RESUMO: As tecnologias na Era da Informação trouxeram inúmeras vantagens aos seus usuários, como a facilidade em comprar, estabelecer contatos, negócios, compartilhar conteúdo e conhecimento, além de uma infinidade de benefícios. No entanto, também se observa que as mesmas ferramentas usadas para dotar as sociedades das benesses da tecnologia, também acabam sendo utilizadas para prejudicar as pessoas, pelo cometimento de ações no ambiente virtual capazes de trazer danos das mais diversas ordens. Algumas dessas condutas são enquadradas como tipos normativos, descritos na legislação. Outras, por um descompasso entre a atividade legislativa e o surgimento de novos delitos, acabam não tendo uma regulamentação adequada para garantir a segurança dos usuários de sistemas informáticos. Por isso, mostra-se urgente e necessário o debate frente à necessidade de consolidação de um Direito Informático, que possa trabalhar de maneira sistêmica, em consonância com a Constituição Federal e as normas penais. Este trabalho visa discutir esta questão, demonstrando o problema social ocasionado pela Era da Informação, passando pelos crimes virtuais e seu tratamento jurídico atual no Brasil, até chegar às perspectivas jurídicas para a questão, o que pode ser feito por meio da formulação e consolidação de um Direito Informático.
PALAVRAS-CHAVE: Era da Informação; Direito Informático; crimes virtuais; regulamentação jurídica.
ABSTRACT: Technologies in the Information Age have brought a number of benefits to its users, such as ease of purchase, networking, business, content and knowledge sharing, and countless benefits. However, it is also observed that the same tools used to endow societies with the benefits of technology also end up being used to harm people by committing actions in the virtual environment capable of bringing damages of the most diverse orders. Some of these behaviors are classified as normative types, described in the legislation. Others, by a natural mismatch between legislative activity and the emergence of new offenses, end up not having adequate regulation to guarantee the security of the users of computer systems. Therefore, it is urgent and necessary to debate the need to consolidate a Computer Law, which can work in a systemic manner, in line with the Federal Constitution and criminal law. This paper aims to discuss this issue, demonstrating the social problem caused by the Information Age, virtual crimes and its current legal treatment in Brazil, until reaching the legal perspectives for the issue, which can be done through the formulation and consolidation of a Computer Law.
KEYWORDS: Information Age; Computer Law; virtual crimes; legal regulation.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Contextualizando a Era da Informação: Conhecimento e Transações Além do Controle Estatal. 3. Crimes Virtuais e Legislação Vigente. 4. Pela Defesa de um Direito Eletrônico. 5. Conclusão. 6. Referências.
INTRODUÇÃO
Ao longo da história da humanidade, pode-se perceber a sua intensa dinâmica, proporcionada pela criatividade dos seres humanos e seu processo de evolução natural, modificando, de tempos em tempos, as suas relações de forma substancial. Desde que ser humano passou a desenvolver novas tecnologias para suprir suas necessidades, desde o primeiro uso da pedra lascada na pré-história, a vida vem se modificando gradativamente pela adoção de ferramentas concebidas para dar maior qualidade de vida às sociedades.
Nos últimos anos, num passado muito recente, desenvolveu-se de forma inédita a tecnologia da informação, em especial pela popularização do uso de computadores e afins, juntamente com o acesso à rede mundial de computadores (internet). Conforme conhecimento geral, a internet trouxe inúmeras vantagens aos usuários, que, utilizando-a, podem acessar conteúdos advindos de qualquer lugar do mundo, bem como comercializar, conhecer pessoas e se comunicar em tempo real, não importante a distância física.
Não obstante, a internet também possibilitou a utilização da rede para fins criminosos, seja na disseminação de conteúdo ilegal, ou mesmo para a prática de delitos no ambiente virtual, o que dificulta em muito a responsabilização por parte do poder público e o combate a tais práticas, devido à dificuldade de identificação e acesso físico aos praticantes deste tipo de delito.
