LILIANE DE MOURA BORGES[1]
(Orientadora)
RESUMO: Encontra-se pronto para pauta de votação em plenário na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6299/2002, que propõe alterações nos artigos 3º e 9º da Lei Nº 7.802 de 11 de julho de 1989 -a Lei dos Agrotóxicos, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, além de outras providências. O objetivo deste trabalho é analisar os pontos nevrálgicos da regulamentação do uso de agrotóxico presente no projeto de lei, com intuito de alertar para os riscos à saúde humana e ao meio ambiente.
Palavras-chave: agrotóxicos, saúde, meio-ambiente.
ABSTRACT: Draft Bill 6299/2002, which proposes amendments to Articles 3 and 9 of Law No. 7,802 of July 11, 1989 - the Agrochemicals Act, which provides for the research, testing, production, packaging and labeling, transport, storage, marketing, commercial advertising, use, import, export, final destination of waste and packaging, registration, classification, control, inspection and inspection of pesticides, their components and the alikes, and other measures. The objective of this work is to analyze the neuralgic points of the regulation of the use of pesticides present in the proposal of the bill, in order to alert to the risks to human health and the environment.
Keywords: pesticides, health, environment.
O modelo econômico brasileiro é majoritariamente comandado pela produção agrícola, dando origem a um constante conflito entre as práticas que fazem uso de agrotóxicos, incentivadas pelos benefícios na produção, e o direito fundamental a saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma vez que a utilização dos agrotóxicos potencializa a geração de impactos ambientais nas práticas agrícolas (Castor, 2016). Através da Lei 7.802 de 1989, o Brasil procurou regular e prover obstáculos legais ao uso indiscriminado de agrotóxicos. A legislação dá providências desde a pesquisa e experimentação até a inspeção e fiscalização de agrotóxicos e seus componentes. A partir de então, a legislação brasileira tem evoluído a fim de aprimorar a regulação no uso de agrotóxicos no país. Em 2002, o decreto n. 4.074, introduziu modificações na Lei de Agrotóxicos no Brasil com o objetivo de regular melhor o registro e uso desses produtos (Pelaez; Terra e Silva, 2010). Todavia, tramita no Congresso Nacional, entre outros, o Projeto de Lei (PL) nº 6299 apresentado em 13/02/2002 pelo então, senador Blairo Maggi (atual Ministro da Agricultura) que propõe alterações na Lei Nº 7.802/89. A questão do uso de agrotóxico se tornou ainda mais preocupante quando em 2008 foi divulgado que o Brasil havia se tornado o líder do ranking mundial de consumo de agrotóxico.
O objetivo deste trabalho é analisar o texto desse Projeto de Lei, e comparar aos itens da lei que sofrerão alteração. Além disso, verificar os possíveis riscos à saúde e ao meio ambiente caso sejam aprovadas tais alterações. A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa e método dedutivo. A pesquisa bibliográfica foi margeada pela identificação de alguns descritores importantes: agrotóxicos, lei, saúde, meio-ambiente. Foi realizada uma busca sistemática de cada descritor nos principais bancos de dados científicos: a Scientific Electronic Library Online (SciELO), o Google Acadêmico e o Portal de Periódicos da CAPES; selecionando teses, dissertações e artigos científicos, publicados a partir de 2000.
O texto foi dividido em quatro eixos de destaque: no primeiro se procura demonstrar o percurso histórico sobre o uso de agrotóxico no Brasil; no segundo se elabora um traçado sobre a legislação brasileira de uso de agrotóxico e, procurou-se demonstrar os itens de maior discussão e que demonstram retrocesso quanto às conquistas legislativas, no terceiro e quarto os possíveis riscos que tais alterações podem promover quanto à saúde e ao meio ambiente, respectivamente, e por fim, as considerações finais que trazem uma reflexão sobre a possibilidade de desregulamentação da legislação brasileira sobre o uso do agrotóxico, as consequências danosas à saúde humana e ao meio ambiente e o prejuízo ao consumidor caso seja aprovado o “Pacote do Veneno”.
A partir da década de 1940 surge a chamada Revolução Verde, modelo que sustentava o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes na agricultura, e que foi responsável por significativas mudanças no cenário agrícola dos países desenvolvidos. Essa revolução foi também fortemente marcada pelos inovadores processos de mecanização rural e técnicas de irrigação. As inovações que surgiram em decorrência da Revolução Verde melhoraram as condições de garantia da produção agrícola, elevando a produção e diminuindo as margens de risco (Pinotti e Santos, 2013).
