RESUMO: O artigo tem como intento a abordagem do direito à saúde a ser concedido às pessoas com deficiência, no Brasil. Com o objetivo de viabilizar reflexões acerca da significância verdadeira e essencial, que se faz presente nesta proteção jurídica, recorre à análise de proposições presentes nos desígnios dos direitos humanos, ao longo de sua evolução histórica, para que possa explicitar a amplitude do conceito gizado no texto constitucional, acerca da temática, mormente pela declaração expressa, remetendo a todas as pessoas indistintamente, o que por si só poderia justificar o enquadramento das pessoas com deficiência. Conclui que com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 06.07.2015) no sistema jurídico brasileiro, extirparam-se todas as dúvidas que pudessem pairar, a este respeito, nada mais justificando eventual omissão estatal.
Palavras-chave: Direito à saúde; Pessoas com deficiência; Direitos humanos.
ABSTRACT: The article intends to approach the right to health to be granted to people with disabilities in Brazil. With the objective of making possible reflections about the true and essential significance that is present in this legal protection, it uses the analysis of propositions present in the human rights designs, throughout its historical evolution, so that it can make explicit the breadth of the concept gizado in the constitutional text, on the subject, mainly by the express declaration, referring to all people indistinctly, which in itself could justify the framing of people with disabilities. It concludes that with the entry into force of the Statute of Persons with Disabilities (Law 13,146, dated 06.07.2015) in the Brazilian legal system, all doubts that could be raised in this respect have been extinguished, justifying a possible state omission.
Key words: Right to health; Disabled people; Human rights.
Dicionário
Para que se possa saber á quem a legislação está se reportando, primeiramente não se pode prescindir da averiguação de quem seriam os abarcados pela proteção legislativa, sendo o que ocorre com relação às pessoas com deficiência, que ao longo de décadas requereu interpretação ampliativa para que se tornasse viável a compreensão de quem efetivamente ocuparia a posição de beneficiário daquele imenso rol de direitos previstos, tanto na Constituição, quanto em legislações esparsas.
Em 05/01/2016, quando da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 06.07.2015), também conhecida como Lei Brasileira de Inclusão, este esforço interpretativo não mais se fez necessário, porque foi definitivamente posto um ponto final nestas dificuldades todas, para estabelecer-se uma definição da nomenclatura.
O art. 2º. do supracitado preceito legislativo prevê de forma expressa, o mencionado conceito.
Também com o intento de se finalizar as celeumas há tanto tempo travadas, acerca da significância do direito ao acesso à saúde, pelas pessoas com deficiência, de igual forma o Estatuto, no Capítulo III veio reportar-se ao assunto, extirpando qualquer delimitação que os intérpretes acaso viessem atribuindo ao consagrado direito inserto no art. 196 da Constituição Federal.
Com isso, pode-se compreender o direito à saúde das pessoas com deficiência, ora contemplado de forma expressa e taxativa, como respeitante aos propósitos conclamados pelos direitos humanos.
2. AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO
Hodiernamente não há como serem lançadas elucubrações acerca do significado do termo: pessoas com deficiência, haja vista a edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146), datado de 06 de julho de 2015, cuja vigência iniciou-se 180 dias após.
O art. 2º. da legislação mencionada, também conhecida como LBI – Lei Brasileira de Inclusão, assevera que:
Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Engatinhando, desde a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Estado brasileiro, juntamente com o seu Protocolo Facultativo, em 09 de julho de 2008, o Artigo 1, nominado Propósito, em seu segundo parágrafo, já fazia remissão à terminologia, vejamos:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
E precisamente na alínea ‘e’ do Preâmbulo da aludida Convenção, é gizado, ‘in verbis’:
Artigo 1
Propósito
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Antes disso, fazia-se necessário recorrer a técnicas diversificadas, a ciências alheias a da área jurídica, para que se pudesse aproximar de um conceito apropriado ao que se propunha consagrar como sendo beneficiário do rol de direitos contemplado num aglomerado de normas jurídicas, disponíveis no sistema jurídico brasileiro.
Tanto que a história mostra-nos que diversas discussões foram travadas entre os doutrinadores e os legisladores, para estabelecer-se a definição de pessoa com deficiência, sendo que algumas enfocavam a falha, a imperfeição das pessoas, outras restringiam-se a comentar a deficiência física, mental e sensorial.
Não obstante a reconhecida celeuma travada pela doutrina e legislação pátria, para efetuar tal delimitação, ainda buscava-se recorrer a demais ramos da ciência (dada a interdisciplinaridade do direito), com o fito de chegar o mais próximo possível do conceito considerado como sendo o adequado.
Não bastasse, havia ainda outras duas formas de pensar a deficiência: uma baseada no modelo médico (mais antiga) e a outra, baseada no modelo social.