Por este motivo, reputa-se de fundamental importância a compreensão dos crimes em ambiente virtual, do contexto em que se inserem, bem como o status do tratamento normativo da questão e perspectivas para o futuro. Para atender a estes objetivos, o presente texto fará uso do método dialético, demonstrando como a questão se posta frente à realidade, até chegar às possibilidades envolvendo o tema, numa perspectiva crítica.
1 CONTEXTUALIZANDO A ERA DA INFORMAÇÃO: CONHECIMENTO E TRANSAÇÕES ALÉM DO CONTROLE ESTATAL
Analisando-se os registros históricos disponíveis às sociedades, observa-se a existência de diversas formas de comunicação praticadas, desde as pinturas rupestres pré-históricas, as primeiras formas de escrita, até as avançadas redes de intercâmbio de informações observadas atualmente.
A informatização da sociedade é um processo que começa com o advento da escrita, através da qual foi possível ao ser humano artificializar, exteriorizar e virtualizar a memória, o que certamente contribuiu para que a figura humana se sobressaísse frente aos demais seres vivos, num processo que ele denomina como “hominização”. Afinal, esta capacidade de guardar fatos, informações, memórias ou perpetuar histórias é algo encontrado nas sociedades humanas (LÈVY, 2011, p. 38).
De acordo com Theotônio dos Santos (1983, p. 14), o desenvolvimento tecnológico é uma realidade da humanidade, mesmo em períodos anteriores ao capitalismo. No entanto, aduz o autor, que seu ritmo era demasiado lento, de modo que na?o havia uma clara correspondência entre o conhecimento cienti?fico do mundo fi?sico e social e sua aplicac?a?o ao sistema de produc?a?o. Nesse sentido, há que se perceber que as demandas do modelo capitalista nascente via na tecnologia existente até então, uma barreira a ser superada, defendendo-se o progresso científico e a busca por modelos que tornassem possível o incremento de lucros. Deste modo, considerando que na?o seria possi?vel ao capitalista aumentar seus lucros em razão dos limites biolo?gicos do trabalhador, na?o haveria condic?o?es de render o suficiente para o aumento exponencial de lucro esperado.
De acordo com o referido autor, um fator que diferencia o modelo capitalista de outros modos anteriores de produc?a?o esta? na sua necessidade e possibilidade de aplicar os conhecimentos cienti?ficos e tecnolo?gicos a? produc?a?o e aos processos produtivos. De fato, a aplicação desses conhecimentos para incrementar as redes econômicas e, consequentemente, as sociais, ocorre na chamada “Era da Informação”.
Portanto, o termo se relaciona a um processo de longa data. Para sua compreensão é necessário remeter a um momento histórico em que o processo tomou dimensões muito mais aprofundadas, precisamente, no último quarto do Século XX, quando ocorre uma mudança significativa na forma de comunicação. Tal mudança pode ser situada na transição do industrialismo para o pós-industrialismo (RODRIGUES JUNIOR, 2015, p. 16).
A ideia de pós-industrialismo é explicada por Daniel Bell (1974, p. 148-149), segundo o qual é possível pensar a evolução do modelo industrial em três momentos: a) era pré-industrial, caracterizada por ser de base agrária e tradicional; b) a era industrial, apoiada na produção de bens industriais e c) a era pós-industrial, pautada pela ascensão dos serviços e pelo poder exercido por meio da informação. Ou seja, desde que a base de produção econômica mudou para o modelo industrial, com produção em série e massificada, seguem-se várias transformações, com o objetivo de perpetuar a lógica proposta, permitindo ao sistema não apenas a sua manutenção, mas também, o paulatino incremento dos lucros possíveis. A transformação mais relevante para o presente estudo, não obstante, refere-se à constante inovação tecnológica buscada para potencializar os lucros. É neste sentido, que se apresenta o papel da era da informação.
Consoante ao raciocínio apresentado pelos autores trazidos, cada um desses momentos históricos possui uma forte influência da questão econômica, uma vez que as criações tecnológicas são voltadas, predominantemente, ao fortalecimento das redes de comércio, porém, com consequências que vão muito além.
