ANDRÉ LIMA CERQUEIRA[1]
(Orientador)
RESUMO: Grande parte da doutrina e jurisprudência entende que tal princípio incide como causa de exclusão da tipicidade material da conduta ilícita que resultar em lesões mínimas e insignificantes ao bem jurídico tutelado. O referido instituto se encontra entre os princípios orientadores da teoria do Direito Penal Mínimo, teoria essa que defende o Direito Penal como a ultima ratio do sistema jurídico, ou seja, deve ser acionado somente quando os outros ramos do direito não obtiverem sucesso no objetivo de sanar as consequências do ilícito. O presente artigo coloca em discussão os entendimentos a respeito da aplicação do princípio da insignificância a partir de decisões dos Tribunais Superiores acerca dos crimes de furto e roubo de bens de pequeno valor.
Palavras-chaves: Princípio. Insignificância. Tipicidade.
ABSTRACT
Much of the doctrine and jurisprudence considers that this principle is a cause of exclusion from the material typical of the unlawful conduct that results in minimal and insignificant injuries to the protected legal interest. This institute is among the guiding principles of the theory of Minimum Criminal Law, which advocates Criminal Law as the ultima ratio of the legal system, that is, it must be activated only when the other branches of law do not succeed in the objective of remedy the consequences of the offense. This article puts into question the understandings regarding the application of the principle of insignificance from decisions of the Higher Courts on the crimes of pilfer and theft of small value legal property.
Keywords: Principle. Insignificance. Typicity.
INTRODUÇÃO
O presente estudo busca colocar em discussão o Princípio da Insignificância, mostrar sua origem e evolução histórica, requisitos e aplicação no âmbito penal nos crimes de furto e roubo. Será analisado tendo como escopo as doutrinas e a jurisprudência dos Tribunais Superiores do Brasil que constituem informações sobre o tema.
Devido ao elevado número de crimes que ocorrem no Brasil e todas a mazelas sociais, a sociedade vive amedrontada e cobra cada vez mais a intervenção do Poder Público para que se obtenha um resultado eficaz no combate à criminalidade. O grande número de delitos leva o país a buscar soluções que dizimem de forma imediata os crimes, que para uma parte da sociedade autoriza o Estado a endurecer a legislação penal e agravar as penas. O agente do delito passa a ser tratado como inimigo e desqualificado como pessoa, tirando-lhe, inclusive, as garantias estatais.
Dentre os vários tipos penais, o furto e o roubo tem grande destaque na estatística criminal. Assim, é de grande importância entender como deve agir o Direito Penal para conter de forma eficaz e justa esse grande número de crimes. Nesse estudo buscamos corroborar para a aplicação de um Direito Penal Mínimo, com o princípio da insignificância agindo sobre os crimes de furto e roubo, orientados também pelos princípios da subsidiariedade, fragmentariedade e intervenção mínima.
A doutrina e a jurisprudência avançaram bastante na aplicação do princípio da insignificância em vários casos concretos. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo que o princípio da insignificância tem a função de restringir a qualificação das condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele protegido, devendo ser aplicado como forma de interpretação que busque a descarcerização e o descongestionamento da Justiça Penal, que deverá ocupar-se das infrações entendidas como mais danosas.
Atualmente a insignificância encontra-se sedimentada nos Tribunais Superiores, exigindo-se para sua aplicação o preenchimento de alguns requisitos que serão abordados em momento oportuno no presente estudo. Porém, apesar de reconhecido comumente no crime de furto, quando exclui a tipicidade material da conduta, não se pode dizer o mesmo do crime de roubo. Nessa análise do Direito Penal Mínimo buscamos analisar as possiblidades de aplicação do princípio da insignificância tanto para o delito do furto quanto para o delito do roubo, com fulcro na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores.
REFERENCIAL TEÓRICO
1 OS PRINCÍPIOS COMO FONTE DO DIREITO E O RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE HUMANA
Os princípios em geral são espécie do gênero normas jurídicas e distinguem-se de outras espécies normativas, em especial as regras.
No dizer de Marinoni, Sarlet e Mitidiero:
Assim, independentemente da existência de outras possibilidades de enquadramento dos princípios quanto à sua condição normativa, é possível, numa primeira aproximação, afirmar que princípios correspondem a normas dotadas de um significativo grau de abstração, vagueza e indeterminação (diversamente das regras, que ostentam caráter mais determinado e menos vago e abstrato, diferença que, baseada no critério da generalidade e abstração, por si só não é suficiente e que tem sido designada de um critério fraco de distinção entre as duas espécies normativas). (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 279).
Os princípios servirão como fonte ao Direito. Assim, o intérprete precisará sempre priorizar um entendimento, qual seja, mais compatível imaginável aos princípios fundamentais, evitando interpretações contraditórias e quando forem constatadas lacunas na esfera infraconsticional, os princípios constitucionais serão utilizados para a sua adequação.
Servindo como orientação para todo o sistema normativo é preciso evidenciar o princípio da insignificância, que integra o primeiro título da Constituição Federal, prevista no art. 1º, III como fundamento do Estado democrático de Direito.
A dignidade humana ganhou grande importância também no plano da literatura e da jurisprudência, uma evolução na percepção de ressaltar a ligação entre dignidade da pessoa humana e os direitos humanos e fundamentais, apesar de não existir na interpretação do progresso histórico do constitucionalismo, um nexo entre eles.
Muitos doutrinadores do Direito reconhecem o princípio da dignidade humana como a origem dos demais princípios do nosso ordenamento jurídico. Como descrito por Guilherme de Souza Nucci:
Segundo nos parece, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana possui dois primas: objetivo e subjetivo. Objetivamente, envolve a garantia de um mínimo existencial ao ser humano, atendendo as suas necessidades vitais básicas, como reconhecido pelo art. 7º, IV, da Constituição, ao cuidar do salário mínimo (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, previdência social). Inexiste dignidade se a pessoa humana não dispuser de condições básicas de vivência. Subjetivamente, cuida-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser humano, desde o nascimento, quando passa a desenvolver sua personalidade, entrelaçando-se em comunidade e merecendo consideração, mormente do Estado. (NUCCI, 2017, p. 127)
Isto posto, é importante ressaltar que várias infrações penais envolvem direitos e garantias fundamentais, tais como a vida, a integridade física, a honra, a intimidade, o patrimônio, a liberdade, entre outros, em que se pode verificar o alcance da dignidade da pessoa humana. Porém, o destaque do tema deve ser no fato de que tanto a vítima de um crime, como o seu autor, têm iguais direitos no tocante à preservação da sua dignidade como pessoas humanas que são.
2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Existem divergências quanto a origem do princípio da insignificância, alguns doutrinadores alegam que já vigorava no Direito Civil Romano, quando se dizia que os juízes e tribunais não deveriam se ocupar com assuntos irrelevantes, entretanto, doutrinadores alemães encontram na situação vivida pela Europa após a Primeira Guerra Mundial e agravada ainda mais pela Segunda Guerra Mundial, em que o número de furtos de bens de pequeno valor aumentou consideravelmente, e foi o ponto de partida para aplicação do instituto. Contudo, Rogério Greco (GRECO, 2011, p. 86 apud TOLEDO, 1994, p. 133) discorre que o princípio da insignificância, também conhecido como de bagatela, introduzido no Direito Penal entre as décadas de 60 e 70, se desenvolveu através dos estudos do jurista alemão Claus Roxin. Todavia, existe divergência quanto a sua origem.
No que diz respeito a origem do princípio aqui estudado, Rogério Greco diz:
Em que pese haver divergência doutrinária quando ás origens do princípio da insignificância, pois que Diomar Akel Filho aduz que “o princípio já vigorava no Direito romano. Onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no borcado mínima non curat pretor”, conforme esclarece Maurício Antônio Ribeiro Lopes, “o princípio da insignificância, ou, como preferem os alemães, a “criminalidade de bagatela” – bagatelledelikte, surge na Europa como problema índole geral e progressivamente crescente a partir da primeira guerra mundial. Ao terminar esta, e em maior medida ao final do segundo confronto bélico mundial, produziu-se, em virtude de circunstâncias socioeconômicas sobejamente conhecidas, um notável aumento de delitos de caráter patrimonial e econômico e, facilmente demonstrável pela própria devastação sofrida pelo continente, quase todos eles marcados pela característica singular de consistirem em subtrações de pequena relevância, daí a primeira nomenclatura doutrinaria de “criminalidade de bagatela”. (GRECO, 2009, p. 85-86).
Os estudiosos do Direito Penal que defendem a intervenção mínima sustentam que a atuação do Estado deve ser vedada se a conduta não foi suficiente para lesar ou pelo menos deixar em perigo o bem jurídico tutelado. O princípio da insignificância limita o poder punitivo do Estado, de tal sorte que faz com que o legislador escolha os bens mais relevantes da nossa sociedade. Como também, deve selecionar aqueles atos que se consideram socialmente apropriados.
Como descrito por Rogério Greco:
Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio –, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor. (GRECO, 2017, p. 143).
Quanto a aplicação da insignificância, há uma grande controvérsia em torno do tema no diz respeito a consideração ou não do real valor do bem, quando houver previsão legal da proteção do bem ferido. Nesse sentido, um parte da doutrina entende que todo bem merece a proteção do Direito, desde que haja previsão legal.
Imaginar que esse entendimento poderia levar a prisão por crime de furto um homem que ao passar por uma prateleira no mercado pega uma uva e a coloca na boca, é algo surreal. Resta claro que não são todos os tipos penais que suportam a aplicação do referido princípio, como por exemplo no crime de homicídio. No entanto, como afirma Rogério Greco (2017, p. 145), existem algumas infrações em que a sua aplicação afastará a injustiça do caso concreto, pois a condenação do agente, simplesmente pela adequação formal do seu comportamento a determinado tipo penal, importará em gritante aberração.
Ainda, de acordo com Janaina Paschoal:
Cumpre consignar que o caráter limitador do bem jurídico fica expresso quando analisados os princípios informadores do Direito Penal Mínimo (subsidiariedade, fragmentariedade e lesividade), segundo os quais nem tudo pode ser considerado bem jurídico penal; mesmo o que pode ser não precisa estar tutelado de todos os tipos de lesão, e apenas as efetivas lesões, ou exposições concretas a perigo, poderão justificar a existência de crime. (PASCHOAL, 2003, p. 48).
