DIANE JÉSSICA MORAIS AMORIM[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo aborda o tema dos aspectos jurídicos do abandono afetivo inverso. Através de pesquisa bibliográfica e documental, utilizando o método dedutivo e realizando uma abordagem qualitativa, foi apresentado um escorço doutrinário acerca do conceito de família, os princípios mais relevantes no que tange à proteção ao idoso, os aspectos jurídicos que o envolvem, ou seja, quais diplomas legais dispõem acerca deste, a apresentação de aspectos doutrinários da responsabilidade civil, e retratando a problemática do abandono afetivo inverso, exemplificando com casos reais, mostrando alguns entendimentos da doutrina e jurisprudência. Nessa conjuntura, busca-se demonstrar que o abandono afetivo inverso existe, que é algo absolutamente negativo, e que, de acordo com os argumentos ora desfiados, a indenização visa tão somente minorar os impactos que tais atos causam na vida destes idosos.
Palavras-chaves: Idoso. Abandono afetivo. Direito Civil.
ABSTRACT: This article discusses the legal aspects of reverse affective abandonment. Through bibliographic and documentary research, using the deductive method and conducting a qualitative approach, a doctrinal foreshortening about the concept of family was presented, the most relevant principles regarding the protection of the elderly, the legal aspects that involve it, that is, which legal diplomas provide about this, the presentation of doctrinal aspects of civil responsibility, and portraying the problem of reverse affective abandonment, exemplifying with real cases, showing some understandings of its doctrine and jurisprudence. At this juncture, it is sought to demonstrate that the reverse affective abandonment exists, which is absolutely negative, and that, according to the arguments now framed, the indemnity aims only to reduce the impacts that such acts cause in the lives of these elderly people.
Keywords: Elderly. Emotional abandonment. Civil right.
“Meu filho, cuide de seu pai na velhice, e não o abandone enquanto ele viver” (Eclesiástico 3,12). A família é o nosso ponto de partida. É o instituto do qual fazemos parte do nascimento até a morte. Para os descrentes, parece tolice a citação bíblica acima, mas, na conjuntura atual, nunca fora tão importante.
De um modo geral, os idosos, assim como as crianças e adolescentes, são a categoria social que carece de maiores cuidados, devido às limitações biológicas próprias da idade.
Felizmente, a Constituição Federal bem como a legislação infraconstitucional preocupou-se com esta categoria, dispondo acerca de alguns direitos, em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, solidariedade social, proteção ao idoso.
Não obstante a lei preveja, de modo coerente, vários direitos do idoso, muitas vezes, estes não são respeitados. O abandono material, e, principalmente, moral, atualmente, pode ser considerado uma mazela social, uma vez que não há o devido respeito para com aqueles que cuidaram tão bem de nós.
Neste diapasão, busca-se, através do presente artigo, informar acerca do abandono afetivo inverso, a possibilidade de responsabilização cível do agente, uma vez que é impossível mensurar e reparar, da mesma forma, os danos causados à vítima.
Foram utilizados no presente estudo alguns artigos científicos, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais e a própria legislação, através da abordagem qualitativa. Utilizando-se a metodologia dedutiva, realizando-se uma análise do problema, para apontar o entendimento defendido alhures.
2.1 FAMÍLIA
A família é a primeira e mais importante instituição da qual fazemos parte. É, sobretudo, nossa essência. Há famílias monoparentais (qualquer dos pais ou ascendentes); anaparentais (sem pais); homoafetivas; mosaico ou pluriparentais (vários casamentos, relacionamentos afetivos) (TARTUCE, 2017, p. 791) entre outros, havendo, em todas, um elemento em comum: os laços de afinidade.
Neste diapasão, a Constituição Federal dispõe, em seu Capítulo VII, do Título VIII – Da ordem social, notadamente no artigo 226, que a família é base da sociedade, possuindo a especial proteção estatal (TARTUCE, 2017, p. 791). Nota-se, assim, a importância deste instituto, vez que o próprio Estado o valoriza, de forma singular.
