RESUMO: A responsabilidade civil perda de uma oportunidade no campo médico tem aplicação recente e consiste na frustração de uma possibilidade de cura, sendo que, há uma presunção de causalidade que decorre da incerteza da contribuição do médico do dano final, motivo pelo qual indeniza-se pelo percentual de chance que possuía a paciente. O presente trabalho teve como objetivo a análise da teoria da perda da oportunidade diante do entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre os aspectos civis e constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro. Foram realizadas pesquisas em obras bibliográficas e na jurisprudência brasileira, examinando o entendimento apresentado e os critérios utilizados para a existência do dano e a quantificação da indenização devida na perda da oportunidade.
Palavras-chave: Conduta. Dano. Expectativa. Obrigação. Reparação.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A responsabilidade civil: noções gerais; 2.1 A teoria da perda de uma chance; 2.2 A responsabilidade civil na ótica civil-constitucional e a teoria da perda de uma oportunidade; 3 A aplicação da teoria da perda de uma oportunidade na responsabilidade civil do médico; 4 A responsabilidade civil do médico pela perda de uma oportunidade sob a perspectiva do stj; 5 considerações finais; Referências.
A responsabilidade civil no âmbito da perda da oportunidade tem como fundamento uma possibilidade frustrada. Na qual, essa frustração pode ser pela perda da chance de obter vantagem ou evitar o prejuízo. Na seara médica, o erro no atuar médico resulta na perda da oportunidade de evitar um prejuízo, que é o agravamento da doença ou a morte, e que representa o dano final. Essa possibilidade é definida pela doutrina como um bem jurídico autônomo e independente, motivo pelo qual deve-se indenizar a chance perdida com base na probabilidade de cura da doença.
Objetivou-se nesse trabalho compreender os aspectos civis e constitucionais da perda de uma chance na seara médica, analisando o entendimento apresentado pela doutrina e a aplicação pela jurisprudência brasileira. Apresentado a chance como um dano autônomo e observando os critérios de quantificação dessa teoria na prática, como a probabilidade e o percentual de chance de obter o resultado esperado. Levando em conta uma possibilidade real, concreta e plausível para a existência da indenização.
A metodologia foi trabalhada com base na leitura de obras bibliográficas, na análise de normas do Direito Civil e da Constituição Federal, além da pesquisa de julgados que analise a responsabilidade civil pela perda da oportunidade no campo médico. Procurando demonstrar que tal teoria tem aplicação recente e que limita a indenização a oportunidade perdida.
As ações humanas surgem em decorrência da manifestação de vontade a estes inerente pela racionalidade, tendo o homem de responder pelas consequências de seus atos em nome da harmonia social, como doutrinou Kant (1964). As condutas humanas constituem o mundo dos fatos sociais, dentro, encontra-se aqueles relevantes a ordem jurídica, os quais são denominados de fatos jurídicos. Fatos estes, regulamentados pelo ordenamento normativo de uma sociedade.
Os atos humanos que constitui os fatos jurídicos encontram-se envoltos por um dever de obediência às normas existentes. Quando as normas ou os direitos são violados, advém ao causador do dano a obrigação de responder pelas consequências de suas ações, entrando em cena a responsabilidade.
A origem da palavra responsabilidade de acordo com Gonçalves (2013) está na raiz latina spondeo onde vinculava o devedor nos contratos no direito romano, tendo este de cumprir os deveres pactuados vinculando-o a responsabilidade.
No que diz respeito ao sentido do termo responsabilidade afirma Venosa (2013) que este aduz ao dever de uma pessoa de direito em arcar com as consequências de seus atos, restabelecendo o equilíbrio violado pelos mesmos. Desta forma, a responsabilidade civil consiste na obrigação de reparação ou compensação de danos causados a direitos alheios.
A responsabilidade civil de acordo com Cavalieri Filho (2014, p.14) encontra-se no plano do dever jurídico secundário, sendo que este surge quando se viola um dever primário constituído pela ordem jurídica ou manifestação de vontade. Neste sentido afirma o autor que:
A essência da responsabilidade está ligada a noção de desvio de conduta, ou seja, foi ela engendrada para alcançar as condutas praticadas de forma contrária ao direito e danosas a outrem. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.