A principal característica do modelo médico era a descontextualização da deficiência, enfocando-a como um incidente isolado. Infelizmente, esse modelo por muitos anos influenciou documentos legais e ações protetivas no mundo inteiro (no Brasil não foi diferente).
É de bom alvitre colocar que, segundo Claudia Werneck (2000, p. 33), o modelo médico tinha relação com a homogeneidade porque tratava a deficiência como um problema do indivíduo (e, no máximo, de sua família) que devia se esforçar para se “normalizar” perante os olhos da sociedade.
O modelo social da deficiência valorizava a diversidade e surgiu por iniciativa de pessoas com deficiência, reunidas no Social Disability Movement, na década de 60. Esse movimento provou que a maior parte das dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência, eram resultado da forma pela qual a sociedade lidava com as limitações de cada indivíduo.
Importante colacionar a posição trazida no Manual de Desenvolvimento Inclusivo, por Claudia Werneck (2000, p. 33):
De acordo com o modelo social, a deficiência é a soma de duas condições inseparáveis: as seqüelas existentes no corpo e as barreiras físicas, econômicas e sociais impostas pelo ambiente ao indivíduo que tem essas seqüelas. Sob esta ótica, é possível entender a deficiência como uma construção coletiva entre indivíduos (com ou sem deficiência) e a sociedade. grifo nosso
Sem dúvida, o modelo social era o mais adequado para se enfocar a deficiência, já que analisava o “todo”, valorizando a importância do ambiente na vida das pessoas. Portanto, mister que se propagasse a ótica desse modelo, para que se tivesse um perfeito entendimento acerca da deficiência.
Pelo demonstrado, constata-se que não havia um conceito perfeito e acabado, o que se fazia frequentemente, vislumbrando alcançar-se os fins traçados pela inclusão social destas pessoas, as minorias[1], era adotar a conceituação que pudesse ampliar as hipóteses de inclusão.
Até 2001, o foco eram os fatores preponderantemente biológicos e médicos, que partiam da análise do que se tinha por “normalidade”, para nominar as pessoas com deficiência.
Diante disso, concluía-se que, independentemente da conceituação que se adotasse, o fato era que, para estas pessoas, mesmo para a prática de singelos atos diários, as mesmas acabavam necessitando de auxílio, e este auxílio não podia ser compreendido como sinônimo de beneficência, de caridade, mas sim de atuação do Estado, da sociedade, da comunidade e da família, para conceder-lhes meios concretos de inclusão social, sob todos os aspectos.
Com isso, podia-se afirmar que era insuficiente a classificação das deficiências, restringindo-as, como sendo: físicas, sensoriais ou mentais, já que a definição de pessoa com deficiência, traçada por Luiz Alberto David Araujo (2003, p. 23-24), contemplava outras categorias de deficiências, veja:
[...] o que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.
Por todos os ângulos de análise, a mencionada conceituação, era a mais adequada, por ser a mais abrangente, alcançando diretamente os fins da inclusão social, alicerçados pela Constituição Federal, imiscuindo-se em absoluto toda e qualquer espécie de discriminação e marginalização social, rechaçadas expressamente pelo art. 3º., inciso III.
Singularmente, Ivana Aparecida Grizzo Ragazzi e Juliana Izar Soares da Fonseca Segalla (p. 141) ressalvaram que o conceito de pessoa com deficiência era merecedor de atenção, vez que delimitava a área de proteção legal e impunha como marco inicial a mudança necessária na forma de ser enxergada esta pessoa.
Não obstante, como afirmado anteriormente, com o advento da LBI este esforço interpretativo cedeu espaço a outros questionamentos, já que a definição do termo: pessoa com deficiência encontra-se pacificado e presente de forma expressa no texto legal.
3. DIREITO À SAÚDE E OS DIREITOS HUMANOS
A saúde é direito consagrado no art. 196 da Constituição vigente, sendo que sua prestação, como afirma Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 482) desempenha papel importantíssimo, já que: “consiste numa integração das ações e serviços públicos de saúde, tendo por diretrizes o princípio da descentralização, no nível de cada esfera de governo, o atendimento integral e a participação da comunidade.”
Pondere-se, entretanto, que a remissão ao direito à saúde encontra-se presente em demais artigos da Carta Constitucional vigente, tais como: 5º., 6º., 7º., 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216, 218, 220, 225,227 e 230. Letícia Jean do Amaral Arantes Daré (in Direito à alimentação adequada como corolário do direito constitucional à saúde, Direitos Fundamentais – da normatização à efetividade nos 20 anos de Constituição Brasileira, p. 169) pondera que a moderna doutrina jurídica desperta na sua mais pura hermenêutica a interligação do direito à saúde a outros tantos, igualmente previstos na Constituição.
