RESUMO: O presente trabalho tem como tema a análise do trabalho escravo no estado do Tocantins, que não e caracterizado por uma simples infração trabalhista, e sim, um crime contra a dignidade da pessoa humana. A presente temática mostra-se relevante, uma vez que no estado do Tocantins existe uma alta reincidência de demandas trabalhistas face ao trabalho escravo.Tem-se como objetivo identificar qual o conceito atual de escravidão, características e com qual frequência esse tipo de “trabalho” vem acontecendo no estado. Bem como destacar os principais projetos no Tocantins como escopo para erradicar a escravidão.
Palavras-chaves: Dignidade da Pessoa Humana; Escravidão; Tocantins; Trabalho Escravo.
ABSTRACT: The present work has as its theme the analysis of slave labor in the state of Tocantins, which is not characterized by a simple labor infraction, but a crime against the dignity of the human person. The present theme is relevant, since in the state of Tocantins there is a high recidivism of labor demands in relation to slave labor. The objective is to identify the current concept of slavery, characteristics and how often this type of “ work “has been happening in the state. As well as highlighting the main projects in Tocantins as a scope to eradicate slavery.
Keywords: Dignity of the Human Person; Slavery; Tocantins; Slave work.
Sumário: 1. Introdução. 2. Síntese histórica. 3. A escravidão contemporânea e sua exploração. 4. O desenvolvimento de instrumentos de controle, prevenção e repressão ao trabalho escravo. 5. Uma breve análise sobre o trabalho escravo no Estado do Tocantins. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Mesmo com leis que defendam o trabalhador e que lhes garantam um trabalho decente, o trabalho análogo ao de escravo continua acontecendo e no estado do Tocantins acontece de forma latente. O indivíduo é obrigado a trabalhar forçadamente em expedientes desgastantes sem possibilidade de deixar o local, limitado de sua liberdade, sem nenhum vínculo empregatício ou anotação em CTPS.
A manutenção do trabalho escravo contemporâneo se dá por meio de dois aspectos: o primeiro deles gira em torno da impunidade de crimes que violam direitos e garantias individuais, aproveitando-se da carência de milhares de brasileiros que, deixam-se enganar por promessas fraudulentas em busca de um emprego, e, no segundo estão os empregadores visando a potencialização dos lucros, que explora essa mão de obra.
O trabalho escravo atualmente pode ter várias características que é facilmente percebível como: ausência de vínculo empregatício, jornada de trabalho exaustiva, ausência de regulamentação, trabalho forçado, condições degradantes, servidão por dívida, acomodação subumana (sem saneamento básico, água potável etc.), alimentação precária, desprezo dos direitos humanos e falta de condição de higiene.
O Tocantins chama atenção por ser um dos estados com mais flagrantes de trabalho escravo no Brasil, e, teve destaque no ranking da lista suja com a quarta colocação, em 2010.
Será objeto do presente artigo uma abordagem do crime de reduzir pessoas à condição análoga a escravo no estado do Tocantins. Para tanto, será apresentando o contexto histórico da evolução e transformação da prática de escravizar pessoas, com a finalidade de situar o assunto no tempo. Posteriormente, ter-se-á uma conceituação do tema abordado, e será apresentada, ainda, a legislação vigente acerca do tema, além de demonstrar as dificuldades enfrentadas para abolir definitivamente a escravidão principalmente no estado.
2. SÍNTESE HISTÓRICA
Para entender o trabalho escravo é necessário estudar a sua história e analisar suas raízes. Assim, podendo aprender com os erros do passado e fazer as mudanças necessárias para o futuro.
A escravidão é perpetrada há muito tempo na história da humanidade e ainda hoje o trabalho em condições análogo ao de escravo e um dos principais problemas nas relações trabalhistas no Brasil.
O trabalho escravo no Brasil foi iniciado com a exploração dos indígenas. A mão de obra indígena era utilizada principalmente nos engenhos de açúcar. Mas foi utilizada por um determinado tempo, somente até a metade do século XVII, o motivo dos índios terem sido escravizados por pouco tempo foi que a maioria não aguentava todo o trabalho e chegaram a morrer em decorrência desse fato, alguns índios se recusavam a trabalhar como escravos e os Jesuítas não eram a favor da escravização dos índios, pois tinha o interesse de catequizá-los.