A teoria do Direito Penal Mínimo necessita da aplicação do princípio da insignificância em conjunto com outros princípios que servirão de orientação para a construção de uma política criminal que combate o uso do Direito Penal como instrumento de segregação social. A aludida teoria vem ganhando força e adeptos no universo jurídico brasileiro.
Segundo Rodrigo Murad do Prado:
A teoria do direito penal mínimo, ganha mais força e adeptos no universo jurídico brasileiro, mesmo sem previsão legal. Os defensores apontam essa tese como sendo a mais coerente com a realidade social, pois, busca, em síntese, que o Direito Penal proteja tão somente dos os bens necessários e vitais ao convívio em sociedade ou seja, bens esses que, devido a sua extrema relevância, não poderão ser apenas acolhidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico. (PRADO, 2016, p. 42).
Quanto a natureza jurídica, o princípio da insignificância é uma das causas de exclusão da tipicidade existentes no âmbito do Processo Penal. A tipicidade se divide entre formal e material, formal no que diz a correspondência entre o fato praticado e o crime previsto na norma penal e material em relação a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Em suma, a insignificância exclui a tipicidade pela falta de seu aspecto material.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal definiu que para a insignificância ser aplicada é obrigatória a existência dos seguintes requisitos objetivos: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Ademais, é possível perceber a partir de uma análise da jurisprudência majoritária, que na aplicação ao caso concreto, vem sendo observados mais alguns requisitos, inerentes as condições do agente, paralelamente ao mencionados até aqui, como a reincidência, a habitualidade delitiva e a condição de agente militar, além disso, importa também as condições da vítima, como a importância do objeto material, seu valor econômico e sentimental, as circunstâncias e o resultado do crime, são esses os requisitos subjetivos.
Trouxemos um exemplo onde em um de seus julgados o Supremo Tribunal Federal foi bastante claro em relação a não aplicabilidade da insignificância no crime de descaminho quando houver reincidência ou comprovada habitualidade delitiva. Segue em verbis:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPOSTOS NA INICIAL QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO ESTABELECIDO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, COM AS ATUALIZAÇÕES INSTITUÍDAS PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012, AMBAS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. INAPLICABILIDADE AOS CASOS DE REINCIDÊNCIA OU COMPROVADA HABITUALIDADE DELITIVA: ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A agravante apenas reitera os argumentos anteriormente expostos na inicial do habeas corpus, sem, contudo, aduzir novos elementos capazes de afastar as razões expendidas na decisão agravada. II –A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o princípio da insignificância poderá ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações instituídas pelas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, ressalvados os casos de reincidência ou comprovada habitualidade delitiva, que impedirão a aplicação desse princípio, em razão do elevado grau de reprovabilidade da conduta do agente. III – Na espécie, o princípio da insignificância não foi aplicado ao caso concreto, pois, contra à ré, foi reconhecida a habitualidade na prática do crime de descaminho, motivo suficiente para a manutenção dessa decisão, independentemente do valor do tributo sonegado ser inferior ao que determinado pelo art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações instituídas pelas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda. IV - Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, 2018, on-line).
Contudo, é possível encontrar também na jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, casos em que a reincidência genérica foi afastada. Como no acordão que segue abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REINCIDÊNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. A aplicação do Princípio da Insignificância, na linha do que decidido por esta Corte, pressupõe ofensividade mínima da conduta do agente, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão jurídica causada e ausência de periculosidade social. 3. No julgamento conjunto dos HC’s 123.108, 123.533 e 123.734 (Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 01.02.2016) o Plenário desta Corte firmou o entendimento de que, no delito de furto simples, a reincidência não impede, por si só, a possibilidade de atipicidade material. Também foi acolhida a tese de que, afastada a possibilidade de reconhecimento do princípio da insignificância por furto, “eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade”. 4. No caso em análise, trata-se de condenação por crime de furto qualificado de res furtiva de pequena monta em contexto de habitualidade delitiva específica de delitos patrimoniais na localidade. Em termos de sanção, a pena privativa de liberdade foi substituída por restritivas de direito, a denotar a absoluta proporcionalidade entre o agir do agravante e a respectiva resposta penal. 5. Ausentes as hipóteses de flagrante ilegalidade, descabe rever as premissas decisórias encampadas pelas instâncias ordinárias, na medida em que tal proceder pressupõe aprofundado reexame de fatos e provas, providência incompatível com a estreita via do habeas corpus. 6. Agravo regimental desprovido. (STF, 2017, on-line).
Por outro lado, acerca da habitualidade delitiva, o entendimento é majoritário de que não se pode considerar atípica a conduta do criminoso contumaz. O agente habitual é aquele que ao trabalhar em uma loja, todos os dias furta algum item, e assim, ao final de um mês o produto do crime chega a um valor considerado alto.
A aplicação de um princípio que não está normatizado é um fator de política criminal, por isso, é necessário que o operador do Direito tenha flexibilidade para aplica-lo ou não. Conforme explica Cleber Masson em sua obra:
Mais do que um princípio, a insignificância penal é um fator de política criminal. Portanto, é necessário conferir ampla flexibilidade ao operador do Direito para aplica-lo, ou então para negá-lo, sempre levando em conta as peculiaridades do caso concreto. É imprescindível analisar o contexto em que a conduta foi praticada para, ao final, concluir se é oportuna (ou não) a incidência do tipo penal. Este é o motivo pelo qual a jurisprudência muitas vezes apresenta resultados diversos para casos aparentemente semelhantes. (MASSON, 2017, p. 29-30).
A seguir o estudo partirá para uma análise mais aprofundada acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância sobre os crimes de furto e roubo, ambos contra o patrimônio, previstos nos artigos 155 e 157 do Código Penal brasileiro.
3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES DE ROUBO E FURTO
O crime de furto está previsto no Código Penal brasileiro no primeiro capítulo dos crimes contra o patrimônio no artigo 155, que descreve: subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. É preciso dizer que a subtração aqui tratada não pode vir acompanhada de qualquer tipo de violência.
No que diz respeito ao objeto jurídico do crime de furto Fernando Capez afirma:
Tutela-se o patrimônio, não apenas a propriedade, mas também a posse. Em regra, estas se confundem em um mesmo titular, entretanto nada obsta que estejam dissociadas. É o que ocorre, por exemplo, na locação, no usufruto, no penhor. O tipo penal protege diretamente a posse e, indiretamente, a propriedade. A proteção da primeira é proeminente em relação à proteção da propriedade, mas ambas são protegidas pelo Direito Penal. Tutela-se também a mera detenção. Em sentido contrário, entendendo que o tipo penal protege principalmente a propriedade e só acessoriamente a posse, está a corrente liderada por Nélson Hungria, segundo a qual, na subtração da coisa móvel que esteja em poder de possuidor direto, quem, na realidade, tem o seu patrimônio desfalcado é o possuidor indireto, ou seja, o proprietário. (CAPEZ, 2018, p. 331).
Rogério Greco destaca que a subtração não pode ser meramente temporária:
A finalidade de ter a coisa alheia móvel para si ou para outrem é que caracteriza o chamado animus furandi no delito de furto. Não basta a subtração, o arrebatamento meramente temporário, com o objetivo de devolver a coisa alheia móvel logo em seguida. É da essência do delito de furto, portanto, que a subtração ocorra com a finalidade de ter o agente a res furtiva para si ou para outrem. Caso contrário, seu comportamento será considerado um indiferente penal, caracterizando-se aquilo que a doutrina convencionou chamar, em nossa opinião equivocadamente, de furto de uso, cuja análise será levada a efeito mais adiante. (GRECO, 2017, p. 606).
Ainda nas palavras de Rogério Greco que faz uma síntese da classificação doutrinaria, como descrito abaixo:
Crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso; material; de dano; de forma livre (podendo ser praticado, inclusive, através de animais adestrados, ou de inimputáveis que são utilizados como instrumentos pelo agente, que será considerado, nesse último caso, como autor mediato); comissivo (em que pese a possibilidade de ser praticado omissivamente, nos casos em que o agente vier a gozar do status de garantidor); instantâneo (não sendo descartada a hipótese de crime instantâneo de efeitos permanentes se for destruída a res furtiva); permanente (pois que na modalidade de furto de energia elétrica, por exemplo, a consumação se prolonga no tempo, enquanto durar o comportamento do agente); monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte (como regra, pois que será possível, na maioria dos casos, o exame pericial). (GRECO, 2017, p. 610).
O Código Penal brasileiro tipifica várias formas de furto, dentre elas: (a) furto simples, (b) furto noturno, (c) furto privilegiado, (d) furto de energia, (e) furto qualificado, (f) furto de veículo automotor e (g) furto de semovente domesticável de produção.
Para o nosso estudo é de suma importância esclarecer as diferenças entre o furto privilegiado e possibilidade da aplicação do princípio da insignificância. O furto privilegiado é previsto no §2º do artigo 155 do Código Penal brasileiro da seguinte forma:
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. (BRASIL, 1940).
Por conseguinte é possível haver uma certa confusão entre o reconhecimento da modalidade de furto privilegiado e a aplicação do princípio da insignificância para excluir a tipicidade material do fato. Diante disso, encontramos na obra de Fernando Capez o seguinte esclarecimento:
O direito penal não cuida de bagatelas, nem admite tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. Se a finalidade do tipo penal é tutelar bem jurídico, se a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não é possível proceder-se ao enquadramento, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. Tal não se confunde com o furto privilegiado, em que a coisa furtada é de pequeno valor, mas não é de valor insignificante, ínfimo. Somente a coisa de valor ínfimo autoriza a incidência do princípio da insignificância, o qual acarreta a atipicidade da conduta. No furto privilegiado, em que pese a coisa ser de pequeno valor, há um resultado penalmente relevante que tão somente merece um tratamento penal mais benigno, não deixando de configurar crime. (CAPEZ, 2018, p. 344).
