MYLENA DEVEZAS SOUZA[1]
(coautora)
RESUMO: A situação da pesquisa e, consequentemente, do ensino em Direito no Brasil é complexa e exige constante discussão e atualização. São inúmeros os fatores que fazem com que, embora quantitativamente ela esteja no mesmo patamar das mais diversas disciplinas das ciências humanas, no que tange a avaliação qualitativa sua posição seja muito inferiorizada. O presente artigo pretende tecer uma breve análise sobre os principais fatores para essa dificuldade de progressão, quais sejam: a dificuldade de interrelação entre os cientistas jurídicos e os demais cientistas humanos e a falta de divisão entre teoria e prática na pesquisa e no ensino jurídico. Para tanto far-se-á uma pesquisa bibliográfica dos mais diversos autores que tratam do tema, buscando traçar um diagnóstico da evolução da pesquisa em Direito no Brasil e relacionando o ensino jurídico como força motriz para o já verificado atraso.
Palavras-chave: pesquisa jurídica, interdisciplinaridade, ensino jurídico
SUMÁRIO: 1. Introdução, 2. O ensino jurídico no Brasil, 2.1 Breve histórico do ensino jurídico no Brasil, 2.2. Caminhar do estudo e pesquisa em Direito no Brasil, 3. Conclusão, 4. Referência
1. Introdução
O presente trabalho tem por escopo analisar algumas características elementares da pesquisa em Direito no Brasil, de como vem sendo seu desenvolvimento ao longo da história nacional e quais são as características que impedem seu pleno desenvolvimento. O recorte para melhor aprofundamento da pesquisa se dará na forma pela qual foi se desenvolvendo o ensino jurídico no Brasil, desde da implementação dos primeiros cursos de ensino superior em Direito até as características de formação de professores na atualidade.
Serão elencadas as principais características responsáveis pela dificuldade no crescimento qualitativo na pesquisa jurídica brasileira e analisadas as consequências diretas de cada uma delas.
Este estudo contará com uma análise bibliográfica dos principais textos acerca do tema buscando com isso demonstrar a configuração da pesquisa atual no Brasil e averiguando o papel retroalimentar do ensino jurídico nesse cenário.
2. O ensino jurídico no Brasil
O número de faculdade de Direito no Brasil ultrapassa os EUA, a China e toda a Europa somados. Em 2010 eram cerca de 1.240 cursos, enquanto a totalidade dos países mencionados girava em torno de 1.100 cursos. Apenas em 2015, 105.317 pessoas formaram-se em direito em cursos presenciais no Brasil, segundo o Censo de Educação Superior.[2]
Contudo, no país com maior número de cursos de Bacharelado em Direito no mundo, pode-se afirmar que a pesquisa em Direito ainda não atingiu o grau de excelência internacional, como bem aconteceu em outras áreas das ciências humanas. Assim elenca Nobre:
(...) a pesquisa brasileira em ciências humanas atingiu patamares comparáveis aos internacionais em muitas das suas disciplinas, graças à bem-sucedida implantação de um sistema de pósgraduação no país; no geral, a pesquisa em direito não atingiu tais patamares, embora tenha, em boa medida, acompanhado o crescimento quantitativo das demais disciplinas de ciências humanas.[3]
Pesquisa e ensino caminhando juntos, sendo um reflexo direto do desenvolvimento do outro, portanto, do mesmo modo que se enxerga a dificuldade dessa construção de uma pesquisa em Direito solidificada no país, se tem a dificuldade de implementação de um robusto modelo educacional jurídico.
Assim, de forma enfática Unger traz que:
O problema do ensino de direito no Brasil é um caso extremo. Como está, não presta. Não presta nem para ensinar os estudantes a exercer o direito, em qualquer de suas vertentes profissionais, nem para formar pessoas que possam melhorar o nível da discussão dos nossos problemas, das nossas instituições e das nossas políticas públicas. Representa um desperdício, maciço e duradouro, de muitos dos nossos melhores talentos. E frustra os que, como alunos ou professores, participem nele: quanto mais sérios, mais frustrados.[4]
Alguns fatores podem ser considerados para a explicação desse fato, como por exemplo: a falta de investimento em pesquisa na área[5], as características específicas da formação de conhecimento no campo e a confusão entre a prática e a teoria em Direito.
