LUIZA ALVES CHAVES[1].
(Coautora)
Resumo: O presente artigo aborda a questão das relações de consumo a partir do anseio dos consumidores em adquirir produtos e serviços em ritmo desenfreado. Para além do atendimento das necessidades próprias dos consumidores, o ato de consumir transmutou-se em poderoso instrumento de inclusão social e de busca da felicidade, num fenômeno que se espraia pela sociedade em crescente velocidade. Trata-se de uma análise da denominada “sociedade de consumidores”, expressão que, segundo Bauman, designa o atual modelo de funcionamento social, em que o consumo, além de ser considerado direito dos cidadãos, é constantemente estimulado pelos atores econômicos e mesmo pelo setor público, a exemplo do que aconteceu com a recente liberação para saque de valores do FGTS pelo governo brasileiro com o objetivo de estimular a economia. Por fim, é abordado o método pelo qual o sistema da sociedade de consumidores se mantém, e sua influência exercida nas relações sociais e nos próprios consumidores, trazendo como consequência a alienação destes na cadeia econômica, que não necessariamente consomem produtos e serviços para o atendimento de suas necessidades, pelo desejo de inclusão social ou pela busca da felicidade, mas sim pelo simples ato de comprar: o consumo pelo consumo.
Palavras Chave: Sociedade de consumidores; alienação; consumo.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O CONSUMO ALÉM DA NECESSIDADE. 2. A BUSCA PELA FELICIDADE ATRAVÉS DO CONSUMO. 3. A ALIENAÇÃO DO CONSUMIDOR E O CONSUMO PELO CONSUMO. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Não se pode negar que a sociedade atual é uma sociedade consumista. Afinal a todo o momento o consumo ocorre, seja de produtos, informações ou mesmo fofocas, ora consumimos até a vida social das pessoas em decorrência do constante abastecimento das redes sociais com cada elemento do dia a dia, como um café, um encontro ou uma compra. Todas as atividades e novidades são postadas e compartilhadas nas redes.
Este quadro não é ausente de motivação. O consumo é estimulado pelas propagandas de rádio e televisão, outdoors, e, sobretudo pela internet, a partir de estratégias decorrentes do aumento da produção de bens e serviços, fruto de recentes avanços tecnológicos, e do ingresso no mercado de consumo de indivíduos de classes sociais desfavorecidas, além do avanço da cultura do descarte e da aparência.
Um produto ou serviço novo é disponibilizado no mercado em tempo recorde. Mais avançado ou com mais recursos que o anterior, deixa-o obsoleto em brevíssimo intervalo de tempo, sem necessariamente torná-lo inútil para o fim a que se presta. No entanto, não adquirir a novidade pode significar antes um risco a determinado status social desejado ou conquistado pelo indivíduo, que o desatendimento a uma necessidade real, fática ou econômica.
As pessoas deixam então de consumir pela necessidade do consumo, como no caso da compra de roupas ou alimentos, e passam a consumir por vaidade, adquirindo os produtos mais modernos e atualizados de modo que lhes garanta certo status social. Além disso, diante da constante contaminação publicitária em todos os meios de comunicação e da elaboração de boas campanhas de marketing, as pessoas passam a consumir apenas por consumir. Compram o produto que, muitas vezes, não lhe terá utilidade, mas apenas por se encontrar em promoção.
O consumidor então torna-se alienado à motivação que o leva a consumir desenfreada e frequentemente, consumindo sem de fato questionar a real necessidade da compra, muitas vezes com o objetivo de apenas obter certo status social.
O ato de consumir faz parte de nossa sobrevivência, conforme preceitua Bauman:
O consumo é uma condição, e um aspecto, permanente e irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros organismos vivos[2]. ()
Entretanto, atualmente o consumo tomou proporções superiores a simples necessidade de aquisição de certos produtos, deixando de ser mera questão de acesso aos bens como fim, passando a se tratar atualmente, e principalmente, do acesso aos bens como meio e status social enquanto fim. É um consumo hedonista, ou melhor, de aparência.