Os anos 50, foram importante marco para o avanço mundial na utilização dos agrotóxicos. Com o fim da guerra, as indústrias bélicas e químicas, principalmente, dos Estados Unidos e da Europa voltaram sua produção para os defensivos agrícolas e maquinários de grande porte como tratores e colheitadeiras (Andrades e Ganimi, 2007).
A Revolução Verde chegou ao Brasil na década de 60, durante o período em que o país era regido pelo governo militar. Por conta das características essencialmente agrícolas do país o modelo, vastamente difundido na América do Norte e Europa, impactou fortemente a economia e proporcionou a ampliação da produção de alimentos (Castor, 2016).
Mas foi no transcorrer dos anos de 1970 que o governo brasileiro tomou medidas com objetivo de modernizar a política agrícola no país por meio da adoção da monocultura e do uso intensivo de agrotóxicos. A fim de que a nova demanda fosse atendida isenções fiscais foram concedidas às indústrias químicas formuladoras de agrotóxicos no Brasil (Alves Filho, 2000).
O período de 1974 até os anos 1990 é marcado no Brasil pela busca da potencialização da produção nacional de agrotóxicos. Neste período são estabelecidos o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), e o Plano Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), principais responsáveis pela obtenção de recursos financeiros para a criação de empresas nacionais, proporcionando ao setor acelerado crescimento. Dentre os fatores apontados como estimuladores da expansão no uso dos agrotóxicos neste período, no Brasil, estão: o número elevado de aplicações praticadas por agricultores desinformados; a deficiência do aparato institucional de controle dos produtos; e a expansão das áreas de monocultura (Alves Filho, 2000).
A falta de regulamentação rigorosa e de controle no uso de agrotóxicos no Brasil facilitou a sua disseminação, e ainda a utilização de diversas substâncias tóxicas, inclusive proibidas em outros países. As primeiras barreiras legais que iniciaram a regulamentação no uso dos defensivos no país surgem em 1989 mediante a aprovação da Lei 7.802, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências (Pelaez; Terra e Silva, 2010).
Da perspectiva da produção é importante citar as informações disponibilizadas por Bombardi (2017) nas quais a autora destaca que a agricultura brasileira na perspectiva de sua mundialização tem se consolidado por meio da ampliação de cultivos voltados a transformarem-se em commodities ou agrocombustíveis que demandam intensa utilização de agrotóxicos. Neste contexto é possível compreender a dinâmica da produção agrícola no Brasil, na qual se produz em maior escala preferencialmente aquilo que é exportado, produzindo em menor escala o que é utilizado para a alimentação da população, ou seja, menos lucrativo.
Assim está configurada a lógica da globalização do capital, de acordo com Oliveira, neste sentido, a agricultura tem um papel específico:
(...) a agricultura sob o capitalismo monopolista mundializado, passou a estruturar-se sobre três pilares: na produção de commodities, nas bolsas de mercadorias e de futuro e nos monopólios mundiais. Primeiro, visou transformar toda produção agropecuária, silvicultura e extrativista, em produção de mercadorias para o mercado mundial. Portanto, a produção de alimentos deixou de ser questão estratégica nacional, e, passou a ser mercadoria a ser adquirida no mercado mundial onde quer que ela seja produzida (OLIVEIRA, 2012, p. 6)
Na lógica desta agricultura moderna, há que considerar a supressão de áreas destinadas à produção de alimentos para abastecer a população interna, a expulsão de camponeses de suas terras, bem como a perda de direitos trabalhistas, e não menos grave, a contaminação ambiental pelo uso de agrotóxico, além da intoxicação de trabalhadores rurais e pequenos produtores pelo uso contínuo de agrotóxicos, itens que serão discutidos adiante.
A aprovação da Lei Federal nº 7.802, de julho de 1989, e a seguir sua regulamentação pelo Decreto nº 98.816, publicado em janeiro de 1990, foi uma importante etapa vencida para a organização e força do processo de regulamentação dos agrotóxicos no Brasil, provendo amparo desde o ciclo de produção até a comercialização e uso. Essa Lei substituiu o Decreto Federal nº 24.114, o Regulamento de Defesa Sanitária Vegetal de abril de 1934, que regulava o tema com o auxílio de outras Portarias e Regulamentos Ministeriais. Todavia, essa regulamentação compunha um conjunto complexo e burocratizado (Alves Filho, 2000).