Inclusive, em que pese o supramencionado artigo prever o rol constitucional familiar, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça também admite outras formas de manifestações familiares (TARTUCE, 2017, p. 791), como as supramencionadas (homoafetiva, pluriparental, etc).
Logo, apesar de possuir uma definição complexa, ante a carga de subjetividade que a palavra família possui, parece-nos mais adequada a definição de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017, p. 1081), senão, vejamos:
Família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes, segundo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana
Pois bem. Na ordem “natural” da vida, nós nascemos, crescemos, tornamo-nos pais e envelhecemos. Já nossos pais, ou aqueles que são responsáveis por nós desde o nascimento, ao longo do tempo, tornam-se “filhos”, devido as circunstâncias da própria idade.
Ocorre que, muitas vezes, o familiar não possui interesse, não sabe lidar com a situação, ou, de fato, não pode prestar auxílio material e/ou pessoal ao idoso, não havendo, portanto, o devido respeito e consideração por aqueles que cuidaram tanto da gente, contrariando todo o ideal de família acima exposto. Trata-se, pois, do abandono afetivo inverso, que pode acarretar em consequências imensuráveis ao idoso.
2.2 DOS PRINCÍPIOS
Em linhas gerais, pode-se considerar o princípio como o ponto de partida, o meio pelo qual as atividades dos três poderes são regulamentadas, bem como as relações entre os cidadãos. Segundo Barroso (2015, p, 238):
Os princípios – notadamente os princípios constitucionais – são a porta pela qual os valores passam do plano ético para o mundo jurídico. Em sua trajetória ascendente, os princípios deixaram de ser fonte secundária e subsidiária do Direito para serem alçados ao centro do sistema jurídico. De lá, irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a leitura moral do direito (2015, p. 238).
Alguns destes emanam as questões de família dentro do nosso ordenamento jurídico, sendo provenientes da Constituição Federal de 1988.Sendo assim, impende conceituar alguns pertinentes a este trabalho. Doravante, vejamos.
2.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
Previsto no artigo 1°, III da Constituição Federal, sendo considerado o “princípio dos princípios” (TARTUCE, 2017, p. 780), a dignidade da pessoa humana visa garantir a todos os cidadãos o respeito, liberdade e condições adequadas para a existência destes (BAHIA, 2017, p. 119).
De fato, é imprescindível não somente ao direito de família, mas a todo o ordenamento jurídico, sendo tamanha sua importância (DONIZETTI, QUINTELLA, 2017, p. 919).
Flávia Bahia (2017, p. 119) afirma, também, que “significa a elevação do ser humano ao patamar mais alto das considerações, com a finalidade de impedir a sua degradação e a sua redução a um mero objeto de manipulação”.
Portanto, tendo em vista que este princípio precede muitos outros (igualdade, liberdade, etc), pode ser considerado o mais importante da nossa legislação pátria.
Nessa conjuntura, a dignidade da pessoa humana está atrelada às condições mínimas garantidas ao idoso, para que possa ter o aparato necessário à sua existência (assistência médica, material e afetiva).
2.2.2 Princípio da Afetividade
A doutrina contemporânea vem defendendo que o afeto possui valor jurídico, tornando-se, por seu turno, princípio (BARROS, 2016, p. 37).
Afeto, diferentemente do amor, significa elo, ligação entre duas ou mais pessoas, seja no aspecto positivo (amor), seja no negativo (ódio). A concepção subjetiva do afeto não é jurídica, sendo apenas o sentimento em si. Já na objetiva, não se trata de fato anímico, psicológico, mas sim na obrigação familiar de auxílio para com o outro, independente da existência do sentimento de amor, ou seja, na solidariedade entre os familiares, considerando o seu vínculo (BARROS, 2016, p. 37).
Sendo assim, sob as lições de Lôbo (2018, p.66), a afetividade:
Como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.
A inexistência de previsão legal deste princípio, por si só, não o torna inválido, uma vez que, conforme veremos, é utilizado para regulamentar as relações familiares, notadamente, nos casos em que há o abandono afetivo inverso, conforme será visto mais adiante.