Segundo Rieping
A palavra hedonismo vem do grego hedonê, que significa "prazer", "vontade". Ou seja, o consumo hedonista caracteriza-se pelo princípio do prazer, do consumo de produtos e serviços que proporcionem prazer intrínseco. O consumo deixa de ser uma atitude para resolver uma necessidade, passando finalmente para o desejo de felicidade. Nem que seja momentânea[3].
Assim, o consumidor irá comprar pelo prazer, mas também porque a aquisição de certos produtos ditos da moda passou a ser um fator importante para inclusão social, já que não possuí-los pode atrapalhar ou até mesmo impedir a participação em determinados grupos. A segregação social baseada na capacidade aquisitiva da pessoa inicia-se bem cedo, até mesmo dentre as crianças que excluem dos principais grupos aquelas que não possuem o tênis que acende a luz, ou alguns jogos famosos.
A divisão social continua com o passar dos anos, podendo até mesmo se agravar, já que há uma elevação do gasto necessário para a aquisição dos produtos socialmente importantes. Até porque com o passar dos anos é possível um aumento do poder aquisitivo pessoal através de sua inclusão no mercado de trabalho.
As exigências sociais vão se modificando de acordo com a idade e o grupo social que o consumidor entrega. Nos grupos de pessoas ditas de classe médias o gasto realizado para a manutenção da aparência perante os seus é menor do que naqueles grupos de pessoas com um maior poder aquisitivo.
O consumidor então precisa se adaptar ao grupo que integra ou que pretende integrar, de modo a atender as exigências e não destoar dos demais quanto aos bens possuídos. Pode-se exemplificar com o fato de que quando as pessoas ainda estão cursando a faculdade, as exigências dos grupos sociais versam sobre produtos de pequena monta, como aparelhos eletrônicos e roupas.
Entretanto nos grupos em que os integrantes já possuem trabalho de renda fixa os questionamentos passam a versar sobre produtos com custo mais elevado, tais como automóveis e até mesmo imóveis. Ressalta-se que isso não excluiu as exigências anteriores de aquisição de produtos de pequeno porte e valor, ocorre apenas a agregação da exigência de aquisição de todos os produtos.
De modo a segregar até mesmo dentre aqueles que possuem certa capacidade financeira, passou-se a exigir a aquisição de produtos ditos exclusivos, que são lançados em quantidade limitada e possui um valor altíssimo se comparado com um similar não exclusivo. A disputa pela aquisição da exclusividade gera até mesmo filas para o dia do lançamento.
Para exemplificar este fenômeno pode-se narrar um caso ocorrido na cidade do Rio de Janeiro. Conforme informações retiradas do site de notícias G1, cerca de cento e trinta pessoas passaram a madrugada do sábado dia 24 de junho de 2017 em uma fila, acampadas na frente da loja Adidas Originals no bairro de Ipanema no Rio de Janeiro, para comprar um novo tênis lançado pela marca, o qual tem o design assinado por um rapper americano.
O tênis foi lançado na data anteriormente citada com o valor de mil cento e noventa e nove reais. Por ser edição limitada, poucos pares foram fornecidos e os cem pares recebidos pela loja foram vendidos em uma hora e meia, aproximadamente, sendo que após ter-se esgotado havia ainda cerca de quarenta pessoas esperando para adquirir o produto.
Esse acontecimento é uma ilustração da cultura do consumo por aparência, afinal apesar de ser um bem útil, um tênis de mais de mil reais tem a mesma utilidade de um tênis de cem ou duzentos reais. A compra daquele modelo exclusivo é necessária para o consumidor para permitir a sua diferenciação dentre os demais, ao mesmo passo em que permite sua manutenção ou até mesmo elevação do status social.
A compra de produtos exclusivos e a sua exibição irá gerar uma felicidade momentânea, mas esta logo terá seu fim, então o consumidor irá buscar outro produto para adquirir e poder novamente se exibir pela sua aquisição. Ora, como preceitua Bauman: “A sociedade de consumidores talvez seja a única na história humana a prometer felicidade na vida terrena, aqui e agora e a cada “agora” sucessivo. Em suma, uma felicidade instantânea e perpétua[4]”.
