LUCIANA AVILA ZANOTELLI
(Orientadora)[1]
RESUMO: O estudo em questão tem como objetivo ressaltar as funções do Tribunal do Júri e a influência da mídia nas decisões do Conselho de Sentença através de pesquisa bibliográfica sobre o tema proposto. Nesta conjuntura, questiona-se: Há influência da repercussão midiática sobre as decisões do Conselho de Sentença? A fim de responder a esta questão descortinamos que a mídia obtém o poder de interferir nessas decisões, provocando reações naqueles diretamente envolvidos com o devido processo legal relacionado ao caso exposto, podendo levar a uma sentença equivocada. Ao noticiar atos judiciais e criminosos, é imprescindível que a objetividade seja praticada pela mídia e os abusos cometidos devem ser reprovados.
PALAVRAS-CHAVE: Mídia; Processo Penal; Tribunal do Júri; Presunção da Inocência.
ABSTRACT: The study in question aims to highlight the functions of the Jury and the influence of the media in the decisions of the Sentencing Council, through a bibliographical research on the proposed theme. At this juncture, the question is: Is there an influence of the media repercussion on the decisions of the Sentencing Council? In order to answer this question, we see that the media obtains the power to interfere in these decisions, provoking reactions in those directly involved with due process of law related to the case, and may lead to a wrong decision. In reporting criminal and judicial acts, it is imperative that objectivity be practiced by the media and the abuses committed should be disapproved.
KEYWORDS: Media; Criminal Proceedings; Jury Court; Presumption of Innocence
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 2.1 A Dignidade da Pessoa Humana como princípio . 2.2 O Princípio da presunção da inocência. 3. TRIBUNAL DO JÚRI. 4. O COMPORTAMENTO DA MÍDIA NOS PROCESSOS PENAIS DE ALTA REPERCUSSÃO. 4.1 A mídia e a liberdade de imprensa. 4.2 Análises de casos penais de alta repercussão na mídia. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
Será fomentado um debate sobre as informações e a publicidade dispensada aos atos processuais, relacionando-as com a progressiva influência exercida sobre a sociedade pelos meios de comunicação de massa, principalmente, quando se referem ao processo penal ou, mais precisamente, ao réu de um delito com ampla repercussão social.
O estudo em questão terá ainda como objetivo geral examinar a perspectiva fornecida pelos veículos de comunicação a eventos que serão sujeitos a tal exposição, e qual o alcance de sua influência no juízo de valor daqueles que compõem o conselho de sentença no Tribunal do Júri.
Segundo Braga (2013), ao desenvolver atividade informativa e dar conhecimento público às reportagens sobre crimes de repercussão, a mídia sensacionalista demonstra falha na imprescindível ética profissional, bem como de consciência garantista, visto que antecipam e provocam a fúria da sociedade, gerando ideias vingativas e de horror.
A mídia se investe do poder de identificar o réu, dar a ele publicidade para torna-lo afamado e invoca os cidadãos para provir uma sentença prévia, sem análise de provas e direito ao contraditório. Mello (2010) questiona se é possível confiar na imparcialidade, racionalidade e bom senso de tal julgamento. Não estaria este ignorando a presunção da inocência caucionada pela Constituição Federal? Que medidas podem ser tomadas para impedir a manipulação do público causada pela mídia?
Segundo o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, bem como de acordo com o Pacto San Jose da Costa Rica, em seu artigo 8º, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos no artigo XI, ninguém será declarado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, tornando-se um limite garantidor ao indiciado por crimes.
Sendo assim, de acordo com o termo presunção de inocência, o suspeito não praticou nenhuma ilicitude, até que o contrário seja provado: o indivíduo não tem como responsabilidade ou obrigação a exposição de sua imagem, tampouco de revelar-se sobre o ato sob o qual está suspeito. Dessa maneira, vê-se que a infração à presunção de inocência é o âmago dos vitupérios da mídia.
Os objetivos específicos estarão restritos a acometer a apreciação da instituição constitucional do Tribunal do Júri; evidenciar a possível falta de autenticidade das informações veiculadas pela mídia; elucidar a existência da presunção da inocência e a dignidade humana, ainda que se contraponham à liberdade de expressão e imprensa; revelar aos leitores a realidade de uma senda imparcial, pré-estabelecida e técnica para que seja possível absolver ou penalizar, refutando que o conselho formador do Júri compareça ao julgamento com a formação antecipada de um juízo de valor.