2.2.3 Princípio da Solidariedade Familiar
A solidariedade social é um dos objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1988, prevista no artigo 3°, I, que repercute, também, nas relações familiares (TARTUCE, 2017, p. 783).
Nessa conjuntura, a solidariedade traduz-se no ideal de obrigações, na proatividade, na ajuda ao próximo, resultando, por seu turno, em características sociais, afetivas, patrimoniais, entre outros (TARTUCE, 2017, p. 783).
Portanto, no que tange ao tema em liça, o princípio justifica a obrigação material e afetiva para com os familiares idosos (GLAGLIANO, FILHO, 2017, p. 1.085), compreendendo-se na ideia da própria palavra.
Desse modo, está atrelada à dignidade da pessoa humana, bem como à afetividade, devido à sua natureza.
2.2.4 Princípio da Proteção ao Idoso
Os idosos, assim como as crianças, adolescentes e jovens, possuem uma tutela especial estabelecida constitucionalmente, conforme previsto nos artigos 226 a 230 da Carta Magna.
Intrínseco aos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, a proteção ao idoso não é apenas prevista na Constituição, mas também na legislação infraconstitucional, como o Estatuto do idoso (Lei n° 10.741/2003) e Código Civil (GLAGLIANO, FILHO, 2017, p. 1.088).
Em síntese, extrai-se deste que, a ampliação constitucional da proteção familiar, além do Estatuto do Idoso, visa proteção integral dos idosos em geral, e não somente dos hipossuficientes.
Nesse sentido, no que tange à não limitação a aspectos econômicos:
O Estatuto do Idoso quebrou tal barreira. Nele, a proteção é integral, vale dizer, abrange todos os idosos e em tudo que se refere à vida em sociedade. A proteção econômica não é a única, embora a mais premente: a manutenção da dignidade passa, de regra, pelo resgate da inclusão social e esta se faz pela geração de recursos econômicos necessários para o acesso a bens indispensáveis à vida humana. Mas também a solidariedade, o afeto, a consideração, independentemente da condição do idoso, ali lhe são assegurados. (INDALENCIO, 2007, p. 63 apud SILVA, 2014, p. 28)
Nessa conjuntura, por tratar-se de uma fase difícil, é de suma importância não apenas o auxílio financeiro, mas também o apoio moral. Eis, portanto, um dos princípios de maior importância.
2.3 ASPECTOS JURÍDICOS DO IDOSO
Historicamente, o idoso figura como personagem social de extrema relevância, dada a carga de conhecimentos e experiências vividas, sendo, portanto, um legado para os jovens.
Sejam os pais, avós, parentes ou amigos, são aquelas pessoas que cuidaram de nós, nos deram carinho, conhecimentos e todo o amparo necessário ao nosso crescimento.
O artigo 1° do Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741 de 2003) dispõe que o idoso é toda pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Ademais, os dicionários o definem como aquele que ou quem tem muitos anos de vida; velho (BARROS, 2016, p. 10).
De fato, não há como definir o marco inicial para o início da terceira idade propriamente dita, tendo em vista que ultrapassa a questão de idade cronológica, analisando-se, também, valores culturais e as inúmeras realidades, principalmente no Brasil, ante a extensão do seu território e as divergências entre as regiões (BARROS, 2016, p. 10).
Os direitos dos idosos, em nosso ordenamento jurídico, foram inseridos de forma gradativa. Todas as constituições anteriores à de 1988 tutelavam brevemente alguns direitos dos idosos, restringindo-se, tão somente, a questões trabalhistas e/ou previdenciárias (COSTA, 2017, p.25).
Felizmente, nossa atual Constituição Federal – por sua natureza garantista – (COSTA, 2017, p.25), visando dar uma maior proteção ao idoso, previu, em seu artigo 229 que é dever dos filhos maiores ajudar e amparar seus genitores na velhice, carência ou enfermidade.