Sem ter como objetivo criar uma hierarquização entre os pontos que geraram tal atraso, mas entendendo que o tema é demasiado complexo e que é necessário fazer um recorte para que haja mais aprofundamento nos argumentos trabalhados, optou-se, nesse artigo, pela análise da questão do ensino jurídico no Brasil. Desse modo, serão elencadas suas particularidades e averiguados os possíveis entraves ao desenvolvimento pleno de um corpo de excelência em pesquisa através da análise do próprio modelo de ensino.
2.1 Breve histórico do ensino jurídico no Brasil
O primeiro curso de ensino superior em ciências humanas no Brasil foi o Direito, tendo sido o ensino jurídico iniciado no país em 1827, nas Escolas de São Paulo e Olinda. Até então a formação dos Bacharéis em Direito que atuavam no Brasil acontecia na Europa, principalmente, em Portugal, na Universidade de Coimbra.
A esse respeito cabe trazer a elucidação de Silva sobre essa trajetória:
Ao elaborar-se a Constituição, em 1823, foi aprovada uma resolução de autoria de José Feliciano Fernandes Pinheiro (Visconde de São Leopoldo) no sentido de que a criação de uma universidade no Brasil deveria ser precedida pela fundação de, pelo menos, dois cursos jurídicos, a fim de sanar as dificuldades oriundas da falta de bacharéis para ocuparem os lugares onde houvesse maior carência de juizes e advogados. Ter-se-ia convertido em lei, não fora a dissolução da Assembléia Constituinte, que só durou seis meses, por D. Pedro 1.
Dois anos após a dissolução da Constituinte, criou-se, a título provisório, um curso jurídico no Rio de Janeiro, mas o alvará de permissão não chegou a ser cumprido. Ficaram, entretanto, os "Estatutos", muito bem elaborados, para este curso, que não funcionou, por Luis José de Carvalho e Melo (Visconde de Cachoeira).
A idéia lançada por Fernandes Pinheiro, na Constituinte de 23, não morreu. E o seu realizador foi o próprio autor da idéia, pois quatro anos mais tarde, quando ministro do Império, é que Fernandes Pinheiro convence o Imperador a assinar a Carta de lei de 11 de Agosto de 1827.[6]
A criação dos cursos de Direito sucedeu os cursos das áreas tecnológicas e biomédicas e, bem como esses, tinha intuito de preencher o mercado escasso de mão de obra qualificada no Brasil. Como bem levantado por Martins:
As primeiras escolas de ensino superior foram fundadas no Brasil em 1808 com a chegada da família real portuguesa ao país. Neste ano, foram criadas as escolas de Cirurgia e Anatomia em Salvador (hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia), a de Anatomia e Cirurgia, no Rio de Janeiro (atual Faculdade de Medicina da UFRJ) e a Academia da Guarda Marinha, também no Rio. Dois anos após, foi fundada a Academia Real Militar (atual Escola Nacional de Engenharia da UFRJ). Seguiram-se o curso de Agricultura em 1814 e a Real Academia de Pintura e Escultura1. Até a proclamação da república em 1889, o ensino superior desenvolveu-se muito lentamente, seguia o modelo de formação dos profissionais liberais em faculdades isoladas, e visava assegurar um diploma profissional com direito a ocupar postos privilegiados em um mercado de trabalho restrito além de garantir prestígio social.[7]
Esses fatos trazem em si profunda relevância, por demonstrarem como desde a origem dos cursos de formação de Direito, no Brasil, houve uma espécie de confusão entre a construção de um pensamento teórico que se propusesse a se fazer refletir acerca do Direito e de seus entroncamentos com a sociedade e a formação de profissionais para atuação na prática jurídica.