Segundo Manuel Castells (2010, p. 231), o informacionalismo surge como um novo modelo de desenvolvimento que não solapa o modo de produção estabelecido anteriormente, mas o modifica consideravelmente. Ou seja, a busca pelo lucro no modelo capitalista não é afetada, porém, são alteradas as formas e ferramentas como isto é buscado pelas sociedades.
Deste modo, analisa Fritjof Capra (2006, p. 143-144), que a Revolução Industrial originou a sociedade industrial, assim como a Revolução da Informática está dando origem à sociedade da informação, e estabelecendo a ascensão das ligações em rede (networking) como nova forma de organização das atividades humanas, sejam elas econômicas ou sociais. Na perspectiva do autor a Revolução da Informática é o resultado de uma complexa dinâmica de interações tecnológicas e humanas que gerou efeitos sinergéticos em três grandes setores da eletrônica: os computadores, a microeletrônica e as telecomunicações.
Além disso, tanto na Europa e nos Estados Unidos, nas décadas de 60 e 70 não havia somente revoluções de ordem tecnológica, mas também de ordem social. Com isso, observa-se naquele contexto, uma “contracultura” (atitudes irreverentes, forte sentido de comunidade e sofisticação cosmopolita) – o que deu à revolução informática características de informal, aberta, descentralizada e futurista. Estes movimentos, juntamente com a ideia de globalização que passou a ser defendida, influenciaram em muito a formulação de uma nova economia que se movimenta rapidamente pelas redes financeiras internacionais, proporcionadas pelas novas tecnologias informáticas (CAPRA, 2006, p. 146).
Com isto, deve-se destacar que há consequências que se seguem ao fenômeno da globalização, em especial no que tange à distribuição do poder, conforme defende o autor. Segundo sua análise, as funções sociais dominantes organizam-se em redes globais de informação e riqueza, acompanhadas do declínio do Estado como entidade soberana, pois os governos mostram-se incapazes de controlar a política econômica nacional, não podendo mais fornecer as vantagens de um Estado de bem-estar e vinham perdendo a guerra contra a economia globalizada do crime. Nesse sentido, há que se reconhecer uma intensa atividade de tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e violência impiedosa nessas redes, constituindo organizações globais criminosas (CAPRA, 2006, p. 160-161).
Nesse sentido, defende Juan Ramón Capella (2008, p. 317) que está em curso um processo de desregulação jurídica que acompanha uma crise incontestável do poder estatal, pois enquanto o poder econômico ocupa os espaços das redes digitais de comunicação e de transações, o Estado acaba perdendo em soberania, pois nem sempre consegue abarcar o complexo sistema informacional, que, muitas vezes, desenvolve-se fora do seu alcance. Além dessa ausência de ferramentas do Estado para lidar com as novas formas de transações, há ainda a perda de soberania institucionalizada, o que ocorre pela imposição de regras de maneira cada vez mais habitual, advindas de organismos internacionais.
Portanto, há que se ter em mente uma nova situação vivenciada pelas sociedades: a existência de uma rede diferenciada de disseminação de informações, que circulam de forma livre e muitas vezes fogem ao controle do Estado e do Direito, que deve, por definição regular as relações sociais. Como observado, está em curso uma crise do poder estatal, uma vez que muitas dessas relações agora se dão em outros âmbitos (o meio digital), graças à Revolução Informática. Conforme observado, há muitas vantagens neste novo modelo informacional, pois o conhecimento nunca foi tão disseminado e acessado como neste momento. No entanto, esses benefícios também são acompanhados de aspectos negativos, como o uso da rede para cometimento de crimes ou demais condutas prejudiciais aos usuários, o que será analisado na sequência.
2 CRIMES VIRTUAIS E A LEGISLAÇÃO VIGENTE
A possibilidade de estabelecer transações de maneira não-física/ material, é algo característico da Era Informática, trazendo-se a necessidade de um tratamento jurídico para a questão, especialmente quando se trata de atividade delituosa.