Ainda, o artigo 230 que incumbe à família, sociedade e o Estado o dever de assistir os idosos, além de assegurar a sua participação na sociedade, garantindo-lhes a dignidade, bem-estar e o direito à vida.
Destarte, os §§1° e 2° abordam acerca dos programas de amparo aos idosos, que deverão ocorrer, preferencialmente em seus lares, além de garantir a gratuidade nos transportes públicos.
Atrelado a estes dispositivos, há também a previsão do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, CF/88) e igualdade (artigo 5°, caput), além da previsão de facultatividade de votos para os maiores de 70 anos (art. 14, §1°, II, b),
Infere-se destes dispositivos, que se busca inserir o idoso na sociedade, garantir seus direitos de acordo com as suas condições, de modo que as mazelas da idade o prejudiquem da menor forma possível.
Além do mais, visando efetivar os direitos dispostos na Carta Magna, a legislação infraconstitucional também previu alguns direitos para os idosos (COSTA, 2017, p. 29).
Primeiramente, a Lei n° 8.842/94 criou a PNI – Política Nacional do Idoso, que consiste na primeira legislação, após a promulgação da Constituição de 1988, que trata de forma específica assuntos relacionados a este (COSTA, 2017, p. 29).
O artigo 1° previu sua finalidade, que consistia em “assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade”.
Infelizmente, tais normas de caráter programático não tiveram a devida efetivação, surgindo, desta forma, o Estatuto do Idoso – Lei n° 10.741/2003 (COSTA, 2017, p. 29).
Este visa efetivar, além dos dispositivos da PNI, os direitos consagrados pela Carta Magna. A legislação que tratava dos idosos era esparsa, cujo estatuto, por seu turno, concentrou as políticas e dispositivos já existentes, além de criar novas medidas, a fim de assegurar os direitos dos idosos e um envelhecimento digno (COSTA, 2017, p. 29).
São tratados, em seus 118 dispositivos, diversos assuntos relacionados à vida, liberdade, saúde, trabalho, educação, seguridade social, habitação, transporte (COSTA, 2017, p. 29), além de infrações administrativas e penais contra estes.
Impende destacar, todavia, que o artigo 3° determina a obrigação da família, Estado e sociedade em efetivar seus direitos (COSTA, 2017, p. 30).
Outrora, o Estatuto atribui principalmente à família a obrigação do cuidado com o idoso, tendo em vista que a família é o elemento mais importante na vida do ser humano, é parte de sua essência, é sua identidade (COSTA, 2017, p. 30).
Por fim, o Código Civil Pátrio não prevê, diretamente, assuntos relacionados ao idoso em si. Seus artigos 186, 187, 927 e 1.696 dispõem, respectivamente, dos atos ilícitos e da obrigação de indenizar e a obrigatoriedade de prestação de alimentos (FERREIRA, 2015, p.18).
Não obstante o Código Civil seja silente quanto aos dispositivos relacionados aos idosos, o Estatuto complementou-o, cuja jurisprudência utiliza a reparação civil nos casos relacionados ao abandono e maus tratos causados àqueles (FERREIRA, 2015, p.18).
2.4 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Responsabilidade, do latim, respondere, significa a obrigação de assumir as consequências jurídicas de determinada atividade, atrelada, também, ao conceito de spondeo, que significa a vinculação do devedor nos contratos verbais (GAGLIANO, FILHO, 2017, p. 853).
A responsabilidade surge, portanto, num contexto em que se busca proteger o indivíduo, contra lesão ou prejuízo causado por alguém; pelo descumprimento de obrigação por outrem; por algum mal sofrido, entre outras hipóteses (GAGLIANO, FILHO, 2017, p. 853).
Neste diapasão, a responsabilidade civil consiste na reparação pecuniária, decorrente de ato ilícito cometido pelo sujeito, que viola norma jurídica preexistente, estando este subordinado às consequências dos seus atos (GAGLIANO, FILHO, 2017, p. 858).