A escolha do tema justifica-se pela frívola especulação jurídica do valimento dos veículos de comunicação social na composição do juízo de valor daqueles que, no ensejo, serão investidos do poder de julgar, ressaltando que, em maioria, são leigos, e a mídia é uma autêntica doutrinadora de opiniões.
O método a ser utilizado será o estudo de referências bibliográficas voltadas para o tema, bem como a análise dos resultados de casos de alta repercussão midiática no Brasil. O presente artigo divide-se em: introdução; princípios da presunção da inocência e da dignidade da pessoa humana; o tribunal do júri; o comportamento da mídia nos processos penais de alta repercussão; e considerações finais.
2. PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
2.1 A Dignidade da Pessoa Humana como princípio
A distinção da dignidade da pessoa humana advém da consideração do homem como centro do universo jurídico, abrangendo todos os seres humanos, considerados de forma individual, de modo que a ordem jurídica não manifeste efeitos de maneiras distintas ante a dois indivíduos. A dignidade da pessoa humana é princípio balizador não somente do direito e do processo penal, mas sim de todo o ordenamento jurídico e dos próprios Direitos Humanos.
Princípio define-se como um preceito central de um sistema, sendo pilar essencial do mesmo, disposto fundamentalmente e transmitido sobre normas distintas a fim de servir de critério para seu exato entendimento, por definir a racionalidade e lógica do sistema de normas, no que confere a ideia principal e dar-lhe sentido coerente. (MELLO, 1986)
O princípio da dignidade da pessoa humana preconiza uma obrigação de continência e de procedimentos positivos com tendências a perfazer e proteger a pessoa humana. O Estado tem o dever de respeitar, proteger e fomentar os requisitos que possibilitam a vida com dignidade.
Visto que a valorização da pessoa humana é concebida para o Direito e a estrutura organizacional do Estado como sendo uma razão fundamental, a dignidade da pessoa humana permanece no núcleo da ordem jurídica no Brasil. Esta, sendo considerada um dos alicerces fundamentais da organização do Estado brasileiro, foi elevada pelo legislador constituinte ao nível de princípio fundamental da República Federativa do Brasil e, consequentemente, do Estado Democrático de Direito, sendo previsto no art. 1º, inciso III da Constituição de 1988. (AFONSO, 2000)
O princípio da dignidade da pessoa humana contraiu universalidade assim que foi enunciado no preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...). Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)
Consequente, foi proclamado em seu artigo 1º que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e dignidade, devendo agir uns para com os outros em espírito e fraternidade, munidos de consciência e razão”. Assim a dignidade pautara as relações humanas como um todo, sendo parte do núcleo essencial de toda pessoa.
A peculiaridade da dignidade da pessoa humana é tal que possui, simultaneamente, caráter de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que inspiram a ordem jurídica, de acordo com Silva (1998). No entanto, pode-se afirmar que ao instituí-la como fundamento da República Federativa do Brasil estabelecida em Estado Democrático de Direito, a Constituição dá-lhe algo mais além. O fato de ser um fundamento implica que se institui em um valor supremo, em um valor basilar da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Desta maneira, torna-se um princípio não só de ordem jurídica, mas, outrossim, de ordem política, social, econômica e cultural, implicando em seu caráter de valor supremo, visto que pertence basilarmente a toda vida da nação e do mundo.
Mendes (2008) é defensor de que a intuição de que os préstimos mais relevantes do homem em sua existência valem estar protegidos em documento jurídico com influência vinculativa máxima e a gratulação da Constituição como norma suprema do ordenamento jurídico, seguem unidos no tempo, incólume às maiorias determinadas no calor de momentos contrários ao respeito devido à humanidade.
No Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana, em que se pondere o alto nível de irresolução, estabelece juízo para associação da ordem constitucional, dedicando-se para gratulação de direitos fundamentais anômalos e, logo, as presunções primordiais à vida humana caucionam-se como direitos fundamentais.
