Débora de Lima Ferreira Gonçalves Cerqueira
(Orientadora)
RESUMO: A prisão domiciliar feminina é um instituto existente no Brasil, capaz de beneficiar algumas mulheres entre elas as gestantes, lactantes e com filhos menores, dessa maneira, pretende-se, com este trabalho realizar a abordagem do tema proposto, fazendo-se também menção ao estudo da Criminologia Crítica, ciência que questiona o “rotulamento” de indivíduos concebido pela sociedade. No presente artigo é possível se visualizar a tratativa de casos reais, julgados no Supremo Tribunal Federal, possibilitando ao final, deparar-se com a real aplicabilidade da prisão domiciliar para essas mulheres, cristalizando-se assim que tal concessão é garantida independentemente da classe social, como bem enfoca a criminologia crítica.
PALAVRAS-CHAVE: Prisão domiciliar; gestantes; lactantes; Criminologia Crítica.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Histórico sobre a prisão domiciliar feminina: surgimento da primeira penitenciária no Brasil. 6 2 Criminologia Crítica. 3 Aplicabilidade e repercussões das decisões sobre a prisão domiciliar no âmbito do Supremo Tribunal Federal. 3.1 Caso 1: HABEAS CORPUS 137.234 - RIO DE JANEIRO. 3.2 Caso 2: HABEAS CORPUS 142.279 - CEARÁ. 3.3 Caso 3 : HABEAS CORPUS 134.069 - DISTRITO FEDERAL. Considerações Finais. Referências.
A população carcerária feminina existente demonstra que a mulher também tem figurado no polo ativo do cometimento de ilícito. Por vezes, sua condição gravídica ou de lactante coloca em evidência um grande dilema: o cumprimento da sanção estabelecida pelo Estado versus a proteção integral do menor que necessita da presença materna. O Código de Processo Penal Brasileiro assegura às mulheres gestantes o direito de cuidar dos filhos, dentro dos limites legais, assim a prisão domiciliar das mulheres gestantes e lactantes, disciplinada no ordenamento jurídico brasileiro, é uma garantia assegurada aos legitimados a usufruírem deste benefício. Dessa forma, se a prisão domiciliar é um benefício para as gestantes e lactantes, então deverá ser aplicada imediatamente a partir do conhecimento de situação autorizadora. Portanto, faz-se necessário um efetivo acompanhamento dos casos que abarcam tal situação de modo a conferir, a quem de direito, esta garantia, independentemente de classe social.
Logo, o presente artigo propõe-se a identificar a aplicabilidade da prisão domiciliar quando o sujeito ativo do ilícito for mulher gestante, lactante ou com filho menor de doze anos, de modo que os estudos se direcionarão a compreender os resultados da análise processual feita em julgados do Supremo Tribunal Federal sobre a prisão domiciliar à luz do art. 318, IV e V do Código de Processo Penal como também a partir do referencial da Criminologia Crítica.
A abordagem inicial se dará com a conceituação histórica da prisão domiciliar feminina, posteriormente um breve apanhado sobre a Criminologia Crítica e por fim a apresentação de casos julgados em sede do Supremo Tribunal Federal.
Dessa maneira, a presente pesquisa tentará demonstrar os casos de mulheres que se encontram em situação aptas a usufruir da prisão domiciliar feminina, nos termos da legislação pátria, com a sua efetiva concessão, evidenciando a real aplicabilidade desse instituto conjugado com o interesse público em cumprir esse direito.
O instituto da prisão domiciliar a algum tempo já fazia parte do ordenamento jurídico brasileiro, estando previstos na lei nº 5.256, de 6 de abril de 1967 em pleno regime militar, promulgada pelo então Presidente da República Costa e Silva, sob o título de “prisão especial”, em 1977 a lei 6.416, também disciplinava sobre a prisão domiciliar, assim chamada de “prisão albergue”, uma espécie de regime aberto. Em 1984 a promulgação da lei nº 7.210 que institui sobre a execução penal, também abordava a prisão domiciliar, inferindo-se que tal instituto tinha sua relevância para o legislador ao ser abordado em diversas fases na história do Brasil.
Em resumo estas são as datas que se tem notícia sobre o instituto da prisão domiciliar. No entanto convém destacar, preliminarmente, o surgimento da penitenciária feminina, para com maior fluidez se entender a modalidade da prisão domiciliar feminina.
Foi na década de 40, na cidade de São Paulo, que surgiu a primeira penitenciária feminina do país, sob a administração de um grupo religioso, a Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor.