Trazendo a discussão para a esfera do Direito Penal, Augusto Rossini (2002) conceitua “delito informático” como:
[...] aquela conduta ti?pica e ili?cita, constitutiva de crime ou contravenc?a?o, dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, praticada por pessoa fi?sica ou juri?dica, com o uso da informa?tica, em ambiente de rede ou fora dele, e que ofenda, direta ou indiretamente, a seguranc?a informa?tica, que tem por elementos a integridade, a disponibilidade a confidencialidade.
Ou seja, o conceito se apropria da ideia jurídica de crime adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, porém, especificando que o seu cometimento é realizado por meio de uso da tecnologia informática. Além disso, incluem-se no conceito aquelas condutas em que não é utilizada necessariamente a internet, ou outra rede, mas os delitos em que se utilizam computadores.
Complementarmente, observa-se a conceituação de Guilherme Guimarães Feliciano (2000, p. 42), segundo o qual, a criminalidade informática corresponde a um fenômeno histórico-sócio-cultural, caracterizado pela ocorrência de ilícitos penais, sejam eles delitos tipificados, crimes e contravenções, tendo por objeto material ou meio de execução, alguma tecnologia informática (hardware, software, redes e etc.).
De acordo com estudos de Emeline Piva Pinheiro (2018, p. 17), “o ambiente virtual proporciona um sentimento de liberdade plena, possibilitando o anonimato (o que é vedado no Brasil pela Constituição Federal, art. 5o, IV), além do acesso sem fronteiras a informações que favorece a prática de crimes”. Para a autora, entre as condutas ilícitas mais comuns no ambiente virtual são os crimes contra a honra, os crimes contra a liberdade individual, crimes contra o patrimônio, crimes contra os costumes e outros.
No que se refere aos crimes contra a honra, destacam-se aqueles relacionados à calúnia[1], difamação[2] e injúria[3] (artigos, 138, 139 e 140 do Código Penal Brasileiro, respectivamente). Tais delitos são muito comuns em redes sociais ou em sites de notícias, blogs e afins, uma vez que nesses canais é possível disseminar a informação criminosa com muito mais facilidade, aumentando potencialmente a possibilidade de dano à vítima, devido à facilidade de acesso por um grande número de pessoas.
Nos crimes que atentam contra a liberdade individual, predominam os crimes de ameaça (artigo 147 do Código Penal), inviolabilidade de correspondência (artigos 151 e 152), divulgação de segredos (artigos 153 e 154) e divulgação de segredos contidos ou não em sistemas de informação ou outros bancos de dados relacionados à Administração Pública (artigo 153, par. 1o-A). No que tange à inviolabilidade de correspondência, há que se aplicar uma interpretação sistêmica e extensiva, pois, se o dispositivo legal cita a comunicação telegráfica ou radioelétrica, bem como as conversações via telefone, havendo-se que incluir, ainda que por analogia, as comunicações pela via da internet. Além disso, o sigilo de informações também é resguardado pela Constituição Federal como direito fundamental expresso no artigo 5o, XII, perfeitamente aplicável em relação às relações em questão.
Quanto aos crimes contra o patrimônio, citam-se os crimes de furto (artigo 155), extorsão (artigo 158), crime de dano (artigo 163) e estelionato (artigo 171), todos previstos no Código Penal Brasileiro, visando a proteção do patrimônio. Tais delitos podem ser cometidos pela manipulação dos dados de maneira fraudulenta, modificando-se dados bancários como senhas e números de acesso com a finalidade de obter vantagem financeira em prejuízo da vítima. Sobre o crime de dano, o autor aduz que um típico exemplo, é a danificação de hardware ou software por meio de vírus informático, trazendo prejuízos a milhares de usuários da rede (PINHEIRO, 2018, p. 20).
Já sobre os crimes contra os costumes, vejam-se o favorecimento à prostituição (artigo 228 do Código Penal) e a pedofilia (artigo 241 da Lei 8.069/90), o que é uma realidade no ambiente virtual, devendo despender o Estado de um aparelhamento e pessoal eficazes para o combate deste tipo de crime, em especial no combate à pedofilia, pela gravidade do dano social que representa.