Os principais aspectos regulados pela nova legislação envolviam o estabelecimento de regras mais estruturadas e rigorosas para a concessão de registro aos agrotóxicos, prevendo o registro de novos agrotóxicos mediante a comprovação de que sua ação tóxica sobre o ser humano e o meio ambiente fosse igual ou menor do que a daqueles já registrados, para o mesmo fim; a proibição do registro; a venda apenas por receituário próprio, prescrito por profissionais legalmente habilitados; e até a possibilidade de cancelamento do registro por solicitação de entidades representativas da sociedade civil (Pelaez; Terra e Silva, 2010).
Apesar da evolução no rigor e estrutura da nova Lei, principalmente, quanto ao registro de agrotóxicos e produção, comercialização e uso, os órgãos fiscalizadores dos Ministérios responsáveis não foram munidos com recursos materiais, humanos e financeiros necessários para alcançar os objetivos esperados. Diante da grande extensão territorial brasileira e de suas fronteiras terrestres, o registro e fiscalização das atividades envolvendo agrotóxicos ficou muito aquém do necessário. O avanço da fronteira agrícola seguiu em ritmo acelerado e a fiscalização dos agrotóxicos não conseguiu acompanhar seu crescimento, permitindo assim a sua utilização intensiva, e algumas vezes inadequada, na produção agrícola nacional (Kageyama, 1990).
Nos anos 2000 outros decretos foram sancionados afim de complementar o Decreto 98.816/90, abaixo apresenta-se uma síntese da evolução legislativa ambiental brasileira sobre a utilização de agrotóxicos.
· Ano: 1989, Lei 7.802, Escopo: Lei dos Agrotóxicos, dispôs sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins; e dá outras providências.
· Ano: 1990, Decreto 98.816, Escopo: Regulamentou a Lei 7.802/89, sendo posteriormente revogado pelo Decreto 98.816/1990.
· Ano: 2000, Decreto 3.550, Escopo: Deu nova redação aos dispositivos do Decreto 98.816/1990, sendo posteriormente revogado pelo Decreto 4.074/2002.
· Ano: 2000, Decreto 3.964, Escopo: Altera e inclui dispositivos ao Decreto nº 98.816/1990, sendo posteriormente revogado pelo Decreto 4.074/2002.
· Ano: 2002, Decreto 3.828/2001, Escopo: Altera e inclui dispositivos ao Decreto nº 98.816/1990, sendo posteriormente revogado pelo Decreto 4.074/2002.
Fonte: Adaptado de Marques, Braga Junior e Silva, 2016.
Em 2000 foi criado um grupo para elaborar novo decreto regulamentador da Lei 7.802, em substituição ao de n. 98.816/90, com intuito de solucionar divergências que surgiram contrárias ao Brasil no Mercosul, por conta dos atrasos nacionais na harmonização dos registros necessários à livre circulação dos agrotóxicos no bloco. Uma das demandas principais eram sobre agilizar o sistema de registro. Assim, em 4 de janeiro de 2002, foi publicado o decreto n. 4.074, responsável por introduzir modificações no sistema de registro com a finalidade de adequar a legislação brasileira ao Mercosul e tornar mais ágil o processo de obtenção de registros. Das modificações presentes no decreto a mais significativa foi o estabelecimento do registro para agrotóxicos equivalentes, ou seja, o processo do registro pode ocorrer por meio da comparação de características físico-químicas de determinado produto já registrado com as do candidato à equivalência (Pelaez; Terra e Silva, 2010).
Apesar da preocupação e do esforço em produzir uma regulamentação abrangente a intoxicação por agrotóxicos tem aumentado no país. Segundo o Ministério da Saúde, quase 14 mil pessoas foram vítimas do uso indevido de pesticidas no ano passado. Para cada ocorrência notificada, outras 50 não são registradas, estima a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Em 2017, 13.982 pessoas passaram por situações parecidas, segundo levantamento do Ministério da Saúde. Quantidade ainda maior que os 12.261 casos relatados em 2016 — ano em que 492 pessoas morreram por intoxicação de agrotóxicos, segundo os dados mais recentes da pasta. Esses são apenas os casos que foram notificados. O número pode ser 50 vezes maior, pelas estimativas da Fiocruz[2].