O artigo 186 do Código Civil prevê que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
A responsabilidade civil tem, como pressupostos, a conduta (omissiva ou comissiva), o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, ou seja, para que ocorra a sua configuração, deve existir um elo entre estes pressupostos (BARROS, 2016, p. 21). Todavia, no direito de família, notadamente no abandono afetivo, há uma significativa dificuldade para a sua caracterização (BARROS, 2016, p. 24).
Esmiuçando seus pressupostos, têm-se que a conduta pode ser comissiva ou omissiva. Trata-se de ato primário do ato ilícito, ou seja, é o comportamento humano voluntário, que resulta em consequências jurídicas (BARROS, 2016, p. 25).
Comportamento comissivo é a ação em si, é o ato voluntário cometido pelo agente, que pode ser doloso ou culposo, ou seja, é o ato positivo. Já o omissivo é o deixar de fazer, tratando-se de manifestação negativa, nos casos em que o agente deveria realizar o ato e deixa de fazê-lo, geralmente, por pessoas que tinham o dever legal de agir (médico, pais, tutores, etc) (BARROS, 2016, p. 26).
Já o nexo de causalidade é o elo entre a conduta e o dano propriamente dito, é o elemento imaterial. Assim sendo, para que o agente possa ser responsabilizado, sua conduta deve estar relacionada com o resultado (TARTUCE, 2017, p. 346).
A doutrina aborda algumas teorias para a caracterização do nexo de causalidade. Nesse sentido, Flávio Tartuce (2017, p. 346), com base nas lições de Gustavo Tepedino (2004) e Gisela Sampaio da Cruz (2005), destaca três que merecem ser aprofundadas:
A primeira é a Teoria da Equivalência das Condições ou do Histórico de Antecedentes (sine qua non), que significa que todos os fatos anteriores relativos ao dano podem gerar responsabilidade civil. Esta não é aceita no nosso ordenamento jurídico, tendo em vista que as causas poderiam ser infindáveis (TARTUCE, 2017, p. 346).
Já para a Teoria da Causalidade Adequada, prevista nos artigos 944 e 945 do Código Civil, prevê a identificação da possível causa que gerou o dano, tendo em vista que apenas o fato relevante ao dano é responsável civilmente por ele, se diante de diversidade de causas. Logo, valoriza-se a concausalidade, circunstâncias concomitantes e o grau de responsabilidade dos envolvidos (TARTUCE, 2017, p. 346 - 347).
Por último, mas não menos importante, na Teoria do Dano Direto e Imediato ou Teoria da Interrupção do Nexo Causal, a reparação deve ocorrer somente em relação aos danos decorrentes de efeitos necessários da conduta do agente, ou seja, há exclusão da responsabilidade do agente quando o credor, ou terceiro viola o direito, interrompendo o nexo causal, estando prevista no artigo 403 do Código Civil Nesta, destacam-se as excludentes de responsabilidade (TARTUCE, 2017, p. 346).
Não se pode olvidar, também, que há causas excludentes de nexo de causalidade, que, para a doutrina, relacionam-se com a teoria do dano direto e imediato, não afastando, todavia, a teoria da causalidade adequada. São estas: a culpa exclusiva ou fato exclusivo da vítima; culpa exclusiva ou fato exclusivo de terceiro e o caso fortuito e força maior (TARTUCE, 2017, p. 347 - 348).
Quanto ao dano, este é a consequência em si, é o resultado do ilícito. Pode ser de caráter moral (ofende direitos de personalidade), patrimonial, estético, entre outras espécies (FERREIRA, 2015, p. 26).
Ademais, os últimos elementos dignos de destaque são a responsabilidade civil objetiva e subjetiva. Para a objetiva, preocupa-se apenas com o elo entre a conduta e o dano, ou seja, a intenção do agente é irrelevante para a sua configuração, bastando tão somente a conduta. Segundo Sílvio de Salvo Venosa (2007, p. 09) citado por Erika Emanuelle de Barros (2016, p. 33):
A teoria da responsabilidade objetiva, presente na lei em várias oportunidades, que desconsidera a culpabilidade, ainda que não se confunda a culpa presumida com a responsabilidade objetiva. A insuficiência de fundamentação da teria da culpabilidade levou à criação da teoria do risco, com vários matizes que sustenta ser o sujeito responsável por riscos ou perigos que sua atuação promove, ainda que coloque toda diligência para evitar o dano. Trata-se da denominada teoria do risco criado e do risco benefício.
