1.1 FASES DA HISTÓRIA DE ROMA
A história de Roma é dividida, ao menos didaticamente, em três grandes momentos históricos: a Realeza (753 a. C – 509 a. C), a República (509 a. C. – 27 a. C.) e o Império (27 a. C. – 476). Essa última fase é divida em Principado ou Alto Império e Baixo Império.
Com a queda do império romano do ocidente, cuja capital era Roma, nas mãos de povos designados como "bárbaros" pelos romanos, em 476, iniciou o período do medievo na Europa ocidental; por sua vez, o império romano oriental (com a capital em Constantinopla) resistiria por mais dez séculos e somente cairia em 1453, nas mãos dos turcos otomanos, marco inicial da Idade Moderna.
Embora o Império Romano tenha terminado em 476, com a queda do último imperador romano do ocidente, a derrota romana na segunda Batalha de Adrianópolis (378) e o ataque a Roma pelos godos, chefiados por Alarico, em 410, foram fatores decisivos para o enfraquecimento do império ocidental.
1.2 OS REIS
Em Roma, a vida política era ligada à vida militar. O antigo romano era civis e milis, isto é, cidadão e soldado. No que diz respeito aos primeiros séculos da história de Roma, em especial, no período da Realeza, a ausência de uma divisão nítida entre militar e civil impediu o surgimento de uma jurisdição militar especializada.
Muito pouco se sabe dos antigos Reis romanos. Dos sete reis, somente os três últimos, de origem etrusca: Tarquínio Prisco (o Antigo); Sérvio Túlio e Tarquínio (o Soberbo) são os mais conhecidos. Os outros quatros: Rômulo, Numa Pompílio, Túlio Hostílio e Anco Márcio são mais conhecidos pelas lendas do que pela história.
Nesses primeiros séculos da existência de Roma, o rei (rex) concentrava todos os poderes, inclusive o poder militar e o religioso. Por isso, ao tempo da Realeza, o rei, como autoridade máxima, era, ao mesmo tempo, o chefe do poder civil, o chefe do poder militar e o chefe do poder religioso. O seu cargo era vitalício, mas não hereditário e o crime contra o monarca era um sacrilégio, passível de morte.
Relata Luiz Antônio Rolim (2000, p. 36) que, apesar de amplos os poderes reais não lhe cabia "criar" o direito, mas sim aplicar as sentenças de acordo com a vontade dos Deuses, esses sim criavam o direito através dos sacerdotes. O direito era consuetudinário.
O rei, além de outros auxiliares, era assistido principalmente pelo Senado (senatus). As leis eram votadas nos comícios (comitia), mas para que elas fossem válidas deveria ser confirmadas pelo Senado (senatus consultum).
Ainda, em relação ao Senado, explica Luiz Antônio Rolim (2000, p. 36) que no início ele foi constituído pelos patres de famílias patrícias, que exerciam a função de "conselheiros do rei", fiscalizavam as despesas públicas, deliberavam a respeito do recrutamento militar e relações com povos estrangeiros, além da prerrogativa de ratificar as decisões das assembleias populares (comitia). Mas, complementa Luiz Antônio Rolim (2002, p. 37) que por volta de 540 a. C. Sérvio Túlio concedeu o direito aos plebeus de participar das votações das assembleias populares, surgindo as comitia centuriata.
Nessa época parece que a participação dos plebeus no Senado era parcial, porque somente com Lex Ovinia (312 a. C.), que equiparava os senadores plebeus aos senadores patrícios, atribuindo aos conscripti o direito de voto, que até aí estivera reservado aos patre, é que o Senado admitiu a participação efetiva dos plebeus. Daí a fórmula patres conscripti para designar o Senado na sua totalidade.
Em relação às questões militares, o rei possuía vários auxiliares, como o tribunus celerum, chefe da cavalaria; os quaestores parricidi, os instrutores das causas relativas a crimes de elevada gravidade como, por exemplo, crimes de alta traição, de homicídios etc. Eram dois quaestores parricidi, cuja origem é lastreada aos primeiros reis romanos (Rômulo e Numa), mas que o instituto já existia ao tempo do terceiro rei de Roma (Túlio Hostílio) é certa (KNIGHT,, 1841, p. 190).
De qualquer forma, embora existissem outras instituições na Realeza romana, inclusive com a participação popular, o rei detinha o controle sobre todas as causas. Conforme observa André Taillefer (1895, p. 8), o rei reunia em suas mãos todos os poderes, até mesmo o religioso e todas as jurisdições; ele tinha o direito de vida e morte, sem recurso. Inclusive o Senado, uma das instituições mais tradicionais da Roma Antiga era apenas um órgão consultivo, cujas decisões podiam ser ignoradas pelo rei. Assim, nessa primeira fase do direito militar romano, os soberanos concentravam-se em suas mãos todos os poderes, inclusive o de julgar. Não havia, portanto, espaço para o desenvolvimento de uma justiça especializada, uma vez que cabia a mesma pessoa a decisão final dos diversos assuntos. Naquela época, os militares, como os outros cidadãos foram submetidos à autoridade do rei (rex).
1.3 PROVOCATIO AD POPULUM
O instituto consistia no direito do cidadão romano de invocar o pronunciamento da assembleia popular para apreciar sua conduta, em relação à decisão de um magistrado contra sua vida ou quanto ao seu patrimônio.
É controversa a origem do instituto, e muitos colocam sua origem como simultânea à própria criação da República romana. Originariamente é atribuído a Valério Publícola (509 a. C.), no entanto o instituto aparece formulado em, ao menos, duas outras ocasiões: 449 e 300 a. C., posteriormente.
Outros defendem que o aparecimento do provocatio ocorreu ainda durante a Monarquia, o que também foi assinalado por Tito Lívio, todavia naquele período (Monarquia) o instituto esteve ligado à ideia de uma graça, uma faculdade concedida pelo rei e não como norma legal a ser seguida. Mas, de todo modo, provocatio ad populum como garantia fundamental frente ao poder dos magistrados romanos se destacou na época da República romana.