Em que pese as divergências doutrinarias o Supremo Tribunal Federal decidiu da seguinte forma no Habeas Corpus de número 84442:
EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO, EM ORDEM A JUSTIFICAR A PENA FIXADA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGINIFICÂNCIA. O princípio da insignificância, vetor interpretativo do tipo penal, é de ser aplicado tendo em conta a realidade brasileira, de modo a evitar que a proteção penal se restrinja aos bens patrimoniais mais valiosos, ordinariamente pertencentes a uma pequena camada da população. A aplicação criteriosa do postulado da insignificância contribui, por um lado, para impedir que a atuação estatal vá além dos limites do razoável no atendimento do interesse público. De outro lado, evita que condutas atentatórias a bens juridicamente protegidos, possivelmente toleradas pelo Estado, afetem a viabilidade da vida em sociedade. O parâmetro para aplicação do princípio da insignificância, de sorte a excluir a incriminação em caso de objeto material de baixo valor, não pode ser exclusivamente o patrimônio da vítima ou o valor do salário mínimo, pena de ensejar a ocorrência de situações absurdas e injustas. No crime de furto, há que se distinguir entre infração de ínfimo e de pequeno valor, para efeito de aplicação da insignificância. Não se discute a incidência do princípio no tocante às infrações ínfimas, devendo-se, entretanto, aplicar-se a figura do furto privilegiado em relação às de pequeno valor. Habeas corpus indeferido. (STF, 2004, on-line).
Por sua vez, o crime de roubo, também previsto no capítulo dos crimes contra o patrimônio do Código Penal brasileiro no artigo 157 descreve o delito de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Com efeito, trata-se de crime complexo, pois é composto por ações que isoladamente constituem crimes, e em virtude disso tutela-se além da posse e propriedade, a integridade física e a liberdade individual.
Como caracteriza Fernando Capez:
O roubo constitui crime complexo, pois é composto por fatos que individualmente constituem crimes. São eles: furto + constrangimento ilegal + lesão corporal leve, quando houver (as vias de fato ficam absorvidas pelo constrangimento ilegal). Em que pesem tais crimes contra a pessoa integrarem o crime de roubo, este foi inserido no capítulo relativo aos crimes patrimoniais, tendo em vista que o escopo final do agente é a subtração patrimonial. (CAPEZ, 2018, p. 355).
Apesar de ser considerado crime grave e ter a possibilidade de afetar não somente o patrimônio, como também a pessoa, o legislador decidiu por inseri-lo entre os crimes contra o patrimônio.
Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha (2017, p. 291 apud NORONHA 1958 p. 161) afirma que “a razão é que a maior ou menor gravidade da ação física do crime, por si só, não o desnatura. Desde o furto simples até ao latrocínio, isto é, desde a forma menos grave até a mais qualificada, todos eles são patrimoniais. Constituem uma escala, cujos graus são dados pela gravidade crescente da ação do delinquente, e pelo dano; porém, na essência, constituem sempre o mesmo delito: furto, isto é, a subtração da cousa alheia móvel. Esta é a finalidade do criminoso, é o fim a que se propõe.”
O roubo se diferencia do furto unicamente pelo emprego de grave ameaça ou violência à pessoa. Na obra do ilustre Rogério Greco vamos encontrar o seguinte esclarecimento a esse respeito:
O que torna o roubo especial em relação ao furto é justamente o emprego da violência à pessoa ou da grave ameaça, com a finalidade de subtrair a coisa alheia móvel para si ou para outrem. O art. 157 do Código Penal prevê dois tipos de violência. A primeira delas, contida na primeira parte do artigo, é a denominada própria, isto é, a violência física, a vis corporalis, que é praticada pelo agente a fim de que tenha sucesso na subtração criminosa; a segunda, entendida como imprópria, ocorre quando o agente, não usando de violência física, utiliza qualquer meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima, conforme se verifica pela leitura da parte final do caput do artigo em exame. (GRECO, 2017, p. 665).
No tocante à coisa alheia móvel do crime de furto (artigo 155 do Código Penal brasileiro), ou como escrito no artigo 157 do Código Penal brasileiro, coisa móvel alheia, houve uma apenas uma inversão nas palavras por parte do legislador, mas é totalmente compatível com todas as observações feitas quando se fala no crime de furto.
Rogério Greco sintetiza muito bem a classificação desse tipo penal:
Crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso (não havendo previsão para a modalidade culposa); material; comissivo (podendo ser praticado omissivamente, caso o agente goze do status de garantidor); de forma livre; instantâneo (podendo também, em alguns casos, ser considerado como instantâneo de efeito permanente, caso haja destruição da res furtiva); de dano; monossubjetivo; plurissubsistente (podendo-se fracionar o iter criminis, razão pela qual é possível o raciocínio da tentativa). (GRECO, 2017, p. 668).
Diferentemente do crime de furto, a jurisprudência é contraria a aplicação do princípio da insignificância no crime de roubo pois é crime de grande potencial ofensivo em consequência do uso de grave ameaça ou violência. Entretanto, existe discussão doutrinária acerca da incidência do mencionado princípio, pois se é possível aplicá-lo ao furto, por que não seria ao roubo em que o objeto é de pequeno valor e a ameaça ou violência são leves. Como por exemplo um agente que ao passar por uma calçada anuncia o assalto e sem fazer nenhuma menção a uso de qualquer arma rouba da vítima que ali se encontrava o ínfimo valor de R$ 2,00 (dois reais).
Rogério Greco traz uma noção de como funcionaria:
A título de exemplo, imagine-se a hipótese em que o agente, com a finalidade de praticar um delito de roubo no interior de um veículo coletivo, mediante o emprego de arma de fogo, anuncie o assalto ao trocador que, temeroso por sua vida, entregue ao agente todo o valor que trazia consigo, vale dizer, a importância de R$ 5,00 (cinco reais).
À primeira vista, poderíamos considerar o valor de R$ 5,00 (cinco reais) como insignificante o suficiente a fim de possibilitar o raciocínio do princípio em exame. No entanto, a ameaça exercida com emprego de arma de fogo é grave, razão pela qual a aplicação do princípio não seria viável.
Dessa forma, resumindo, se todos os elementos que compõem a cadeia complexa forem insignificantes, entendemos pela possibilidade de aplicação do princípio; caso um deles seja grave, afastado estará a aplicação do princípio da insignificância, devendo o agente responder pelo roubo (consumado ou tentado). (GRECO, 2017, p. 702).
Discordando dessa posição Fernando Capez leciona:
É inadmissível a incidência do princípio da insignificância no crime de roubo. Essa figura delituosa representa um dos mais graves atentados à segurança social, de modo que, ainda que ínfimo o valor subtraído, ou seja, ainda que a ofensa ao patrimônio seja mínima, tal não afasta o desvalor da ação representado pelo emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. (CAPEZ, 2018, p. 358).
Como visto, é possível encontrar, na doutrina, posições conflitantes a respeito da incidência do princípio da insignificância no crime de roubo. Entretanto, na jurisprudência brasileira é pacifica a posição de aplicação do referido princípio no delito estudado.
4 A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: RESULTADOS E DISCUSSÕES
Como já dito inicialmente, o princípio da insignificância é de grande relevância para aplicação de um Direito Penal equilibrado que só deverá ser invocado quando todas as outras possibilidades jurídicas não tiverem efeito na tutela do bem jurídico afetado. Dentre os inúmeros crimes previstos no ordenamento penal em que caberiam uma discussão sobre a aplicação do princípio citado, optamos por destacar os de furto e roubo.
Hoje em dia está pacificado na jurisprudência e na doutrina a sua incidência nos crimes de furto em que o desvalor do resultado não necessite da tutela do Direito Penal e desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos relacionados pelos Tribunais Superiores já citados anteriormente no presente estudo, por outro lado, a jurisprudência e a doutrina dominante, ainda que uma parte da doutrina ainda discuta a sua aplicabilidade no referido crime, consolidou que o roubo é um delito considerado complexo e de grande periculosidade, pois se caracteriza com grave ameaça ou violência, em que pese, o resultado pode ferir não somente o patrimônio da vítima, como também, a liberdade individual e a vida.
Ao fazer uma pesquisa é possível encontrar nos sites do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça uma vasta quantidade de julgados tratando do tema. Selecionamos julgados recentes que trazem informações pertinentes a respeito do assunto abordado como forma de enriquecer o conhecimento.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, em julgamento realizado em 10 de outubro de 2018, a aplicação do princípio da insignificância no crime de furto em que o agente havia subtraído o ínfimo valor de R$ 30,00 de um bar, mesmo ele sendo reincidente, conforme ementa abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA DO RÉU QUE NÃO AFASTA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ÍNFIMO VALOR DA RES FURTIVA (R$ 30,00). RECURSO DESPROVIDO.
1. O princípio da insignificância deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, observando-se a presença de "certos vetores, como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC 98.152/MG, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe 5/6/2009).
2. Em hipóteses excepcionais, é recomendável a aplicação do princípio da insignificância, a despeito de ser o acusado reincidente.
3. No caso, o acusado foi denunciado porque, em 8/1/2014, subtraiu, para si a quantia de R$ 30,00 (trinta reais), em espécie, pertencente à empresa ao Bar do Juvenil, aproximadamente 4% (quatro por cento) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, 2018, on-line).
Contudo, o mesmo Tribunal, decidiu pela inaplicabilidade da insignificância em caso de furto em que o agente era reincidente e o valor do objeto subtraído foi considerado alto para autorizar a incidência:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados extraídos dos autos, notadamente a habitualidade do paciente em condutas delitivas, eis que "ao que consta de sua folha de antecedentes criminais, estava em gozo de liberdade provisória, obtida em outubro de 2017, em audiência de custódia, o mesmo ocorrendo em março de 2017 e em setembro de 2016, sendo que em todas as ocasiões lhe foram concedidas medidas cautelares diversas da prisão, as quais evidentemente não foram suficientes para afastar o autuado da reiteração criminal. Dessarte, a prisão cautelar imposta ao paciente se justifica como garantia da ordem pública, em virtude do fundado receio de reiteração delitiva, consubstanciado em sua habitualidade em condutas delitivas.