Já os índios que não conseguiram fugir ou morrer viveram a dualidade da proteção que esmaga: os jesuítas quebraram as correntes de seus punhos, mas ao preço de envolver uma cruz em seus pescoços. Na troca dos deuses, perderam-se as línguas, os cantos, as danças, as crenças e os valores. (VIANA et al. 2008, p.200)
Como os portugueses não tiveram muito sucesso na utilização dos índios como escravos, passaram a usar os negros trazidos em navios negreiros ao Brasil como mão de obra escrava.
Os negros eram usados em diversos tipos de atividades, trabalhavam em casas de família, serviços nas fazendas e na lavoura. Não tinha as condições básicas necessárias para viver e também eram utilizados como mercadorias, poderiam ser vendidos ou trocados.
Os negros, em princípio, submeteram-se ao domínio e desmandos dos senhores de engenho, mas, com passar dos tempos, alguns se rebelavam e fugiam para os quilombos, comunidades essas fortemente vigiadas pelos negros fugitivos, localizadas em matas cerradas, sendo de difícil acesso até para os capitães do mato que os perseguiam. (SIQUEIRA, 2010, p.129)
Mesmo após a abolição da escravatura em 1888 a escravidão continuou de forma muito evidente, mesmo com muitas denúncias na época, não era admitido que no Brasil ainda tivesse trabalho escravo. Na década de 70 surgiram alguns movimentos sociais e assim a luta contra o trabalho escravo foi ganhando mais força.
Somente com a revolução industrial no século XVIII que foi criado o direito do trabalho. A criação foi em decorrência do rápido crescimento do capitalismo, assim fazendo-se necessário a criação de lei específica que assegurasse o direito dos trabalhadores e que também protegesse o interesse dos empregadores. A história do direito do trabalho foi criada por diversos marcos, o doutrinador Mauricio Godinho Delgado destaca um dos mais importantes:
Um desses marcos fundamentais está no “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels, em 1848. Outro dos marcos que muitos autores tendem a enfatizar está, em contrapartida, na Encíclica Católica RerumNovarum, de 1891. Um terceiro marco usualmente considerado relevante pelos autores reside no processo da Primeira Guerra Mundial e seus desdobramentos, como, por exemplo, a formação da OIT — Organização Internacional do Trabalho (1919) e a promulgação da Constituição Alemã de Weimar (1919). ( 2016, p. 98)
Em 1995 o governo brasileiro reconheceu a existência de trabalho escravo no país e, assim, começou a tomar medidas necessárias para erradicá-lo. Algumas das medidas tomadas foram a assinatura de tratados e convenções internacionais se comprometendo a combater o trabalho escravo no país. Algumas das principais convenções foram:
Convenção suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956: ratificadas pelo Brasil em 1966, estabelecem o compromisso de seus signatários de abolir completamente a escravidão em todas as suas formas; Convenção no 29 sobre o Trabalho Forçado ou obrigatório (1930) da OIT: ratificada pelo Brasil em 1957, estabelece que os países signatários se comprometem a abolir a utilização do trabalho forçado ou obrigatório, em todas as suas formas, no mais breve espaço de tempo possível(...)Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de são José da Costa rica) de 1969: ratificada pelo Brasil em 1992, no qual os signatários firmaram um compromisso de repressão à servidão e à escravidão em todas as suas formas (...)Declaração da Conferência das nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Declaração de Estocolmo de 1972, cujo 1º princípio estabelece que: “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna de gozar do bem-estar” (MANUAL DE COMBATE AO TRABALHO EM CONDIÇOES ANÁLOGAS ÁS DE ESCRAVO, p10 )
Alguns fatores pesaram para a criação do direito do trabalho no Brasil, como o compromisso firmado no ano de 1919 com a OIT em seguir leis trabalhistas. Outro fator que teve extrema importância foi o movimento dos operários no início de 1900.
Mas foi com a criação Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 que trouxe um grande um impulso para o direito do trabalho, causando grandes mudanças e trazendo um modelo jurídico brasileiro mais democrático. Essa evolução trazida pela constituição foi de grande importante ao direito do trabalho, pois dava mais visibilidade ao papel da negociação coletiva e ao direito individual de cada pessoa.