2.2 O Princípio da presunção da inocência
O princípio da Presunção de Inocência é um dos princípios de base do Direito, sendo dirigente por defender a liberdade dos sujeitos, estando previsto pelo art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, onde se lê: “ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória”. Toda e qualquer legislação infraconstitucional deve haurir e acatar tal princípio, considerando que a Constituição Federal é a lei suprema brasileira. (SOUZA, 2011)
Segundo Silva (2016), esta é uma garantia conjecturada na relação de direitos e garantias do cidadão na CF, sendo basilar para o devido processo legal que cauciona ao réu um julgamento justo e perfunctória execução de pena após o trânsito em julgado de inapelável decisão.
De acordo com Souza (2011), o Estado brasileiro possui o direito-dever, bem como o interesse, em apenar indivíduos que ajam em desconformidade com a lei, sendo possível que uma sanção seja estabelecida para os mesmos. Entretanto, este direito do Estado necessita estar em consonância com o respeito à liberdade pessoal, sendo este um bem jurídico não passível de privação, senão conforme a lei. Sendo assim, o autor afirma ainda que frente ao cometimento de uma ilicitude, é necessário que o Estado respeite o suposto responsável pela mesma para que lhe inflija pena, assegurando-lhe todas as garantias previstas na Constituição Federal, e possibilitando sua defesa, sem que sua liberdade seja cerceada. Portanto, o réu será considerado inocente enquanto não decorrer sentença transitada em julgado proveniente de um devido processo legal onde o Estado fundamente a culpabilidade.
Silva (2016) ressalta que houve um conflito doutrinário relativo à forma como o princípio foi explanado em nossa Constituição, supondo que o texto abarcaria a não-culpabilidade e não a presunção de inocência em vias de regra. Analisando de maneira literal, a não-culpabilidade revelada no texto constitucional conferiria uma redação negativa, visto que não asseguraria que o cidadão fosse considerado inocente, mas apenas como não-culpado até que a instrução processual se findasse. No entanto, o Brasil validou a Convenção de San José da Costa Rica, que literalmente assegura a presunção de inocência e, conforme interpretação proveniente do texto constitucional, o acordo internacional que trata sobre direitos humanos tem força de norma infra-constitucional e supra-legal.
Em sua tese, Moraes (2010) explica que a presunção de inocência pode ser interpretada como garantia política, como regra de julgamento em caso de dúvida, bem como, regra de tratamento do réu no decorrer do processo judicial. No entanto, como regra de julgamento, a presunção da inocência caracteriza-se com resultado in dubio pro reo, consistente em aforar o acusado sempre que não gerarem provas hábeis a manter decreto condenatório após o trâmite instrutivo processual, ou, na existência de provas, ainda exista dúvida plausível relacionada a lavra ou a materialidade do fato pretensamente típico.
Dessa forma, o referido princípio confirma que o estado de inocência só pode ser afastado com a condenação decretada por autoridade abalizada, em decisão transitada em julgado ou inapelável, proferida em tribunal válido e em conformidade com a legislação vigente no país, ou seja, qualquer ato de terceira pessoa (ou pessoas), que no caso do presente trabalho seriam os operadores midiáticos, que fira tal princípio não só é ilegal, mas fere frontalmente as bases do direito penal e do Estado Democrático de Direito.
3. TRIBUNAL DO JÚRI
A figura do Tribunal do Júri tem uma extensa história que se desenrolou no decorrer das épocas, com certas particularidades em cada nação, observando, no entanto, ordinariamente uma prática similar na qual são reunidos julgadores magistrados e julgadores imperitos com o intuito de desenvolver o desenlace de processos dotados de relevante seriedade bem como alta repercussão no meio social.
No Estado brasileiro, o Tribunal do Júri foi criado em 1822, segundo Hagemann (2011), estando atualmente previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, e compõe-se, de acordo com o artigo 447 do Código de Processo Penal, de “[...] 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento”, e é incumbido de comprovar ou contraditar a realidade de uma ilicitude controvertido a um sujeito. (BRASIL, 2017).