A toxicidade intrínseca dessas substâncias, oferecem grave risco à saúde e ao meio ambiente, em razão disso, exigem cuidado e atenção quanto ao aprimoramento do controle e da restrição ao uso de agrotóxicos. Assim, surgiu o PRONARA – Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – que visa a promoção e ampliação das ações que promovem o desenvolvimento rural sustentável.
A fragilidade e as arbitrariedades da utilização de agrotóxicos no país corroboram ainda mais com a necessidade de implementar políticas de melhorias para os órgãos de controle e fiscalização, contudo, percebe-se uma tendência legislativa contrária, como se depreende da análise das propostas de Projeto de Lei no Congresso Nacional tais como PL 3215/2000, PL 5852/2001, PL 6189/2005, PL 1176/2015 ,3200/2015 e o PL 6299/2002, que é objeto de estudo desse artigo.
O Projeto de Lei nº 6299 de 2002, propõe alterações em alguns artigos da Lei Nº 7.802/89, é de autoria de Blairo Maggi, atual Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Presidente da Amaggi, uma das empresas líderes do Agronegócio na América Latina. O Ministro é considerado um dos maiores produtores individuais de soja do mundo e seu PL foi apresentado em 13/03/2002, propondo alterar os artigos 3º e 9º da Lei 7.802 de 11/07/89. O PL teve como relator o Deputado Luiz Nishimori, cujo parecer foi aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em 25/06/2018 e atualmente está aguardando para pauta no Plenário.[3]
A aprovação do PL flexibilizará ainda mais a comercialização, utilização, armazenamento, transporte, e outros mecanismos que a atual Lei de Agrotóxicos regula. Hoje, os registros de agrotóxicos são coordenados pelos Ministérios da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente, cabendo ao Ministério da Agricultura avaliar o desempenho agronômico do produto, ao Ministério da Saúde avaliar a toxicologia, e, por fim, ao Ministério do Meio Ambiente avaliar os impactos ambientais provenientes do uso. Entre as alterações que o PL propõe está a criação da Comissão Técnica Nacional de Fitossanitário, que teria a função de avaliar a liberação de agrotóxicos, sem a necessidade de passar pela análise dos três órgãos governamentais atualmente responsáveis: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), do Ministério do Meio Ambiente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), ligada ao Ministério da Saúde e, por fim, o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). Além disso, a limitação de atuação dos Estados na regulamentação dos agrotóxicos.
Segundo Friedrich, Souza e Carneiro (2018) a alteração do PL quanto a mudança das competências reguladoras desvaloriza o trabalho de monitoramento realizado pela ANVISA, e lhe impõe atuação secundária de monitoramento de resíduos, inclusive, nas redes atacadistas e varejistas, locais onde o escopo de atuação da agricultura não alcança. Além disso, o PL prevê a centralização de competências de registro, normatização e reavaliação de agrotóxicos no MAPA, delegando a esse Ministério uma série de ações que são de competência estabelecida atualmente para os setores de saúde e de meio ambiente, uma vez que o uso de agrotóxicos afeta não somente a agricultura.
Para os defensores da mudança a legislação retarda a obtenção do registro dos produtos por conta das muitas análises, e diversas vezes os agricultores não dispõem desse tempo em suas plantações no combate a algumas doenças e pragas.
Além disso, a atual legislação se refere a todos os produtos, cuja atuação física, química, ou biológica, alterarem a composição da flora ou da fauna, inclusive desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento pelo nome de “agrotóxicos”. A proposta do PL em seu art. 1º é substituir o termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental”.
Os defensores da alteração alegam que o termo agrotóxico é depreciativo e que sua utilização se restringe ao Brasil. Já as entidades contrárias à mudança afirmam que o objetivo é aumentar a aceitação do uso dos agrotóxicos, por meio da utilização de um nome que causa menos impacto.
Atualmente é proibido o registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios hormonais, e danos ao aparelho reprodutor. O PL prevê proibição apenas em caso de registros de agrotóxicos com as características citadas em caso comprovados cientificamente com risco inaceitável.