A busca pela felicidade torna-se constante. A cada compra, o consumidor possui um lampejo de felicidade. Novas compras precisam ser realizadas a todo o momento, de modo que novos momentos de felicidade sejam obtidos pelo consumidor.
O consumismo, em aguda oposição às formas de vida precedentes, associa a felicidade não tanto à satisfação de necessidades (como suas “versões oficiais” tendem a deixar implícito), mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la[5]
Fato é que atualmente constituímos a sociedade de consumidores, conforme ensinado por Bauman, uma sociedade onde o consumo é estimulado de todas as maneiras, para todas as pessoas, a qualquer momento. Esse tipo de sociedade, como dito anteriormente, promete a felicidade instantânea e perpétua, entretanto, não a entrega, já que o consumidor logo após a satisfação pela compra de certo produto desejado, é estimulado a desejar outros produtos, de modo que está sempre desejando novos produtos, novas aquisições.
Essa alteração constante dos produtos desejados pelo consumidor é que possibilita a prosperidade do modelo atual da sociedade, conforme Bauman explica: “A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar perpétua a não satisfação de seus membros[6]”.
Consegue-se a assim a manutenção do modelo de sociedade de consumidores, já que estes nunca estão completamente satisfeitos, continuam a consumir na busca da felicidade. “A vida organizada em torno do consumo, por outro lado, deve se bastar sem normas: ela é orientada pela sedução, por desejos sempre crescentes e quereres voláteis – não mais por regulação normativa[7]”.
As pessoas estão sempre em busca da felicidade, mais do que isso querem a satisfação de seus desejos, assim são atraídos pelas sedutoras propagandas, as quais são feitas com base em estudos e aperfeiçoamentos sobre como atrair o público alvo desejado. Assim, com o marketing bem elaborado o consumidor passa a ver naquele item a sua satisfação, e não há nada que se possa fazer que não seja adquiri-lo para que seja satisfeito e assim encontre a felicidade.
Além do mais há que se ter em consideração a quantidade infinita de produtos oferecidos aos consumidores. Se antes os produtos eram basicamente exclusivos, hoje é possível encontrar com pessoas na rua vestindo exatamente a mesma peça do vestuário. Para cada tipo de produto há diversas marcas, diversos modelos. Os produtos exclusivos deixaram de ser a realidade do cotidiano para se tornarem objeto de desejo e uma forma de diferenciação dos demais que utilizam os produtos confeccionados em massa.
A exposição desses produtos se dá principalmente nas lojas de departamentos, as quais surgem no final do século XIX e início do século XX[8] trazendo grandes inovações já que passaram a reunir em um só espaço diversos produtos deixando o consumidor a possibilidade de comprar inúmeros ao mesmo tempo.
Rocha disse que:
A loja de departamentos da segunda metade do século XIX constituiu um novo espaço propício à conversão da produção em consumo, de um amálgama de materiais indistintos em um universo de artigos plenos de significados culturais. Como um ‘paraíso de consumo’ no qual todos os sonhos e desejos se materializam, o grande magazine buscava proporcionar à sua clientela, principalmente às damas burguesas, toda sorte de bens investidos de propriedades mágicas[9].
Ora, o crescimento das marcas e o início dos primeiros grandes magazines, bem como dos super e hipermercados, passaram a trazer para o consumidor um estilo de consumo diverso, até então desconhecido, onde o próprio consumidor faz sua escolha na loja, possuindo total acesso aos produtos[10].
Essa possibilidade de tocar os produtos, de tê-los a mão, possibilitou ao consumidor um melhor conhecimento sobre os itens a serem adquiridos, ao mesmo passo em que permitiu que os lojistas utilizassem de mais técnicas de sedução e marketing para realizar vendas de produtos diversos.
Ao falar sobre as técnicas de sedução nas grandes lojas e mercados, pode-se falar sobre as prateleiras de doces, balas e biscoitos que costumam ficar próximas aos caixas dos supermercados ou lojas de departamento, para que enquanto o consumidor aguarde sua vez na fila, possa ser seduzido a comprar algum dos produtos expostos.