Para Nobre, até mesmo, a antiguidade da formação em Direito face às demais formações em ciências humanas pode ser entendida como uma barreira que gerou o distanciamento do Direito dos demais campos do saber social e tornou-se um abismo a construção teórica-jurídica e a pesquisa em Direito no Brasil.
Em suas palavras:
Acredito que o isolamento do direito em relação a outras disciplinas das ciências humanas nos últimos trinta anos se deve a dois elementos principais. Em primeiro lugar, à primazia do que poderíamos chamar de “princípio da antigüidade”, já que no Brasil o direito é a disciplina universitária mais antiga, bem como a mais diretamente identificada com o exercício do poder político, em particular no século XIX. Desse modo, na década de 1930 o direito não apenas não se encontrava na posição de quase absoluta novidade, como as demais disciplinas de ciências humanas, mas também parecia se arrogar dentre estas a posição de “ciência rainha”, em geral voltando-se aos demais ramos de conhecimento somente na medida em que importavam para o exame jurídico dos temas em debate. Em segundo lugar, considero importante destacar que o modelo de universidade implantado no bojo do projeto nacional-desenvolvimentista, cujo marco se convencionou situar em 1930, tinha características marcadamente “antibacharelescas”[8]
Outra característica que foi fundamental para a construção de um sistema de ensino jurídico frágil e sem perspectiva em relação à pesquisa foi a falta de requisitos formais para contratação de professores de Direito. Acabou se formando um sistema com baixo nivelamento pedagógico onde eram contratados os profissionais que tinham mais respaldo e renome na prática jurídica. Por óbvio isso fomentou ainda mais a orientação operacional prática da formação do bacharel em Direito.
De certa forma esse processo se mantem. Isso porque, embora haja uma estipulação de requisitos formais mais robustos para a contratação de um professor universitário, com a implementação da exigência de titulação para docência em educação superior, trazida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBN); a fragilidade da formação de pesquisadores faz com que a qualidade do ensino continue prejudicada.
No Brasil, segundo dados de 2004, há cerca de 52 programas de Pós-Graduação em Direito na área das Ciências Sociais Aplicadas (sem contar com programas interdisciplinares que abrangem a disciplina, como é o caso do PPGSD/UFF), constituindo a segunda maior subárea dentro da área abordada. Contudo, através da análise dos dados é possível ver que embora os números apresentem um avanço quantitativo o crescimento qualitativo não o acompanha.
Através de olhares mais aprofundados é perceptível que um número pequeno de cursos concentra quantidades de aluno que ultrapassam e muito os limites estipulados pelos padrões de qualidade da CAPES. Desse modo, trazem VERONESE e FRAGALLE FILHO:
É, sem dúvida, no mínimo preocupante que tão-somente oito programas, que representam pouco mais de 15% da totalidade do universo da pós-graduação em Direito, respondam por 56%, ou seja, mais da metade dos 5.576 alunos que ela possui. E o que falar dos números apresentados pelo maior programa, cuja população discente representa mais de um quinto de sua totalidade, com uma relação discente-docente que permite assumir a existência de uma sobrecarga de trabalho para o corpo docente, com patamares de difícil (senão impossível) gerenciamento. Tudo isso aponta para um forte crescimento do ensino privado, com uma intensa concentração da pós-graduação em alguns poucos programas e uma pulverização do quadro remanescente em programas muito jovens. Se levarmos, ainda, em conta que essa expansão representa a abertura de um amplo mercado docente, ver-se-á que a expansão pode até ter trazido qualidade, mas trouxe, sem qualquer dúvida e acima de tudo, uma gama de problemas ainda mais amplos. [9]
Como salientam Monebhurrun e Varella:
(...) o Ministério da Educação fixa um número mínimo de doutores para cada curso de graduação. Para atender a demanda, multiplicam-se os cursos de doutorado, além de trazerem status para as instituições, como uma vitrine de qualidade para a instituição. Logo, consegue-se melhorar os cursos de graduação. O aumento numérico pode ser muito positivo, desde que com qualidade. Com essa exigência, houve – e está havendo – uma produção quase industrial de doutores, e não a formação deles. Muitas universidades podem ter uma tendência de entrar nesse processo industrial na ausência de uma intervenção do Estado ou de uma autorreflexão. Há, assim, uma busca de títulos com uma relegação ou uma regressão da qualidade, o que cria o Professor e o Pesquisador sem vocação.[10]
Percebe-se então que o próprio processo de instituição do ensino jurídico no Brasil acabou propiciando duas das características fundamentais para a dificuldade do alavanque da pesquisa em Direito no Brasil: a constante dificuldade em se estabelecer limites entre a teoria e a prática e o distanciamento existente entre a ciência jurídica e as demais áreas das ciências humanas, que tem conseguindo atingir níveis de excelência internacional.