A finalidade do Tribunal do Júri é a de “ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando-se como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares”, segundo Capez (2009). Assim é preciso notar que além do direito de ser julgado por seus pares em crimes dolosos contra a vida constituir (ou dever constituir) uma ampliação da possibilidade de defesa do réu, a própria Constituição Federal em seu art 5º XXXVIII, ao prever a plenitude de defesa nos procedimentos sujeitos o julgamento pelo tribunal do Júri vem igualmente confirmar tal finalidade. Assim parece que a distorção de tais garantias em função da liberdade de informação, seria uma séria violação ao próprio instituto do Tribunal do Júri.
O Tribunal do Júri tem sua previsão e regulamentação tanto no Código de Processo Penal (CPP), quanto na Constituição Federal (CF). Enquanto o CPP traz sua organização interna e procedimento, prevendo inclusive a existência de duas fases, uma de formação da culpa e outra para o procedimento de plenário propriamente dito, a composição do conselho de sentença, as possibilidades de afastamentos de jurados, entre outros, a CF traz a competência exclusiva para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, e ainda a plenitude de defesa (que seria a maior e mais completa defesa possível do réu, diferente da ampla defesa – que possibilita somente a existência de defesa técnica), o sigilo das votações e, por fim a soberania dos vereditos (LOPES JUNIOR, 2018). Nesta última previsão reside a questão central do presente trabalho, pois, sendo os vereditos soberanos, caso haja distorção da percepção dos jurados provocada por terceiro, alheio ao processo (no caso a mídia), há como se dizer que o justo julgamento foi dado?
Ainda, segundo a legislação processual penal, é exigido dos jurados idoneidade moral notória, sendo que os mesmos serão apurados do meio comunitário onde o crime doloso tenha ocorrido. Para servir a tal função, o alistado necessita possuir mais de dezoito anos, sendo isentos quando maiores de setenta anos, nesse caso, tendo sua participação facultada.
A sentença cabe ao juiz, como está definido no Código de Processo Penal em seu artigo 492. Apesar do nome, não compete aos jurados a lavratura da mesma.
Após a redação da Carta Magna de 1988, o Tribunal do Júri passou a possuir como princípios constitucionais de base: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgar crimes dolosos contra a vida, segundo Gomes (2015).
É preciso esclarecer que a plenitude da defesa consiste em um elemento intrínseco da sistemática do Júri, que demonstra a necessidade de que a defesa faça uso de todos os instrumentos legais existentes para que o réu possa ser absolvido. Já o sigilo das votações tem como objetivo impedir que a divulgação do caso tenha influência na isenção e independência dos jurados no momento do voto, para que interesses duvidosos não os leve a uma decisão injusta, enquanto a soberania dos veredictos ressalta a relevância das decisões do Júri, impedindo que estas sejam modificadas por um Tribunal ad quem, tendo por base assegurar que o que for decidido pelo povo permaneça. (NUCCI, 2013)
Considerando que os jurados são cidadãos antes mesmo de exercerem o dever cívico, estes já manifestaram suas opiniões no decorrer de discussões realizadas em seu meio social e instigados pela mídia, influenciando-se pelas afirmações de terceiros. Diante disso, no artigo 427, caput, do Código de Processo Penal, o legislador anteviu a possibilidade de desaforamento, podendo este ser aplicado nas situações em que a imparcialidade do júri é questionada. No entanto, alguns casos de homicídio geram publicidade exacerbada, o que torna a mudança de comarca do julgamento insuficiente.
Apenas nos crimes de repercussão local, o desaforamento é, de fato, eficiente, já que em casos de repercussão nacional o sentimento de revolta da população é disseminado pelas divulgações da imprensa em todo o território brasileiro. Nestas circunstâncias, é sugerido pela doutrina que o processo seja suspenso até que se finde ou reduza o entusiasmo dos veículos midiáticos acerca do caso.
Embora a liberdade de imprensa seja de importância indiscutível para a garantia da democracia, ainda não pode ter prioridade absoluta sacrificando a imagem do réu. Dessa maneira, o júri seja talvez o único elemento do poder judiciário capaz de ser alcançável à intervenção da sociedade, fazendo-se necessário seu aperfeiçoamento para que adeque-se à existência da nossa sociedade globalizada e tecnológica.