Desta forma tem-se a origem da reponsabilidade em duas vias, no descumprimento de um dever anteriormente pactuada, ou na violação de um dever determinado pelo ordenamento jurídico, na abstenção de não violação de direitos alheios. No primeiro incide a responsabilidade na vertente contratual, na segunda a responsabilidade extracontratual.
Em uma análise sucinta da transformação histórica da responsabilidade civil, é visível que inicialmente esta tinha forma de vingança ou de punição, e não de reparação a vítima do dano, como descreve Farias, Rosenvald e Netto (2015), isso no modelo hebraico e romano (primeira arcaico). A responsabilidade nesta fase atingia o próprio autor, seu corpo e seus familiares. No período clássico do direito romano a pena pelos danos atingia a esfera patrimonial, contudo sem reparação, sendo que esta começa a ocorrer no período medieval.
Na idade moderna a responsabilidade apresenta-se fundada na conduta culposa, conforme leciona Tartuce (2015, p.320) “a culpa passou a ser a regra em todo o Direito Comparado, influenciando as codificações privadas modernas, como o Código Civil Francês, de 1804”. Isso é verificável no Código Civil brasileiro de 1916, onde no artigo 159, encontrava-se positivada a cláusula geral de responsabilidade na modalidade culposa (BRASIL, 2016).
O atual sistema de responsabilidade civil encontra-se envolto em todo ordenamento jurídico, tendo um alargamento da responsabilidade civil, sendo esta verificável na Constituição Federal, nos microssistemas como Código de Defesa do Consumidor, entre outros. Verifica-se também o alargamento no conteúdo da responsabilidade civil, tendo positivada tanto por culpa como no artigo 927 do Código Civil, quanto a objetiva no parágrafo único deste artigo (BRASIL, 2016).
A constitucionalização do Direito Civil é uma das causas da ampliação da disciplinada responsabilidade civil no nosso sistema, desta forma ensina Schreiber (2013) que tal fenômeno deu margem a indenização de danos que outrora sequer eram protegidos. Dentre esta interpretação do Códex a luz da Constituição, temos a dignidade da pessoa humana como vertente que possibilita novas configurações do dano, adentrando a esfera extrapatrimonial.
A perda de uma chance é uma teoria jurídica que tem a sua origem na doutrina e na jurisprudência francesa, sendo também aplicada, atualmente, no direito brasileiro. Conforme Tartuce (2015) essa teoria consiste na frustação de uma expectativa ou uma oportunidade futura, que pelo transcurso normal dos eventos resultaria em algo benéfico.
Gonçalves (2015, p. 340) esclarece que a perda de uma chance constitui “interrupção, por determinado fato antijurídico, de um processo que propiciaria a uma pessoa a possibilidade de vir a obter, no futuro, algo benéfico, e que, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída”. Na qual, a própria perda da possibilidade é considerada um dano, e desse modo, passível de indenização.
Dessa maneira, na análise dessa teoria é necessário observar os critérios da razoabilidade e da possibilidade, isso porque, o prejuízo decorrente da perda da oportunidade não pode ser hipotético. Contudo, “não se deve, [...] olhar para a chance como perda de um resultado certo porque não se terá a certeza de que o evento se realizará” (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 99). Desse modo, a indenização limitará a perda da chance, sendo que a indenização é pela perda da possibilidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, e não pelo resultado perdido ou do prejuízo não evitado.
Isso porque, se fosse possível provar que a frustação de uma oportunidade provocou a perda de um resultado certo, a indenização não seria quantificada pela análise da perda da oportunidade, mas pelos lucros cessantes, já que seria possível determinar o que razoavelmente deixou de ganhar em decorrência de uma conduta antijurídica, e desse modo, indenizar o dano final, e não a chance perdida. Da mesma forma, pode-se concluir que se fosse possível determinar que o dano final não existiria, mesmo com a existência da oportunidade, o suposto agressor estaria liberado do ônus de indenizar.
Assim, conclui-se que o benefício que decorre da perda da oportunidade é incerto, já que não se pode afirmar com devida certeza que tal vantagem ocorreria se não houvesse a perda da oportunidade. Contudo, o dano é certo, posto que a possibilidade de obter a vantagem foi frustrada.
O dano é uma lesão a um interesse jurídico tutelado. Contudo, deve analisar se o dano é real, atual e certo. Sendo que na aplicação da teoria da perda da oportunidade, essa análise é feita com base na probabilidade, e não na mera possibilidade. Assim o dano potencial ou incerto não é indenizável. Nesse sentido, o grau da perda da chance define o valor da indenização (VENOSA, 2013).