Como trouxe Silva:
Esse isolamento do conhecimento jurídico, aliado à metodologia meramente de transmissão do conhecimento, revelou uma constância “industrial” também por ordem científica. Como na “fábrica” de montagem dos antigos “Ford T”, essa seria a “standartização” da formação dos “bacharéis”, cuja atuação prática como futuros lentes, aplicadores e legisladores do Direito, teria como substrato a reprodução contínua do modelo liberal em ênfase na sociedade.[11]
2.2. Caminhar do estudo e pesquisa em Direito no Brasil
Ao longo do desenvolvimento da pesquisa em ciências humanas no país, a interdisciplinariedade foi uma das características marcantes e que com certeza contribuiu para seu crescimento e aperfeiçoamento.
O distanciamento entre o Direito e essas demais áreas do saber acabou sendo propiciado por ambos os lados e, como já vimos, dificultou e muito a pesquisa científica no campo jurídico, impossibilitando que essa se beneficiasse dos inúmeros avanços feitos nas pesquisas humanísticas, principalmente, nos últimos cinquentas anos no Brasil.[12]
Por um lado, os próprios juristas e cientistas jurídicos, não buscavam se integrar as pesquisas na demais ciências sociais, fazendo somente elucidações rasas que fossem indispensáveis para a questão dogmática jurídica.
Nesse sentido, segundo Nobre, a disciplina do Direito:
(..) parecia se arrogar dentre estas a posição de “ciência rainha”, em geral voltando-se aos demais ramos de conhecimento somente na medida em que importavam para o exame jurídico dos temas em debate. [13]
Enquanto que por outro lado cientistas das áreas sociais tinham dificuldade de adentrar ao universo jurídico pela falta de rigor científico e pela confusão entre a prática e teoria, que acabava se revelando em um constante entrelaçamento entre a política e a moral. Além, é claro, de um certo temor e resistência que se construiu por parte desses cientistas acerca da possível contaminação por esse bacharelismo universitário.
A partir da década de 90, o interesse deles pelas questões jurídicas, no Brasil, se intensificou. Segundo entendimento de Nobre, isso se deu basicamente por dois motivos: a consolidação do sistema universitário de pesquisa e os efeitos sociais da Constituição de 1988. Em suas palavras:
Para além de um crescente interesse mundial pelo Direito, creio que dois dos importantes elementos dessa mudança de postura no Brasil estão na consolidação mesma do sistema universitário de pesquisa (que, portanto, não tem mais motivo para temer a “contaminação” pelo bacharelismo) e nos profundos efeitos sociais da Constituição Federal de 1988 (cuja efetivação resultou em acentuada “juridificação” das relações sociais — sem discutir aqui mais amplamente esse conceito —, além de a Carta ter se tornado ela mesma referência central no debate político)[14]
Contudo, isso não significou uma mudança total no cenário e a aproximação entre os estudiosos do Direito e das ciências humanas.
A visão dos teóricos em Direito ainda continuou representando, como acima trabalhado, um certo distanciamento entre a sua construção de saber e a das ciências humanas, como se o desenvolvimento de conhecimento jurídico não fosse construído no campo social e sim como um mecanismo a parte dele.
Na outra margem, os estudiosos das ciências humanas se esquivam da falta de rigor das pesquisas jurídicas, a vendo como um entrave na construção de uma política de pesquisa verdadeiramente integrada e interdisciplinar.