III - A jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que se o paciente é reincidente ou possuidor de maus antecedentes, indica a reprovabilidade do comportamento a afastar a aplicação do princípio da insignificância (precedentes) IV - Na hipótese, o paciente é contumaz na prática delitiva. Além disso, consta ainda que o valor da res furtiva - R$ 210,00 -, ultrapassa 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época do crime (R$ 954,00 em 2018), não podendo ser considerado desprezível a autorizar a incidência do princípio da insignificância. Dessa forma, na linha de precedentes desta Corte, mostra-se incompatível o princípio da insignificância com sua conduta. (STJ, 2018, on-line).
O Supremo Tribunal Federal segue a mesma linha no que diz respeito à aplicação do instituto da bagatela no crime de furto. Mas em algumas decisões é possível verificar uma aplicabilidade diferente do habitual, quando, por exemplo, não é reconhecida a atipicidade material da conduta, mas ao reconhecer o reduzido grau de reprovabilidade da conduta, decide-se pela substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
Penal. Habeas Corpus substitutivo de revisão criminal. Furto tentado. Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Ordem concedida de ofício. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. O Plenário do STF, no julgamento do HC 123.734, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, decidiu que: “(i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c , do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade (...)”. 3. Não obstante a reincidência, o reduzido grau de reprovabilidade da conduta (tentativa de furto de 6 unidades de salame avaliados em R$ 135,26) justifica a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, tal como decidido no HC 137.217, Redator para o acórdão o Min. Alexandre de Moraes. 4. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para substituir a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito a serem fixadas pelo Juízo da execução penal. (STF, 2018, on-line).
Entretanto, em regra, a orientação majoritária do Supremo Tribunal Federal entende que quando não reconhecidos os requisitos necessários a incidência da insignificância deve ser afastada completamente. Conforme ementa a seguir:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça, não compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) examinar a questão de direito discutida na impetração. 2. Em se tratando de crime de furto, a aplicação do princípio da insignificância deve ser casuística, incumbindo ao Juízo de origem avaliar, no caso concreto, a melhor forma de assegurar a aplicação do princípio constitucional da individualização da pena, examinando a possibilidade da incidência do privilégio previsto no art. 155, § 2º, do Código Penal, ou do reconhecimento da atipicidade da conduta, com fundamento no princípio da bagatela (HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel. Min. Luís Roberto Barroso). 3. O entendimento do STF é firme no sentido de que o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada, ressaltando, ainda, que a contumácia na prática delitiva impede a aplicação do princípio. 4. Hipótese de paciente contumaz na prática delitiva, tendo em vista que “possui contra si uma condenação por crime de roubo e outras duas por porte de arma. Registra, ainda, outras passagens por crime de ameaça, lesões corporais e porte de droga. Junto a isso, responde a processo por crime de tráfico de entorpecentes”, o que impossibilita o reconhecimento do princípio da insignificância. 5. Agravo regimental não provido. (STF, 2018, on-line).
No que tange ao crime de roubo é majoritária a orientação de que não se aplica a insignificância, tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Superior Tribunal de justiça, pois o crime se caracteriza por ser cometido mediante violência ou grave ameaça. Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça abaixo:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO. ROUBO MAJORADO. CRIME PRATICADO MEDIANTE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. ÓBICE À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. MOTIVAÇÃO CONCRETA DECLINADA. AUMENTO EXCESSIVO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 545/STJ. REDUÇÃO DA PENA AO PISO LEGAL. SÚMULA 231/STJ. DOSIMETRIA REVISTA. REGIME PRISIONAL FECHADO MANTIDO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. Quanto ao pleito de reconhecido da atipicidade material da conduta imputada ao réu em razão do pequeno valor da res furtivae, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou grave ameaça, como o roubo.
Precedentes. 3. Embora o simples fato de a conduta ter sido perpetrada em estabelecimento comercial não permita a exasperação da reprimenda a título de circunstâncias, a participação de dois adolescentes no crime, sem que o réu tenha sido condenado pelo delito de corrupção de menores, revela o maior grau de censurabilidade da ação e a sua gravidade concreta, e, por consectário, a necessidade de resposta penal mais significativa, em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.
4. Considerando o intervalo de apenamento abstratamente previsto para o crime de roubo, que corresponde a 6 (seis) anos de reclusão, e o aumento ideal na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, chega-se ao incremento da básica de 9 (nove) meses por vetorial desabonadora. Nesse passo, o incremento da reprimenda de 12 meses revela-se excessivo, devendo, pois, a pena-base reduzida a 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão.
5. No tocante à segunda fase da dosimetria, a teor da Súmula 545/STJ, a atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida, ainda que tenha sido parcial ou qualificada, quando a manifestação do réu for utilizada para fundamentar a sua condenação, o que se infere na hipótese dos autos. Precedentes.
6. O Julgador de 1º grau olvidou-se de reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea, ainda que a manifestação do réu tenha corroborado para a formação do juízo condenatório, tendo apenas reduzido a pena pela menoridade relativa. Assim, com a incidência da segunda atenuante, deve a pena ser reconduzida ao piso legal, qual seja, 4 (quatro) anos de reclusão, diante do óbice da Súmula 231/STJ.
7. Mantida a pena-base acima do mínimo legal, por ter sido desfavoravelmente valorada circunstância do art. 59 do Estatuto Repressor, admite-se a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta ao réu.
Precedentes.
8. Writ não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, a fim de estabelecer a pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, mais de 13 (treze) dias-multa, mantendo-se, no mais, o teor do decreto condenatório. (STJ, 2017, on-line).
Da mesma forma, é o que se infere no seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
Penal. Habeas corpus. Roubo qualificado (CP art. 157, § 2º, inc. I). Absolvição por insuficiência de provas. Inviabilidade de reexame de provas no rito estreito do writ. Princípio da insignificância. Tema não aventado no Tribunal de Justiça, por essa razão não conhecido pelo STJ. Dupla supressão de instância. 1. O habeas corpus não comporta reexame de fatos e provas para chegar-se à absolvição (HC 105.022/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 1ª Turma, DJe de 09/05/2011; HC 102.926/MS, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, DJe de 10/05/2011; HC 101.588/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 1ª Turma, DJe de 01/06/2010; HC 100.234/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma, DJe de 01/02/2011; HC 90.922, Rel. Min. CEZAR PELUSO, 2ª Turma, DJe de 18/12/2009; RHC 84.901, Rel. Min. CEZAR PELUSO, 2ª Turma, DJe de 07/08/2009). 2. In casu, o paciente subtraiu para si, mediante grave ameaça, empregada com o uso de uma faca e um martelo, a quantia de R$ 40,00 (quarenta reais) e um cordão folhado a ouro, havendo comprovação nos autos no sentido de que a narrativa da vítima está corroborada por outros elementos probatórios, por isso é perfeitamente digna de credibilidade. 3. O tema atinente à aplicação do princípio da insignificância não foi submetido ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por isso que restou não conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que a sua análise nesta Corte traduz dupla supressão de instâncias. 4. Ad argumentandum tantum, ainda que se pudesse conhecer da matéria, ex officio, o recorrente não obteria êxito, porquanto há consenso nesta Corte no sentido de que o princípio da insignificância não se aplica ao crime de roubo, posto tratar-se de delito complexo que envolve patrimônio, grave ameaça e a integridade física e psicológica da vítima (HC 95.174, 2ª T, Rel. Min. EROS GRAU, DJe 20/3/2009, e AI-AgR n. 557.972, 2ª T, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 31/03/2006). 5. Recurso ordinário desprovido. (STF, 2012, on-line).
A partir dos julgados analisados podemos adquirir uma base de conhecimento a respeito de como vem sendo entendido e aplicado o princípio da insignificância nos crimes de furto e roubo nos Tribunais Superiores do Brasil. Consequentemente, após o estudo, é possível formar uma opinião acerca da aplicação desse princípio e as suas possíveis consequências no sistema penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a aplicação do princípio da insignificância, em conjunto com os demais princípios norteadores do Direito Penal Mínimo, é de suma importância para manter o Direito Penal como a última alternativa para a resolução dos conflitos sociais.
Nesse contexto cabe ressaltar que os Tribunais Superiores do Brasil vêm fazendo um trabalho importante nesse sentido, aplicando-o, em regra, sempre que preenchidos os requisitos: mínima ofensividade da conduta; inexistência da periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Por todo o exposto, percebemos ser necessário a flexibilização dos tipos penais para uma melhor adequação ao Direito Penal Mínimo. Para isso, faz-se necessário ter coragem e discernimento para enfrentar o clamor social que vivemos no Brasil, impulsionado pela onda de crimes e violência, que defende uma Direito Penal do inimigo, onde se esquece a pessoa e importa-se somente com o fato. Assim, é possível obter uma maior recuperação dos excluídos do Estado, os mantendo longe dos presídios que hoje servem de instrumento para seletividade social.
REFERÊNCIAS
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ANDRÉ LIMA CERQUEIRA[1]
(Orientador)
RESUMO: Grande parte da doutrina e jurisprudência entende que tal princípio incide como causa de exclusão da tipicidade material da conduta ilícita que resultar em lesões mínimas e insignificantes ao bem jurídico tutelado. O referido instituto se encontra entre os princípios orientadores da teoria do Direito Penal Mínimo, teoria essa que defende o Direito Penal como a ultima ratio do sistema jurídico, ou seja, deve ser acionado somente quando os outros ramos do direito não obtiverem sucesso no objetivo de sanar as consequências do ilícito. O presente artigo coloca em discussão os entendimentos a respeito da aplicação do princípio da insignificância a partir de decisões dos Tribunais Superiores acerca dos crimes de furto e roubo de bens de pequeno valor.
Palavras-chaves: Princípio. Insignificância. Tipicidade.
ABSTRACT
Much of the doctrine and jurisprudence considers that this principle is a cause of exclusion from the material typical of the unlawful conduct that results in minimal and insignificant injuries to the protected legal interest. This institute is among the guiding principles of the theory of Minimum Criminal Law, which advocates Criminal Law as the ultima ratio of the legal system, that is, it must be activated only when the other branches of law do not succeed in the objective of remedy the consequences of the offense. This article puts into question the understandings regarding the application of the principle of insignificance from decisions of the Higher Courts on the crimes of pilfer and theft of small value legal property.