Esse tipo de técnica é apenas uma das diversas utilizadas pelos lojistas, tais como as etiquetas de cores chamativas para indicar um item com preço reduzido e as grandes chamadas para liquidações onde teoricamente há diminuição do preço em toda a loja. Os vendedores se utilizam de diversos métodos a fim de aumentar as vendas, mesmo que por vezes tenha que reduzir o lucro, gastando algum dinheiro a mais com propaganda e outras coisas chamativas para seduzir o consumidor.
Essa sedução do consumidor pode ser feita por diversas áreas. A cada momento este pode ser seduzido por um objeto diverso, inicialmente pode ser por um modelo de roupa, posteriormente por um sapato, depois por um celular, e assim sucessivamente, de modo que cada hora seu desejo pode estar voltado para um tipo de produto específico. Realizando assim a troca sucessiva dos produtos possuídos, pelos modelos novos almejados.
Na sociedade de consumo, os bens não são descartados por deixarem de ser úteis, mas porque deixam de ser novos. No dinamismo do mercado reside o gérmen da cultura do descarte; do estímulo ao consumo desenfreado decorre a necessidade da liberação de espaço. O velho cede lugar ao novo, sem que outra razão haja para isso, a não ser o fato de que algo ficou ultrapassado, mesmo que do item mais moderno não haja necessidade.
Exemplo ilustrativo deste cenário de consumo instintivo e descartável é a sensação de que um passeio por um shopping center apenas encontra sentido se houver a possibilidade de consumir algo. Parece haver uma insuperável correlação entre o ato de ir a um shopping center e fazer compras, bem expressada na seguinte frase de uso corrente: “por que vou ao shopping, se não posso comprar nada?”.
A arquitetura desses espaços é pensada para induzir os frequentadores a passarem mais tempo neles e a consumirem, seja proporcionando sensação de segurança e conforto ou mesmo reduzindo a percepção de tempo decorrido. Shopping centers costumam oferecer estruturas bem iluminadas e espaçosas, refrigeradas, imunes à exposição do ambiente externo e rodeadas de seguranças, tudo para que o consumidor se sinta confortável para passar mais tempo neles e comprar. De acordo com Giddens:
A confiança renovada do familiar, tão importante para um senso de segurança ontologia, é unida a percepção de que o que é confortável e próximo é na verdade uma expressão de eventos distantes e “foi colocada” no ambiente local ao invés de formar dentro dele um desenvolvimento orgânico. O shopping Center local é um meio onde uma sensação de tranquilidade e segurança é cultivada pelo acabamento dos prédios e pelo planejamento cuidadoso dos lugares públicos. Contudo, todos que fazem suas compras nesses lugares estão cônscios de que a maioria das lojas pertence a cadeia de lojas, que podem ser encontradas em qualquer cidade, e que na verdade inumeráveis Shopping centers de projeto semelhante existem por toda parte[11]
Essa criação baseada no familiar decorre da confiança em sistemas, que é explicada por Giddens: “A confiança em sistemas assume a forma de compromissos sem rosto, nos quais é mantida a fé no funcionamento do conhecimento em relação ao qual a pessoa leiga é amplamente ignorante[12]”.
Pode-se dizer que há quatro contextos de confiança, dentre eles a comunidade local[13], assim a reprodução de um ambiente familiar aumenta a confiança do consumidor naquele espaço, possibilitando assim a efetivação do consumo. Assim, o próprio ato de consumir é baseado na confiança em sistemas abstratos, afinal “a natureza das instituições modernas está profundamente ligada ao mecanismo da confiança em sistemas abstratos[14]”.
Ora, ainda segundo o autor: “A confiança em sistemas abstratos é a condição do distanciamento tempo-espaço e das grandes áreas de segurança na vida cotidiana que as instituições modernas oferecem em comparação com o mundo tradicional[15]”.