Foi a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que trouxe importantes garantias ao combate do trabalho escravo como a garantia da dignidade da pessoa humana, a prevalência dos direitos humanos, os valores sócias do trabalho, a garantia que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante, redução das desigualdades regionais e sociais e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
3. A ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA E SUA EXPLORAÇÃO
Um dos grandes problemas para o estudo do trabalho escravo contemporâneo e a sua conceituação e a definição das suas características, por ser uma prática mascarada e ilícita. O escritor Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, define o Trabalho escravo como:
Aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar a sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral, que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador. (2001, p.16)
Mesmo com passar de todos os anos do surgimento da escravidão, ainda existe a exploração do ser humano. A pessoa é obrigada a trabalhar de forma forçada em expedientes desgastantes sem possibilidade de deixar o local, sem nenhum vínculo empregatício ou anotação na carteira de trabalho e previdência social.
O trabalho realizado em condição análoga à de escravo é ainda um dos principais problemas que assolam as relações de trabalho de nosso país. Como o passar dos anos foram surgindo novas formas de escravizar as pessoas. O autor Sérgio Paulo Moreyra explica sobre o tema:
Como a escravidão, tal como é entendida regularmente, está proibida em basicamente todos os países, surgem formas de dissimulação que causam efeitos talvez menos escandalosos ou ostensivos, mas resultam na prática em formas muito semelhantes. Existem muitas maneiras de impedir que um trabalhador exerça seu direito de escolher um trabalho livremente ou, ainda, que abandone seu emprego quando julgar necessário ou conveniente. O processo mais comum e conhecido é o da “servidão por dívida”, que afeta milhões de trabalhadores no mundo inteiro” (1999 , p.44)
O caminho mais comum que leva a escravidão no Brasil atualmente já e bem conhecido: necessidade, busca de emprego, falta de oportunidade e promessas fraudulentas. Isso não quer dizer que esse é o único caminho que leva à escravidão no Brasil, mas é uma dos mais comuns e utilizados.
O trabalho escravo tem várias características e as mais aceitas pelos estudiosos do tema são: ausência de vínculo empregatício, jornada de trabalho exaustiva, não ser regulamentado por lei, trabalho forçado, condições degradantes, servidão por dívida, acomodação sub-humana, alimentação precária, desprezo dos direitos humanos, falta de condição de higiene.
Não é pacifica a caracterização do trabalho escravo visto que isso envolve diversos fatores e acaba sendo um obstáculo para o combate dessa pratica.O atlas do trabalho escravo no Brasil define quais são as características dos escravos no Brasil atualmente:
É um migrante maranhense, do Norte de Tocantins ou oeste do Piauí, de sexo masculino, analfabeto funcional, que foi levado para as fronteiras móveis da Amazônia, em municípios de criação recente, onde é utilizado principalmente em atividades vinculadas ao desmatamento. (...) trabalho escravo em outras regiões – principalmente no Centro-Oeste e Nordeste - e em outros setores, mas o perfil acima referido é decididamente majoritário. Há, pelo menos, vinte municípios com alto grau de probabilidade de trabalho escravo localizados nas regiões de fronteira na Amazônia brasileira. Nestas áreas, coincidem a queima 13 de madeira para a fabricação do carvão vegetal, as altas taxas de desmatamento, o trabalho pesado de destoca para formação de pastagem e atividades pecuárias nas glebas rurais ocupadas. (2009, p. 12 e 13)
O Brasil tem ganhado um papel de destaque quando o assunto é combater o trabalho escravo, mesmo com a grande incidência no país. Patrícia Trindade Maranhão Costa ressaltou esse ponto em sua obra.
Nos últimos 15 anos, desde a criação, em 1995, de uma comissão interministerial para coordenar ações de combate ao trabalho escravo, o Brasil vem dando respostas ao problema com vigor e determinação. Para isso, foram envolvidas diferentes instituições governamentais, organizações de empregadores e de trabalhadores, organizações da sociedade civil, a mídia, a academia, entre outros. Muitas das medidas tomadas são criativas e únicas, mostrando a necessidade dar passos ousados para lidar com essa severa violação dos direitos humanos, que pode ser difícil de identificar e ainda mais difícil de punir em áreas tão remotas. (2010, p.5)
Segundo Patrícia Trindade Maranhão Costa um dos motivos que o número de trabalho escravo não diminua no Brasil e:
A precária situação econômica pressiona a família que, sem condições de manter todos os membros, transforma a procura por trabalho em outros lugares uma necessidade. Partir não resolve o problema, mas ficar também não ajuda, pois não há oferta de emprego suficiente, sobretudo no meio rural da Região Nordeste, normalmente assolada pela seca. (2010, p. 101).