Keywords: Principle. Insignificance. Typicity.
INTRODUÇÃO
O presente estudo busca colocar em discussão o Princípio da Insignificância, mostrar sua origem e evolução histórica, requisitos e aplicação no âmbito penal nos crimes de furto e roubo. Será analisado tendo como escopo as doutrinas e a jurisprudência dos Tribunais Superiores do Brasil que constituem informações sobre o tema.
Devido ao elevado número de crimes que ocorrem no Brasil e todas a mazelas sociais, a sociedade vive amedrontada e cobra cada vez mais a intervenção do Poder Público para que se obtenha um resultado eficaz no combate à criminalidade. O grande número de delitos leva o país a buscar soluções que dizimem de forma imediata os crimes, que para uma parte da sociedade autoriza o Estado a endurecer a legislação penal e agravar as penas. O agente do delito passa a ser tratado como inimigo e desqualificado como pessoa, tirando-lhe, inclusive, as garantias estatais.
Dentre os vários tipos penais, o furto e o roubo tem grande destaque na estatística criminal. Assim, é de grande importância entender como deve agir o Direito Penal para conter de forma eficaz e justa esse grande número de crimes. Nesse estudo buscamos corroborar para a aplicação de um Direito Penal Mínimo, com o princípio da insignificância agindo sobre os crimes de furto e roubo, orientados também pelos princípios da subsidiariedade, fragmentariedade e intervenção mínima.
A doutrina e a jurisprudência avançaram bastante na aplicação do princípio da insignificância em vários casos concretos. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo que o princípio da insignificância tem a função de restringir a qualificação das condutas que se traduzam em ínfima lesão ao bem jurídico nele protegido, devendo ser aplicado como forma de interpretação que busque a descarcerização e o descongestionamento da Justiça Penal, que deverá ocupar-se das infrações entendidas como mais danosas.
Atualmente a insignificância encontra-se sedimentada nos Tribunais Superiores, exigindo-se para sua aplicação o preenchimento de alguns requisitos que serão abordados em momento oportuno no presente estudo. Porém, apesar de reconhecido comumente no crime de furto, quando exclui a tipicidade material da conduta, não se pode dizer o mesmo do crime de roubo. Nessa análise do Direito Penal Mínimo buscamos analisar as possiblidades de aplicação do princípio da insignificância tanto para o delito do furto quanto para o delito do roubo, com fulcro na doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores.
REFERENCIAL TEÓRICO
1 OS PRINCÍPIOS COMO FONTE DO DIREITO E O RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE HUMANA
Os princípios em geral são espécie do gênero normas jurídicas e distinguem-se de outras espécies normativas, em especial as regras.
No dizer de Marinoni, Sarlet e Mitidiero:
Assim, independentemente da existência de outras possibilidades de enquadramento dos princípios quanto à sua condição normativa, é possível, numa primeira aproximação, afirmar que princípios correspondem a normas dotadas de um significativo grau de abstração, vagueza e indeterminação (diversamente das regras, que ostentam caráter mais determinado e menos vago e abstrato, diferença que, baseada no critério da generalidade e abstração, por si só não é suficiente e que tem sido designada de um critério fraco de distinção entre as duas espécies normativas). (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 279).
Os princípios servirão como fonte ao Direito. Assim, o intérprete precisará sempre priorizar um entendimento, qual seja, mais compatível imaginável aos princípios fundamentais, evitando interpretações contraditórias e quando forem constatadas lacunas na esfera infraconsticional, os princípios constitucionais serão utilizados para a sua adequação.
Servindo como orientação para todo o sistema normativo é preciso evidenciar o princípio da insignificância, que integra o primeiro título da Constituição Federal, prevista no art. 1º, III como fundamento do Estado democrático de Direito.
A dignidade humana ganhou grande importância também no plano da literatura e da jurisprudência, uma evolução na percepção de ressaltar a ligação entre dignidade da pessoa humana e os direitos humanos e fundamentais, apesar de não existir na interpretação do progresso histórico do constitucionalismo, um nexo entre eles.
Muitos doutrinadores do Direito reconhecem o princípio da dignidade humana como a origem dos demais princípios do nosso ordenamento jurídico. Como descrito por Guilherme de Souza Nucci:
Segundo nos parece, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana possui dois primas: objetivo e subjetivo. Objetivamente, envolve a garantia de um mínimo existencial ao ser humano, atendendo as suas necessidades vitais básicas, como reconhecido pelo art. 7º, IV, da Constituição, ao cuidar do salário mínimo (moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte, previdência social). Inexiste dignidade se a pessoa humana não dispuser de condições básicas de vivência. Subjetivamente, cuida-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser humano, desde o nascimento, quando passa a desenvolver sua personalidade, entrelaçando-se em comunidade e merecendo consideração, mormente do Estado. (NUCCI, 2017, p. 127)
Isto posto, é importante ressaltar que várias infrações penais envolvem direitos e garantias fundamentais, tais como a vida, a integridade física, a honra, a intimidade, o patrimônio, a liberdade, entre outros, em que se pode verificar o alcance da dignidade da pessoa humana. Porém, o destaque do tema deve ser no fato de que tanto a vítima de um crime, como o seu autor, têm iguais direitos no tocante à preservação da sua dignidade como pessoas humanas que são.
2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Existem divergências quanto a origem do princípio da insignificância, alguns doutrinadores alegam que já vigorava no Direito Civil Romano, quando se dizia que os juízes e tribunais não deveriam se ocupar com assuntos irrelevantes, entretanto, doutrinadores alemães encontram na situação vivida pela Europa após a Primeira Guerra Mundial e agravada ainda mais pela Segunda Guerra Mundial, em que o número de furtos de bens de pequeno valor aumentou consideravelmente, e foi o ponto de partida para aplicação do instituto. Contudo, Rogério Greco (GRECO, 2011, p. 86 apud TOLEDO, 1994, p. 133) discorre que o princípio da insignificância, também conhecido como de bagatela, introduzido no Direito Penal entre as décadas de 60 e 70, se desenvolveu através dos estudos do jurista alemão Claus Roxin. Todavia, existe divergência quanto a sua origem.
No que diz respeito a origem do princípio aqui estudado, Rogério Greco diz:
Em que pese haver divergência doutrinária quando ás origens do princípio da insignificância, pois que Diomar Akel Filho aduz que “o princípio já vigorava no Direito romano. Onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no borcado mínima non curat pretor”, conforme esclarece Maurício Antônio Ribeiro Lopes, “o princípio da insignificância, ou, como preferem os alemães, a “criminalidade de bagatela” – bagatelledelikte, surge na Europa como problema índole geral e progressivamente crescente a partir da primeira guerra mundial. Ao terminar esta, e em maior medida ao final do segundo confronto bélico mundial, produziu-se, em virtude de circunstâncias socioeconômicas sobejamente conhecidas, um notável aumento de delitos de caráter patrimonial e econômico e, facilmente demonstrável pela própria devastação sofrida pelo continente, quase todos eles marcados pela característica singular de consistirem em subtrações de pequena relevância, daí a primeira nomenclatura doutrinaria de “criminalidade de bagatela”. (GRECO, 2009, p. 85-86).
Os estudiosos do Direito Penal que defendem a intervenção mínima sustentam que a atuação do Estado deve ser vedada se a conduta não foi suficiente para lesar ou pelo menos deixar em perigo o bem jurídico tutelado. O princípio da insignificância limita o poder punitivo do Estado, de tal sorte que faz com que o legislador escolha os bens mais relevantes da nossa sociedade. Como também, deve selecionar aqueles atos que se consideram socialmente apropriados.
Como descrito por Rogério Greco:
Além da necessidade de existir um modelo abstrato que preveja com perfeição a conduta praticada pelo agente, é preciso que, para que ocorra essa adequação, isto é, para que a conduta do agente se amolde com perfeição ao tipo penal, seja levada em consideração a relevância do bem que está sendo objeto de proteção. Quando o legislador penal chamou a si a responsabilidade de tutelar determinados bens – por exemplo, a integridade corporal e o patrimônio –, não quis abarcar toda e qualquer lesão corporal sofrida pela vítima ou mesmo todo e qualquer tipo de patrimônio, não importando o seu valor. (GRECO, 2017, p. 143).
Quanto a aplicação da insignificância, há uma grande controvérsia em torno do tema no diz respeito a consideração ou não do real valor do bem, quando houver previsão legal da proteção do bem ferido. Nesse sentido, um parte da doutrina entende que todo bem merece a proteção do Direito, desde que haja previsão legal.
Imaginar que esse entendimento poderia levar a prisão por crime de furto um homem que ao passar por uma prateleira no mercado pega uma uva e a coloca na boca, é algo surreal. Resta claro que não são todos os tipos penais que suportam a aplicação do referido princípio, como por exemplo no crime de homicídio. No entanto, como afirma Rogério Greco (2017, p. 145), existem algumas infrações em que a sua aplicação afastará a injustiça do caso concreto, pois a condenação do agente, simplesmente pela adequação formal do seu comportamento a determinado tipo penal, importará em gritante aberração.
Ainda, de acordo com Janaina Paschoal:
Cumpre consignar que o caráter limitador do bem jurídico fica expresso quando analisados os princípios informadores do Direito Penal Mínimo (subsidiariedade, fragmentariedade e lesividade), segundo os quais nem tudo pode ser considerado bem jurídico penal; mesmo o que pode ser não precisa estar tutelado de todos os tipos de lesão, e apenas as efetivas lesões, ou exposições concretas a perigo, poderão justificar a existência de crime. (PASCHOAL, 2003, p. 48).
A teoria do Direito Penal Mínimo necessita da aplicação do princípio da insignificância em conjunto com outros princípios que servirão de orientação para a construção de uma política criminal que combate o uso do Direito Penal como instrumento de segregação social. A aludida teoria vem ganhando força e adeptos no universo jurídico brasileiro.