Quanto ao alcance, conforme relata Federico Fernadez de Buján (2010, p. 24), parece que, nos tempos remotos, a provocatio ad populum se produzia sobre todas as ações criminais sancionadas com a pena capital e com repercussão no âmbito político. Paulatinamente, continua o autor, a provocatio ad populum se estendia e podia ser exercitado por qualquer cidadão romano, homem ou mulher, condenado não somente a pena de morte, mas também a uma pena de quantidade superior a 3020 ases.
Ainda ocorreu um aumento de seu âmbito de competência, porque num primeiro momento era necessário que o crime ocorresse dentro dos muros da civitas de Roma e mais tarde se admitiria o exercício do ius provocationes a respeito de crimes ocorridos em todo império romano, conforme destaca Federico Fernadez de Buján (2010, p. 24).
Em relação ao exercício, a provocatio ad populum era praticada pela comitia centuriata contra as decisões dos magistrados, mesmo os de alto nível, detentores do imperium. Só não estava sujeito à provocatio ad populum o ditador.
E quanto aos crimes cometidos por militares, admitia-se a provocatio ad populum? É controverso. Conforme destaca André Taillefer (1895, p. 11) até o Império, as sentenças emanadas juízes militares não poderiam ser atacado por meio de recurso; a provocatio ad populum havia sido proibida, já que os interesses da disciplina exige uma rápida punição do culpado.
Por outro lado, Federico Fernadez de Buján (2010, p. 24) reconhece a controvérsia do tema, mas aponta que alguns autores chegaram a admitir a possibilidade da provocatio ad populum, a respeito de condenação à pena capital cometida por militar e sancionada por um magistrado com imperium militae, salvo o feito de delitos tipificados como militares, como a deserção e a traição entre outros.
Em momentos de crise extrema, a República nomeava um ditador, o único magistrado com poder supremo por seis meses, que não era muito frequente, mas durante o Século I a. C. pessoas como Silla (ou Sulla) ou César tomaram o poder pela força e utilizaram esse título (GOLDSWORTHY, 2005, p. 215). Nas mãos desse magistrado excepcional eram concentrados todos os poderes. O ditador possuía um poder absoluto de vida e morte sobre todos, cidadãos e soldados e suas decisões eram sem apelação, porque nem mesmo se admitia provocatio ad populum.
1.4 OS CÔNSULES
Na República, o rei é substituído por uma dupla magistratura anual: o Consulado. Os dois integrantes desse órgão de poder, durante da República romana eram eleitos pelo comitia centuriata (dada à natureza militar da investidura), e durante grande parte da República cumpriram o papel político da autoridade real em Roma.
Assim, os cônsules mantiveram o poder disciplinar em relação aos soldados bem como a jurisdição penal. Ainda, os cônsules eram os chefes, com direito de vida ou de morte sobre eles. De certa forma pode-se afirmar que os cônsules substituíram o poder dos antigos reis em relação aos militares, porque possuíam o imperium majus. O termo majus significa um poder superior a todos outros poderes de imperium existentes na República.
Matthew Bunson (2002, p. 150) aponta que as tarefas de um cônsul eram variadas: suas leis poderiam ser apeladas pelo povo, vetadas pelos tribunos e severamente restringidas por qualquer um nomeado como ditador; no entanto, os cônsules podiam controlar suas próprias administrações, decidir os casos civis e criminais nas legiões e preparar resoluções para se tornarem leis. Em Roma, cônsules tinham o direito de convocar o Senado e o comitia, como também possuíam a função de realizar as eleições de ditadores e membros das comitia.
Os cônsules, embora com poderes amplos dependessem em determinados aspectos do Senado. As funções do Senado na República era um órgão consultivo (aliás, como na Realeza) e como tal referendava as decisões dos magistrados republicanos.
Ademais, o cônsul também dependia do Senado para fazer com que ele aprovasse ou não às suas aspirações e aos seus projetos. Outra limitação ao poder desses magistrados era o próprio veto do outro colega, uma vez que o Consulado era um órgão colegiado e um deles podia intervir nas decisões do outro (ius intercessionis).
Contudo, os cônsules eram magistrados detentores de imperium, pelo que podiam comandar exércitos. E mais, eles detinham poder suficiente para paralisar ou modificar as decisões tomadas por magistratura de menor investidura como os pretores, ediles, questores entre outros.
Esses magistrados (cônsules) começariam a perder grande parte de seus poderes no Século I a. C. com a eclosão de guerra civil e o primeiro e segundo triunviratos, bem como a posterior ascensão de Augusto (27 a. C.), com a criação de novas funções, como, por exemplo, o pretor romano destinado a apreciar litígios entre os cidadãos romanos ou pretor peregrino quando envolvia estrangeiros, conforme adverte Luiz Antônio Rolim (2000, p. 48-49).
Dessa forma já no Principado, os poderes dos cônsules são bastante reduzidos e transformados, desprovidos de qualquer autoridade fora da Itália, e mesmo na Itália também não possuíam comando militar.
Por sua vez os cônsules passariam a exercer novas funções em especial honoríficas, embora não muito significativas no âmbito político. O cargo de Cônsul vai se tornando cada vez mais apenas o direito de obter uma magistratura que dá prestígio e honra para aqueles que a ocupam do que uma função de destaque político.
Inclusive, com uma grande rotatividade para beneficiar maiores números de pessoas. Emílio Costa (1906, p. 287) adverte que anual que era, o Consulado é reduzido para semestral nos primeiros anos do Principado; tornou-se trimestralmente e por vezes bimestral já no tempo de Nero, e depois foi sendo bimestral normalmente.