Sobre esse instigante assunto do encarceramento das mulheres, bem como da gestão da penitenciária feminina ser de um grupo religioso, a historiadora Angela Teixeira Artur (apud PAIXÃO, 2017) se dedicou a pesquisar de maneira a esclarecer como eram a penas aplicadas às internas da época, assim no decreto de criação da penitenciária se determinava que a pena das internas deveria ser executada com trabalho e instrução domésticos (PAIXÃO, 2017), corroborando com as palavras de Artur (apud PAIXÃO, 2017) “É uma insistência de que a mulher era um ser doméstico, do lar, e que, se ela cometeu algum desvio, foi porque não estava nesse lugar". Merece destaque que a administração da penitenciária por freiras estava no interesse não só de converter pessoas ao cristianismo, mas tinha também o interesse econômico e político, com destaca Artur (apud PAIXÃO, 2017):
A possibilidade de ter controle de uma instituição empodera a Congregação no sentido da influência, da diferenciação com outras congregações, de ter mais voz dentro da própria Igreja e poder se posicionar frente a ordens que vêm de cima.
Com esta afirmação conclui-se que na época, o primordial era deter o poder de uma instituição para receber do Estado pelo serviço prestado e assim conseguir manter a renda da Congregação, não se importando muito com os resultados das penas aplicadas às então chamadas internas.
Ora, da mesma forma em que pouco se fala do sistema carcerário feminino no Brasil, também é escasso a historicidade da aplicação da prisão domiciliar para gestantes e lactantes. No relato acima, é possível visualizar que a mulher mesmo cometedora de um ilícito, no século passado, era considerada um ser doméstico que tinha que assumir esse papel social, sem nenhuma alternativa.
Dessa forma, no que diz respeito à modalidade da prisão domiciliar feminina, este é um tema ainda a ser explorado, pois não se tem muita discussão em décadas passadas. Sabe-se que sua previsão consta no artigo 318, IV e V, do Código de Processo Penal e artigo 117, III e IV, da Lei de Execução Penal, a saber:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
Embora encontre previsão legal, como dito, pouco se discute sobre tal instituto, ele só ganhou maior visibilidade, de proporções midiáticas, quando foi vindicado, em 2017, pela Srª Adriana Ancelmo, ex-primeira dama do Rio de Janeiro, que foi condenada a mais de 18 anos de reclusão por associação criminosa e lavagem de dinheiro em um dos processos da operação Calicute, um desdobramento da “lava jato”. Nesse ínterim, o juiz Marcelo Bretas da 7ª Vara Criminal Federal do Rio, concedeu prisão domiciliar à Adriana Ancelmo por conta do filho menor de 12 anos, no entanto a decisão foi anulada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região e determinou ainda que a ex-primeira dama fosse transferida para o regime fechado, diante da situação os advogados de defesa interpuseram Habeas Corpus, sendo este concedido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, voltando Adriana Ancelmo a cumprir prisão domiciliar.
O que se pode concluir com tal fato é que a prisão domiciliar feminina existe, mas não é divulgada com amplitude, pois foi preciso que ocorresse um caso demonstrado em mídia nacional para que se conhecesse da previsão legal a qual diversas mulheres podem se valer, e não a utiliza por não saberem e não poderem recorrer do direito que tem, ou seja, outras mulheres encontram-se no anonimato, mas também possuem iguais condições a pleitear o pedido de prisão domiciliar.
O crime é um fato que acontece no mundo inteiro e consequentemente visualiza-se a devida punição prevista no ordenamento jurídico de cada país, como bem preceitua o princípio nullum crimen, nulla poena sine praevia lege - não há crime, nem pena sem lei anterior que os defina logo, o crime só será um delito se este tiver previsão legal cominada com uma pena.
Nesse cenário, faz-se necessária uma breve conceituação quanto ao termo “Criminologia”, que quer dizer, segundo Zafaroni e Pierangeli (2011, p. 144): “Criminologia é a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista biopsicossocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta aplicadas às condutas criminais”, assim sendo, vislumbra-se com este conceito fatores que envolvem o delito e delinquente.
Na historicidade da Criminologia, surge a Criminologia Crítica que segundo Urbanski (2010):
É um movimento que teve início na segunda metade do século XX, contra a Criminologia Tradicional. Este modelo de Criminologia teve origem no trabalho de Taylor, Walton e Young, "The New Criminology", de 1973, o qual procura questionar a ordem social, ataca os fundamentos do castigo aplicado as minorias, e por consequência, a não punição do Estado.