Ainda hoje, é comum o desenvolvimento de trabalhos científicos em Direito que muito se assemelham a petições, onde os pressupostos são levantados antes da construção de uma pesquisa sólida, ou seja, a uma percepção de uma não metodologia ou de uma metodologia maquiavélica, onde a célebre frase: “os fins justificam os meios” é revisitada.
Nas palavras de Nobre:
O advogado (ou o estagiário ou estudante de direito) faz uma sistematização da doutrina, jurisprudência e legislação existentes e seleciona, segundo a estratégia advocatícia definida, os argumentos que possam ser mais úteis à construção da tese jurídica (ou à elaboração de um contrato complexo) para uma possível solução do caso (ou para tornar efetiva e o mais segura possível a realização de um negócio).[15]
São construídos argumentos que se encaixem as pesquisas e as fundamentem, numa lógica inversa a de uma pesquisa bem elaborada onde busca-se de fato respostas para as perguntas e não perguntas para respostas já previamente instituídas.
A publicação de sentenças judiciais como artigos científicos em revistas de renome é uma realidade comum no cenário jurídico. Por óbvio, essa condição já representa a dificuldade de se fazer uma distinção entre o mundo teórico e o prático do Direito.
Essa característica que se torna ainda mais complexa quando se avalia a influência política que muitos juristas têm (juízes e membros do Ministério Público, por exemplo), tendo seus trabalhos considerados como verdades absolutas, ainda que esses não representem mais do que meras opiniões sem qualquer rigor científico-metodológico.
Soma-se a isso a formação cultural e social brasileira que tem como ápice profissional o “sonhado” emprego público e que, portanto, baseia sua visão acerca de uma boa formação em critérios que o tornem capazes de atingir tais objetivos; acaba-se deparando com o cenário educacional atual.
Essa condição se perpetua no desenvolvimento do ensino jurídico. A elaboração de um desenvolvimento teórico forte e consolidado é deixado de lado, em face da clara prevalência de um ensino focado na prática profissional de mercado.
Como bem salienta Rodrigues:
O formalismo permanece nas formulações teóricas, a despeito das distinções feitas acima. A que deve este fenômeno? Minha hipótese aqui é a seguinte: no Brasil, diante da confusão entre pesquisadores de Direito e operadores do Direito e da prevalência da lógica do parecer como padrão do trabalho acadêmico, a pesquisa em Direito tende a sofrer de maneira mais aguda as pressões da prática profissional. Como as atividades de pesquisador e operador do Direito confundem-se, muitas vezes, nas mesmas pessoas, abrir mão do formalismo para os pesquisadores torna-se mais difícil.[16]
A utilização de manuais que compilam informações sobre legislação, parcas discussões doutrinárias e uma quantidade excessiva de posicionamentos jurisprudenciais é comum nos cursos de graduação em Direito.
Conforme bem mencionado por Unger, a aula em uma faculdade de Direito:
Não é nem teoria nem prática. Comumente, é apenas a repetição de fórmulas doutrinárias de pouca ou nenhuma utilidade: as três maneiras de interpretar a norma tal, as duas escolas de pensamento sobre o instituto jurídico qual e assim por diante, numa procissão infindável de preciosimos que não podem ser lembrados (apenas efemeramente decorados) porque não podem ser, em qualquer sentido, praticados. Nem sequer praticados como maneira de analisar.[17]
Desse modo, cada vez mais cursos focam sua grade e ementa em formações de profissionais reprodutores de teoria (desenvolvida por operadores do Direito e não pesquisadores) e não pensadores do Direito.
Essas características são reforçadas pela supramencionada falha na formação dos próprios professores-pesquisadores.
Segundo pesquisa realizada por Monebhurrun e Varella, cerca de trinta por cento das teses em Direito elaboradas no Brasil são trabalhos ruins, não são compatíveis como uma análise requerida para um trabalho de doutorado[18]. Nas palavras dos autores:
Trata-se de uma minoria, mas que pode multiplicar-se quando estes novos doutores tornarem-se professores de programas de mestrado e doutorado e entenderem que o padrão de qualidade é aquela da sua própria tese.[19]
Entra-se desse modo em um ciclo vicioso, onde o ensino dificulta a formação de pesquisadores qualificados e a baixa qualidade dos pesquisadores e futuros professores formados torna mais complexo o desenvolvimento de um modelo educacional que alavanque a pesquisa em Direito.