Há, portanto uma confiança do consumidor na aquisição do produto, não mais apenas quando a transação é feita pessoalmente. Atualmente, conforme Giddens explica, “o dinheiro possibilita a realização de transações entre agentes amplamente separados no tempo e no espaço[16]”, assim, tornou-se possível o consumo a distância,o qual gerou um aumento do fluxo internacional de produtos e serviços.
A ampliação da atividade comercial surgiu a reboque da globalização econômica e política. Com o incremento da atividade industrial e o avanço do comercio para além das fronteiras nacionais, a expansão do alcance dos meios de comunicação e o aumento do fluxo de pessoas ao redor do mundo, grandes produtores e fornecedores de produtos e serviços passaram a atingir consumidores numa escala sem precedentes.
Um dos significados disto, numa situação em que muitos aspectos da modernidade tornaram-se globalizados, é que “ninguém pode optar por sair completamente dos sistemas abstratos envolvidos nas instituições modernas[17]”.
A globalização e o aumento do fluxo de consumo importado trouxe também um aumento dos produtos disponíveis para consumo. Como Bauman já previa, “no mundo dos consumidores as possibilidades são infinitas, e o volume de objetivos sedutores à disposição nunca poderá ser exaurido[18]”.
O que por muitas vezes não se percebe é que na realidade essa infinidade de opções não aumenta a felicidade do consumidor, mas sim a diminui, já que com uma maior possibilidade de escolha o consumidor precisa optar por uma dentre as opções, o que posteriormente lhe gera questionamentos se aquela escolha, se aquele produto adquirido foi de fato a melhor opção, ou se deveria ter optado por outro.
Para exemplificar a dificuldade do consumidor para escolher dentre os diversos produtos, pode-se utilizar a nova moda que conquistou principalmente os jovens e tem crescido a cada dia mais: os clubes de assinatura. O funcionamento acontece da seguinte maneira: mensalmente o consumidor faz um pagamento de um valor fixo, e em consequência recebe em sua casa produtos, mas estes não foram escolhidos pelo mesmo, mas sim pela empresa.
Há diversos tipos de clubes de assinatura, sobre diversos produtos, sejam livros, roupas, decoração de casa, bebidas, acessórios para pets, maquiagem e até mesmo de comida sem glúten. O clube de assinatura facilita a vida para aquele consumidor que não gosta de ter que escolher.
Este tipo de venda é benéfico para a empresa dona do clube de assinatura que possui uma renda fixa, como também para empresas de produtos relacionados ao clube, que pode utilizar do patrocínio de uma caixa, ou até mesmo vender produtos com descontos para compor a caixa, já que realiza uma grande venda, ao mesmo passo em que divulga seus produtos para diversas pessoas que até então desconheciam seu produto.
Esse modelo de clube de assinatura tem se espalhado pelo mercado, de modo que há cada vez mais clubes sobre os mais diversos produtos. Realizaram até mesmo uma adaptação deste modelo de venda para a venda tradicional, uma loja de roupas[19] a pedido da consumidora envia uma mala com alguns produtos para a sua casa, de modo que a mesma tenha a comodidade de receber os produtos em casa e escolher de uma seleção já feita, diminuindo suas opções.
Este modelo evita não só ter que se dirigir a uma loja como também outro problema comum da aquisição de itens de vestuário pela internet, que é a insuficiência do tamanho ou a aparência ser diversa da que sugeria o vendedor. Assim, o modelo de consumo se modifica diariamente para se adaptar às necessidades do consumidor.
Passou-se até mesmo a se consumir vídeos, criando novas figuras de emprego, os chamados blogueiros, vlogueiros ou youtubers dedicam sua vida a não somente abastecer as redes sociais, como também a criar vídeos sobre diversos temas. Ao atingirem certo número de visualizações há o percebimento de uma remuneração pela plataforma de vídeos.
Há diversos tipos de vídeos, desde receitas culinárias, a abertura e resenhas de produtos comprados de modo que o consumidor saiba quais os prós e contra antes de adquirir referido produto. A plataforma de vídeos passou a gerar sua renda com os anúncios de produtos veiculados aos vídeos, assim antes de assistir a um vídeo há uma propaganda cuja visualização é obrigatória.