Destarte, esta deve ser contemplada em casos previstos em lei, e não regra geral, considerando suas características (BARROS, 2016, p. 33). Já na subjetiva, a culpa é analisada para fins de caracterização, ou seja, a conduta deve ser valorada para que possa identificar se a conduta, de fato, é responsável pelo ilícito ocorrido (BARROS, 2016, p. 33).
2.5 ABANDONO AFETIVO INVERSO E RESPONSABILIDADE CIVIL
É sabido que o direito visa regular as relações sociais, controlando os comportamentos desviados. Assim, o legislador, por meio das normas, proíbe, impõe ou permite determinados comportamentos (BARRETO, 2018).
O abandono afetivo inverso, apesar de ser um tema recente para a doutrina e jurisprudência, não é novidade no nosso cotidiano. Diariamente, estamos diante de diversas situações em que os idosos são deixados em asilos, sem nenhuma visita; idosos que, apesar de morar em casa própria, sofrem com a miséria por não ter um amparo material, entre outras situações.
De fato, não se trata apenas de dinheiro, mas sim da assistência em todos os seus aspectos. Sendo assim:
Entende-se por abandono afetivo inverso a falta de cuidar permanente, o desprezo, desrespeito, inação do amor, a indiferença filial para com os genitores, em regra, idosos. Esta espécie de abandono constitui violência na sua forma mais gravosa contra o idoso. Mais do que a física ou financeira, a omissão afetiva do idoso reflete uma negação de vida, o qual lhe subtrai a perspectiva de viver com qualidade. Pior ainda é saber que esta violência ocorre no seio familiar, ou seja, no território que ele deveria ser protegido, e não onde constitui as mais severas. (SANTOS, 2016, p. 8 apud COSTA, 2017, p. 33)
Inclusive, o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco Jones Figueirêdo Alves, além de conceituar o abandono afetivo inverso como a inação de afeto, a ausência de cuidado dos filhos com o com os genitores, geralmente, idosos, entende que é premissa para possível responsabilização cível (SILVA, 2015, p. 11 apud COSTA, 2017, p. 35).
Apesar da Constituição Federal e o Estatuto do Idoso tutelarem esta classe, lamentavelmente, em alguns casos, não passa de “letra fria”, posto que não há aplicabilidade. E tal fato pode ser comprovado pelas inúmeras notícias veiculadas pelos meios de comunicação, que mostram o descaso de filhos, sobrinhos, netos, com seus familiares idosos. A título de ilustração, impende destacar alguns.
Em 14 de Julho de 2018, o site do G1 de Santa Catarina publicou uma notícia acerca de uma idosa que fora abandonada, no dia 11 de julho do mesmo ano, na porta de um asilo particular.
As câmeras de vigilância flagraram o momento em que esta fora deixada na porta, com suas malas, por volta das 23 horas, no frio de cerca de 10°. Esta morava com seu sobrinho e a esposa, e, segundo esta, a convivência não era mais possível. Posteriormente, hospedou-se na casa de uma conhecida, e, segundo a notícia, a prefeitura estava tentando conseguir uma vaga para esta em um asilo público.
Outra notícia, e ainda mais chocante, fora publicada no site do Gazeta Online, em 08 de maio de 2016. Uma idosa de 102 anos fora encontrada dentro da residência, abandonada, desidratada e coberta por fezes. Não andava devido à uma fratura no fêmur, e seu filho havia a abandonado por pelo menos 2 dias. Desesperada, conseguiu gritar por socorro, sendo socorrida pelos vizinhos e pela polícia.
O Portal do Envelhecimento também publicou, em 06 de março de 2014, relatos de alguns idosos que não recebem visitas. Estes, apesar de possuírem apoio material, são completamente abandonados pelos familiares, sendo os funcionários dos asilos, bem como os outros idosos, a sua companhia.