Não obstante, além dos dispositivos que podem ser considerados como crime informáticos pela via de realização, sem determinação no tipo legal, há também aqueles definidos pelo legislador. No Brasil, recentemente foram tipificados alguns delitos informáticos, por meio da Lei n. 12.737 de 30 de novembro de 2012, que dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos, alterando o Código Penal.
A lei em questão ganhou o apelido de “Lei Carolina Dieckman” em virtude de uma pressão midiática ocasionada depois que a atriz Carolina Dieckman teve seu computador invadido por crakers[4], que se apropriaram de fotos íntimas da atriz e passaram a chantageá-la. Para não divulgar o conteúdo, os criminosos solicitavam da vítima o valor de dez mil reais (R$10.000,00). Por não ceder à chantagem, a atriz teve suas fotos íntimas divulgadas (REIS, 2013, p. 33).
Esta lei acresceu ao artigo 154, o artigo 154-A, referente à divulgação de segredos, com a seguinte redação:
Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Este dispositivo sanou uma lacuna legislativa que poderia ser argumentada para deixar impunes praticantes das condutas definidas. No artigo citado, passa a ser crime a invasão de dispositivo informático alheio, incluindo-se a simples obtenção de dados ou informações, além da sua adulteração ou destruição, além da instalação de dispositivo ou vulnerabilidades (vírus) com o fim de obter vantagens indevidas da vítima.
Complementarmente, o legislador optou por proteger os usuários de recursos informáticos daqueles que pretendem obter vantagens do ilícito informático praticado por terceiros, ainda que apenas oferecendo, distribuindo, vendendo ou difundindo o conteúdo objeto do ato ilícito, conforme aduz a redação legal:
§ 1o Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2o Aumenta-se a pena de um sexto a um terço se da invasão resulta prejuízo econômico.
§ 3o Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.
Além de outros dispositivos constantes na lei, também houve a previsão do crime de falsificação de documento particular, incluindo-se no tipo penal a falsificação de cartão de débito ou crédito para realização de transações indevidas e sem a autorização dos titulares, conforme previsto no artigo 298 do Código Penal em sua nova redação.
Deste modo, as condutas tipificadas pela legislação penal em que é possível incluir os crimes cibernéticos, contam com certa segurança jurídica fornecida pelo ordenamento. No entanto, nem todas as condutas encontram-se tuteladas pelo Direito pátrio, de modo que ainda há uma série de condutas que ainda precisam de maior proteção jurídica por serem caracterizadas por uma elevada periculosidade social e que necessitam ser reprimidas de forma mais efetiva pelo Direito. Assim, pugna-se pelo fortalecimento e consolidação de um Direito Eletrônico.
3 PELA DEFESA DE UM DIREITO ELETRÔNICO
Conforme observado, é inegável que a sociedade e suas tecnologias evoluem num ritmo alarmante, de modo que a cada dia surgem novos dispositivos, programas de computador, aplicativos e demais tecnologias que são absorvidas pelos usuários e passam a ser utilizadas por estes. Com isto, novos formatos de transações e também de crimes acabam surgindo, agregando-se às condutas delitivas já existentes e que seguem sem soluções jurídicas mais específicas.