Savi (2009) salienta que a perda na oportunidade dar origem a um dano emergente, porque o dano está situado na própria oportunidade perdida. Além disso, destaca a possibilidade de cumular o dano material (dano emergente) com o dano moral. Contudo tal doutrinador não admite a consideração da perda da chance como sendo um dano exclusivamente moral.
Conforme citado autor, há doutrina no Brasil que trata a perda de uma chance como lucros cessantes. Contudo, se considerar a perda de uma chance como lucros cessantes esbarra-se no requisito da certeza do dano, quando da sua quantificação. Esse foi um dos problemas enfrentados pela primeira doutrina italiana sobre a perda da oportunidade. Atualmente, a maioria da doutrina brasileira classifica a perda da chance como sendo um dano patrimonial e extrapatrimonial.
Farias, Rosenvald e Netto (2015) destaca que a chance representa um bem imaterial que pertencia ao indivíduo no momento que houve o dano injusto. Assim, a chance representa o bem jurídico que foi efetivamente perdido, quando da frustação da possibilidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo.
Tais doutrinadores afirmam que a perda da oportunidade pode ser analisada de duas formas: pela perda de uma chance de obtenção de futura vantagem ou pela perda de uma chance de evitar um prejuízo. Sendo que na primeira hipótese, a existência do dano decorre da perda de uma chance de obter um benefício, que em tese, apresentava grandes possibilidades de consegui-lo se não fosse a conduta do agente que causasse a perda oportunidade. Na segunda hipótese, o processo que leva ao resultado danoso já está em andamento, mas a conduta que poderia impedir o resultado dano não é realizada, perdendo, assim, a oportunidade de evitar o prejuízo.
“A primeira utilizando um tipo de dano autônomo, representado pelas chances perdidas, e a segunda embasada na causalidade parcial que a conduta do réu representa em relação ao dano final” (PETEFFI DA SILVA apud SAVI, 2009, p. 5). A responsabilidade médica por perda da oportunidade se amolda à segunda hipótese, uma vez que a oportunidade de evitar o dano final foi frustrada.
Sendo que nesse caso, o dano surge justamente porque o processo que levaria ao agravamento da doença ou a morte, não foi interrompido quando poderia ter sido. O médico poderia ter impedido um dano final se atuasse em determinada etapa do tratamento, contudo, perdeu a oportunidade de evitar o agravamento da doença ou a morte, e desse modo, errou no seu atuar como médico.
O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil é uma das causas do alargamento da disciplina e do conteúdo da responsabilidade civil na atualidade. De acordo com Tepedino (2004) tal fenômeno consiste em uma profunda alteração da ordem jurídica, onde as normas civis passaram a serem vistas a luz dos direitos fundamentais, tendo o ser humano prioridade absoluta. Estabelecendo assim, um liame intrínseco entre o Direito Civil e o Constitucional.
A relação entre o Códex e a Constituição é conceituada como uma releitura do Código civil à luz das normas constitucionais, conforme ensina Schreiber (2013). Todavia, esta releitura como enfatiza o autor, não pode ser restritiva, devendo também aplicar as normas constitucionais nas relações civis, de forma direta ou indireta, sendo de maior importância a obtenção da efetividade dos valores descritos na Norma máxima.
Um dos princípios basilares da república do Brasil, é a dignidade da pessoa humana, positivada no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988[1] (BRASIL, 2016). A respeito da dignidade afirma Bodin (2006, p. 234) que “a escolha do constituinte ao elevá-la ao topo do ordenamento alterou radicalmente a estrutura tradicional do direito civil na medida em que determinou o predomínio necessário das situações jurídicas existenciais sobre as relações patrimoniais”.
A incorporação desses valores a responsabilidade civil, dentro a dignidade da pessoa humana, demostra o processo de transformação de uma legislação civil que outrora era patrimonialista para uma maior preocupação com a sociabilidade. Desta forma ensina Tartuce (2015, p 328) que “a responsabilidade civil deve ser encarada do ponto de vista da personalização do direito privado, ou seja, da valorização da pessoa em detrimento da desvalorização do patrimônio (despatrimonialização)”.