Corroborando com o pensamento acima se tem Lavor (2017):
O núcleo principal da Criminologia crítica ou dialética é a supressão da desigualdade social, defendendo a tese de que a solução para a problemática do crime depende da abolição da exploração econômica e da arbitrariedade política sobre as classes dominadas.
Este ramo da Criminologia propõe uma alternativa ao controle social da sociedade capitalista, com fundamento na separação das estruturas da criminalidade que corresponde à classe dominante versus classe dominada, proveniente da acumulação legal e ilegal de capital, juntamente com o controle dos processos de incriminação legal e de criminalização pelos instrumentos coibitórios.
Acrescente-se também o que preceitua Cirino Santos (2008, p.131 – 132):
A política criminal alternativa da Criminologia Radical, como meio de reduzir as desigualdades de classes no processo de criminalização e de limitar as consequências da marginalização social do processo de execução penal, distingue das classes dominantes, entendida como articulação funcional da estrutura econômica com as superestruturas jurídico-políticas da sociedade, de um lado, e a criminalidade das classes dominadas, definida como resposta individual inadequada do sujeito em posição social desvantajosa, de outro lado, propondo o seguinte: a) no processo de criminalização, (1) a penalização da criminalidade econômica e política das classes dominantes, com ampliação do sistema punitivo, (2) a despenalização da criminalidade típica das classes de categorias sociais subalternas, com contração do sistema punitivo e substituição de sanções estigmatizantes por não-estigmatizantes; b) no processo de execução penal, mediatizada pela mais ampla extensão das medidas alternativas da penal e pela abertura do cárcere para a sociedade, a abolição da prisão: se o crime é resposta pessoal de sujeitos em condições sociais adversas, a correção do criminosos – e a prevenção do crime – depende do desenvolvimento da consciência de classe e da reintegração do condenado nas lutas econômicas e políticas de classe.
Quem também contribui para melhor se clarificar o que vem a ser a Criminologia Crítica é Batista (2007, p. 32-33) ao trazer seu ponto de vista sobre o assunto:
Ao contrário da Criminologia Tradicional, a Criminologia Crítica não aceita, qual a priori inquestionável, o código penal, mas investiga como, por que e para quem (em ambas as direções: contra quem e em favor de quem) se elaborou este código e não outro. A Criminologia Crítica, portanto, não se autodelimita pelas definições legais de crime (comportamentos delituosos), interessando-se igualmente por comportamentos que implicam forte desaprovação social (desviantes), A Criminologia Crítica procura verificar o desempenho prático do sistema penal, a missão que efetivamente Ihe corresponde, em cotejo funcional e estrutural com outros instrumentos formais de controle social (hospícios, escolas, institutos de menores, etc), A Criminologia Crítica insere o sistema penal - e sua base normativa, o direito penal – na disciplina de uma sociedade de classes historicamente deter minada e trata de investigar, no discurso penal, as funções ideológicas de proclamar uma igualdade e neutralidade desmentidas pela prática.
Na construção do conceito de Criminologia Crítica também se encontram os apontamentos de Furquim (2017), que assim descreve:
A Criminologia Crítica é uma concepção teórica de matriz materialista que pretende explicar, a partir das bases estruturais econômicas e sociais, o processo de criminalização e o sistema de justiça criminal, para assinalar a relação entre punição e modo de produção capitalista (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 20 apud FURQUIM, 2017), sociedade essa marcada pelo imperativo da valorização do valor.
Nessa conceituação sobre a Criminologia Crítica, convém destacar a opinião de Juzo (2016) ao descrever o seguinte:
A ciência da Criminologia Crítica ampara-se em métodos empíricos, considerando o verdadeiro funcionamento das instituições em comparação com o que é previsto na norma. Assim, resulta no auxilio à uma realidade objetiva e empírica da qual o direito penal e processual penal podem, e devem amparar-se.
Percebe-se então que a Criminologia Crítica está para questionar a forma pela qual alguns indivíduos são taxados de criminosos, bem como o tipo de controle que é aplicado às minorias tidas por delinquentes.
O citado Habeas Corpus tem por relator o Ministro Teori Zavascki, paciente Telma Pereira de Souza, impetrante Marcos Freitas Ferreira e Outro(A/S) e Coator Superior Tribunal De Justiça.