4. O COMPORTAMENTO DA MÍDIA NOS PROCESSOS PENAIS DE ALTA REPERCUSSÃO
4.1 A mídia e a liberdade de imprensa
Em uma sociedade regida pela democracia, os veículos midiáticos não só tem o poder de informar, mas também de criar debates, interagir com a comunidade, distribuir notícias e elucidar fatos da sociedade, permitindo que o homem, a partir disto, exteriorize suas ideias ao receber informações. Ao passo que o indivíduo se manifesta, desenvolve suas capacidades e contribui com a sociedade, agindo de maneira positiva.
A Lei Fundamental Brasileira preconiza em seu artigo 5º, inciso IX que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” e no artigo 220, que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
A Constituição, tendo em vista o passado recente do Brasil, em que a liberdade de informação era regulada pelo poder instaurado, a chamada censura, buscou garantir que o sagrado direito de informar fosse preservado de forma inconteste, trazendo o mesmo para o rol dos direitos individuais, que por sua vez foram alçados, pelo artigo 60 da CF a cláusulas pétreas. Assim, a constituição expressa manifestadamente a defesa da liberdade na escolha da profissão, da livre manifestação de pensamento e informações, dessa maneira, não há a perspectiva de que a imprensa seja vedada ou reprimida quanto a noticiar algum fato.
As liberdades de expressão e de imprensa, conquistas almejadas de um Estado Democrático, existem também como contraponto da interferência negativa dos veículos midiáticos sobre a presunção da inocência dos réus. Assim como a presunção da inocência, a liberdade de expressão é um princípio constitucional, sendo ambas garantias fundamentais e merecedoras de tutela do ordenamento jurídico em desfavor de descomedimentos do Estado.
Isto posto, verifica-se a existência conflituosa entre as garantias individuais do acusado e a liberdade de expressão, visto que ambos são princípios norteadores do Estado Democrático de Direito. Tal conflito dá-se quando algo é permitido por um princípio e vetado por outro, tratando-se de uma circunstância onde os direitos não podem ser hierarquizados e, portanto, o caso consistente dirá qual deles deve recuar para que o outro permaneça. (MELLO, 2010)
A investigação de um crime e sua respectiva punição são assuntos de interesse da sociedade, visto que sua ocorrência é um acontecimento público. Desta maneira, faz-se também de interesse público a ação dos órgãos encarregados pela consumação do poder do Estado, incluindo o Poder Judiciário, perante a situação supracitada. Considera-se ainda a circunstância de que os policiais, os integrantes do Ministério Público, os Juízes e os funcionários da justiça são agentes públicos e, portanto, suscetíveis à livre crítica popular, desde que sejam referentes aos assuntos pertinentes ao interesse público.
Os sujeitos processuais, em sua maioria, utilizam-se de linguagem técnica jurídica e, muitas vezes, fazem uso de expressões excessivamente pedantescas, enquanto os meios de comunicação de massa desfrutam de maneiras a facilitar o entendimento da sociedade sobre os atos do processo legal.
O papel da imprensa, por conseguinte, é de transmitir os atos processuais de forma simples e clara, fazendo com que alcancem o saber da população, despindo-se da linguagem técnica utilizada pelos sujeitos processuais, ressaltando a linguagem simplória que caracteriza os meios de comunicação social.
Os veículos midiáticos, na ânsia de auferir lucros, fazem uso das informações acerca do fato de maneira sensacionalista, criando shows legítimos e transmutando-o em entretenimento para os cidadãos a que se dirigem, não tendo um rigoroso crivo quanto à seleção das notícias, sem questionar a veracidade dos fatos, visando obter altos índices de audiência, posteriormente convertidos em dinheiro. Ressaltando ainda que, por serem instrumentos de formação da opinião pública, tal postura se torna ainda mais relevante (GOMES, 2015).
De acordo com o aspecto ressaltado por Guareschi (2000), as opiniões sobre os fatos abordados são influenciadas e formadas pelo poder possuído pela mídia. A intervenção da mídia se reflete de maneira negativa, tratando-se das questões penais brasileiras, visto que eventualmente não correspondem à apuração verdadeira dos fatos por meio de inquérito, trazendo prejuízo ao réu.