Um exemplo de problema que ainda pode ser melhorado do ponto de vista jurídico é a disseminação de pornografia não autorizada via internet. Nesse sentido, tem se destacado o que se tem denominado como “pornografia de vingança”, em alusão à expressão em inglês revengeporn, que consiste na divulgação de imagens (fotos ou vídeos) com conteúdo pornográfico pelo parceiro da vítima que, não aceitando separação, ou por outro motivo, faz a divulgação das imagens, com o objetivo de vingar-se do ex-companheiro ou companheira:
O termo consiste em divulgar em sites e redes sociais fotos e vídeos com cenas de intimidade, nudez, sexo à dois ou grupal, sensualidade, orgias ou coisas similares, que, por assim circularem, findam por, inevitavelmente, colocar a pessoa escolhida a sentir-se em situação vexatória e constrangedora diante da sociedade, vez que tais imagens foram utilizadas com um único propósito, e este era promover de forma sagaz e maliciosa a quão terrível e temível vingança. (BURÉGIO, 2015)
Além disso, o número de casos de pornografia de vingança que envolvem menores de idade tem sofrido um acréscimo preocupante. No Brasil foram registrados, apenas no ano de 2015, 224 casos, sendo que 25% das vítimas são de 12 e 17 anos, o que é de extrema gravidade. Na visão de especialistas em psicologia, o adolescente acaba por permitir-se fotografar ou filmar, sem ter a consciência da dimensão que seus atos podem tomar na internet, devido à facilidade de disseminar informações. Os menores, via de regra, não tem condições de avaliar o quanto a troca de fotos pornográficas pode lhe render incômodo futuro e lhes afetar em toda a vida (VARELLA, 2016).
A pornografia de vingança no Brasil, é tratada juridicamente como crime contra a honra, o que acaba muitas vezes trazendo como consequências,somente penas como indenizações ou substitutivas. Por um lado, alguns defendem que as punições cominadas deveriam ser mais gravosas para quem cometem crimes análogos utilizando a internet, dado o poder de alcance da informação na rede, já que as imagens acabam sendo espalhadas sem qualquer limite, afetando gravemente a subjetividade da vítima. Por outro lado, defende-se também que além das penas convencionais, agreguem-se punições alternativas, como medidas socioeducativas que contenham um cunho pedagógico ao invés de penas restritivas de liberdade, já que tais indivíduos, em geral, não são pessoas que representem perigo à sociedade e que precisem ter sua liberdade privada(OLIVEIRA e PAULINO, 2017).
Este é um típico caso em que há necessidade de dispositivos legais específicos, pois a Lei n. 12.737/ 2012, apesar de tratar de delitos informáticos, não contempla este tipo de situação, visto que não se trata de “invasão de dispositivo” e nem de disseminação decorrente deste ato. No caso da pornografia de vingança, as imagens, no geral, são feitas com a anuência da vítima e encontram-se armazenadas no dispositivo de propriedade de quem comete o delito. Deste modo, demonstra-se a necessidade de tratar o tema considerando os aspectos subjetivos em questão, visando coibir tais ações e buscar amenizar o sofrimento da vítima da melhor maneira possível.
Outra questão que também pode ser citada como exemplo de desafio para o Direito Informático é a necessidade de combate às chamadas fakenews. A ideia remete à formulação e disseminação de histórias falsas com aparência de matéria jornalística que são disponibilizadas pela internet com a intenção de obter vantagem, normalmente financeira ou de outra natureza. No Brasil, este debate tem tomado força em virtude da aproximação do período eleitoral, de modo que defensores de um ou outro polo ideológico político, disseminam faltas notícias para afetar indevidamente as ideias das pessoas, podendo inclusive influenciar o resultado das eleições (CARVALHO e KANFFER, 2018).
Portanto, trata-se de uma conduta de extrema gravidade, posto que é capaz de atingir o próprio sentido da democracia e servir de guia para a tomada de decisões políticas dos cidadãos. Assim, há que se ter um devido e sério combate ao problema pela via jurídica.
De acordo com Carvalho e Kanffer (2018):
Esta questão deve ser combatida, observando-se primeiramente a necessidade de salvaguardar os princípios da liberdade de imprensa e de opinião, contidos na Carta Magna (art. 5o, IV e IX, além do art. 220 e seguintes), que não podem ser aviltados e viciados por condutas desta natureza.
Segundo os autores, algumas iniciativas no campo jurídico já estão sendo adotadas em outros países, dando-se o exemplo da União Europeia que sinalizou sua disposição em regulamentar e combater o problema, fazendo o monitoramento das notícias falsas e retirando-as do ar o mais rápido possível, utilizando-se os recursos informáticos disponíveis.Assim, a União Europeia, na visão dos autores, considera que a busca por fontes de informações confiáveis é algo fundamental à democracia e que carece da intervenção do poder político.