Almeida et al. (2017) aponta em sua pesquisa as considerações que esclarecem a impossibilidade de se estabelecer um risco inaceitável, dentre elas inexistência de estudos sobre o efeito da exposição a múltiplas substâncias, e análise dos efeitos de todas as substâncias com ação mutagênica podem ocorrer na prole da população exposta.
Além disso, diversas entidades, como a ANVISA, apontam os prejuízos quanto a adoção dessa ideia, uma vez que uma parte considerável dos produtos constituintes dos agrotóxicos não há definição de limiar de dose, logo o risco de seu uso é sempre inaceitável. Outra ressalva é o fato de todos os produtos proibidos pela Anvisa já são proibidos em diversos lugares do mundo.
Quem defende a aprovação aponta que os avanços das pesquisas e dos conhecimentos técnicos e científicos possibilitam maior segurança na utilização dos produtos e a restrição da margem de divergência nas interpretações quanto ao uso.
Na atual forma da lei, cada ente federativo tem sua contribuição na regulação do uso de agrotóxicos. Cabe a União criar e fiscalizar regras, podendo legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico, bem como controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação, além de analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados.
Compete também aos estados criar leis e fiscalizar, podendo legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno. Os municípios, por sua vez, atuam de forma suplementar legislando sobre o uso e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, uma vez que não haja determinação federal ou estadual sobre o assunto.
No tocante a este assunto o PL altera os poderes estaduais e municipais, minorando sua atuação, e centralizando o poder na União. Logo, os estados seriam impedidos de criar legislações próprias quanto a suas competências anteriores, e na inexistência de diretriz da União essas legislações estaduais teriam caráter suplementar.
Umas das principais preocupações quando a essa alteração é a possibilidade de acontecer um aumento na comercialização de agrotóxicos ilegais e a exposição dos trabalhadores e da população a estes produtos, problemas atualmente combatidos pelas restrições e fiscalização estaduais.
Atualmente, em seu art. 8º a Lei de Agrotóxicos do Brasil determina que propaganda comercial de agrotóxicos, componentes e afins, em qualquer meio de comunicação, conterá, obrigatoriamente, clara advertência sobre os riscos do produto à saúde dos homens, animais e ao meio ambiente. Além disso, deve estimular os compradores e usuários a ler atentamente o rótulo e, se for o caso, o folheto, ou a pedir que alguém os leia para eles, se não souberem ler; e não deve conter nenhuma representação visual de práticas potencialmente perigosas, tais como a manipulação ou aplicação sem equipamento protetor, o uso em proximidade de alimentos ou em presença de crianças.
O Decreto 5.981/2006, passou a determinar um procedimento específico para registro de produtos técnicos equivalentes, afim de facilitar e agilizar o registro de produtos com composição equivalentes a outros já registrados no Brasil. O procedimento conta com a análise e liberação tripla dos órgãos reguladores dos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, atendendo os padrões de equivalência estabelecidos pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
Com a mudança sugerida no PL a avaliação de registros de agrotóxicos genéricos e equivalentes fica exclusivamente à cargo do MAPA, mesmo que essa avaliação tenha que levar em consideração os impactos na saúde humana e no meio ambiente, e não apenas à eficácia agronômica. Esse cenário é possível por conta da retirada da autoridade do IBAMA e da ANVISA, e concessão de centralidade de decisão à CTNFito.
O Quadro 2 a seguir sintetiza os resultados encontrados nessa pesquisa apresentando a comparação entre as determinações da Lei 7.802/89 e do PL 6.299/02.
A seguir, uma síntese mostrando os resultados encontrados nessa pesquisa apresentando a comparação entre as determinações da Lei 7.802/89 e do PL 6.299/02.
· MUDANÇA DO NOME AGROTÓXICO:
ATUALMENTE: Refere-se como "agrotóxico" os produtos, cuja atuação física, química, ou biológica, altera a composição da flora ou da fauna.
PL 6299/02: Substitui o termo “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário e produtos de controle ambiental”.
· Avaliações sobre novos agrotóxicos:
ATUALMENTE: Tripla análise realizada pelo IBAMA, ANVISA e MAPA.