Além de se identificar o trabalho escravo no campo é possível identificar na cidade. O processo entre os dois são muito parecidos, quase sempre os trabalhadores sendo aliciados com esperança de uma boa oportunidade de emprego e não conseguindo sair do ciclo vicioso que é criado pelo trabalho escravo.
Muitos daqueles que se submetem ao trabalho análogo à escravidão estão nessa situação por causa da busca frenética por lucro do empregador, mas valor social do trabalho exerce um relevante papel que evitar a selvageria do mercado, para que nada sobreponham sobre o direito fundamental da pessoa humana, sobretudo, os direitos do trabalhador.
O aumento da competição e da globalização do mercado é uma das barreiras para o combate do trabalho escravo contemporâneo, pois para muitos empresários se torna um atrativo submeter um trabalhador à condições desumanas para ter um retorno financeiro maior. Esses trabalhadores são obrigados a trabalhar por horas, ter uma produção de larga escala, mesmo nosso modelo normativo não admitindo que seja tirando os direitos básicos do trabalhador e nem a proteção do direito social.
4. O DESENVOLVIMENTO DE INSTRUMENTOS DE CONTROLE, PREVENÇÃO E REPRESSÃO AO TRABALHO ESCRAVO.
No âmbito internacional os esforços para combater o trabalho escravo começaram no século XIX. Em 1926 ocorre a importante convenção sobre o trabalho escravo em Genebra. Nessa convenção foram tomadas importantes medidas para o combate a escravidão no mundo. O artigo primeiro da convenção estabelece:
1º A escravidão é o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade;O tráfico de escravos compreende todo ato de captura, aquisição ou sessão de um indivíduo com o propósito de escravizá-lo; todo ato de aquisição de um escravo com o propósito de vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por meio de venda ou troca, de um escravo adquirido para ser vendido ou trocado; assim como em geral todo ato de comércio ou de transportes de escravos.
No artigo 2º da convenção trata:
As Altas Partes contratantes se comprometem, na medida em que ainda não hajam tomado as necessárias providências, e cada uma no que diz respeito aos territórios colocados sob a sua soberania, jurisdição, proteção, suserania ou tutela:
a) a impedir e reprimir o tráfico de escravos;
b) a promover a abolição completa da escravidão sob todas as suas formas progressivamente e logo que possível.
A lei áurea entrou em vigor no Brasil em 1888, supostamente extinguindo a escravidão, porém a prática ainda ocorre no País. Atualmente o trabalho escravo e considerado um crime grave. A pena prevista na legislação e de dois a oito anos, multa e pena adicional se necessário conforme a previsto na lei.
A crescente globalização no mundo traz mudanças significativas para o sistema capitalista, mas nenhum motivo como o capitalismo ou o crescimento do empreendedorismo pode custar os direitos básicos e os direitos sociais do trabalhador.
A constituição da república federativa do Brasil de 1988 nos seus artigos primeiro, sexto e sétimo traz alguns dos principais direitos que foram adquiridos pelos trabalhadores.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
O artigo sétimo da CRFB traz alguns direitos aos trabalhadores urbanos e rural visando à melhoria da sua condição social como: seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais; gozo de férias anuais remuneradas e aposentadoria.
O artigo 149 do código penal brasileiro trata do tema do trabalho escravo. Mas esse assunto não é tratado no artigo de forma estrita, o artigo também trata da jornada de trabalho exaustiva e das condições degradantes.
É necessário analisar cada caso particular para saber definir quando uma atividade laboral será considerada como trabalho escravo, jornada de trabalho exaustiva ou somente condições degradantes.
Artigo 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalhando, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena- reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem: I- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: I – contra a criança ou adolescente
II – por motivo de preconceito de raça, cor etnia, religião ou origem.