De acordo com o relato dos fatos tem-se que a paciente foi presa preventivamente, por decreto expedido em 15/10/2015, pela suposta prática do crime de associação para o tráfico (art.35 c/c art. 40, VI, da Lei 11.343/2006) e inconformada com o decreto prisional, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou a ordem, assim foi impetrado, então, novo habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, que indeferiu o pedido. Ao chegar em sede do Supremo Tribunal Federal, no presente habeas corpus, os impetrantes alegam, em suma, que o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação jurídica idônea, que a paciente é primária, ostenta bons antecedentes, possui domicílio certo, exerce ocupação lícita, e possui filho menor de 12 anos de idade, o que, a teor do art. 318, V, do CPP autoriza a substituição da preventiva em domiciliar. Requereu-se, ao final, a revogação do decreto prisional, com ou sem a aplicação de medidas cautelares diversas.
A respeito da decretação da prisão preventiva, esclarece o Ministro Teori Zavascki (Relator) em seu voto, “a decisão está lastreada em aspectos concretos e relevantes da necessidade de se resguardar a ordem pública ante a possibilidade de reiteração delitiva, evidenciada pelas circunstâncias em que supostamente praticado o delito”. No que tange à prisão domiciliar o Ministro Relator também se posiciona: “referente à substituição da prisão preventiva por domiciliar, convém registrar que o pedido, sob esse prisma, não foi submetido à análise das instâncias ordinárias. (...) a possibilidade de colocação do preso em custódia domiciliar pressupõe prova idônea dos requisitos afirmados, requisitos que seriam melhores avaliados pelo juízo de origem”.
Dessa forma, no presente caso, o voto do relatou foi pela concessão à ordem do habeas corpus, de ofício, tão somente para que o magistrado de origem analise a possibilidade de conversão da prisão preventiva por domiciliar nos termos do art. 318, V, do Código de Processo Penal, conforme fundamentação apresentada pelo impetrante. O acordão, por votação unânime se deu então seguindo-se o voto do relator.
Em síntese esta foi a decisão da 2ª turma, presidida pelo Ministro Gilmar Mendes estando presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Teori Zavascki.
O citado Habeas Corpus tem por relator o Ministro Gilmar Mendes a paciente Patrícia Sousa Silva, o impetrante Francisco Ubiratan Pontes De Araújo e o coator o relator do HC Nº 392.739 do Superior Tribunal de Justiça.
Pelo relato dos fatos tem-se que a paciente foi presa em flagrante em 28 de fevereiro de 2017 convertida a custódia em prisão preventiva, pela suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006 (tráfico de drogas), foi indeferido o pedido de liberdade provisória e inconformada com a decisão foi impetrado HC 0621813-02.2017.8.06.0000 no TJ/CE, cujo relator indeferiu o pedido de liminar, posteriormente houve impetração de outro Habeas Corpus perante o Superior Tribunal de Justiça com o número 392.739/CE. Em sede do Supremo Tribunal Federal, o Habeas Corpus tinha como alegação o seguinte: relevância do fato de que as instâncias inferiores não levaram em consideração ter a paciente juntado aos autos cópias das certidões dos filhos menores, bem como a avó materna cuidar de outro filho portador de problemas psiquiátricos; não ter sido evidenciado, no auto de prisão em flagrante, ser a paciente traficante ou que se associe a este tipo de atividade criminosa; ausência de fundamentação da decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva; importância de a paciente ser primária, bem como possuir bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, além de ser mãe de dois filhos os quais convivem com ela e a avó materna, a saber: Paulo Ricardo Silva Santos (8 anos) e Poliana Sousa Silva (3 anos); o fato de que o Ministério Público local sequer apresentou denúncia contra a paciente; possibilidade de concessão da prisão domiciliar, nos termos do art. 318, inciso III, do CPP, porquanto a paciente possui dois filhos, um deles menor de 6 anos (Poliana Sousa Silva). Por esta fundamentação apresentada ao final, a parte impetrante pediu a concessão liminar da ordem para revogar a ordem de prisão ou, liminarmente, a concessão da prisão domiciliar; ou a concessão definitiva da ordem para que a paciente pudesse responder em liberdade à ação penal perante a Vara Única da Comarca de Frecheirinha/Ceará; ou a concessão da liberdade provisória, com aplicação das medidas cautelares objeto dos arts. 318 e 319 do CPP.