Os meios para designar o cônsul já não era exclusividade das assembleias, por isso foi muito normal que eles fossem selecionados pelo próprio imperador, que também passariam a dispensar os cônsules com certa frequência e facilidade.
Aponta Matthew Bunson (2002, p. 151) que com a divisão do Império os cônsules também foram divididos: no oriente o imperador absorveu esta função, como o título de Cônsul perpétuo e no Ocidente a função desapareceria completamente em 534.
Agora, antes de prosseguir na análise das magistraturas que exerciam o comando e a jurisdição penal militar romana, necessário se faz uma análise das legiões e do exército romano.
1.5 AS LEGIÕES ROMANAS
O romano, em grande parte da história de Roma, compunha as chamadas legiões, mesmo porque, durante a República e mesmo em certos períodos do Império, não havia exército romano propriamente dito, mas legiões comandadas por um general ou alto magistrado.
As legiões representavam uma elite militar. Em seguida na hierarquia vinham os tribunos militares, a quem cabia o comando de determinado número centúrias, que formava uma coorte. Abaixo dos vinha outras linhas de comando, cuja figura principal era o centurião.
Na fase da República, a jurisdição militar romana, foi particularmente exercida pelos tribunos militares das legiões, bem como pelos oficias como o centurião, que exerciam o imperium militae, ainda que houvesse os cônsules, com o seu imperium majus.
Assim, nas palavras de D. Antônio Sánchez-Gijón (2002, p. 150) a administração da justiça da Roma Republicana se exercia no seio das legiões romanas pelos tribunos, que podiam impor a pena capital, mas os tribunos podiam delegar essas funções de justiça aos oficiais e, em alguns casos, se formavam um consilium de magistrados.
Embora no Exército Republicano e mesmo no Alto Império uma legião contasse com 4000 a 6000 homens, no século IV o tamanho parece diminuir para 1000 a 1200 homens, conforme observa Adrian Goldsworthy (2005, p. 215).
Todavia, a legião-tipo continha um pouco mais de 5000 homens (cidadãos romanos) organizados em 10 coortes, cada qual com 6 centúrias (equivalentes a três manípulos) de 80 homens (correspondente a 10 contubernia de 8 homens que ocupavam a mesma tenda) (MONTEIRO et. al., 2009, p. 33).
Essas legiões eram formadas por cidadãos romanos, como regra geral; mas em alguns casos foi atribuída a um bárbaro a condição de legionário (MONTEIRO et. al., 2009, p. 39). Geralmente um legionário servia por 20 a 25 anos (entre a idade dos 20 a 45 anos de idade).
João Gouveia Monteiro (2009, p. 31) observa que o Exército de Augusto era muito hierarquizado, reunindo tropas de elite e tropas de primeira, segunda e terceira linhas e o mesmo autor (2009, p. 86) resume sinteticamente a história de vários séculos do Império Romano da seguinte forma abaixo especificada.
Augusto (27 a. C – 14 d. C.), o fundador do Exército imperial, o construtor do território; Trajano (98 – 117), um grande conquistador; Adriano (117 – 138), o arquiteto da paz, interessado como poucos pela boa qualidade do Exército, e quem soube imprimir ao expansionismo romano uma interação entre as culturas e um sentido de convivência entre os povos; Septímio Severo (193 – 211), Galieno (260 – 268) e Diocleciano (284 – 305), os grandes reformadores do Exército em permanente evolução e, por fim, Constantino I (312/324 – 337), talvez o mais completo no plano militar (bom estratégico, taticamente inovador, reformista).
Quanto ao recrutamento romano, ele passou por várias fases. No início ocorria o simples arrolamento dos cidadãos válidos, como ocorria na Realeza e nos primeiros dias da República.
João Gouveia Monteiro (2009, p. 37) comenta que até o século II a. C. o recrutamento era feito entre todos os cidadãos romanos, que possuía propriedade suficiente para a guerra, mas em aproximadamente 107 a. C. houve uma reforma associada a Gaio Mário, que permitiu o acesso dos mais pobres ao Exército, que evoluiu para um tipo profissional (ou semi profissional).
Nesse novo sistema a vida militar deixava de ser uma parte da vida do cidadão romano para se tornar uma carreira, alguns inclusive utilizavam a vida militar para fugir à pobreza que lhe assolava, conforme recorda Adrian Goldsworthy (apud João Gouveia Monteiro 2009, p. 38). Era a época da formação dos Exércitos permanentes.
Quanto ao recruta João Gouveia Monteiro (2009, p. 39) relata que, geralmente era selecionado dentre os 18 anos aos 20/21 anos e excepcionalmente aos até aos 30 anos e estava sujeito a uma junta médica (a probatio) para verificar a higidez física e mesmo atributos intelectuais como falar o latim e em alguns casos exigia-se também a capacidade de escrever e contar.
Durante a República, principalmente, Roma utilizava de exércitos dos estados clientes, como Germânia, África e Danúbio, além das legiões para a defesa do Império. Essas tropas eram denominadas de tropas auxiliares (auxilia) do Exército imperial e atuavam em especial na região de fronteiras. A possibilidade de conceder a cidadania romana integral depois de 25 anos de serviço foi uma grande incentivo.
No Baixo Império o sistema se degradou, com o surgimento do recrutamento direto (como a requisição) ou indireto, quando se determinava ao proprietário fundiário o número de recrutas a ser fornecido por cada província. Constantino I, inclusive permitiu a substituição de recrutas por um pagamento em ouro. Essas novas formas de recrutamento tornou-se visível a partir de Diocleciano (284-305), o que comprometeu a qualidade dos Exércitos, conforme observado por João Gouveia Monteiro (2009, p. 40).