É necessária a regulamentação da questão porque nem sempre as fakenews podem ser enquadradas em tipos penais como os delitos contra a honra. Caso não sejam enquadráveis nessas categorias, a prática de tais atos permanece impune, prejudicando a qualidade de informação dos usuários e, em última instância, prejudica até as instituições democráticas.
Por conta de problemas desta natureza, defende-se o fortalecimento e consolidação de um Direito Eletrônico.
A ideia defendida, refere-se a um ramo do Direito que se propõe a tratar esses problemas ocorridos no âmbito digital. Monteiro (2015) demonstra que este ramo que se tem buscado consolidar tem assumido diversas nomenclaturas, tais como Direito da Informática, Direito e Internet, Informática Jurídica, Direito Eletrônico, Direito Digital[5]. No entanto, tem-se utilizado com mais força, no Brasil, o nome “Direito Informático”, devido às influências internacionais: no alemão, usa-se o termo Informatikrecht; nos países de língua hispana Derecho Informático ou Derecho de lãs Nuevas Tecnologías; nos Estados Unidos, Cyber Law ou Computer Law; no francês Droit de l`informatique.
De acordo com Mário Paiva (2018), entende-se como Direito Informático:
Conjunto de normas e instituições jurídicas que pretendem regular aquele uso dos sistemas de computador – como meio e como fim- que podem incidir nos bens jurídicos dos membros da sociedade; as relações derivadas da criação, uso, modificação, alteração e reprodução do software; o comércio eletrônico, e as relações humanas realizadas de maneira sui generis nas redes, em redes ou via internet.
O conceito trazido pelo autor parece interessante, pois se preocupa atém das transações de cunho comercial ou econômico, vindo a contemplar problemas advindos das relações humanas via internet. O autor explica que a autonomia do Direito Informático tem sido ainda discutida no âmbito acadêmico trazendo certas divergências. Segundo ele, no VI Congresso Ibero-americano de Direito e Informática celebrado em Montevidéo, Uruguay, em 1998, a questão foi exposta para discussão a respeito da autonomia do Direito Informático. A partir daquele momento surgiram diferente critérios, pois alguns defendiam que o Direito Informático nunca compreenderia um ramo autônomo do Direito, porquanto dependia em sua essência de outros ramos do Direito. Já, em outro polo de ideias,argumentou-se acerca do Direito Informático como um ramo potencial do direito, devido a sua insuficiência de conteúdo e desenvolvimento, não obstante a relevância dos problemas postos (PAIVA, 2018). Atualmente, no entanto, em discussões atuais, observa-se uma defesa maior da importância em se consolidar este ramo do Direito, devido à complexidade das redes de informação que caracterizam a sociedade atual, expostas no primeiro item deste escrito.
Obviamente, há muitos outros problemas envolvendo Direito e Informática que poderiam ser trazidos para a discussão, pois a criatividade humana em encontrar formas para delinquir não encontra limites. Porém, da análise dos exemplos demonstrados, resta clara a necessidade de consolidação deste novo ramo do Direito, que precisa ser melhor sistematizado pelo estudiosos jurídicos.
CONCLUSÃO
A Era da Informação é uma realidade da qual a humanidade não tem como se escusar. É notável o crescimento da dependência tecnológica das sociedades para movimentar suas relações. Conforme visto, a globalização enquanto um movimento mundial teve como fator principal a necessidade de remover as barreiras econômicas para tornar possível a continuidade de lucros, que se limitava às capacidades humanas. Com o desenvolvimento das tecnologias informáticas, foi possível superar este problema, multiplicando-se as possibilidades de transações pela via de sistemas automatizados, dinamizando a sociedade, mas, ao mesmo tempo, trazendo prejuízos em virtude do mau uso dessas tecnologias.