Considerando que esta informação tenha caráter emergencial, trazendo ela também grande carga de comoção popular, não existe abertura alguma para que o Direito se redima da responsabilidade de limitar os meios de imprensa quanto às suas atividades e clarificar a todos a verdade de que o processo de acusação é de obrigação da Justiça, sendo ele obediente ao devido processo penal e contraditório, não podendo resultar em sanções sintéticas e sem direito à defesa.
Com a popularização dos veículos midiáticos, como a internet e as redes sociais, muitas informações são multiplicadas e disseminadas a todo minuto alcançando os indivíduos de forma assídua. Desta maneira, a chamada “opinião pública” torna-se um resultado da influência da mídia sobre a sociedade como um todo.
Relevando o que vivenciam diariamente, as pessoas atribuem a cada caso o caráter de bom ou mal, não percebendo que são influenciadas pela imprensa ou outras pessoas em seu convívio. Os selecionados para compor o júri são pessoas comuns que possuem todas essas peculiaridades em seu cotidiano, possuindo assim ingerência de opinião sobre o juízo do caso que será debatido em Tribunal. (BARBOSA, 1950)
Mendonça (2013) afirma que as pessoas dão credibilidade ao que é veiculado pela mídia pelo fato de não alcançarem os fatos comprovados por fontes reais. O indivíduo componente do júri condena ou absolve o acusado antes de promover seu voto, munido em seu subconsciente de convicções falsas acerca do caso obtendo a formação de um pré-julgamento. Desse modo, a cobertura aferrada dos veículos de imprensa pode incorrer no decreto da condenação do réu não culpado verdadeiramente.
Em vias de regra, os crimes dolosos contra a vida tem sido atrações para o sensacionalismo midiático, não raramente impelindo o Conselho de Sentença a reforçar a opinião pública em agravo de sua plena convicção. Desta forma, prejudica-se a admoestação citada no art. 466 do Código Processual Penal produzida pelo Juiz aos Jurados: “Em nome da lei, concito-vos a examinar com imparcialidade esta causa e a proferir a vossa decisão, de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça”. (BRASIL, 2017)
Alguns veículos da mídia, investidos com rótulos de “justiceiros”, expõem o nome de suspeitos prováveis, taxando-lhes como réus ou mesmo acusados, ainda que não estejam estes respondendo a um processo. Nestas circunstâncias, o cidadão percebe-se apontado como culpado pelos veículos de comunicação em massa e, ainda que em teoria esteja amparado constitucionalmente pelo princípio da presunção da inocência, resulta sendo exposto e obtendo a maçada em arrostar um Conselho de Sentença enodoado por uma investigação jornalística que nem sempre condiz com a realidade dos fatos apurados, tampouco com os princípios éticos. (PRATES, 2008)
A publicidade do processo em que o acusado possa acompanhar e ter controle sobre os atos, tendo participação ativa e promovendo a tutela de seus direitos por meio do processo legal, é o meio de salvaguardar as mínimas garantias para um processo justo e imaculado. Sob a perspectiva do réu, esta publicidade torna-se uma garantia de regularidade e segurança do procedimento, promovendo o direito à defesa.
Em contrapartida, o réu recebe o estereótipo de criminoso ao passo que é o cerne das notícias, oferecendo a oportunidade da exibição de um espetáculo de punição pública em nome da “justiça”, evitando que o mesmo tenha garantidos seus direitos ao devido processo legal, a ampla defesa e ao princípio da presunção da inocência.
A essência da mídia é informar. De forma geral, a imprensa, sendo impressa ou virtual, é investida do papel fundamental de divulgar todo tipo de informação à sociedade. No entanto, os veículos midiáticos não são meros transmissores de informações. Ao passo que informa, também pratica o ato de formar. Ao inteirar-se de uma informação, o cidadão, de maneira geral, tem a liberdade de formar seu juízo sobre o conteúdo divulgado, altivamente da postura ostentada pelo locutor.
A verdade da mídia muitas vezes não é condizente com a verdade do processo. Os fatos processuais enquanto divulgados pelos veículos midiáticos estão sujeitos à interpretação do jornalista que, buscando uma reportagem que repercuta e lhe traga massiva atenção, não raramente, promove investigações particulares, atuando paralelamente ao judiciário, buscando evidências ou elementos que, de alguma maneira, interfiram no andamento processual.