O consumo, portanto, aos poucos vai se modificando para se adequar o consumidor aos desejos atuais. Se antes fazia parte do cotidiano dos consumidores a ida a um supermercado para realizar as compras mensais ou semanais, atualmente isso já não é mais necessário, pois além das entregas em casa e das compras feitas pelo telefone, há um novo sistema em uso.
Esse sistema de abastecimento de produtos[20] é um serviço no qual a pessoa elabora uma lista contendo os produtos essenciais, aqueles que precisa em sua casa. Após a primeira lista, é realizada a entrega do pedido em até oito dias, mas nessa mesma compra já é possível agendar as próximas entregas da mesma lista, podendo então receber de forma mensal, quinzenal ou semanal, os produtos que precisa em sua casa. Além disso, é possível alterar no sistema a data da entrega ou os produtos da lista caso seja necessário. .O consumidor então não necessita mais ter que ir até o supermercado, ele sequer precisa elaborar a lista novamente, já que sua lista de compras fica gravada, não sendo necessário passar pela questão da escolha dos produtos novamente. Há no serviço inclusive listas de sugestão para certos tipos de pessoa: solteiro, solteira ou casal, de modo a facilitar ao máximo a vida do cliente.
Segundo Bauman
O consumismo é um atributo da sociedade. Para que uma sociedade adquira esse atributo, a capacidade profundamente individual de querer, desejar e almejar deve ser, tal como a capacidade de trabalho na sociedade de produtores, destacada (‘alienada’) dos indivíduos e reciclada/retificada numa força externa que coloca a “sociedade de consumidores” em movimento e a mantém em curso como uma forma específica de convívio humano, enquanto ao mesmo tempo estabelece parâmetros específicos para as estratégias individuais de vida que são eficazes e manipula as probabilidades de escolha e conduta individuais[21].
As empresas conseguem criar uma corrente de desejo pelo produto a partir da experiência de terceiros, a pessoa quer aquilo que o outro tem ou teve, há a cópia da conduta do grupo. O estimulo a esse comportamento é uma estratégia de marketing denominada love brands, muito comum entre marcas mundialmente famosas, e consiste em “conquistar o coração das pessoas”, criar sólida confiança na marca.
Com base na confiança na marca o consumidor passa a comprar apenas por confiar nela, mesmo que por vezes haja outros produtos de diversas marcas que sejam mais atuais ou possuam mais recursos. A confiança do consumidor na qualidade do produto oferecido garante a sua compra, ainda que não seja um produto extraordinário, diferente de diversos outros fornecidos no mercado.
Um grande aliado da possibilidade de compra de produtos que não se enquadram completamente nas condições financeiras do consumidor é o cartão de crédito, que foi o grande facilitador para a ampliação do consumo. Por meio da sua utilização pessoas com baixa renda podem adquirir produtos mais caros e parcelar o valor mensalmente de modo que possa ir aos poucos pagando pelo produto.
Os bancos passaram a disponibilizar mais crédito aos consumidores, por diversas vezes sem sequer exigir a comprovação de renda. Atualmente uma pessoa pode ter diversos cartões de crédito, afinal cada loja tem disponibilizado o seu próprio cartão, o qual gera descontos específicos para sua loja, ou até mesmo acumulo de pontos para troca de produtos.
Com mais facilidade de crédito e o constante estímulo para consumo, que por vezes gera aquelas compras de impulso, da qual o consumidor se arrepende depois, houve um aumento considerável de pessoas com dívidas, principalmente de cartão de crédito, os quais possuem juros altíssimos, fazendo com que a pessoa leve um bom tempo até que consiga de fato quitar sua dívida, isso quando consegue. Mas isso não impede que o consumidor consiga crédito em outros lugares e continue comprando.
O consumidor por diversas vezes ao chegar em uma das lojas de uma grande rede é questionado por vendedores durante a compra se não deseja realizar o cartão, e praticamente é empurrado para a mesa de modo a elaborar o cartão, as vezes quando nega, há ainda outra tentativa no caixa quando do pagamento da compra, onde o atendente sempre questiona se possui o cartão, e quando há a negatório oferece novamente a possibilidade de ter, por vezes oferecendo descontos para a primeira compra.