Quanto à hierarquia do exército romano é complexa e depende essencialmente do momento histórico de cada época. Outro fator relevante é a existência de agentes públicos detentores de poderes sobre a tropa que não eram militares de carreira. A seguir foram selecionadas as principais figuras que exerceram poder disciplinar e jurisdição penal militar sobre as tropas (naquela época as funções de exercício do poder disciplinar e as funções do exercício do poder jurisdicional muitas vezes se reuniam numa mesma pessoa).
1.6 PRAEFECTI PRAETORIO
A designação de Praefecti ou Prefecto possui diversas designações: De acordo com Adrian Goldsworthy (2005, p. 216) pode ser compreendido em três acepções: a) um dos três oficiais em mando de uma ala republicana e, equivalente, de fato, a um tribuno de uma legião; b) governador de uma província equestre, por exemplo, a Judeia, até o ano 66 d. C. ou Egito; c) comandante de um regimento na Antiguidade tardia. Mas, o que interessa aqui é o Praefecti Praetorio.
Nos tempos de Augusto, foi criada a função de Prefeito do pretório (Praefecti praetorio), a quem Augusto confiou à tarefa de decidir sobre as questões militares. Conforme observa José Carlos Moreira Alves (2004), os prefeitos representavam o próprio Princeps e uma das principais funções era a de Praefecti praetorio, o qual, segundo o autor, contava com o número variável de dois ou três e exerciam de início funções militares, já que comandavam a Guarda Imperial e as tropas de Roma e da Itália.
Depois lhe foram atribuídas à jurisdição criminal na Itália e suas funções acabaram predominando sobre as militares, razão pela qual, conclui José Carlos Moreira Alves (2004) que notáveis jurisconsultos italianos foram prefeitos do pretório.
Segundo André Taillefer (1895, p. 13-14) sua jurisdição era ilimitada, exceto para os centuriões e outros oficiais superiores, para os quais seus poderes foram mais limitados. Ainda, relata o autor que, originalmente, admitiu-se o recurso contra as decisões destes magistrados, mas quando eles se tornaram os verdadeiros mestres do Império, seus julgamentos foram finais.
Acrescenta o autor que estes prefeitos foram colocados acima de tudo, dos magistrados e dos juízes e todas as chamadas foram trazidas perante a eles. Nenhum recurso havia contra suas decisões, que não a invocação da clemência Imperial.
1.7 OS TRIBUNOS MILITARES
É costumado inflacionar a importância dos tribunos militares, em relação às questões militares, no exército romano. No entanto, conforme observa Matthew Bunson (2002, p.554), originalmente, esses tribunos militares tiveram papel relevante nas legiões da República, mas tiveram um papel reduzido nas legiões imperiais. Desde a época de Júlio César, continua Matthew Bunson (2002, p.554), os tribunos deixaram as posições de topo nas legiões por causa do aumento dos legati, que passaram a dirigir as legiões.
Os tribunos, no princípio foram eleitos pelo povo e, mais tarde, em conjunto com os cônsules. A maioria deles eram oriundos do Senado ou da classificação equestre. Eram seis a cada ano por legião e apenas em caráter de exceção um centurião era nomeado como tribuno. A ordem equestre (equite), por exemplo, originalmente compunha-se de pessoas bastante ricas para custear seus equipamentos na milícia armada. O nome equite foi adotado pela classe social abaixo da classe senatorial (GOLDSWORTHY 2005, p. 215).
Raramente participavam de combate, já que eram jovens e serviram o exército apenas na esperança de melhorar-se politicamente. Dessa forma, as maiorias desses tribunos tinham pouca experiência da vida militar, embora alguns embora alguns deles tivessem servido como ajudante de ordens de um general ou um comandante.
De certa forma, a passagem pela magistratura de tribuno era parte da carreira política. Por exemplo, o tribuna sênior, um membro da classe senatorial (tribuno laticlávio), vislumbrava, ao seu tempo, as legiões como um passo necessário do cursus honorum ou burocracia governamental (BUNSON, 2002, p. 308).
1.8 O LEGATUS
O General foi o mais alto grau militar da hierarquia romana, e muitos cargos importantes da Roma Antiga foram ocupados por generais, como cônsules, ditadores, legatus e mesmo imperadores. Por exemplos: Cipião o africano, Sila, Mário, Pompeu e Júlio César, figuras eminentes da época na República romana e Constantino I, o grande, no Império foram generais. O próprio termo Imperator, na sua origem, significava um general vitorioso que tivera sido aclamado pelos seus generais e por sua tropa.
Nesse contexto uma figura em destaque era o legatus, o comandante de uma legião, e que foram membros da classe senatorial. Na República, os legati (plural de legatus, em latim) ou legados foram essencialmente úteis para administração provincial, auxiliando os governadores locais e como comandantes de todas as tropas estacionadas na região.
Segundo Adrian Goldsworthy (2005, p. 215), durante o Principado havia duas classes de legados imperiais: a) el legatus Augusti propraetori, cada um deles a cargo de uma da províncias imperiais (exceto o Egito), que contivesse uma guarnição legionária; e b) el legatus legionis, para quem se reservava o comando de uma legião. Como as legiões pertenciam quase exclusivamente às províncias imperiais, seus comandantes foram denominados legates, os representantes do Imperador, embora existissem as províncias senatoriais.
Nas províncias do imperador, os casos graves foram julgados pelo Presidente da província; os menos graves foi reservado aos legatus, comandante da legião; nas províncias do senado, ao contrário, não tinha o procônsul jurisdição penal completa, se ela não tivesse sido especialmente delegada pelo Imperador (TAILLEFER, 1895, p. 13-14). Isso é uma decorrência da perda de poderes de Senado e o consequente aumento dos poderes do princeps.
Uma diferença importante entre os procônsules da República e o império estava no poder sobre as tropas. O procônsul na República comandou quaisquer legiões em sua província, enquanto um procônsul imperial não possuía unidades disponíveis para ele (BUNSON, p. 455).