Assim sendo, é possível perceber que, através de um processo de racionalização, a mídia atua de maneira ideológica ao, segundo Thompson (2011), construir “uma cadeia de raciocínio que procura defender, ou justificar, um conjunto de relações ou instituições sociais, e com isso persuadir uma audiência de que isso é digno de apoio”. O autor ressalta ainda que os veículos de comunicação agem ideologicamente utilizando-se do recurso da narrativização, onde as premissas de autenticação “estão inseridas em histórias que contam o passado e tratam o presente como parte de uma tradição eterna e aceitável”.
A força da imprensa é notável em tudo que divulga e tudo o que emudece. No que se diz respeito à esparzir ideias também é eficaz, tendo o elementar intuito de fazer parecer que vivemos no mundo estampado nas capas de revistas, nos programas de televisão, e na tela de computador ou celular.
4.2 Análises de casos penais de alta repercussão na mídia
O comportamento da mídia pode comprometer as garantias fundamentais e invioláveis dos cidadãos enquanto torna públicos os acusados em crimes de grande repercussão, de modo que influencie as opiniões dos populares que, por meio do Tribunal do Júri, tem o poder de decidir o desfecho do processo baseados em referências ofertadas pelos veículos de comunicação.
Para fins demonstrativos, é relevante mencionar um dos casos reais em que o obstinado desempenho da mídia tornou os fatos ocorridos em um caso de repercussão em todo o território brasileiro, comovendo a sociedade a ponto de que esta se manifestasse de forma geral.
No dia 29 de março de 2008, após ter sido defenestrada da janela do sexto andar do edifício London, em São Paulo, uma menina de cinco anos foi encontrada morta. A mídia divulgou o homicídio de Isabela Nardoni, apontando como coautores do crime Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, pai e madrasta da vítima, tendo grande repercussão nacional devido às evidências encontradas no local do ocorrido.
A notícia tomou grandes proporções, sendo massivamente citada em diversos veículos midiáticos, onde eram transmitidas simulações do evento, bem como, opiniões de especialistas e leigos, como na revista ISTO É [2], em que intitularam a notícia como “A morte inaceitável de Isabella” e reproduzia cartas amáveis dos réus à vítima. Tudo isto acabou convergindo no acontecimento do dia 07 de maio, onde o Juiz de Direito do II Tribunal do Júri da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, após ter a denúncia apresentada pelo Promotor de Justiça Francisco Cembranelli, decretou a prisão preventiva dos suspeitos utilizando como fundamento a garantida da ordem pública.
No entanto, a doutrina ressalta que prisão preventiva decretada com base nesse fundamento deve-se quando tem por objetivo evitar que o agente possa agir de forma delinquente durante a persecução criminal, arriscando a paz no meio social.
Em 31 de outubro do referido ano, o juiz de direito Maurício Fossen proferiu a sentença pronunciando os suspeitos para que se submetessem ao Tribunal do Júri pela prática de crime doloso consumado e triplamente qualificado, conforme a denúncia apresentada pelo Promotor de Justiça.
Por fim, no ano de 2010, o casal acusado foi levado a um julgamento de cinco dias de duração, noticiado continuadamente, como na publicação do ESTADÃO[3] que reproduziu o depoimento de Ana Oliveira, mãe da vítima. A sessão resultou na condenação dos réus, refletindo assim a influência e pressão da mídia acerca do caso, visto que desde o momento em que o ocorrido foi noticiado o casal teria sido rotulado como criminosos de evidente barbárie e covardia.
Outro caso de grande repercussão nacional foi o de Elisa Samúdio, no qual, em julho 2010, o goleiro Bruno Fernandes foi acusado de homicídio e ocultação de cadáver.
Ainda que nenhum vestígio do corpo tenha sido encontrado, gerando dúvidas sobre a morte em si e do modus operanti do crime, a mídia apontou o goleiro como mentor do homicídio, apresentando detalhes da decorrência dos fatos e até mesmo do suposto destino dado ao cadáver da vítima.
No entanto, Bruno Fernandes foi condenado a 22 anos e 3 meses de prisão, mesmo com a argumentação da defesa de que não havia provas contra o réu e que a condenação de seu cliente estava sendo manobrada pela mídia.