Passou assim a votar o relator: no que diz respeito à prisão preventiva que “por oportuno, no sentido de ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública considerada a gravidade concreta do crime”. No que tange à prisão domiciliar o Ministro Relator mencionou: “(...) enquanto estiver sob a custódia do Estado (provisória ou decorrente de condenação definitiva), são garantidos ao preso diversos direitos que devem ser respeitados pelas autoridades públicas”. Destacou as previsões na Constituição, na Lei de Execução Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Processo Penal e nas Regras de Bangkok, de modo que votou assim: (...) “acolhendo a manifestação da PGR e com base no art. 318, inciso V, do CPP (mulher com filho de até 12 anos incompletos), concedo, de ofício, a ordem, em parte, para, confirmando a liminar deferida, determinar que a paciente seja colocada em prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico, e, ainda, com a obrigação de comparecimento periódico em juízo para informar e justificar suas atividades, sem prejuízo da adoção de outras medidas cautelares dispostas no CPP. Além disso, deverá a paciente: a) solicitar previamente autorização judicial sempre que pretender ausentar-se de sua residência (artigo 317 do CPP); b) atender aos chamamentos judiciais; c) noticiar eventual transferência; e d) para fins de apuração da melhor situação para a criança (ECA doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente), submeter-se, periodicamente, juntamente com sua família, a estudos psíquico-sociais. (...) Registro que o Juízo de primeiro grau ficará responsável pela fiscalização do cumprimento das medidas e condições impostas, devendo advertir a paciente de que eventual desobediência implicará o restabelecimento da prisão preventiva”. A votação foi unânime, seguindo-se o voto do relator.
Esta foi a decisão proferida, concernente ao referido Habeas Corpus, pela 2ª turma do Supremo Tribunal Federal, presidida pelo Ministro Edson Fachin, estando presentes à sessão Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Ausente, justificadamente, o Ministro Celso de Mello.
Este Habeas Corpus tem por relator o Ministro Gilmar Mendes, a paciente Jessica de Fátima de Souza, por impetrantes Defensoria Pública do Estado de São Paulo, procuradores Defensor Público-Geral do Estado de São Paulo e como coator o relator do HC Nº 353.804 do Superior Tribunal de Justiça.
O presente caso consta que a paciente foi presa em 16 de setembro de 2015, em razão de mandado de prisão temporária, pela suposta prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c o artigo 40, inciso VI, todos da Lei 11.343/2006 (tráfico ilícito de drogas com envolvimento de adolescente). Posteriormente, em 25 de setembro de 2015, o Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Adamantina/SP converteu a prisão temporária em preventiva. Como não se conformou com tal medida, a defesa impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, alegando ausência dos requisitos autorizadores da custódia cautelar, dispostos no artigo 312 do CPP. Na oportunidade foi requerida a substituição por prisão domiciliar, tendo em vista que a paciente estaria em seu nono mês de gestação e o cárcere traria riscos tanto a ela quanto ao nascituro, porém não se obteve êxito. Impetrou-se outro Habeas Corpus perante o Superior Tribunal de Justiça, mas também sem sucesso para a paciente. Insistente, a defesa ratifica a possibilidade da substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Na data de 15.3.2016, a paciente foi encaminhada ao hospital para a realização do parto, tendo dado à luz a Micaelly Vitória. Diante de tal fato, invocou-se o princípio da dignidade da pessoa humana, porquanto criança e a mãe têm o direito de permanecer juntas em ambiente que não causasse dano a nenhuma delas.
O voto do relator se baseou da seguinte maneira: “Inicialmente, destaco que o decreto prisional não apresenta fundamentação concreta para decretação da custódia cautelar. Além de ser pequena a quantidade de droga apreendida (aproximadamente 450 gramas de maconha), o magistrado limitou-se a fazer referências genéricas acerca dos requisitos da prisão cautelar e invocar a gravidade abstrata do crime. (...) extrai-se do conteúdo probatório que a paciente, ao ser presa por força de mandado de prisão temporária, estava grávida e passou por toda a gestação detida preventivamente. Em 15.3.2016, deu à luz, encarcerada, à criança de nome Micaelly Vitória, que se encontrava recolhida junto com a mãe por ainda estar em fase de amamentação”.
O relator mencionou alguns dispositivos legais demonstrando que ao preso são garantidos alguns direitos que devem ser respeitados, principalmente diante da peculiaridade do referido caso em questão, de modo que decidiu, de ofício, pela concessão a ordem para, confirmando a liminar deferida, determinar a substituição da prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar. O acórdão da 2ª turma seguiu o voto do relator por votação unânime. O julgamento teve por presidente o Ministro Gilmar Mendes estando presentes à sessão os Ministros Celso de Mello, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Teori Zavascki.