Durante República, o Senado possuía o direito exclusivo de conceder o majus - uma autoridade superior a um governador (imperium proconsulares) em uma dada região ou no império inteiro -, mas durante o império não tiveram esse poder. Em 23, embora não mais um cônsul, Augusto recebeu os títulos de imperium majus e tribunicia potestas, o que lhe deu o controle sobre as províncias, o Senado, e do Estado (BUNSON, 2002, p. 60).
Os legados mantiveram posições inalteradas até a reorganização do império de Diocleciano, quando a diferenciação entre províncias imperiais e senatoriais foi encerrada e, mais tarde, com as alterações introduzidas no Exército, o posto de legado sofreu uma nova transformação (BUNSON, 2002, p. 306).
1.9 O MAGISTER MILITUM.
O magister militum foi um dos maiores títulos outorgados aos maiores oficiais dos exércitos romanos especificamente durante os séculos IV e V. Observa André Taillefer (1895, p. 14) que Constantino mudou as atribuições dos prefeitos pretorianos ao reservar a eles toda a administração civil do Império, removendo deles os poderes militar.
Segundo o autor, eram três magister militum para o Ocidente, sendo um na Gália; cinco para o Oriente: eram três para as fronteiras, por Orientem, por Thraciam, por lllyriam, o dois outros permaneceram juntos ao imperador (Praesentales) (TAILLEFER 1895, p. 14).
Confirma Matthew Bunson (2002, p. 341) que foi por decisão de Constantino, o Grande, a iniciativa de reduzir ainda mais o poder do prefeito da Guarda Pretoriana, já despojado de certa autoridade militar por Diocleciano. Assim o prefeito foi removido completamente do campo do generalato e para substituí-lo, continua Matthew Bunson (2002, p. 341), Constantino nomeou dois funcionários de confiança: o magister equitum e magister peditum: o primeiro para a cavalaria e o segundo para infantaria, os quais eram para trabalhar juntos, de forma colegiada no sentido de assistir bem como apoiar um ao outro.
Mas com o tempo, conclui o autor, o magister peditum assumiu uma posição ligeiramente superior, e quando um dos comandantes não podia estar presente o outro assumia o comando de ambos os contingentes, supostamente sob a autoridade do outro (BUNSON, 2002, p. 341).
Posteriormente os termos caíram em desuso e surgiu uma variedade de nomes para descrever os generais como magister equitum et peditum; magister utriusque militae; magister armorum; magister rei castrensis; pedestris militae rector, Todos esses títulos aparecem nos escritos de Amiano Marcelino, mas uso comum os reduziu a um simples - magister militum (BUNSON, 2002, p. 341).
Assim, complementa D. Antônio Sánchez-Gijón (2002, p. 150) que Constantino introduziu uma especialização do poder judicial ao criar os magistri armorum e magistri militum e nessa estrutura percebe-se uma administração de justiça militar plenamente diferenciada, pois se fixou de modo claro a noção do General do Exército, como juiz (Codex, De Re Militari, 18, § 3°).
Consoante Matthew Bunson (2002, p. 310), o surgimento do poderoso magister militum ajudou a desagregação da unidade militar à medida que os títulos magister equitum, peditum ou militum passaram para nas mãos dos generais alemães, o destino do Ocidente estava selado.
Na antiguidade romana tardia (Baixo Império) surgiram ainda novas funções de caráter superior na hierarquia militar, como o Dux, oficial romano de grande importância no exército romano tardio; o Comes, importante oficial do período tardio do Império romano em um dos exércitos de campos (comitatanses); o Praepositus, um comandante de uma unidade do exército romano, em aparência, era praticamente sinônimo de tribuno ou prefeito, entre outros.
Analisado o primeiro escalão de poder no exército romano analisa-se agora a classe de que hoje poderia denominar de oficiais intermediários, uma espécie de ligação entre o alto comando e os oficiais subalternos e base da tropa. Nesse aspecto os militares de carreira tornaram mais constantes. O principal desses oficiais intermediários é, sem dúvida nenhuma, o centurião, a chave do funcionamento de toda a estrutura militar.
1.10 O CENTURIÃO
Embora não fosse um oficial de grau tão elevado, era sim o comandante mais presente, tanto no campo do treinamento, quanto na disciplina da tropa. Cabia ao centurião o comando e administração de uma centúria.
Um grau acima do centurião estava o Praefectas castrorum. O prefeito do campo se responsabilizava de vigiar a equipe, bem como a marcha das edificações, mas também podia comandar a legião na ausência de seus superiores. Somente chegava a este grau os centuriões principais (WILKES, 1985, p. 35). O praefectus castrorum Já havia trabalhado por muitos anos como um pilus primus, um centurião principal. As missões do praefectus castrorum não diferenciavam em essência das atividades do centurião.
Quanto ao Centurião, suas tarefas conforme analisa John Wilkes (1985, p. 34) eram muito variadas: em primeiro lugar cuidava do adestramento da tropa de sua centúria, e ia à sua frente no campo de batalha; em segundo lugar controlava o equipamento pertencente a seu grupo, e para isso contava com a ajuda dos escrivães; em terceiro lugar se encarregava das tarefas diárias como postar sentinelas, inspecionar a tropa, e comprovar que todos cumpriam com o seu devido trabalho.
O centurião chefe (primus pilus) e os centuriões principais tinham importantes obrigações no exército. Havia trabalhado anos, provavelmente, em torno de 30 anos e sabia tudo sobre a guerra. Sua tarefa consistia em aconselhar o comandante de como deveria lutar na batalha. O centurião chefe inspecionava pessoalmente os demais oficiais de aconselhava o oficial em comando.
Como se viu anteriormente a centúria era a unidade básica do exército romano republicano e Alto Império. Possuía tamanho variável, a depender da época e da unidade. Em média alcançava a força de 80 homens. O nome que deu origem à centúria vem de cem, porque em princípio ela era formada por 100 homens, mas já na época de Trajano caiu para 80 homens, contudo o nome permaneceu, inclusive o nome de seu comandante, o centurião.