Segundo Rodrigo Murad do Prado:
A teoria do direito penal mínimo, ganha mais força e adeptos no universo jurídico brasileiro, mesmo sem previsão legal. Os defensores apontam essa tese como sendo a mais coerente com a realidade social, pois, busca, em síntese, que o Direito Penal proteja tão somente dos os bens necessários e vitais ao convívio em sociedade ou seja, bens esses que, devido a sua extrema relevância, não poderão ser apenas acolhidos pelos demais ramos do ordenamento jurídico. (PRADO, 2016, p. 42).
Quanto a natureza jurídica, o princípio da insignificância é uma das causas de exclusão da tipicidade existentes no âmbito do Processo Penal. A tipicidade se divide entre formal e material, formal no que diz a correspondência entre o fato praticado e o crime previsto na norma penal e material em relação a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Em suma, a insignificância exclui a tipicidade pela falta de seu aspecto material.
Todavia, o Supremo Tribunal Federal definiu que para a insignificância ser aplicada é obrigatória a existência dos seguintes requisitos objetivos: (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Ademais, é possível perceber a partir de uma análise da jurisprudência majoritária, que na aplicação ao caso concreto, vem sendo observados mais alguns requisitos, inerentes as condições do agente, paralelamente ao mencionados até aqui, como a reincidência, a habitualidade delitiva e a condição de agente militar, além disso, importa também as condições da vítima, como a importância do objeto material, seu valor econômico e sentimental, as circunstâncias e o resultado do crime, são esses os requisitos subjetivos.
Trouxemos um exemplo onde em um de seus julgados o Supremo Tribunal Federal foi bastante claro em relação a não aplicabilidade da insignificância no crime de descaminho quando houver reincidência ou comprovada habitualidade delitiva. Segue em verbis:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPOSTOS NA INICIAL QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: DESCAMINHO. VALOR SONEGADO INFERIOR AO ESTABELECIDO NO ART. 20 DA LEI 10.522/2002, COM AS ATUALIZAÇÕES INSTITUÍDAS PELAS PORTARIAS 75/2012 E 130/2012, AMBAS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. INAPLICABILIDADE AOS CASOS DE REINCIDÊNCIA OU COMPROVADA HABITUALIDADE DELITIVA: ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO AGENTE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - A agravante apenas reitera os argumentos anteriormente expostos na inicial do habeas corpus, sem, contudo, aduzir novos elementos capazes de afastar as razões expendidas na decisão agravada. II –A jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica no sentido de que o princípio da insignificância poderá ser aplicado ao delito de descaminho quando o valor sonegado for inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações instituídas pelas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda, ressalvados os casos de reincidência ou comprovada habitualidade delitiva, que impedirão a aplicação desse princípio, em razão do elevado grau de reprovabilidade da conduta do agente. III – Na espécie, o princípio da insignificância não foi aplicado ao caso concreto, pois, contra à ré, foi reconhecida a habitualidade na prática do crime de descaminho, motivo suficiente para a manutenção dessa decisão, independentemente do valor do tributo sonegado ser inferior ao que determinado pelo art. 20 da Lei 10.522/2002, com as atualizações instituídas pelas Portarias 75/2012 e 130/2012, ambas do Ministério da Fazenda. IV - Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, 2018, on-line).
Contudo, é possível encontrar também na jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal, casos em que a reincidência genérica foi afastada. Como no acordão que segue abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REINCIDÊNCIA. REPROVABILIDADE DA CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. A aplicação do Princípio da Insignificância, na linha do que decidido por esta Corte, pressupõe ofensividade mínima da conduta do agente, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão jurídica causada e ausência de periculosidade social. 3. No julgamento conjunto dos HC’s 123.108, 123.533 e 123.734 (Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 01.02.2016) o Plenário desta Corte firmou o entendimento de que, no delito de furto simples, a reincidência não impede, por si só, a possibilidade de atipicidade material. Também foi acolhida a tese de que, afastada a possibilidade de reconhecimento do princípio da insignificância por furto, “eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade”. 4. No caso em análise, trata-se de condenação por crime de furto qualificado de res furtiva de pequena monta em contexto de habitualidade delitiva específica de delitos patrimoniais na localidade. Em termos de sanção, a pena privativa de liberdade foi substituída por restritivas de direito, a denotar a absoluta proporcionalidade entre o agir do agravante e a respectiva resposta penal. 5. Ausentes as hipóteses de flagrante ilegalidade, descabe rever as premissas decisórias encampadas pelas instâncias ordinárias, na medida em que tal proceder pressupõe aprofundado reexame de fatos e provas, providência incompatível com a estreita via do habeas corpus. 6. Agravo regimental desprovido. (STF, 2017, on-line).
Por outro lado, acerca da habitualidade delitiva, o entendimento é majoritário de que não se pode considerar atípica a conduta do criminoso contumaz. O agente habitual é aquele que ao trabalhar em uma loja, todos os dias furta algum item, e assim, ao final de um mês o produto do crime chega a um valor considerado alto.
A aplicação de um princípio que não está normatizado é um fator de política criminal, por isso, é necessário que o operador do Direito tenha flexibilidade para aplica-lo ou não. Conforme explica Cleber Masson em sua obra:
Mais do que um princípio, a insignificância penal é um fator de política criminal. Portanto, é necessário conferir ampla flexibilidade ao operador do Direito para aplica-lo, ou então para negá-lo, sempre levando em conta as peculiaridades do caso concreto. É imprescindível analisar o contexto em que a conduta foi praticada para, ao final, concluir se é oportuna (ou não) a incidência do tipo penal. Este é o motivo pelo qual a jurisprudência muitas vezes apresenta resultados diversos para casos aparentemente semelhantes. (MASSON, 2017, p. 29-30).
A seguir o estudo partirá para uma análise mais aprofundada acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância sobre os crimes de furto e roubo, ambos contra o patrimônio, previstos nos artigos 155 e 157 do Código Penal brasileiro.
3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES DE ROUBO E FURTO
O crime de furto está previsto no Código Penal brasileiro no primeiro capítulo dos crimes contra o patrimônio no artigo 155, que descreve: subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. É preciso dizer que a subtração aqui tratada não pode vir acompanhada de qualquer tipo de violência.
No que diz respeito ao objeto jurídico do crime de furto Fernando Capez afirma:
Tutela-se o patrimônio, não apenas a propriedade, mas também a posse. Em regra, estas se confundem em um mesmo titular, entretanto nada obsta que estejam dissociadas. É o que ocorre, por exemplo, na locação, no usufruto, no penhor. O tipo penal protege diretamente a posse e, indiretamente, a propriedade. A proteção da primeira é proeminente em relação à proteção da propriedade, mas ambas são protegidas pelo Direito Penal. Tutela-se também a mera detenção. Em sentido contrário, entendendo que o tipo penal protege principalmente a propriedade e só acessoriamente a posse, está a corrente liderada por Nélson Hungria, segundo a qual, na subtração da coisa móvel que esteja em poder de possuidor direto, quem, na realidade, tem o seu patrimônio desfalcado é o possuidor indireto, ou seja, o proprietário. (CAPEZ, 2018, p. 331).
Rogério Greco destaca que a subtração não pode ser meramente temporária:
A finalidade de ter a coisa alheia móvel para si ou para outrem é que caracteriza o chamado animus furandi no delito de furto. Não basta a subtração, o arrebatamento meramente temporário, com o objetivo de devolver a coisa alheia móvel logo em seguida. É da essência do delito de furto, portanto, que a subtração ocorra com a finalidade de ter o agente a res furtiva para si ou para outrem. Caso contrário, seu comportamento será considerado um indiferente penal, caracterizando-se aquilo que a doutrina convencionou chamar, em nossa opinião equivocadamente, de furto de uso, cuja análise será levada a efeito mais adiante. (GRECO, 2017, p. 606).
Ainda nas palavras de Rogério Greco que faz uma síntese da classificação doutrinaria, como descrito abaixo:
Crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso; material; de dano; de forma livre (podendo ser praticado, inclusive, através de animais adestrados, ou de inimputáveis que são utilizados como instrumentos pelo agente, que será considerado, nesse último caso, como autor mediato); comissivo (em que pese a possibilidade de ser praticado omissivamente, nos casos em que o agente vier a gozar do status de garantidor); instantâneo (não sendo descartada a hipótese de crime instantâneo de efeitos permanentes se for destruída a res furtiva); permanente (pois que na modalidade de furto de energia elétrica, por exemplo, a consumação se prolonga no tempo, enquanto durar o comportamento do agente); monossubjetivo; plurissubsistente; não transeunte (como regra, pois que será possível, na maioria dos casos, o exame pericial). (GRECO, 2017, p. 610).
O Código Penal brasileiro tipifica várias formas de furto, dentre elas: (a) furto simples, (b) furto noturno, (c) furto privilegiado, (d) furto de energia, (e) furto qualificado, (f) furto de veículo automotor e (g) furto de semovente domesticável de produção.
Para o nosso estudo é de suma importância esclarecer as diferenças entre o furto privilegiado e possibilidade da aplicação do princípio da insignificância. O furto privilegiado é previsto no §2º do artigo 155 do Código Penal brasileiro da seguinte forma:
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. (BRASIL, 1940).
Por conseguinte é possível haver uma certa confusão entre o reconhecimento da modalidade de furto privilegiado e a aplicação do princípio da insignificância para excluir a tipicidade material do fato. Diante disso, encontramos na obra de Fernando Capez o seguinte esclarecimento:
O direito penal não cuida de bagatelas, nem admite tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. Se a finalidade do tipo penal é tutelar bem jurídico, se a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não é possível proceder-se ao enquadramento, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos. Tal não se confunde com o furto privilegiado, em que a coisa furtada é de pequeno valor, mas não é de valor insignificante, ínfimo. Somente a coisa de valor ínfimo autoriza a incidência do princípio da insignificância, o qual acarreta a atipicidade da conduta. No furto privilegiado, em que pese a coisa ser de pequeno valor, há um resultado penalmente relevante que tão somente merece um tratamento penal mais benigno, não deixando de configurar crime. (CAPEZ, 2018, p. 344).
