antiga concepção organicista, segundo a qual a sociedade é um todo, e o todo está acima das partes".
[5] Acerca do tema, Lenza (2008, p. 29) aduz que "l...] a assistência prestada pelo Estado do bem-estar (Welfare State) ou Estado assistencial não é oferecida como caridade, mas como direito político. Trata-se, portanto, do reflexo das conquistas alcançadas pelos novos atores sociais daquele período histórico, vale lembrar, o grupo”.
Pós-Graduada em Direito Processual Civil para Faculdade Damásio - concluída em 2018; Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC) - concluída em 2010; Analista de Apoio em Direito na Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região (Rondônia e Acre) - 08/2015 até a presente data; Analista de Apoio em Direito na Procuradoria da República no Estado do Acre - 11/2010 até 07/2015; Aprovada no concurso público da Defensoria Pública do Estado de Rondônia, para o cargo de Defensor Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Natália Saab Martins da. O acesso à Justiça na perspectiva das dimensões dos direitos humanos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52342/o-acesso-a-justica-na-perspectiva-das-dimensoes-dos-direitos-humanos. Acesso em: 23 dez 2024.
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