Nestas circunstâncias tem-se a ampliação da tutela da responsabilidade civil, onde os valores humanos exigem uma maior amplitude de proteção, o que ocasionou uma maior a adoção de novos critérios de delimitação do dano, assim como sua reparação. Para tanto, o ordenamento jurídico recepcionou novas teorias para proporcionar a operabilidade da responsabilidade na sua vastidão.
Dentro as teorias aplicadas no sistema jurídico brasileiro na atualidade no que diz respeito a seara da responsabilidade, destaca-se, a perda de uma chance. De acordo com Gonçalves (2014) tal teoria é aplicada quando ocorre uma frustação da realização de uma oportunidade que encarreta a impossibilidade de obtenção de algo favorável ou evitar algo desfavorável.
A perda da oportunidade de obter um resultado benéfico ou de evitar um prejuízo, gera um dano vítima, no que diz respeito a frustação de suas expectativas. Observa-se que este dano é em decorrência da perda da oportunidade e não de uma provável vantagem ou prejuízo, devendo a indenização incidir sobre a perda da chance. Conforme descreve Cavalieri Filho (2014, p. 99) “A indenização, por sua vez, deve ser pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem”.
De acordo com Savi (2009) a Constituição Federal de 1988 ao elencar no seu Artigo 3º[2], os objetivos de ter uma sociedade livre, justa e solidaria, normatizou, também, a reparação integral do dano. Desta forma, se a reparação do dano compreender estes elementos, como ser justa, e eficiente, a lesão que é ocasionada pela frustação da perda de uma oportunidade não pode ficar sem atenção pela ordem jurídica, sem a devida reparação ou compensação.
A relação entre a dignidade da pessoa humana e a teoria da perda de uma chance é nítida, pois de acordo com Farias, Rosenvald e Netto (2015, p. 11) “o fundamento da dignidade reside na autonomia da vontade, à medida que esta é uma faculdade de autodeterminação que apenas pode ser exteriorizada em seres racionais [...]”. A perda da oportunidade surge justamente da não efetivação da vontade “real”, ou da produção de um resultado contrário à vontade, ocasionando uma lesão.
A perda de uma chance de obter um resultado desejado, seja como uma vantagem ou forma de evitar um prejuízo, impossibilitando a uma pessoa, mais uma opção, ou uma forma provável de tratamento de uma patologia, no caso da atividade médica, fere o valor elementar do ser humano, que é ser tratado como um fim em si mesmo.
Visualiza-se neste contexto que a perda de uma oportunidade dá margem à indenização, pois os danos por ela gerados fere diretamente a dignidade da pessoa humana, onde a perda da possibilidade de obter uma vantagem, ou de evitar um prejuízo, encarreta uma frustação como leciona Venosa (2013), gerando um pela perda da chance.
A análise da responsabilidade civil na ótica civil-constitucional possibilita a visão do dano ocasionado pela perda da oportunidade, pois a dúvida da ocorrência do benéfico é o que diferencia perda de uma chance de perda e danos, sendo que em outros tempos o ordenamento não permitia a reparação, onde se tinha dúvida da realização fática. Não se pode afirmar com certeza sobre a ocorrência do resultado não obtido, mas pode ter certeza do dano gerado pela perda da oportunidade.
Na medicina, o tema é retratado como responsabilidade civil por perda de uma chance de cura ou de sobrevivência, na qual a perda de uma chance de um resultado favorável no tratamento é o elemento que determina a indenização (GONÇALVES, 2015).
Por isso, a doutrina fala em uma presunção de causalidade ou causalidade parcial. Pois, a omissão médica não é a causa da doença ou da morte, mas apenas provoca a perda de uma possibilidade da cura ou do tratamento. Sendo que,
nas situações em que a perda de uma chance se vincula ao erro médico, a incerteza não mais se localiza no dano experimentado, especialmente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza reside na própria contribuição causal do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força do curso normal da doença em si, e não pela falha de tratamento. Por isso, esta espécie de perda de uma chance demandará um esforço doutrinário e jurisprudencial de flexibilização de nexo causal, pela via da admissão de uma presunção de causalidade (FARIAS, ROSENVALD E NETTO, 2015, p. 235-236)
Diante disso, Schreiber (2013) salienta que os tribunais têm utilizado da flexibilização do nexo causal para garantir a reparação dos danos. Conforme o autor, essa prática decorre muito mais de fatores morais, políticos e ideológicos do que técnicos, predominando na aferição da relação de causalidade, as regras comuns de experiência ou suposta normalidade dos fatos, motivo pelo qual provoca uma maior imprevisibilidade no resultado dessas demandas judiciais.