Bauman diz que a “sociedade de consumidores, em outras palavras, representa o tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumista, e rejeita todas as opções culturais alternativas[22]”.
Assim, o consumo continua sendo estimulado, ao passo que aquelas pessoas que não se adéquam, que não possuem roupas ditas da moda, que não possuem os smartphones mais modernos são rejeitadas por toda a sociedade. Chegou-se a um ponto em que até mesmo quando uma pessoa viaja ao exterior, uma das questões feitas é o que ela adquiriu na viagem. Isso porque com as tarifas de importação, por diversas os produtos chegam ao Brasil com valores muito superiores aos praticados no exterior.
O incremento acelerado do consumo pode retirar da necessidade social, isto é, do prestígio dele advindo, o protagonismo como causa primeira de sua prática reiterada. O ato de consumir atingiria determinado grau de repetição, a ponto mesmo de abandonar seu fim precípuo de atender a necessidades fáticas, econômicas ou sociais, para se converter num fim e si mesmo: o consumo pelo consumo. Nesse sentido, esclarece Bauman, em Vida para consumo, que:
A vida do consumidor, a vida de consumo, não se refere à aquisição e posse. Tampouco tem a ver com se livrar do que foi adquirido anteontem e exibido com orgulho no dia seguinte. Refere-se, em vez disso, principalmente e acima de tudo, a estar em movimento[23]
Disto se extrai um abandono progressivo da racionalidade na sociedade de consumo. Se antes a aquisição de um produto ou serviço destinava-se a satisfazer uma necessidade social ou real do consumidor, fática ou econômica, agora ela se reveste de um caráter automático e autônomo, sem se destinar precipuamente ao oferecimento de qualquer utilidade ao adquirente.
Sob esse prisma, a sociedade de consumo corresponde a um modelo erigido sobre o consumidor alienado, que desconhece e deixa de exercer o papel por ele ocupado na cadeia produtiva: o de destinatário fático e econômico do produto ou serviço. Nesta configuração, tal qual acontecia com o trabalhador alienado do fordismo[24], o ato de consumir assume feição puramente mecânica, dedicado mais à velocidade com que ocorre do que com sua real utilidade.
Assim como o trabalhador na esteira de produção, desenvolvendo a atividade que lhe compete à medida que o maquinário impõe a obrigação de executá-la, sem conhecer as demais etapas do processo produtivo e a relevância de sua atuação para o resultado final, o consumidor adquire produtos e serviços não para o atendimento de suas necessidades, mas como resposta automática a constantes incentivos de propagandas, anúncios publicitários e estratégias de marketing.
A premissa fundamental do consumo pelo consumo passa, então, pela desnecessidade do consumidor em relação àquilo que adquire. O objeto da aquisição deixa de ter por fim o oferecimento de qualquer utilidade ao consumidor e afigura-se de tal modo dispensável, que pode vir a ser descartado pouco tempo após a compra ou sequer ser utilizado. É a irracionalidade do consumo conduzindo à cultura do descarte.
Com o descarte o consumidor sempre consegue um espaço para um produto novo, para uma peça de roupa. Assim, quando vai ao shopping Center e compra uma blusa apenas porque passou na vitrine e achou bonita, o consumidor não precisa mais sequer justificar a necessidade de usar a blusa, ou até mesmo a manutenção de status social.
Com o modelo atual existente das lojas de departamento e shopping Center, o consumidor possui a liberdade de comprar por comprar, de comprar por estar passeando em um local repleto de lojas, e ter na compra uma forma de entretenimento. O consumo portanto, deixou de ter finalidade prática, deixou de ter qualquer finalidade, se não um fim em si mesmo a fim de manter e sustentar a sociedade de consumidores atualmente existente.