Como contraponto, outro caso com circunstâncias semelhantes ao de Elisa teve outro fechamento. Como relembrado pelo sítio do jornal DIÁRIO DA MANHÃ[4], Claudia Hartleben sumiu inexplicavelmente na noite de 09 de abril de 2015, quando voltava para casa após sair da casa de uma amiga.
O Ministério Público garantiu que as provas mostravam que Claudia havia estado em sua residência naquela noite. Apenas o filho estava em casa, mas este alegou que estava dormindo e não a viu ou ouviu chegar. Várias diligências foram efetuadas pela polícia, resultando na conclusão do MP de que Cláudia teria sido vítima de um crime cometido por pessoas próximas a ela.
O promotor, José Olavo Passos, denunciou o filho de Claudia, João Félix Hartleben Fernandes, e o ex-marido da vítima, João Morato Fernandes, por homicídio qualificado, feminicídio e ocultação de cadáver, mas o juiz entendeu que as provas eram insuficientes e rejeitou o caso. O MP recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) que não acatou o recurso.
As investigações foram retomadas, mas o caso permanece sem solução até o presente momento, devido à falta de algo que comprove a materialidade do crime.
Nota-se diferente tratamento dado a casos com similitudes jurídicas, porém diferenças exponenciais no quesito exposição midiática, fazendo com que seja importante questionar qual o ponto de interferência e qual o papel da mídia como atora no jogo do processo penal.
5. CONCLUSÃO
De um lado está o povo, naturalmente curioso, sôfrego por informações relacionadas aos fatos em seu meio social, tornando a comunicação social uma necessidade existencial para a vida em comunidade, a fim de promover a fácil convivência entre os pares em ambientes diversificados, fazendo-se cumprir sua função como cidadão.
No outro lado encontra-se a mídia, protegida pela operacionalização da liberdade de expressão (a liberdade de imprensa) que foi restituída no país após o período opressor da ditadura militar, tendo a função de noticiar informações ou opiniões sobre acontecimentos de relevância para a sociedade.
É possível concluir que a mídia tem poder determinante em diversos julgamentos criminais onde sua influência prejudica a imparcialidade daqueles que possuem o dever cívico de julgar seus pares.
Em tempos em que a imprensa tem fortes tendências ao sensacionalismo não obstante se preocupando em exercer a função social de informar à sociedade sobre os acontecimentos a sua volta, o resultado evidente é aquele onde as notícias são enfeitadas e suas essências desrespeitadas a fim de ganhar audiência.
É necessário que os interesses sejam medidos para que o processo legal justifique sua existência realizando a justiça, garantindo direitos, comprovando a culpa daqueles que realmente tenham praticado fato típico de ilicitude.
A publicidade dos processos e atos jurídicos em seu decorrer foi criada com a finalidade de garantir um julgamento justo ao réu e controlar a atividade do Poder Judiciário pela sociedade. A utilização desta pelos veículos de mídia de maneira que contrarie essas garantias não deve ser consentida. Não se justifica o processo e a punição delegada ao Estado quando não há justiça. A censura de imprensa não deve existir, no entanto, há a necessidade de que limites e responsabilidades sejam respeitados.
REFERÊNCIAS
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[1] Professora Especialista do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo. [email protected]
[2] “A morte inaceitável de Isabella”. Revista ISTO É, edição nº 2005 de 09 de abril de 2008. Disponível em: https://istoe.com.br/2363_A+MORTE+INACEITAVEL+DE+ISABELLA/
[3] “Mãe emociona o júri e relata: Jatobá disse que tudo foi culpa de Isabella”. O ESTADÃO DE S. PAULO, de 23 de março de 2010. Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,mae-emociona-o-juri-e-relata-jatoba-disse-que-tudo-foi-culpa-de-isabella,527955
[4] “Caso Cláudia Hartleben: três anos e nenhum indiciado”. DIÁRIO DA MANHÃ, de 09 de abril de 2018. Disponível em: http://diariodamanhapelotas.com.br/site/caso-claudia-hartleben-tres-anos-e-nenhum-indiciado/
Acadêmico de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MILHOMEM, Laira Priscila Alves. A influência da mídia no processo penal e Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52423/a-influencia-da-midia-no-processo-penal-e-tribunal-do-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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