Essa busca de uma maior reparação dos danos, estabelece-se na atualidade uma maior aplicação da perda da oportunidade na seara médica. Isso porque, a dúvida na causa do dano final, faz com que o paciente que perdeu a oportunidade por erro no atuar médico seja indenizado pela da perda da oportunidade de ser curado.
É o exemplo de uma paciente que falece em decorrência de um câncer de mama, e o médico responsável pelo tratamento não realiza exame ou tratamento no momento oportuno para impedir o agravamento da doença, e consequentemente impedir o resultado morte. Desse modo, percebe-se que erro no atuar médico causou a perda da oportunidade de que fosse evitada o agravamento da doença.
Assim, não é possível afirmar com toda a certeza que se o médico tivesse atuado no momento adequado, impediria o agravamento da doença. Contudo, como se tem dúvida quanto a contribuição do médico no dano final, aplica-se a indenização pela perda da oportunidade de conseguir a cura da doença.
Contudo, como foi salientado por Venosa (2013), a mera possibilidade não pode ser indenizável. Deve-se observar a luz do caso concreto, a real possibilidade de conseguir um resultado proveitoso, a partir do critério da razoabilidade.
Para Gonçalves (2014) não pode confundir o erro médico com o erro no atuar médico, sendo que no primeiro caso, existe uma conduta com ausência de boa medicina, e no segundo, ocorre uma má atuação do médico, uma vez que diz respeito a conduta comissiva ou omissiva que causa a perda da chance de não agravamento da doença ou a eliminação do sofrimento desnecessário do paciente. Salienta, ainda que a perda de uma chance, é um bem autônomo, contudo a indenização não pode ser semelhante a um erro médico que causou diretamente a morte ou o agravamento da doença.
Essa diferença é importante, porque na quantificação do dano a indenização por perda da oportunidade é inferior a indenização aferida no dano final por lucros cessantes ou danos emergentes. Assim, para a quantificação do dano em decorrência da perda da oportunidade, Savi (2009) utiliza como base o percentual de êxito da chance perdida multiplicada pelo benefício esperado (dano final), salientando que as possibilidades inferiores a 50% não podem ser indenizáveis.
Se por exemplo, determinado médico perdesse a oportunidade de cura de uma doença por erro em sua atuação em um caso que a maioria dos médicos apresentasse 70% de acerto na atuação. Na qual, o dano final, em tese, tem um valor equivalente a R$ 100.000,000. A quantificação teria como base 70% do valor final, isto é, 100.000 multiplicado por 0,7, que equivaleria a valor de R$ 70.000,000.
Contudo, como foi salientado, a teoria da perda chance utiliza da probabilidade, e por isso decorre da incerteza da obtenção benefício frustrado. Porém, “as chances somente se tornam ressarcíveis quando o processo que conduza a elas já se tenha deflagrado. Caso contrário, ficamos no campo dos danos hipotéticos” (FARIAS, ROSENVALD E NETTO, 2015, p. 232) e esperanças aleatórias não são indenizáveis.
A teoria da perda de uma chance somente pode ser utilizada na responsabilidade médica se a chance preexiste, sem que se possa ter certeza do resultado favorável, no caso, a cura, nem do resultado desfavorável, que seria a morte, decorrentes da errônea intervenção médica. [...] Suponha-se que um doente tem a possibilidade de sarar sob a condição de que o médico o trate corretamente e que reste provado que o erro médico fez com que o paciente perdesse aquela probabilidade. Neste caso, o erro médico é considerado causal. Contudo, tal erro não causa a doença, mas tão somente faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser curada. (BOCCHIOLA apud SAVI, p. 24).
Dessa forma, se fosse possível provar que a conduta do médico cirurgião foi a causa da morte da paciente, aplicaria a indenização não pela perda da oportunidade, mas pela reparação integral danos materiais e morais em decorrência do resultado final, e dessa forma não seria necessário a análise da perda da oportunidade.