PL 6299/02: Criação do CTNFito, que passa a ter a responsabilidade pela aprovação dos novos agrotóxicos
· Risco a saúde:
ATUALMENTE: Avaliação do risco para fins de registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, que provoquem distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor.
PL 6299/02: Proíbe o registro de produtos que apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente.
· Regras e fiscalização:
ATUALMENTE: Cada ente federativo tem sua contribuição na regulação do uso de agrotóxicos.
PL 6299/02: Altera os poderes estaduais e municipais, minorando sua atuação, e centralizando o poder na União.
· Propaganda de agrotóxicos:
ATUALMENTE: Cada ente federativo tem sua contribuição na regulação do uso de agrotóxicos.
PL 6299/02: Proíbe o registro de produtos que apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente.
· Produtos Genéricos e Equivalentes
ATUALMENTE: Análise e liberação tripla do MAPA, ANVISA e IBAMA, atendendo os padrões de equivalência estabelecidos pela FAO.
PL 6299/02: A avaliação de registros de agrotóxicos genéricos e equivalentes fica exclusivamente à cargo do MAPA.
Segundo Peterke (2009) os Direitos Humanos eram tratados como assuntos de Estado até a Segunda Guerra Mundial, quando as atrocidades nazistas contra os judeus despertaram na comunidade internacional a urgente necessidade de estender esses direitos para o âmbito internacional.
A Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 1945, publicou em 1948 um tratado constitutivo internacional que apresenta os princípios básicos dos Direitos Humanos Internacionais. Diante da pretendida perspectiva universal desses direitos Kälin e Künzli (2005, p. 28) os definem como “[...] a soma dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e coletivos estipulados pelos instrumentos internacionais e regionais e pelo costume internacional”.
A medida que esses Direitos Humanos Internacionais evoluem, tornam-se mais abrangentes as esferas que procuram assegurar. Os chamados direitos de terceira geração, por exemplo, direito de natureza coletiva, essencialmente fundamentados na solidariedade entre os povos, procuram assegurar, entre outros, o direito ao desenvolvimento sustentável ou ao meio ambiente equilibrado (Peterke, 2009).
Na Legislação brasileira é possível notar a evidente relação entre os direitos fundamentais e o meio ambiente, uma vez que a Constituição Federal de 1988 dispõe um capítulo específico para apresentar o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito coletivo fundamental, e diretamente associado à qualidade de vida. Em seu artigo 225 a CRFB apresenta que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Lemes e Paiva, 2014).
Deste modo, todas atividades do país deveriam levar em conta a preservação do meio ambiente, inclusive as econômicas, entendendo que o equilíbrio do meio ambiente deveria ser compreendido como um dos objetivos e valores da própria atividade, garantindo a sua continuidade mediante a manutenção da dignidade humana. Contudo, a grande barreira encontrada para existência desse cenário ideal são os conflitos entre o direito fundamental ao desenvolvimento econômico e o próprio direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Deste modo, entende Castor (2016) que o modelo econômico brasileiro é, atualmente, sustentado pelo agronegócio, onde a utilização de agrotóxicos é fortemente incentivada com o objetivo de aumentar a produção e lucro. Essa realidade permeia o conflito entre as polarizadas práticas do agronegócio atual e as práticas agroecológicas, que propõe a utilização de técnicas de produção agrícola sem agrotóxicos.
Para Ferreira Júnior (2011) o equilíbrio entre as atuais práticas agrícolas, que envolvem a utilização intensiva de agrotóxicos, e a preservação do meio ambiente deve ser dinâmico, procurando mediar seus conflitos na constituição e objetivando garantir efetividade, eficácia e qualidade ao meio ambiente. Segundo Lemes e Paiva (2014) a utilização intensiva de agrotóxicos tem potencial de causar dano não apenas ao meio ambiente e à saúde humana, mas prejudica os recursos ambientais ultrapassando assim o próprio indivíduo, e impactando diretamente a dignidade da pessoa humana.
Deste modo, para alcançar um meio ambiente ecologicamente equilibrado diante da ordem econômica brasileira, é preciso desenvolver e aplicar instrumentos que prestigiem a adoção dos princípios do desenvolvimento sustentável e da responsabilização de danos, caso sejam atestados (Ferreira Júnior, 2011).