O centurião era pessoa importante no controle da disciplina da tropa e na aplicação de punições aos que transgredissem as normas militares, embora sua imagem fosse vinculada às vezes a exageros e a excessos.
O emblema do centurião relata John Wilkes (1985, p. 35) era um bastão feito de madeira de videira, mas que não se tratava de um adorno, pois consoante lembra o autor:
[....] o historiador romano Tácito disse que, quando os soldados da Germânia se amotinaram, os centuriões foram os primeiros a serem atacados, e um deles morreu. Seu nome era Lucílio, mas os soldados havia posto o apelido de Cedo Alteram, que quer dizer "dê-me outra", porque era o que gritava quando, golpeando a um soldado, se quebrava o bastão. Os amotinados flagelaram os demais centuriões sessenta vezes cada um: uma vez por cada centurião da legião (WILKES, 1985, p. 35).
As bastonadas eram aplicadas aos larápios, aos acusados de falso testemunho, aos desertores e aos casos de insubordinação grave.
O dormir em serviço ou o abandono de posto eram transgressões graves. Geralmente à noite passava o rondante para fiscalizar os postos e indagar os soldados acerca da uma senha diária. As alterações constatadas como o abandono de posto ou o dormir em serviço eram anotadas pelo rondante e repassadas na manhã seguinte ao comandante imediato.
Essas infrações mais graves, como dormir durante uma guarda ou o desertar se punia ou com um golpe ou com a degradação, e em tempos de guerra com a morte, conforme destaca John Wilkes (1985, p. 35).
Ainda complementa John Wilkes (1985, p. 35) que além das chicotadas, os centuriões e os oficiais de alta categoria aplicavam muitos outros castigos a seus homens, de acordo com a gravidade, por exemplo, se um soldado cometesse uma falta estúpida, sem importância, como chegar tarde à formação ou deixar suja a armadura, imporia a ele um castigo para fazê-lo estúpido, como passar um dia de pé à porta do quartel general, mas sem armas nem armadura, para todos vissem que não era digno de ser soldado.
Também podiam ocorrer às punições em grupo. Por exemplo, caso fosse uma centúria, manípulo ou mesmo uma coorte que cometesse o delito em conjunto, como no caso de uma insubordinação, a punição seria a diezmada que existiu até à época de Trajano, e que se tratava de eleger um homem a cada dez e o resto do exército matava-o a paus e pauladas. Outras formas de punição seria o recebimento de rações de cevada em vez de trigo, ou a obrigação em acampar fora das trincheiras, que tornava os transgressores expostos aos perigos do campo, por isso, sequer podia dormir.
Mas o castigo mais grave que se podia impor a um homem era expulsá-lo com desonra e esta então usada para infligir àqueles que fugiam do campo de batalha, ou àqueles que perdiam o estandarte da Águia (WILKES, 1985, p. 35).
Embora às punições mais graves necessitassem da intervenção de autoridades superiores (tribunos militares, legatus, etc.), as punições menos graves eram de atribuição dos centuriões ou mesmo do consilium.
1.11 OFICIAIS SUBALTERNOS
Entre os Oficiais subalternos havia uma diversidade de militares com as mais variadas funções e sistema hierárquico de controle de tropa. Por exemplo: os optiones, eram os tenentes dos centuriões e os decani comandavam dez homens formando uma contubernia (no início a contubernia era formada por dez homens e não oito, como ocorreram posteriormente). Segue abaixo os principais graus.
O optio como se viu era um tenente (delegado) do centurião. Na hierarquia estava logo acima dos porta-estandartes, à exceção do Aquilifer (o condutor da águia). O optio que bem cumpria sua missão recebia poderia ser promovido ao grau de centurião.
Por sua vez, o decurião era oficial de cavalaria e originalmente comandava um grupo de 10 homens, mas no Principado o decurião estava à frente de um grupo de 30 homens (Goldsworthy 2005, p. 215).
Em uma legião, havia muitos estandartes, em torno de 60 ou 70 e para a função de conduzi-los havia os porta-estandartes, que se dividia em duas espécies, uma comum o signifer (aquele que leva o estandarte) e o principal o aquilifer (aquele que carrega a águia).
O estandarte especial assim chamava porque no alto tinha sempre uma águia em ouro ou prata, em emblema de Roma. Este estandarte era sagrado e sua perda supunha uma desgraça certa; em ocasiões, se o inimigo havia logrado a capturar um deles, o exército romano seguia lutando por anos, somente para recuperá-lo (WILKES, 1985, p. 32).
No exército imperial cabia ainda ao signifer um conjunto de funções administrativas dentro de sua unidade, sobretudo o pagamento de soldados e suas poupanças.
Por fim o tesserarius era o oficial mais jovem da legião, o nome provinha da palavra latina tessera, que designava uma pequena tala de madeira. Encarregava-se de receber a senha das mãos do comandante.
1.12 SOLDADOS E IMUNES
A graduação mais baixa era a de soldado raso: Assim eles foram chamados porque viviam juntos e lutavam juntos, com os animais de um rebanho. Coloquialmente chamados de mulas de Mário, em razão de o General Mário ter reduzido o número de mulas de carga permitidas para transporte da tropa, e a partir de então os próprios soldados tiveram que carregar quase tudo. Ainda realizavam as tarefas mais desagradáveis como cavar fossos ou serviços de limpeza em geral (WILKES, 1985, p. 31). O recruta, soldado de pouca experiência, era chamado de bisonho.
Por sua vez os soldados especiais os immunes, são os que já tinham muito tempo de serviço e se dedicavam a atividades especiais como reparador de armaduras, escrivães, carroceiros, guarda do quartel-general, tarefas gerais, serviços de ordens dentre outras.