O presente artigo tratou exatamente desta questão, demonstrando-se de forma geral, como a Era da Informação tem modificado as relações da sociedade e favorecendo o surgimento de novas formas de delitos: os crimes virtuais. Apesar de não haver, no geral, destruído as relações existentes, a Era da Informação constitui-se um fato, fazendo com que tais relações sejam modificadas em sua forma e efeitos. A difamação, por exemplo, antes possível pela via oral, ou pela via da comunicação impressa, hoje é agravada pela existência da internet, através do qual, a informação difamante atinge um número muito maior de pessoas, em poucos segundos, apenas por meio de alguns cliques. O mundo modificou e as relações humanas agora mostram-se muito mais complexas do que outrora.
Na economia também se observam diversas modificações. Com as tecnologias informáticas postas atualmente, observa-se a possibilidade de transações comerciais sem que as partes envolvidas sequer se conheçam ou tenham tido algum contato físico. Não há assinatura de contratos, mas a aceitação dos termos dos negócios pela via digital, através de cliques através dos quais a vontade é manifesta. Com isso, também se observa a possibilidade de fraudes no meio eletrônico, visando vantagens financeiras. Ao mesmo tempo, vê-se a necessidade do Estado de superar este desafio como requisito para recuperar a soberania que é perdida sempre que tais transações escapam à sua capacidade regulatória. Ou seja, se hoje é possível desenvolver relações no ambiente virtual, imprescindível se torna a presença do Estado e do Direito.
Enfim, muitos são os âmbitos de afetação da vida no mundo digital que possuem consequências jurídicas na esfera penal. Porém, como visto, nem todas as condutas delitivas observadas atualmente encontram um tratamento jurídico condizente pelo ordenamento jurídico brasileiro. Apesar de as normas penais atualmente abarcarem parte das condutas em seus tipos penais, deve-se ter em mente que a complexidade dos crimes virtuais exige ações e penalidades específicas, o que poderia advir do fortalecimento e consolidação de um Direito Informático como condição para a segurança jurídica necessária às demandas da contemporaneidade. Enquanto isto não se concretiza de forma satisfatória, cabe tratar as questões postas de maneira sistêmica, observando os direitos fundamentais, amplamente protegidos pelo ordenamento pátrio, e que devem ser considerados na aplicação de penalidades. Assim, será possível caminhar para um tratamento adequado para a questão.
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VARELLA, Gabriela; SOPRANA, Paula. Pornografia de vingança: crime rápido, trauma permanente: Mulheres que viram sua intimidade exposta a milhares de usuários na internet relatam como conseguiram apoio para superar um crime ainda impune. Disponível em: https://epoca.globo.com/vida/experiencias-digitais/noticia/2016/02/pornografia-de-vinganca-crime-rapido-trauma-permanentee.html, 2016.
[1]Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
[2]Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
[3]Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa.(Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
[4]Na linguagem utilizada na internet, trata-se de indivíduos que violam sistemas de segurança de maneira illegal ou sem ética.
[5]Os termos apresentam significados análogos, com exceção do termo “informática juridical que se ocupa com o estudo dos mecanismos materiais eletrônicos aplicados na consecução do Direito, ou seja, a utilidade dos mesmos para a busca de uma justiça mais próxima da realidade e atualidade fornecendo bases físicas que proporcionem ao estudioso alcançar os instrumentos necessários para a proposição e composição de sua pretensão” (PAIVA, 2002, p. 1).
Universidade do Estado do Amazonas (UEA); Mestre em Direito Ambiental (UEA), Especialista em Direito Penal e Processual Penal e Direito Público(ESBAM), Especialista em Direito Penal Militar, Direito Ambiental e Direitos Humanos (UNIASSELVI), Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário (PUC-Minas), Advogado, Professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade do Estado do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOUREIRO, Antonio José Cacheado. Crimes virtuais na era da informação - pela necessidade de um direito informático Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52445/crimes-virtuais-na-era-da-informacao-pela-necessidade-de-um-direito-informatico. Acesso em: 22 dez 2024.
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