A jurisprudência brasileira, dentro o STJ, tem-se utilizado da teoria da perda de uma chance na aplicação de indenizações referentes a fatos que geram danos pela perda de uma oportunidade. Nestas circunstâncias verifica-se a incidência da teoria clássica da perda de uma chance, que tem por essência a dúvida quanto a consumação do resultado. Todavia, o STJ tem aplicado também a perda de uma chance quanto a dúvida no nexo causal entre a conduta que promove a frustação e o resultado danoso, isso na seara da responsabilidade civil médica.
O Recurso Especial nº 1.254.141 de 2012, consagrou a aplicação da responsabilidade pela perda de uma chance na esfera médica, no que diz respeito a incerteza do nexo de causalidade. Desta forma tal julgado é paradigmático, firmando a aplicação da teoria da perda de uma chance na atividade médica, e estabelecendo o informativo 513 (STJ), sendo oportuno examiná-lo neste trabalho.
Esse Recurso Especial teve origem no Estado do Paraná, onde o erro no atuar médico inviabilizou a possibilidade cura de uma paciente com câncer de mama. Nesse caso, o juiz de primeiro grau julgou procedente a ação de indenização pelo dano causado por erro médico, no valor de R$ 120.000,00. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná negou provimento ao recurso de apelação interposto pela parte ré e, assim, confirmou a sentença do juiz de primeiro com base na perda da oportunidade da vítima. O STJ ao manifestar nesse caso reduziu 20% do valor da indenização, pois tal montante deve corresponder com percentual de possibilidade de obter um resultado favorável, e não com a reparação integral pelo dano final.
O STJ pronunciou com maestria nesse julgado, pois a Ministra Relatora Nancy Andrigui apresentou os principais argumentos utilizados pela doutrina ao aplicar a perda da oportunidade. Assim, é possível identificar nesse caso, valoração da chance como um bem autônomo e independente do dano final.
Além disso, confirmou que é possível indenizar pelo erro no atuar médico, mesmo não havendo certeza quanto ao nexo de causal do médico na participação do dano final. Sendo que, o médico responde pela perda da oportunidade mesmo não sendo possível saber ao certo se oportunidade de cura não fosse frustrada a paciente teria sobrevivido, uma vez que a doença já existia antes da atuação médica. Contudo, salienta que esta oportunidade deve ser real e concreta. Além disso, a perda da possibilidade deve resultar direta e imediatamente da conduta médica.
Assim, a partir desse julgado, o STJ tem aplicado a perda de uma chance na responsabilidade civil dos médicos. Desse modo, é possível encontrar vários acórdãos que responsabilizam os médicos por erro de atuação, já que, essa conduta causa diretamente a perda da oportunidade de cura da vítima.
A aplicação da teoria da perda de uma oportunidade no direito brasileiro está sendo possível em decorrência do alargamento da responsabilidade civil, tendo por uma de suas causas a análise do direito civil frente aos preceitos constitucionais. A visão civil-constitucional proporciona novas configurações do dano, dentre estas temos a lesão ocasionada em decorrência da frustação pela perda de uma chance.
Na atividade médica a aplicação da teoria da perda de uma chance dá-se pela frustação de não evitar a consumação de prejuízo, o que ocasiona um dano certo quanto a perda da oportunidade. Verifica-se que não se aplica perdas e danos em decorrência da dúvida que é o elemento essencial da teoria em estudo, pois esta incide sobre o nexo causal.
O alargamento da reponsabilidade civil proporciona a aplicação de novas teorias no ordenamento jurídico brasileiro, todavia, faz-se necessário uma delimitação de aplicabilidade de tais teorias, como a da perda de uma chance, pois o nosso sistema exige coerência na aplicação do direito, é visível que tal teoria ainda não encontra definida quanto a sua natureza a aplicabilidade, cabendo a doutrina e a jurisprudência assim fazer.
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[1] “Art. 1º. A república federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel de Estados e municípios e o Distrito Federal constitui-se em um estado democrático de direito e tem como fundamentos: [...] Inciso III: A dignidade da pessoa humana”.
[2] “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária”.
Bacharelando em Direito pela UNIFG - Centro Universitário Faculdade Guanambi. Estagiário Ministério Publico Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Fábio Souza da. Contornos civis-constitucionais da responsabilidade civil do médico pela teoria da perda de uma oportunidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 dez 2018, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52516/contornos-civis-constitucionais-da-responsabilidade-civil-do-medico-pela-teoria-da-perda-de-uma-oportunidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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