Enfim atividades de natureza administrativa mais essenciais para o desenvolvimento da atividade fim da legião porque abrangia a elaboração de relatórios, registros diversos, pagamento, controle de suprimentos etc. Receberam a denominação de immunes por causa de sua imunidade ao serviço regular.
1.13 O CONSILIUM
Na era da República, conforme observa André Taillefer (1895, p. 9) os cônsules eram revestidos de imperium majus; os tribunos militares exerciam o imperium militiae, ou seja, participava do comando e a administração da justiça e, finalmente abaixo destes existiam diferentes fileiras subordinadas uns aos outros, de acordo com as regras da hierarquia militar, consoante se analisou anteriormente.
Quanto aos poderes atribuídos ao povo nessa fase, André Taillefer (1895, p. 9-10) lembra que alguns autores argumentam que a decisão do soberano em matéria penal pertenceria ao povo, representado por todo exército ou uma legião e assim, o soldado teria sido julgado por um tipo de grande júri militar composto por seus companheiros de armas.
Todavia, o autor refuta essa ideia, porque, se o aviso ao consilium era de caráter obrigatório, o General não era necessário cumpri-lo e complementa o autor que, quando, mais tarde, Constantino estabeleceu um auditorim permanente para auxiliar o juiz militar, o parecer foi considerado opcional e não era um caso de reforma da legislação. De fato, é obra de Constantino o surgimento do Consilium, como uma função permanente de assistir o juiz militar, porém suas deliberações possuíam caráter meramente consultivo, como antes.
Todavia, a afirmação de que justiça militar, sob a República, foi abandonada aos caprichos dos líderes ao extremo é refutada por André Taillefer (1895, p. 11-12) porque, segundo ele, um estado tão arbitrário não se entenderia com um governo regular e também legal como a dos romanos; e ainda a competência especial de cada oficial foi resolvida pela legislação particular.
Ademais, complementa o autor, a Lei das XII Tábuas, a Digesto De re militari, falando de tribunos, diz que eles reprimiam os crimes secundum auctoritatis suae modum.
1.14 CORPUS JURIS CIVILIS
Trata-se de monumental obra jurídica composta por quatro partes: o Código Justinianeu, que continha toda a legislação romana revisada desde século II; o Digesto ou Pandectas composto pela jurisprudência romana, que continha vastíssima compilação de extratos de livros escritos por jurisconsultos da época clássica; as Institutas, que constituiu um verdadeiro manual elementar destinado ao ensino do direito, onde constam os seus princípios fundamentais; e as Novelas ou Autênticas, com leis formuladas por Justiniano.
De forma geral, o Corpus Juris Civilis, denominação que recebeu de Dionísio Godofredo, em 1583, é constituído, apenas pelos quatro monumentos da legislação Justiniana: Institutas, Digesto, Código e Novelas (autênticas), mas, geralmente, as edições publicadas trazem trabalhos de jurisconsultos, que não foram contemplados no Digesto, e constituições dos imperadores Justino II, Tibério II, além de editos de Prefeitos do Pretório, posteriores a Justiniano.
No que tange ao direito militar, Ezequiel Abásolo (2002, p. 26) destaca que, em relação ao conteúdo do que poderíamos chamar hoje direito penal, especificamente militar, e de acordo com o que emerge das disposições do corpus juris Justinianeu, os tribunais castrenses romanos tinham o direito de conhecer de crimes como a deserção, a abstenção ao serviço, desobediência e fuga do campo de batalha. Além disso, conforme o autor, a jurisdição militar romano também tinha poderes para intervir em matéria de crimes comuns quando eles fossem cometidos por soldados durante o cumprimento de atos de serviço, ou em conexão com estes, e desde que a vítima do crime não fosse um civil. Ainda, conforme recorda Ezequiel Abásolo (2002, p. 26), o direito romano veio fazer a distinção entre crime comum e crime militar, entendendo-se que este último só poderia ser cometido por um militar no exercício de seu status.
No mesmo sentido, afirma Univaldo Corrêa (1991, p. 43) que no direito Justinianeu, crime militar era conceituado como aquele cometido pela pessoa como Soldado, pois o militar podia cometer crime com cidadão (uti civis) e como soldado (uti milis) e nesse último caso, processado pelo juízo militar.
O próprio Univaldo Corrêa cita o texto do Digesto ou Pandectas em consta que os delitos cometidos pelos soldados, ou lhe são próprios, ou comuns a ele e aos demais cidadãos, destacando que o delito propriamente militar é aquele que alguém comete como soldado, como o de cobardia, o de insubordinação ou o de preguiça.
1.15 EPITOMA REI MILITARIS
No final do séc. IV ou nos inícios do séc. V, mais especificamente entre os anos de 383-450, muito provavelmente nos 380, um autor latino de nome Flávio Vegécio Renato compôs um Tratado sobre a arte da guerra, a Epitoma rei militaris, presumivelmente dedicado ao Imperador Teodósio I, conforme conclui João Gouveia Monteiro et. al. (2009, p. 93), que viria a tornar-se numa das obras clássicas mais copiadas e traduzidas no Ocidente europeu, ao menos até ao Renascimento.
João Gouveia Monteiro (2009, p. 41), no introdutório da obra Vegécio: compêndio da arte militar realiza importantes comentários sobre a vida militar daquela época e cita que as infrações cometidas nos acampamentos ou em combate eram severamente punidas, inclusive com a pena de morte e já ao tempo de Adriano (117-138) houve impulso no direito militar com regras próprias que se implantaram ao longo dos séculos I e II. Esse Tratado militar, conforme explicado por João Gouveia Monteiro (2009, p. 96-97), é composto por quatro livros ou partes.