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro amplia o conceito de proteção à dignidade da pessoa humana, acompanhando o processo mundial de proteção a esse princípio. Visto que, submeter uma pessoa ao trabalho escravo fere a dignidade da pessoa humana que é um princípio absoluto constitucional. O autor Ingo Wolfgang Sarlet define o conceito de dignidade da pessoa humana:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos( 2002 , p.62 )
A “lista suja” foi uma ferramenta criada em 2004 para o combate do trabalho escravo, que consiste em uma lista que tem os empregadores que submeteram trabalhadores a condições equiparadas ao trabalho escravo. Reportagem publicada no site oficial do senado brasileiro explica pontos importantes sobre a lista suja:
O Estado brasileiro conta com outra arma poderosa no combate ao trabalho escravo: o Cadastro de Empregadores flagrados utilizando mão de obra em condições análogas à escravidão. Também conhecido como Lista Suja, o cadastro, mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Embora não tenha sido criado por uma lei, mas pela portaria 540 do MTE, de outubro de 2004, o instrumento visa impedir que os proprietários incluídos na Lista Suja recebam financiamentos públicos. Também mancha a credibilidade das empresas e produtores cujos nomes ficam estampados na relação, que pode ser acessada no site do MTE, junto com os CPFs e CNPJs dos infratores, além do número de trabalhadores resgatados em cada propriedade.
Há uma controvérsia em relação à lista suja, para muitos estudiosos ela e supostamente ilegal. Os empregadores alegam que sofrem muito constrangimento quando têm seus dados vinculados a lista suja e que essa vinculação traz grandes perdas financeiras e perdas de clientes. O assunto é tratado pelo Advogado Mateus Bender:
As Portarias do MTE que divulgam as condenações por trabalho escravo foram alvo de muitas críticas pelas empresas, principalmente pela simplicidade do procedimento de defesa que não garantia a apresentação de todos os argumentos de defesa necessários e recursos para combater as alegações da fiscalização do trabalho. Além disso, alegam a ausência de lei que prevê a existência da "lista suja" ou de regras sobre as penalidades e procedimentos administrativos específicos.
Além da Portaria número 504 do Ministério Do Trabalho e Emprego, também foi criada a portaria 1.150 de 18 de novembro de 2003 ministério da integração nacional, que faz uma recomendação aos órgãos financeiros que não forneçam benefícios as pessoas físicas ou jurídicas que estiverem na lista suja. O ministério dos direitos humanos explica também:
É vedado financiamento público a pessoas físicas e jurídicas que são condenadas administrativamente por exploração de trabalho escravo. A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos ao trabalho escravo.
Esta portaria indica que seja encaminhada semestralmente aos bancos administradores dos Fundos Constitucionais de Financiamento, que trabalhem com relação aos Fundos Regionais, relação de empregadores e de propriedades rurais, que submetam trabalhadores à formas degradantes de trabalho ou que os mantenham em condições análogas ao de trabalho escravo.
Quando um empregador submete seu empregado a trabalhos análogos ao de escravo está violando diversas leis e tirando diversos direitos básicos do trabalhador.
Algumas dessas infrações trabalhistas são, por exemplo: Admitir ou manter empregado doméstico sem o respectivo registro eletrônico no Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas – eSocial; admitir empregado que não tem carteira de trabalho e previdência social; não assinar a carteira de trabalho e previdência social do empregado admitido; pagar salário inferior ao salário-mínimo vigente; deixar de depositar mensalmente o percentual referente ao FGTS; deixar de fornecer ao trabalhador equipamentos de proteção individual; manter áreas de vivência que não possuam condições adequadas de conservação e higiene; manter o trabalhador sob condições contrárias as disposições na lei de proteção ao trabalhador; submeter o trabalhador ao regime de trabalho forçado e condições degradantes de trabalho.
Por isso o direito do trabalho promove o controle e a fiscalização das relações de trabalho, pois o capitalismo cada dia mais visa à redução dos custos e sempre quer o maior número de produção.
As leis trabalhistas não têm o objetivo de desestimular o empreendedorismo no Brasil, somente estão garantindo os direitos dos trabalhadores, pois eles são os que estão em uma situação de vulnerabilidade na relação de emprego.
5. UMA BREVE ANÁLISE SOBRE O TRABALHO ESCRAVO NO ESTADO DO TOCANTINS.
O Estado do Tocantins possui uma comissão própria destinada à erradicação do Trabalho Escravo, que foi sancionada pelo Decreto 3.018, de 27 de abril de 2007. ACoetrae/TO tem grande importância pelo papel desenvolvido no estado com grandes iniciativas como campanhas, blitz e algumas audiências públicas, visando cumprir o compromisso de erradicação do trabalho escravo.