3. Conclusão
Após o levantamento realizado e a apresentação do diagnóstico feito torna-se clara a necessidade de se constituir um modelo de pesquisa diferente do que vem sendo realizado até então na área.
A ciência jurídica possui como mencionado ao longo de todo trabalho inúmeros entraves ao alavanque dessa produção, contudo, entende-se que o maior deles é o abismo que se formou entre o cientista jurídico e os demais cientistas humanos, fazendo com que ambos os lados percam qualitativamente.
Como ilustrado por Fragalle Filho e Veronese:
É por isso, aliás, que o imaginário da pesquisa em Direito ainda remete à idéia do doutrinador “perdido” em sua biblioteca, imerso em um mar de livros, a construir uma opinião abalizada sobre os fatos e a norma. Principalmente, porque a identidade da doutrina está assentada em um duplo fator: a primazia da dogmática (ainda que incorporando um certo fascínio pelas outras contribuições possíveis da Economia, da História, da Estatística, da Antropologia e, sobretudo, da Sociologia ao discurso jurídico) e o “magistério” dos professores (expresso em manuais e decantados pelo prestígio universitário) (Jestaz e Jamin, 2004, p. 139-67). Sem dúvida, esse imaginário e uma série de dificuldades –inconveniência e falta de controle sobre o trabalho de campo, tédio e incerteza quanto aos resultados, obstáculos ideológicos, altos custos necessários, instabilidade profissional, falta de tempo de dedicação e ausência de treinamento – contribuíram para afastar a lógica coletiva e o trabalho empírico da pesquisa jurídica (Schuck, 1999).[20]
A posição social do jurista muitas vezes é vista de modo leigo como privilegiada. Em uma sociedade onde o Judiciário é supervalorizado e seus membros são considerados “super-heróis” é difícil desenvolver um ambiente paritário de pesquisa, onde seja composta uma metodologia bem elaborada que dê abertura para a formulação de perguntas complexas e observação das mais variadas respostas.
Para que seja possível um verdadeiro desenvolvimento da pesquisa em Direito no Brasil e, com certeza, uma evolução no ensino jurídico é fundamental que os juristas compreendam a necessidade de se envolver e de fato mergulhar nas mais diversas áreas das ciências humanas. Sendo capaz de dialogar além da dogmática jurídica e perceber as mais diversas conotações sociais que não só permeiam e envolvem mais entrelaçam as questões jurídicas mais complexas.
É impossível se falar em ciência jurídica sem que se conheça a perspectiva social, portanto, o primeiro passo para o aprimoramento da pesquisa é criar mecanismos para que os próprios cientistas jurídicos deixem suas amarrar e posições políticas e comecem a se portar como verdadeiros pesquisadores, dispostos a simplesmente observarem, absorverem e analisarem e ponderarem; sem quererem peticionar, argumentar, convencer ou até mesmo sentenciar.
A interdisciplinaridade é fundamental para que esse desenvolvimento aconteça e trará benefícios inúmeros não só para a criação da robustez qualitativa do campo de pesquisa em Direito, mas para o maior aprimoramento das pesquisas cientificas nas mais diversas áreas humanas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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UNGER, Roberto Mangabeira. Uma nova faculdade de Direito no Brasil. p. 114. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/42553/41316> Acesso em: 03 jan. 2018
[1] Autora – Mestranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense -UFF
[2] TENENTE, Luiza. Brasil tem mais faculdades de direito que China, EUA e Europa juntos; saiba como se destacar no mercado. Jornal eletrônico G1. Disponível em: < https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/noticia/brasil-tem-mais-faculdades-de-direito-que-china-eua-e-europa-juntos-saiba-como-se-destacar-no-mercado.ghtml> Acesso em: 02 jan. 2018
[3] NOBRE, Marcos. Apontamentos sobre a pesquisa em direito no Brasil. Novos estudos CEBRAP, v. 66, pp. 145-154. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2779/Pesquisa_Direito_Cadernos_Direito_GV.pdf?sequence=1&isAllowed=y Acessado em: 2 jan. 2018.