O Livro I é dedicado à seleção e treinamento de recrutas, embora constitua também de princípios gerais de construção e fortificação de acampamentos. O treinamento austero e rígido e a disciplina foram elementos importantes defendidos por Vegécio, para chegar à vitória, uma vez que "ninguém receia fazer aquilo que acredita ter aprendido bem" ou ainda "o povo romano submeteu todo o mundo por meio de nenhuma outra razão a não ser pelo treino das armas, pela disciplina dos acampamentos e pela experiência do exército" (Livro I).
No Livro II ele se ocupa da organização interna da legião antiga, como a sua composição, títulos e graus dos oficiais, cargos, promoções, insígnias etc.
No Livro III livro, de caráter mais prático, ele dedica aos preparativos da batalha, a ordenação das linhas e suas variantes táticas, a utilização de reservas, as retiradas etc. Nesse livro III, Vegécio sintetiza trinta e duas máximas, as "Regras gerais da Guerra".
Por fim, no Livro IV o tratadista aborda dois temas distintos: sobre o cerco de fortalezas e praças-fortes, em que contém recomendações também sobre a construção de muralhas e torres, abastecimento de viaturas e munições e na segunda parte ele trata da Guerra naval.
O tratado de Vegécio serviu como fonte para o direito militar, inclusive o penal militar, não apenas no período do Império Romano, mas também na época do medievo europeu.
1.16 CRIMES COMETIDOS NO EXÉRCITO
Na época da Roma Antiga explica André Taillefer (1895, p. 18-19) que em certo número de casos não havia nenhuma discussão, ou seja, se os militares estavam cometendo uma falha inerente ao serviço, à autoridade militar sozinha era naturalmente competente para julgá-lo.
Da mesma forma, continua o autor, se o delito, mesmo comum, fosse cometido em campo, caía também sob a jurisdição militar, porque nesse caso foi uma consequência do princípio que o crime deve ser julgado onde ele tinha sido cometido, e além do mais, a disciplina exigia a reparação imediata, por tribunais militares dos delitos praticados pelos militares.
Ainda, complementa o autor (1895, p. 18-19), que era necessária à qualidade de militar para ser julgado pelos tribunais militares e finalmente, se a infração tivesse sido cometida por um cidadão antes da sua entrada no exército manteve-se no âmbito da competência dos tribunais ordinários.
1.17 CRIMES COMETIDOS FORA DO EXÉRCITO
Os crimes cometidos pelos militares romanos, ou são militares ou são comuns: os primeiros eram decorrentes da condição (status) de Soldado e somente podia ser cometido por militares, já os segundos podiam ser cometidos por militares ou civis, porque era comum a qualquer pessoa (Digesto, 49, 16, 2 e 6). A questão do cometimento de crime comum por militares romanos é o que mais causou polêmica, quanto à autoridade competente para julgá-los.
André Taillefer (1895, p. 19) reconhece que existem divergentes opiniões quando um soldado tivesse cometido um crime de direito comum fora do exército, porque originava as seguintes perguntas: qual jurisdição devia ele responder? O que define a jurisdição competente: a natureza da infração, ou a qualidade de militar?
No primeiro caso trata-se de atribuir a jurisdição militar apenas aos casos de crime militar (ratione materiae); já no segundo a competência é definida em razão da pessoa (ratione personae), pouco importando a natureza do crime (militar ou comum). André Taillefer discorre sobre as duas correntes, apresentando os argumentos de cada uma delas e depois de estudar ambas as correntes André Taillefer (1895, p. 23) conclui que ao menos, para períodos alternativos, os soldados romanos possuíam um tribunal especial, não somente para crimes militares, mas também por seu crime comum e até mesmo para seus interesses civis.
REFERÊNCIAS
ABÁSOLO, Ezequiel. El derecho penal militar en la historia Argentina. Academia Nacional de Derecho y Ciencias sociales de Córdoba. Córdoba - República Argentina, 2001.
KNIGHT, Charles. The Penny Cyclopædia of the Society for the Diffusion of Useful Knowledge [....], Londres, 1841, p. 190.
ROLIM, Luiz Antônio. Instituições de direito romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
TAILLEFER, André. La Justice militaire dans l'armée de terre en France et dans les principaux pays, Paris: L. Larose, editeur, 1895.
BUJÁN, Federico Fernadez de. La acusación del ilícito penal en derecho romano in OCHOA, Luis Bueno (coordenador) et. al. Ética e imparcialidad del ministério fiscal. Madrid, ed. Dykinson, 2010.
GOLDSWORTHY, Adrian. El ejército romano. Tradução de Álvaro R. Arizaga Castro. Madrid: ed. Akal, 2005.
BUNSON, Matthew. Encyclopedia of the Roman Empire. New York, 2001.
COSTA, Emílio. Storia del diritto romano pubblico. Firenze: G. Barbera, 1906.
SÁNCHEZ-GIJÓN, don Antônio. El Régimen Juridico de la Tenencia de Castillos y Fortalezas. Tese de doutorado: Universidade de Alicante, 2001.
MONTEIRO, João Gouveia; BRAGA, José Eduardo. VEGÉCIO: Compêndio da Arte Militar Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009.
WILKES, John. The Roman Army (1985). Versão traduzida para o espanhol por Monserrat Tiana Ferrer, como o título El Ejército Romano, Madrid: Akal, 2006.
CORRÊA, Univaldo. A justiça militar e a constituição de 1988 - uma visão crítica. Dissertação de mestrado. UFSC: 1991.
Mestre em políticas públicas pela Universidade Estadual de Maringá (2016), graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Academia Policial Militar do Guatupê (1994), graduado em Administração pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (1998) e graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2009), com aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Possui experiência na docência militar nas disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Administrativo. Possui ampla experiência em Polícia Judiciária Militar e experiência no setor público, principalmente em gestão de pessoas e formulação de projetos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Douglas Pereira da. A Justiça Militar Romana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52503/a-justica-militar-romana. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Sócrates da Silva Pires
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