Em que pese as divergências doutrinarias o Supremo Tribunal Federal decidiu da seguinte forma no Habeas Corpus de número 84442:
EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO, EM ORDEM A JUSTIFICAR A PENA FIXADA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGINIFICÂNCIA. O princípio da insignificância, vetor interpretativo do tipo penal, é de ser aplicado tendo em conta a realidade brasileira, de modo a evitar que a proteção penal se restrinja aos bens patrimoniais mais valiosos, ordinariamente pertencentes a uma pequena camada da população. A aplicação criteriosa do postulado da insignificância contribui, por um lado, para impedir que a atuação estatal vá além dos limites do razoável no atendimento do interesse público. De outro lado, evita que condutas atentatórias a bens juridicamente protegidos, possivelmente toleradas pelo Estado, afetem a viabilidade da vida em sociedade. O parâmetro para aplicação do princípio da insignificância, de sorte a excluir a incriminação em caso de objeto material de baixo valor, não pode ser exclusivamente o patrimônio da vítima ou o valor do salário mínimo, pena de ensejar a ocorrência de situações absurdas e injustas. No crime de furto, há que se distinguir entre infração de ínfimo e de pequeno valor, para efeito de aplicação da insignificância. Não se discute a incidência do princípio no tocante às infrações ínfimas, devendo-se, entretanto, aplicar-se a figura do furto privilegiado em relação às de pequeno valor. Habeas corpus indeferido. (STF, 2004, on-line).
Por sua vez, o crime de roubo, também previsto no capítulo dos crimes contra o patrimônio do Código Penal brasileiro no artigo 157 descreve o delito de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência. Com efeito, trata-se de crime complexo, pois é composto por ações que isoladamente constituem crimes, e em virtude disso tutela-se além da posse e propriedade, a integridade física e a liberdade individual.
Como caracteriza Fernando Capez:
O roubo constitui crime complexo, pois é composto por fatos que individualmente constituem crimes. São eles: furto + constrangimento ilegal + lesão corporal leve, quando houver (as vias de fato ficam absorvidas pelo constrangimento ilegal). Em que pesem tais crimes contra a pessoa integrarem o crime de roubo, este foi inserido no capítulo relativo aos crimes patrimoniais, tendo em vista que o escopo final do agente é a subtração patrimonial. (CAPEZ, 2018, p. 355).
Apesar de ser considerado crime grave e ter a possibilidade de afetar não somente o patrimônio, como também a pessoa, o legislador decidiu por inseri-lo entre os crimes contra o patrimônio.
Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha (2017, p. 291 apud NORONHA 1958 p. 161) afirma que “a razão é que a maior ou menor gravidade da ação física do crime, por si só, não o desnatura. Desde o furto simples até ao latrocínio, isto é, desde a forma menos grave até a mais qualificada, todos eles são patrimoniais. Constituem uma escala, cujos graus são dados pela gravidade crescente da ação do delinquente, e pelo dano; porém, na essência, constituem sempre o mesmo delito: furto, isto é, a subtração da cousa alheia móvel. Esta é a finalidade do criminoso, é o fim a que se propõe.”
O roubo se diferencia do furto unicamente pelo emprego de grave ameaça ou violência à pessoa. Na obra do ilustre Rogério Greco vamos encontrar o seguinte esclarecimento a esse respeito:
O que torna o roubo especial em relação ao furto é justamente o emprego da violência à pessoa ou da grave ameaça, com a finalidade de subtrair a coisa alheia móvel para si ou para outrem. O art. 157 do Código Penal prevê dois tipos de violência. A primeira delas, contida na primeira parte do artigo, é a denominada própria, isto é, a violência física, a vis corporalis, que é praticada pelo agente a fim de que tenha sucesso na subtração criminosa; a segunda, entendida como imprópria, ocorre quando o agente, não usando de violência física, utiliza qualquer meio que reduza a possibilidade de resistência da vítima, conforme se verifica pela leitura da parte final do caput do artigo em exame. (GRECO, 2017, p. 665).
No tocante à coisa alheia móvel do crime de furto (artigo 155 do Código Penal brasileiro), ou como escrito no artigo 157 do Código Penal brasileiro, coisa móvel alheia, houve uma apenas uma inversão nas palavras por parte do legislador, mas é totalmente compatível com todas as observações feitas quando se fala no crime de furto.
Rogério Greco sintetiza muito bem a classificação desse tipo penal:
Crime comum, tanto com relação ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo; doloso (não havendo previsão para a modalidade culposa); material; comissivo (podendo ser praticado omissivamente, caso o agente goze do status de garantidor); de forma livre; instantâneo (podendo também, em alguns casos, ser considerado como instantâneo de efeito permanente, caso haja destruição da res furtiva); de dano; monossubjetivo; plurissubsistente (podendo-se fracionar o iter criminis, razão pela qual é possível o raciocínio da tentativa). (GRECO, 2017, p. 668).
Diferentemente do crime de furto, a jurisprudência é contraria a aplicação do princípio da insignificância no crime de roubo pois é crime de grande potencial ofensivo em consequência do uso de grave ameaça ou violência. Entretanto, existe discussão doutrinária acerca da incidência do mencionado princípio, pois se é possível aplicá-lo ao furto, por que não seria ao roubo em que o objeto é de pequeno valor e a ameaça ou violência são leves. Como por exemplo um agente que ao passar por uma calçada anuncia o assalto e sem fazer nenhuma menção a uso de qualquer arma rouba da vítima que ali se encontrava o ínfimo valor de R$ 2,00 (dois reais).
Rogério Greco traz uma noção de como funcionaria:
A título de exemplo, imagine-se a hipótese em que o agente, com a finalidade de praticar um delito de roubo no interior de um veículo coletivo, mediante o emprego de arma de fogo, anuncie o assalto ao trocador que, temeroso por sua vida, entregue ao agente todo o valor que trazia consigo, vale dizer, a importância de R$ 5,00 (cinco reais).
À primeira vista, poderíamos considerar o valor de R$ 5,00 (cinco reais) como insignificante o suficiente a fim de possibilitar o raciocínio do princípio em exame. No entanto, a ameaça exercida com emprego de arma de fogo é grave, razão pela qual a aplicação do princípio não seria viável.
Dessa forma, resumindo, se todos os elementos que compõem a cadeia complexa forem insignificantes, entendemos pela possibilidade de aplicação do princípio; caso um deles seja grave, afastado estará a aplicação do princípio da insignificância, devendo o agente responder pelo roubo (consumado ou tentado). (GRECO, 2017, p. 702).
Discordando dessa posição Fernando Capez leciona:
É inadmissível a incidência do princípio da insignificância no crime de roubo. Essa figura delituosa representa um dos mais graves atentados à segurança social, de modo que, ainda que ínfimo o valor subtraído, ou seja, ainda que a ofensa ao patrimônio seja mínima, tal não afasta o desvalor da ação representado pelo emprego de violência ou grave ameaça à pessoa. (CAPEZ, 2018, p. 358).
Como visto, é possível encontrar, na doutrina, posições conflitantes a respeito da incidência do princípio da insignificância no crime de roubo. Entretanto, na jurisprudência brasileira é pacifica a posição de aplicação do referido princípio no delito estudado.
4 A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: RESULTADOS E DISCUSSÕES
Como já dito inicialmente, o princípio da insignificância é de grande relevância para aplicação de um Direito Penal equilibrado que só deverá ser invocado quando todas as outras possibilidades jurídicas não tiverem efeito na tutela do bem jurídico afetado. Dentre os inúmeros crimes previstos no ordenamento penal em que caberiam uma discussão sobre a aplicação do princípio citado, optamos por destacar os de furto e roubo.
Hoje em dia está pacificado na jurisprudência e na doutrina a sua incidência nos crimes de furto em que o desvalor do resultado não necessite da tutela do Direito Penal e desde que preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos relacionados pelos Tribunais Superiores já citados anteriormente no presente estudo, por outro lado, a jurisprudência e a doutrina dominante, ainda que uma parte da doutrina ainda discuta a sua aplicabilidade no referido crime, consolidou que o roubo é um delito considerado complexo e de grande periculosidade, pois se caracteriza com grave ameaça ou violência, em que pese, o resultado pode ferir não somente o patrimônio da vítima, como também, a liberdade individual e a vida.
Ao fazer uma pesquisa é possível encontrar nos sites do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça uma vasta quantidade de julgados tratando do tema. Selecionamos julgados recentes que trazem informações pertinentes a respeito do assunto abordado como forma de enriquecer o conhecimento.
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, em julgamento realizado em 10 de outubro de 2018, a aplicação do princípio da insignificância no crime de furto em que o agente havia subtraído o ínfimo valor de R$ 30,00 de um bar, mesmo ele sendo reincidente, conforme ementa abaixo:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA DO RÉU QUE NÃO AFASTA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ÍNFIMO VALOR DA RES FURTIVA (R$ 30,00). RECURSO DESPROVIDO.
1. O princípio da insignificância deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal, observando-se a presença de "certos vetores, como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada" (HC 98.152/MG, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe 5/6/2009).
2. Em hipóteses excepcionais, é recomendável a aplicação do princípio da insignificância, a despeito de ser o acusado reincidente.
3. No caso, o acusado foi denunciado porque, em 8/1/2014, subtraiu, para si a quantia de R$ 30,00 (trinta reais), em espécie, pertencente à empresa ao Bar do Juvenil, aproximadamente 4% (quatro por cento) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, 2018, on-line).
Contudo, o mesmo Tribunal, decidiu pela inaplicabilidade da insignificância em caso de furto em que o agente era reincidente e o valor do objeto subtraído foi considerado alto para autorizar a incidência:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados extraídos dos autos, notadamente a habitualidade do paciente em condutas delitivas, eis que "ao que consta de sua folha de antecedentes criminais, estava em gozo de liberdade provisória, obtida em outubro de 2017, em audiência de custódia, o mesmo ocorrendo em março de 2017 e em setembro de 2016, sendo que em todas as ocasiões lhe foram concedidas medidas cautelares diversas da prisão, as quais evidentemente não foram suficientes para afastar o autuado da reiteração criminal. Dessarte, a prisão cautelar imposta ao paciente se justifica como garantia da ordem pública, em virtude do fundado receio de reiteração delitiva, consubstanciado em sua habitualidade em condutas delitivas.