[4] UNGER, Roberto Mangabeira. Uma nova faculdade de Direito no Brasil. p. 114. Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/42553/41316> Acesso em: 03 jan. 2018
[5] A esse respeito, embora não seja o tema central desse artigo, cabe breve comentário da pesquisa feita pelos professores Veronese e Fragalle Filho, onde eles apresentam os valores investidos em pesquisa na área do Direito em comparação a demais áreas das ciências humanas e sociais aplicadas: “Na prática, podemos ver que as propostas de pesquisa jurídicas situadas no campo do próprio Direito (as duas primeiras, apesar de seu caráter crítico ou inovador) não receberam sequer um décimo dos recursos que podem ser localizados próximos à área de Direito. Do total de recursos adjudicados pelo comitê de Economia, Administração e Direito, nas duas listas, constata-se que eles não somam sequer 7%. Os detalhes dessa análise seguem na Tabela 7, a qual evidencia que os recursos alocados para projetos jurídicos no Comitê de Direito mantiveram sempre a média de 6,2%, ao passo que, no comitê comparado, eles foram de 11,8% (simplesmente, quase o dobro) e 4,3%, respectivamente, na primeira lista e na lista adicional, totalizando uma média um pouco superior a 8%.” FRAGALE FILHO, Roberto; VERONESE, Alexandre (2004). “A pesquisa em Direito: diagnóstico e perspectivas? Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 1, n. 2. Brasìlia: CAPES, p. 61. Dispoonível em: < http://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/view/40/37> Acesso em: 10 jan. 2018
[6] SILVA, Elza Maria Tavares. Ensino de direito no Brasil: perspectivas históricas gerais. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-85572000000100008&script=sci_arttext#1a> Acesso em: 02 jan. 2018
[7] MARTINS, Antônio Carlos Pereira. Ensino superior no Brasil: da descoberta aos dias atuais. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-86502002000900001 Acesso em: 2 jan. 2018
[8] NOBRE, op. cit.
[9] FRAGALE FILHO, Roberto; VERONESE, Alexandre (2004). “A pesquisa em Direito: diagnóstico e perspectivas? Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 1, n. 2. Brasìlia: CAPES, p. 57. Dispoonível em: < http://ojs.rbpg.capes.gov.br/index.php/rbpg/article/view/40/37> Acesso em: 10 jan. 2018
[10] MONEBHURRUN, Nitish; VARELLA, Marcelo D. (2013). -O que é uma boa tese de doutorado em direito? Uma análise a partir da percepção dos programas?, Revista Brasileira de Polìticas Públicas, v. 3, n. 2, Brasìlia: UniCEUB, p. 423-443. Disponìvel em: < https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/2730/pdf_1> Acesso em: 06 jan. 2018
[11] SILVA, op. cit., p.6
[12] NOBRE, op. cit.
[13] NOBRE, op. cit. p, 5
[14] Id., p, 6
[15] NOBRE, op. cit., p. 10
[16] RODRIGUEZ, José Rodrigo (2008). Para além da separação de poderes: formalismo, dogmática jurìdica e democracia (Working paper 27). São Paulo: FGV Direito SP, set. Disponìvel em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2853/WP27.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 03 jan. 2018
[17] UNGER, op. cit., p. 115
[18] Monebhurrun e Varella, op. cit., p. 18
[19] Ibid.
[20] FRAGALLE FILHO, Roberto e VERONESE, Alexandre. op. cit. p, 62
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense.
Por: Rhuan Pádua Sales Martins
Por: Walisson Cristyan De Oliveira Silva
Por: Angela Cristina Florentino da Silva
Por: FRANCISCO CRISTIANO FEIJÃO JÚNIOR
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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