O direito à saúde é também um direito fundamental e presente na constituição brasileira para a seguridade da dignidade da pessoa humana. Contudo, no Brasil, a questão do agrotóxico está relacionada à produção agrícola, uma das forças motrizes da economia do país. Essa realidade sublevou o Brasil ao patamar de maior consumidor de agrotóxicos do mundo, em 2012 (Pignati, 2016).
Ainda preleciona o autor que a utilização de agrotóxicos está presente em todas as etapas do agronegócio, produzindo riscos sanitários, ocupacionais e ambientais. Dentre os vários danos e impactos oriundos da cadeia agrícola produtiva do Brasil os de maior relevância para a saúde e ambiente são as poluições e intoxicações, agudas e crônicas, relacionadas aos agrotóxicos.
Segundo Peres, Moreira e Claudio (2007) o alimento ingerido pela população possui altas taxas de agrotóxicos, e o meio ambiente, o solo, os lençóis freáticos e rios estão sendo gradativamente contaminados, situações essas, que ferem, diretamente a legislação e os direitos fundamentais da pessoa humana.
Silva (2001) complementa, que no meio rural essa realidade é ainda mais danosa, pois têm aumentado os casos de intoxicação relacionados ao trabalho do lavrador, configurando um dos principais problemas de saúde pública no meio rural do Brasil.
A saúde constitui um bem público constitucionalmente assegurado, garantido e protegido ao pleno bem-estar coletivo, portanto, na relação de produção agrícola a saúde, como direito fundamental, deve ser assegurada pelos princípios e normas constitucionais e legais. Além disso, a manutenção da saúde deve constituir como dever e responsabilidade, além de inerentes aos Poderes Públicos, à coletividade, ou seja, todos os indivíduos e instituições por determinação constitucional (Custódio, 2001). Ainda preleciona o autor, que o direito à saúde é, portanto, de caráter obrigatório, que por consequência impõe deveres inerentes à contínua vigilância de todos, todavia a coparticipação coletiva na responsabilidade pela seguridade do direito à saúde não exime a comunidade jurídica do país como principal encarregado de defender a Constituição e lutar pela boa aplicação da legislação.
O PL é, não apenas polêmico, como claramente retrógrado quando posto diante das diretrizes da legislação atualmente que procura restringir a utilização e exposição de pessoas aos efeitos dos agrotóxicos. A tentativa de retirada de órgãos que estão diretamente associados à manutenção e proteção da saúde (ANVISA) e do meio ambiente (IBAMA) apenas torna claro a intenção econômica do PL.
Dados os impactos a longo prazo do uso de agrotóxicos a preocupação na flexibilização de seu registro, comercialização e uso não é apenas para a geração presente, mas uma preocupação e um risco à saúde pública das gerações futuras. E um ataque mascarado a direitos fundamentais do ser humano, o direito à saúde e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
ALMEIDA, M. D. et al. A flexibilização da legislação brasileira de agrotóxicos e os riscos à saúde humana: análise do Projeto de Lei no 3.200/2015. Cad. Saúde Pública, v. 33, n. 7, p. 1-11, 2017. Disponível em:< http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00181016 >. Acesso em: 30 set. 2018.
ALVES FILHO, J. P. Receituário agronômico: a construção de um instrumento de apoio à gestão dos agrotóxicos e sua controvérsia. 2000. 235 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2000.
ANDRADES, T. O.; GANIMI, R. N. Revolução Verde e a apropriação capitalista. CES Revista, Juiz de Fora, v. 21, p. 43-56, 2007. Disponível em: < https://www.cesjf.br/revistas/cesrevista/edicoes/2007/revolucao_verde.pdf >. Acesso em: 30 set. 2018.
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[1] Advogada, Mestre em Ciências Ambientais, Docente na Faculdade Serra do Carmo, e-mail: [email protected].
[2] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/08/13/interna-brasil,700105/casos-de-pessoas-intoxicadas-por-agrotoxicos-sobem-no-brasil.shtml
[3] https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=46249#marcacao-conteudo-portal
Graduanda em Direito da Faculdade Serra do Carmo. FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Egídia Cipriano de. Estudo sobre as alterações propostas na lei do agrotóxico: um olhar sobre a saúde e o meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52454/estudo-sobre-as-alteracoes-propostas-na-lei-do-agrotoxico-um-olhar-sobre-a-saude-e-o-meio-ambiente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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