No ano de 2016 o estado do Tocantins assinou por intermédio do Coetrae/TO o pacto federativo para a erradicação do trabalho escravo. Além do Tocantins mais quinze estados assinaram esse pacto entre eles o Maranhão, Bahia, Paraíba, Pará, mato grosso do sul etc.
Também foi proposto na Assembléia legislativa do Estado do Tocantins como medida para acabar com trabalho escravo o projeto de lei estadual número 67/2013 que trata sobre a cancelamento da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS), daquelas empresas que façam uso de trabalho escravo, mesmo que indiretamente.
Em 2006 foi sancionada no estado do Tocantins a lei a Lei n. 1.726, de 11 de setembro de 2006 que lei proíbe que o estado faça qualquer vínculo comercial com empresas que tenha algum tipo de envolvimento com o trabalho análogo ao de escravo.
De acordo com o levantamento da cartilha “O Tocantins Contra o Trabalho Escravo – CPT & Parceiros da Comissão Estadual ‘De Olho Aberto’ só em 2001, foram registradas 199 denúncias.
A cartilha divulga que, entre os denunciados na lista suja, de 2002 a outubro de 2010, um dos listados já foi ministro da agricultura, cinco já passaram pelo senado e também um desembargador. Nesse período 0,76% relacionavam-se com a atividade pecuária (serviços de limpeza de pasto, construção de cercas etc.) 10% com lavoura de grão (soja, cana), 8% com carvoaria, 6% com outros serviços.
O Plano Estadual Para A Erradicação Do Trabalho Escravo No Tocantins – PEETE/TO, e um aliado ao combate desta prática no Estado. Assinado pelo então governador, Marcelo Miranda, são propostas para erradicar o trabalho forçado que veio com o objetivo de prevenção, proibindo o elo entre Estado e empresas que realizam a prática do trabalho escravo junto à lei n.1.726, de 11 de setembro de 2006.
Compete a Comissão de Erradicação do Trabalho Escravo do Estado do Tocantins - COETRAE/TO a gestão e monitoramento deste Plano.
O PEETE/TO propõe os seguintes Princípios que devem nortear o seu processo de desenvolvimento e implementação:
a) da Dignidade da Pessoa Humana;
b) da Transversalidade;
c) da Descentralização;
d) da Gestão democrática.
Percebe-se que dentre os objetivos aqui apresentados, o que se tem como escopo é que o ser humano tenha um sadio ambiente de trabalho, e que isso, automaticamente, reflita em sua qualidade de vida como um todo.
Atualmente o Estado conta com o programa Cadastro de Empregadores - “Lista Suja” que e um trabalho conjunto do ministério do Trabalho e Emprego, secretaria de direitos humanos e da presidência da república por intermédio da CONATRAE, foi publicada a portaria interministerial número 2º de 12 de maio de 2011 que por meio dessa lista que e chamada de “lista suja “que faz uma relação de empregadores lista que tenham submetido os trabalhadores a condições subumanas.
A CONATRAE tem sede instalada nos estados de: Tocantins, São Paulo, Rio grande do Sul, Rio de Janeiro,Piauí,Para, Mato Grosso, Maranhão e Bahia.
A CONATRE/TO é composta por diversos órgãos como: Secretaria da Agricultura, Secretaria da Educação, Secretaria da Juventude e dos Esportes, Secretaria da Segurança Pública do Estado, Secretaria do Trabalho e da Assistência Social; Defensoria Pública do Estado do Tocantins, Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins – FAET, Polícia Rodoviária Federal, Procuradoria da República, Tribunal Regional do Trabalho – TRT, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra.
O 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo foi aprovado em 2008 e tem como objetivo:
Escravo foi produzido pela Conatrae – Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e representa uma ampla atualização do primeiro plano. Aprovada em 17 de abril de 2008, esta nova versão incorpora cinco anos de experiência e introduz modificações que decorrem de uma reflexão permanente sobre as distintas frentes de luta contra essa forma brutal de violação dos Direitos Humanos (...)Ainda existem importantes barreiras a superar, com vistas a garantir o cumprimento de todas as metas do plano. O Poder Legislativo detém em suas mãos, neste momento, um instrumento que os especialistas apontam como decisivo para erradicar de vez essa mácula que envergonha o país. Trata-se de aprovar definitivamente a Proposta de Emenda Constitucional 438, que prevê a expropriação e destinação para reforma agrária de todas as terras onde essa vil opressão do trabalho humano seja flagrada. Já aprovada no Senado, a proposta depende apenas de confirmar em segunda votação o resultado positivo já alcançado na primeira votação realizada também na Câmara dos Deputados.