A prisão domiciliar feminina no Brasil, prevista no artigo 318, IV e V é um instituto que pode beneficiar diversas mulheres que atendem a esta condição, com o objetivo de se prezar pelo bem estar da criança e do adolescente, pois para estes que é voltado tal benefício, muito embora a mulher que é contemplada com a referida vantagem.
Convém mencionar que esta condição de mulher grávida ou lactante, não apaga o ilícito realizado por ela, apenas se discute qual a melhor forma para que a criança não seja penalizada pelo ato cometido pela mãe. Importante destacar que se visa o bem estar do menor seja ao lado da mãe ou não. Esta hipótese não pode ser descartada, visto que, pode ocorrer da mãe não ter condições de garantir os devidos cuidados que o menor precisa para se desenvolver.
Muitas vezes a convivência entre mães e filhos não é salutar, daí a extrema relevância em se fazer a análise de cada caso quanto à prisão domiciliar, pois mais uma vez reforça-se, o destinatário principal é a criança que não pode ser privada dos cuidados mínimos para sua existência, enquanto que a mãe não se exime totalmente da infração cometida, apenas tem a oportunidade do convívio familiar.
Pois bem, se visualiza com os exemplos demonstrados, a possibilidade de concessão da prisão domiciliar para mulheres gestantes, lactante e com filhos menores, em sede do Supremo Tribunal Federal. O que se percebe também é que foi preciso chegar a última instância para garantir o que preceitua a legislação pátria. Infere-se assim que as situações ensejadoras de prisão domiciliar feminina não são analisadas com o devido cuidado.
No primeiro caso a Suprema Corte indicou que cabia ao magistrado de origem analisar a possibilidade da concessão do benefício pleiteado, no segundo caso se decidiu por conceder a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico sob a responsabilidade do Juízo de primeiro grau, e no terceiro e último exemplo votou-se pela prisão domiciliar da paciente em questão.
Ora, se tais elementos caracterizados da prisão domiciliar, prevista no Código de Processo Penal, são visualizados pelo Supremo Tribunal Federal, há de se admitir que muitas mulheres estão em situação semelhante e não se beneficiam de tal previsão legal. Porém deve-se ter o bom censo de que a análise dos casos em concreto é fundamental para que não se banalize a concessão da prisão domiciliar feminina, pois em vez de garantir a dignidade da pessoa humana, se estaria incentivando o cometimento de ilícitos sob a alegação de que as mulheres, abrangidas pela referida vantagem, podem fazer o que quiser, ultrapassando os limites legais.
Ressalte-se que não se pode ter o Supremo Tribunal Federal como um balcão de concessão de prisão domiciliar feminina, mas este deve ser como as demais instâncias do Judiciário, os guardiões dos direito e garantias fundamentais do cidadão, e se este cometeu algum ilícito, mesmo assim deve estar protegido pelas autoridades públicas. O que se pretende, é que o direito seja garantido a quem demonstrar legitimidade, independentemente da pessoa que esteja a pleitear, de modo que nos casos apresentados, pode-se visualizar uma nuance da criminologia crítica, pois com os julgados, percebe-se o acesso a Justiça a qualquer cidadão que a ela suplica, quer seja rico, quer seja pobre.
Dessa forma, levando-se em consideração a população carcerária feminina existente no país, a prisão domiciliar na modalidade antes mencionada no artigo 318 do Código de processo Penal é uma realidade cada vez mais frequente no poder Judiciário inclusive na instância maior como bem demonstrado no presente artigo.
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Graduanda do Curso de Direito - Faculdade Imaculada Conceição do Recife (FICR) - Recife/PE; Graduada no Curso Tecnólogo de Gestão de Recursos Humanos - Faculdade Marista - Recife/PE ;Pós-graduada em Gestão do Desenvolvimento Humano e Organizacional - Faculdade Marista - Recife/PE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Ana Claudia Gomes. Prisão domiciliar das mulheres gestantes e lactantes: uma análise crítica sobre a aplicabilidade e repercussões Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52530/prisao-domiciliar-das-mulheres-gestantes-e-lactantes-uma-analise-critica-sobre-a-aplicabilidade-e-repercussoes. Acesso em: 23 dez 2024.
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