Daí, questiona-se, até que ponto uma vida é respeitada? Até quando pessoas serão consideradas descartáveis por alguns? A dignidade da pessoa humana, a solidariedade, bem como a afetividade são absolutamente violados em casos como estes, e tantos outros casos que ocorrem diariamente.
Assim sendo, a doutrina e jurisprudência vêm se posicionando acerca da possibilidade de reparação civil pelo abandono afetivo inverso. O que se busca responsabilizar é o ato voluntário de deixar de prestar o devido auxílio material e afetivo, importantes para a boa convivência, que podem acarretar em consequências imensuráveis para a parte atingida (COSTA, 2012, p. 58).
O abandono é, pois, uma violação à personalidade da vítima. Ante a impossibilidade de se auferir o dano propriamente causado, resulta a obrigação de indenizar (COSTA, 2012, p. 60).
Muitos são os casos de abandono afetivo dos pais com os filhos. Cria-se, desta forma, precedentes para os casos em que há o abandono afetivo inverso, o que leva à consolidação dos direitos dos idosos nos regramentos legais supramencionados (FERREIRA, 2015 , p. 33).
Bárbara Drielly Lira Ferreira (2015, p.34) afirma que atualmente a jurisprudência é dividida quanto à possibilidade de responsabilização civil do abandono afetivo. Segundo esta, alguns se posicionam no sentido de que a indenização visa punir financeiramente, prevenir e educar. Já alguns, entendem que possibilitar tais indenizações é permitir a desvalorização do afeto e seu enaltecimento pecuniário.
Acerca das negativas do Poder Judiciário ao instituto da responsabilidade civil, impende colacionar a seguinte decisão, verbis:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO - ATO ILÍCITO – INEXISTÊNCIA - DEVER DE INDENIZAR - AUSÊNCIA. A omissão do pai quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, eis que ausente o ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização V.V. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDO O RELATOR. Haja vista, de acordo com o artigo 186 do Código Civil, São, portanto, quatro os pressupostos do dever de indenizar: ação ou omissão, culpa ou dolo, relação de causalidade e dano experimentado pela vítima, conforme segue: Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (Apelação Civil n° 1.0251.08.026141-4/001 apud FERREIRA, 2015, p. 36)
Em contrapartida, o Superior Tribunal de Justiça entende há um tempo a possibilidade de valoração do afeto. Neste sentido a Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial n° 1.159.242 – SP, se posicionou no sentido de que é possível existir o dano moral nas relações familiares (FERREIRA, 2015, p. 39). Inclusive, o Ministro Sidnei Beneti, em seu voto, aduziu o seguinte:
Assim, em princípio, é possível a indenização por dano moral, decorrente do abandono de filho, agravado por tratamento discriminatório em comparação com outros filhos, não importando seja, o filho lesado, havido em virtude de relacionamento genésico fora do casamento, antes ou depois deste, nem importando seja o reconhecimento voluntário ou judicial, porque a lei não admite a distinção, pelos genitores, entre as espécies de filhos – naturais ou reconhecidos. (BENETI, Recurso Especial nº 1.159.242-9 – SP, pág. 02)
O dano, em casos como este, deve ser evidente, tratando-se de responsabilidade civil subjetiva. Logo, faz-se necessária a demonstração da conduta do agente, que tenha afetado o bem-estar e/ou a integridade física da vítima, para que o julgador possa, com base nas circunstâncias, arbitrar, ou não, a indenização (FERREIRA, 2015, p. 37).
Nessa conjuntura, considerando que não há previsão legal acerca do abandono afetivo inverso, é permitido ao juiz, valendo-se da analogia, utilizar-se de soluções em casos de abandono afetivo infantil para fundamentar suas decisões, em respeito à dignidade da pessoa humana, da igualdade, e de todos os outros direitos constitucionalmente estabelecidos, posto que o interesse do idoso deve prevalecer (FERREIRA, 2015, p. 40).