Mesmo com todos esses projetos os números do estado são alarmantes. Entre 2003 – 2012 foram 265 casos denunciados no estado e 5.117 trabalhadores envolvidos. Em 19 de agosto de 2016 aconteceu a audiência pública sobre trabalho escravo contemporâneo para discutir o projeto de lei do senado (PLS) de n° 432/2013, na Assembleia Legislativa em Palmas-TO.
O senador Romero Jucá que foi o criador do projeto de lei, e questionou a caracterização de jornada exaustiva e condições degradantes como crime e tentou procurar outro conceito para tal ato.
O seu projeto estabelece que o descumprimento da legislação trabalhista não possa caracterizar trabalho escravo, pois trabalho escravo seria um termo mais complexo .Segundo o portal Tocantins:
(..)todos os participantes da audiência pública se manifestaram contrários a esse projeto, como o procurador da república, do Ministério Público Federal, Fernando Antônio Oliveira, que considera que a dignidade é o maior bem do ser humano. “Não é a liberdade o principal bem a ser tirado de maneira brusca dos trabalhadores que vivem sob essas condições. O elemento principal da escravidão é atacar a dignidade das pessoas”, declarou. (..) estavam presentes na discussão, a secretária de Estado da Cidadania e Justiça, Gleidy Braga, que é presidente da Coetrae-TO; o deputado estadual José Roberto, autor do requerimento para a realização da audiência e que a presidiu; bem como representantes do Ministério Público Federal (MPF), da Defensoria Pública Estadual (DPE), da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) e da Conatrae, órgão da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, além da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O projeto foi considerado por muitos como um retrocesso na legislação brasileira, mesmo com todos os argumentos trazidos pelo senador Romero Jucá.
6. CONCLUSÃO
Mesmo com todas as leis e projetos para acabar com a escravidão ainda é uma prática muito comum no Brasil. Ofende um dos princípios mais importantes da Constituição Federal, qual seja: o princípio da dignidade humana.
Muitos trabalhadores que são submetidos ao trabalho escravo, e não percebem que o ato é ilegal, vivendo nessa condição por anos sem denunciar o fato às autoridades.
O número de escravos no Brasil e especialmente no Tocantins é alarmante. Mesmo com a abolição da escravatura no Brasil pela Lei Áurea que trouxe aos brasileiros um fio de esperança, ainda é possível dizer que a escravidão nunca foi totalmente abolida no país.
É necessário continuar a luta contra a escravidão no Brasil. Mesmo que perdurem muitos anos é preciso ter a união de diversos poderes para que as medidas sejam eficazes, como a divulgação das leis de forma mais simplificada para atingir toda a população brasileira, projetos que estimulem as empresas e empregadores a seguir as leis trabalhistas, beneficiando o trabalhador e a sociedade.
Como por exemplo: o aumento da fiscalização das leis voltadas para esse tema, fomentar a valorização da agricultura familiar, incentivando as famílias do campo que produz para sua subsistência, no combate à escravidão. A adoção de campanhas de conscientização de que o trabalho escravo é crime. Geração de oportunidades de emprego digno para as pessoas de baixa renda, garantindo todos os seus direitos.
É preciso garantir a toda a sociedade, a efetividade dos direitos básicos, como saúde, educação, moradia, transporte, lazer, segurança assim, dando oportunidades e uma vida de qualidade.
A batalha contra o trabalho escravo é um esforço contínuo e que deve ser conhecido por toda a sociedade. O cidadão deve ter consciência dos seus direitos, ter acesso aos recursos básicos para o seu desenvolvimento social, a população tem que fiscalizar os órgãos públicos e verificar continuamente se cada um está fazendo seu papel.
7. REFERÊNCIAS
ALVES, Rejane de Barros Meireles. escravidão por dívidas nas relações de trabalho rural no Brasil contemporâneo: forma aviltante de exploração do ser humano e violadora de sua dignidade; São Paulo. 2008
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Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Alanna Rodrigues. Uma análise do trabalho escravo no Estado do Tocantins. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52413/uma-analise-do-trabalho-escravo-no-estado-do-tocantins. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
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Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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