III - A jurisprudência pacífica desta Corte é no sentido de que se o paciente é reincidente ou possuidor de maus antecedentes, indica a reprovabilidade do comportamento a afastar a aplicação do princípio da insignificância (precedentes) IV - Na hipótese, o paciente é contumaz na prática delitiva. Além disso, consta ainda que o valor da res furtiva - R$ 210,00 -, ultrapassa 10% (dez por cento) do salário mínimo vigente à época do crime (R$ 954,00 em 2018), não podendo ser considerado desprezível a autorizar a incidência do princípio da insignificância. Dessa forma, na linha de precedentes desta Corte, mostra-se incompatível o princípio da insignificância com sua conduta. (STJ, 2018, on-line).
O Supremo Tribunal Federal segue a mesma linha no que diz respeito à aplicação do instituto da bagatela no crime de furto. Mas em algumas decisões é possível verificar uma aplicabilidade diferente do habitual, quando, por exemplo, não é reconhecida a atipicidade material da conduta, mas ao reconhecer o reduzido grau de reprovabilidade da conduta, decide-se pela substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
Penal. Habeas Corpus substitutivo de revisão criminal. Furto tentado. Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Ordem concedida de ofício. 1. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. O Plenário do STF, no julgamento do HC 123.734, Rel. Min. Luís Roberto Barroso, decidiu que: “(i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c , do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade (...)”. 3. Não obstante a reincidência, o reduzido grau de reprovabilidade da conduta (tentativa de furto de 6 unidades de salame avaliados em R$ 135,26) justifica a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, tal como decidido no HC 137.217, Redator para o acórdão o Min. Alexandre de Moraes. 4. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para substituir a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito a serem fixadas pelo Juízo da execução penal. (STF, 2018, on-line).
Entretanto, em regra, a orientação majoritária do Supremo Tribunal Federal entende que quando não reconhecidos os requisitos necessários a incidência da insignificância deve ser afastada completamente. Conforme ementa a seguir:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO DELITIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça, não compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) examinar a questão de direito discutida na impetração. 2. Em se tratando de crime de furto, a aplicação do princípio da insignificância deve ser casuística, incumbindo ao Juízo de origem avaliar, no caso concreto, a melhor forma de assegurar a aplicação do princípio constitucional da individualização da pena, examinando a possibilidade da incidência do privilégio previsto no art. 155, § 2º, do Código Penal, ou do reconhecimento da atipicidade da conduta, com fundamento no princípio da bagatela (HCs 123.734, 123.533 e 123.108, Rel. Min. Luís Roberto Barroso). 3. O entendimento do STF é firme no sentido de que o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (i) mínima ofensividade da conduta do agente, (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada, ressaltando, ainda, que a contumácia na prática delitiva impede a aplicação do princípio. 4. Hipótese de paciente contumaz na prática delitiva, tendo em vista que “possui contra si uma condenação por crime de roubo e outras duas por porte de arma. Registra, ainda, outras passagens por crime de ameaça, lesões corporais e porte de droga. Junto a isso, responde a processo por crime de tráfico de entorpecentes”, o que impossibilita o reconhecimento do princípio da insignificância. 5. Agravo regimental não provido. (STF, 2018, on-line).
No que tange ao crime de roubo é majoritária a orientação de que não se aplica a insignificância, tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Superior Tribunal de justiça, pois o crime se caracteriza por ser cometido mediante violência ou grave ameaça. Conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça abaixo:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. INADEQUAÇÃO. ROUBO MAJORADO. CRIME PRATICADO MEDIANTE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. ÓBICE À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. MOTIVAÇÃO CONCRETA DECLINADA. AUMENTO EXCESSIVO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 545/STJ. REDUÇÃO DA PENA AO PISO LEGAL. SÚMULA 231/STJ. DOSIMETRIA REVISTA. REGIME PRISIONAL FECHADO MANTIDO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. Quanto ao pleito de reconhecido da atipicidade material da conduta imputada ao réu em razão do pequeno valor da res furtivae, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicabilidade do princípio da insignificância em crimes cometidos mediante o uso de violência ou grave ameaça, como o roubo.
Precedentes. 3. Embora o simples fato de a conduta ter sido perpetrada em estabelecimento comercial não permita a exasperação da reprimenda a título de circunstâncias, a participação de dois adolescentes no crime, sem que o réu tenha sido condenado pelo delito de corrupção de menores, revela o maior grau de censurabilidade da ação e a sua gravidade concreta, e, por consectário, a necessidade de resposta penal mais significativa, em atendimento aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena.
4. Considerando o intervalo de apenamento abstratamente previsto para o crime de roubo, que corresponde a 6 (seis) anos de reclusão, e o aumento ideal na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, chega-se ao incremento da básica de 9 (nove) meses por vetorial desabonadora. Nesse passo, o incremento da reprimenda de 12 meses revela-se excessivo, devendo, pois, a pena-base reduzida a 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de reclusão.
5. No tocante à segunda fase da dosimetria, a teor da Súmula 545/STJ, a atenuante da confissão espontânea deve ser reconhecida, ainda que tenha sido parcial ou qualificada, quando a manifestação do réu for utilizada para fundamentar a sua condenação, o que se infere na hipótese dos autos. Precedentes.
6. O Julgador de 1º grau olvidou-se de reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea, ainda que a manifestação do réu tenha corroborado para a formação do juízo condenatório, tendo apenas reduzido a pena pela menoridade relativa. Assim, com a incidência da segunda atenuante, deve a pena ser reconduzida ao piso legal, qual seja, 4 (quatro) anos de reclusão, diante do óbice da Súmula 231/STJ.
7. Mantida a pena-base acima do mínimo legal, por ter sido desfavoravelmente valorada circunstância do art. 59 do Estatuto Repressor, admite-se a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta ao réu.
Precedentes.
8. Writ não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, a fim de estabelecer a pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, mais de 13 (treze) dias-multa, mantendo-se, no mais, o teor do decreto condenatório. (STJ, 2017, on-line).
Da mesma forma, é o que se infere no seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
Penal. Habeas corpus. Roubo qualificado (CP art. 157, § 2º, inc. I). Absolvição por insuficiência de provas. Inviabilidade de reexame de provas no rito estreito do writ. Princípio da insignificância. Tema não aventado no Tribunal de Justiça, por essa razão não conhecido pelo STJ. Dupla supressão de instância. 1. O habeas corpus não comporta reexame de fatos e provas para chegar-se à absolvição (HC 105.022/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 1ª Turma, DJe de 09/05/2011; HC 102.926/MS, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, DJe de 10/05/2011; HC 101.588/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 1ª Turma, DJe de 01/06/2010; HC 100.234/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma, DJe de 01/02/2011; HC 90.922, Rel. Min. CEZAR PELUSO, 2ª Turma, DJe de 18/12/2009; RHC 84.901, Rel. Min. CEZAR PELUSO, 2ª Turma, DJe de 07/08/2009). 2. In casu, o paciente subtraiu para si, mediante grave ameaça, empregada com o uso de uma faca e um martelo, a quantia de R$ 40,00 (quarenta reais) e um cordão folhado a ouro, havendo comprovação nos autos no sentido de que a narrativa da vítima está corroborada por outros elementos probatórios, por isso é perfeitamente digna de credibilidade. 3. O tema atinente à aplicação do princípio da insignificância não foi submetido ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por isso que restou não conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que a sua análise nesta Corte traduz dupla supressão de instâncias. 4. Ad argumentandum tantum, ainda que se pudesse conhecer da matéria, ex officio, o recorrente não obteria êxito, porquanto há consenso nesta Corte no sentido de que o princípio da insignificância não se aplica ao crime de roubo, posto tratar-se de delito complexo que envolve patrimônio, grave ameaça e a integridade física e psicológica da vítima (HC 95.174, 2ª T, Rel. Min. EROS GRAU, DJe 20/3/2009, e AI-AgR n. 557.972, 2ª T, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 31/03/2006). 5. Recurso ordinário desprovido. (STF, 2012, on-line).
A partir dos julgados analisados podemos adquirir uma base de conhecimento a respeito de como vem sendo entendido e aplicado o princípio da insignificância nos crimes de furto e roubo nos Tribunais Superiores do Brasil. Consequentemente, após o estudo, é possível formar uma opinião acerca da aplicação desse princípio e as suas possíveis consequências no sistema penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a aplicação do princípio da insignificância, em conjunto com os demais princípios norteadores do Direito Penal Mínimo, é de suma importância para manter o Direito Penal como a última alternativa para a resolução dos conflitos sociais.
Nesse contexto cabe ressaltar que os Tribunais Superiores do Brasil vêm fazendo um trabalho importante nesse sentido, aplicando-o, em regra, sempre que preenchidos os requisitos: mínima ofensividade da conduta; inexistência da periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Por todo o exposto, percebemos ser necessário a flexibilização dos tipos penais para uma melhor adequação ao Direito Penal Mínimo. Para isso, faz-se necessário ter coragem e discernimento para enfrentar o clamor social que vivemos no Brasil, impulsionado pela onda de crimes e violência, que defende uma Direito Penal do inimigo, onde se esquece a pessoa e importa-se somente com o fato. Assim, é possível obter uma maior recuperação dos excluídos do Estado, os mantendo longe dos presídios que hoje servem de instrumento para seletividade social.
REFERÊNCIAS
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[1] Professor Especialista – FACAPE – Petrolina / PE - [email protected]
Acadêmico de Direito - FACAPE - Petrolina / PE .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Kenart Péterson Silva. Uma contribuição ao princípio da insignificância na jurisprudência dos Tribunais superiores acerca dos crimes de furto e roubo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52479/uma-contribuicao-ao-principio-da-insignificancia-na-jurisprudencia-dos-tribunais-superiores-acerca-dos-crimes-de-furto-e-roubo. Acesso em: 23 dez 2024.
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