De fato, não há como compensar a vítima proporcionalmente pelos danos sofridos. É bastante comum, inclusive, que alguns idosos apresentem casos de depressão, desinteresse, falta de apetite, entre outros sintomas, decorrentes das decepções sofridas pelo abandono (FERREIRA, 2015, p. 26).
Dinheiro nenhum paga uma mágoa, o abandono, a falta que alguém faz, isso é fato. Mas o direito pode e deve buscar a solução mais adequada para, pelo menos, reduzir as consequências.
Dessa forma, acertadas são as decisões dos tribunais espalhados pelo território brasileiro, que reconhecem o dever de indenizar em situações de abandono. O Judiciário deve se humanizar cada vez mais, buscando, desta forma, minimizar os estragos de uma sociedade egoísta, que desvaloriza aqueles que contribuíram para sua chegada até ali.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou demonstrar a possibilidade de responsabilização civil pelo abandono afetivo inverso.
Conforme fora exposto, a Constituição Federal e o Estatuto do Idoso determinam que incumbe ao Estado, aos familiares e à sociedade assistir os idosos, além de assegurar a sua participação na sociedade, garantindo-lhes a dignidade, bem-estar e o direito à vida.
Em consonância com os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da afetividade, e da proteção ao idoso, nosso ordenamento jurídico busca a proteção integral do idoso, não se restringindo apenas aos hipossuficientes.
De fato, a sociedade muda constantemente e, com estas, as concepções de família também. Contudo, o que não pode ser alterada é a importância dos idosos no âmbito social e familiar.
Estes carecem de auxílio material e afetivo (em seu sentido subjetivo positivo), o que muitas vezes não ocorre. Como fora visto, é bastante comum nos depararmos com situações em que os pais são abandonados em asilo sem qualquer visita, idosos que não possuem renda e nenhum familiar o assiste, entre outras situações.
Doutra banda, não há na legislação pátria vigente referência direta ao abandono afetivo inverso. Contudo, a doutrina e jurisprudência já tratam sobre, em que há alguns julgados em que os magistrados aplicam analogicamente as soluções em casos de abandono afetivo infantil para fundamentar suas decisões, em respeito à dignidade da pessoa humana, da igualdade, e de todos os outros direitos constitucionalmente estabelecidos, posto que o interesse do idoso deve prevalecer.
Sendo assim, entendemos ser razoável a responsabilização civil pelo abandono afetivo inverso, uma vez que não há como desfazer os abalos psicológicos e morais sofridos pelo idoso, sobretudo à sua dignidade. Apesar de ser uma pena de natureza pecuniária, esta visa punir os agentes pelo descaso, desrespeito e falta de humanidade nos seus atos, bem como minimizar o sentimento de abandono sofrido pelos idosos. Desse modo, o interesse do idoso sempre deve prevalecer.
Não se pode comprar o amor, a companhia e as boas relações, isso é um fato. Contudo, abandonar alguém, no momento mais frágil da vida, é o maior ato de egoísmo que um ser humano pode cometer. Nascemos e nos desenvolvemos com o apoio de pais, avôs e tios, que nos impulsionam e investem em nosso crescimento, e o mínimo que estes merecem é a nossa contraprestação.
Não podemos descartar as pessoas como se estas nada sentissem. Falta paciência, compreensão e discernimento dos mais jovens com a situação dos idosos. Em verdade, a juventude é eterna apenas nos corações, e estes jovens, um dia, também serão idosos e merecedores do amparo que muitas vezes se negam a dar.
Portanto, compadecer-se pela situação do outro é a maior atitude que um ser humano pode ter. Humanizem-se.
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[1] Graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia. Pós-Graduada em Direito Civil e Processual Civil na especialização lato sensu promovida pela ESA/OAB em parceria com a Faculdade Maurício de Nassau. Professora Auxiliar da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), E-mail: [email protected]
Acadêmica de Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Marília Eugênia Constantino. Aspectos jurídicos do abandono afetivo inverso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2018, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52489/aspectos-juridicos-do-abandono-afetivo-inverso. Acesso em: 23 dez 2024.
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