Como Rieping diz
A principal característica do consumo hedonista é a busca por prazer imediato, levando ao prazer dos sentidos, estimulando assim todos os aspectos emocionais. Um exemplo muito claro de consumo hedonista é: Depois de um expediente de trabalho, uma consumidora resolve ir ao shopping passear. Geralmente este passeio, sempre lhe custa um produto que adquire durante o caminhar pelas vitrinas. Mas, ela passa em frente a um salão e pensa "vou fazer as minhas unhas e arrumar meu cabelo. Porque eu mereço." Esta é uma constatação nítida de que, esta consumidora buscou naquele momento um serviço que lhe proporcionasse prazer.
Não podemos de forma alguma, confundir consumo hedonista com consumo por impulso, já que o consumo por impulso é caracterizado pela compra de um determinado produto ou serviço por outros estímulos e técnicas, tal como a promoção. Ainda, o consumo por impulso vem acompanhado daquele "peso na consciência" pós compra, dado como exemplo pelos pensamentos: "Gastei mais do que devia" ou "Eu não precisava desta camisa, mas agora já foi"[25].
Assim, seja pelo consumo hedonista ou pelo consumo de impulso, o consumidor por diversas vezes adquire algum produto ou serviço que na realidade não necessitava, podendo ainda se arrepender depois, principalmente quando a conta bancária fica próxima ou negativada.
A sociedade de consumidores promete a felicidade instantânea ao consumidor, porém não deixa claro os perigos enfrentados para ter essa felicidade, o endividamento é um dos inimigos dos consumidores, e a cada dia com o aumento das compras, ele também aumenta, criando um problema para os consumidores que podem se ver impedidos de alcançar a felicidade.
Assim, o consumidor segue sua busca insaciável pela felicidade ao mesmo tempo em que continua comprando, seja pelo mero status ou pelo simples prazer de efetuar a comprar em si, proporcionando a perpetuação da sociedade de consumidores.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991.
RIEPING, Marielle. Consumidores hedonistas: quem são e como compram? Disponível em: Data de acesso: 02/08/2018
ROCHA, Everardo. FRID, Marina. CORBO, William. O paraíso do consumo: Émile Zola, a magia e os grandes magazines. 1ª ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.
ROSSO, Sadi dal. Mais Trabalho!: a intensificação do labor na sociedade contemporânea. São Paulo: Boitempo, 2008.
ROUVENAT, Fernanda; SOUPIN, Elisa. Jovens 'acampam' em porta de loja em Ipanema para comprar tênis de R$ 1,2 mil. Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/jovens-acampam-em-porta-de-loja-em-ipanema-para-comprar-tenis-de-r-12-mil.ghtml>. Data de acesso: 28/07/2018
VAROTTO, Luis Fernando. A história do Varejo. Revista ponto de vista vol. 5, nº01, fev/abr 2006. P 86 – 90. Disponível em: Data de acesso: 01/08/2018.
[1] Advogada. Mestranda em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense.
[2] BAUMAN, 2008, p. 37.
[3] RIEPING, 2012
[4] BAUMAN, 2008, p. 60
[5] BAUMAN, 2008, p. 44
[6] Bauman, 2008, p. 64
[7] BAUMAN, 2001 p. 99
[8] Varotto, 2006, p. 88.
[9] ROCHA, 2016
[10] Varotto, 2006, p. 89.
[11] GIDDENS, 1991, p.154
[12] GIDDENS, 1991, p 100
[13] GIDDENS, 1991, p. 115
[14] GIDDENS, 1991, p. 96
[15] GIDDENS, 1991, p. 126
[16] GIDDENS, 1991, p. 34
[17] GIDDENS, 1991, p. 96
[18] BAUMAN, 2001 p. 94
[19]Disponível em: https://www.leopoldinadresses.com/malinha
[20] Disponível em: https://www.homerefill.com.br/
[21] BAUMAN, 2008 p. 41
[22] BAUMAN, 2008 p. 71
[23] BAUMAN, 2008, p. 126
[24] ROSSO, 2008, p.57
[25] RIEPING, 2012, não paginado.
Advogada. Mestranda em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense - UFF.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Erick Labanca Garcia
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