Salienta Dallari (p. 18) que a história mostra o surgimento de duas grandes correntes para conceituação de saúde, sendo elas:
De um lado, grupos marginais ao processo de produção, que viviam em condições miseráveis, e enfatizavam a compreensão da saúde como diretamente dependente de variáveis relacionadas ao meio ambiente, ao trabalho, à alimentação, e à moradia. Por outro lado, a descoberta dos germes causadores de doença e seu subsequente isolamento, que possibilitou o desenvolvimento de remédios específicos, falava a favor da conceituação da saúde como ausência de doenças. E fatores políticos aparentemente finalizaram tal debate.
Segundo concluem Dirceu Pereira Siqueira e José Luiz Ragazzi (p. 79) é possível verificar assim, que no período industrial a saúde era tida como a ausência de doenças, tendo se buscado conceituar a saúde, neste momento histórico, com base na questão e que o trabalhador não poderia adoecer de modo a não prejudicar a produção nas indústrias.
Inolvidável que a Constituição é o nascedouro das normas inerentes à saúde, pois nela repousam seus mais profundos alicerces e a previsão de maior acesso a este direito. Acima de tudo, é por meio da Constituição que todos os cidadoas podem e devem exigir o cumprimento de seus direitos fundamentais (SCHWARTZ, p. 193).
Releva notar que ao se fazer menção ao direito à saúde está-se necessariamente reportando à proteção do direito à vida, bem maior, direito inviolável, perfazendo o tratamento hospitalar, terapêutico e medicamentoso, verdadeiros mecanismos de se viabilizar o direito à existência digna, até porque, não basta ser garantido pelo Estado, o direito à vida, esta carece ser concebida de forma digna (ROSTELATO p. 128).
Pois bem e não é apenas em âmbito nacional que o direito à saúde encontra guarida, a Assembleia Geral da ONU aprovou, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com o objetivo de explicar o que seriam direitos humanos. Por sua vez, a Carta Internacional dos Direitos Humanos é oriunda do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (que entrou em vigor em 23 de março de 1966, incluindo o Brasil, nos 148 Estados signatários), do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (que entrou em vigor em 03 de janeiro de 1976, incluindo o Brasil, nos 145 Estados signatários) e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Atualmente, disponibilizam-se mais de 140 tratados e protocolos adicionais que impõem obrigações jurídicas aos Estados, no que se refere a tratados de direitos humanos, sendo que se subdividem em: tratados gerais (por abordarem vários direitos humanos, tendo alcance universal); os específicos (por abordarem questões específicas); os que protegem certas categorias de pessoas (nestes estariam incluídas as pessoas com deficiência) e os que dispõem contra as discriminações em geral (incluídas, as pessoas com deficiência).
Portanto, para fins de compreensão do significado dos direitos humanos, iniciemos pela análise do conceito de direito humano à saúde, verificando o teor do artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa humana tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar para si e sua família, saúde e bem-estar...”.
Logo, no aludido artigo, a Declaração define de forma integrada, o direito à saúde, bem como resguarda o caráter subjetivo e coletivo do mesmo, portanto, saúde é qualidade de vida, e não apenas vista como doença e cura, e deve ser garantida à pessoa, tanto individualmente, quanto ao seu grupo familiar.
Na mesma linha, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu artigo 12, reafirma a universalidade e a integralidade do direito humano à saúde, preconizando que: “toda pessoa deve desfrutar do mais alto padrão de saúde física e mental”, indicando, na seqüência, formas concretas de implementar esse direito, quais sejam:
diminuindo a mortalidade infantil, garantindo condições saudáveis no trabalho e meio ambiente, prevenindo e tratando de doenças e epidemias e assegurando assistência médica em casos de enfermidades.
Neste contexto, como mencionado, a Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 196, veio consagrar a universalidade da saúde e em 1990, foi engendrado no nosso ordenamento jurídico, as Leis n.° 8.080 e n.° 8.142, que regulamentaram ambas, o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo a primeira fortalecido o caráter universal e público do direito humano à saúde, pois é para todas as pessoas e é dever do Estado (governos federal, estadual e municipal) e com esta ampliação, estabeleceu uma novidade: a descentralização dos serviços de saúde, colocando-os mais próximos da população e de acordo com sua realidade; já, a segunda decreta que sem participação não se efetiva o direito humano à saúde, determinando a necessária criação das Conferências e Conselhos, além de definir os recursos (tetos para as três esferas de governo).
Um ano após (1991), a Normativa Operacional Básica, veio criar e destinar recursos para os programas voltados a populações específicas e, com isto, inaugurou um outro princípio: o respeito às diversidades. Nestas, incluem-se as pessoas que têm o diagnóstico de certas doenças, que requerem tratamentos singulares, como os aidéticos e os cancerosos, são os nominados grupos vulneráveis.
Sobreleva destacar que, nas prefaladas normativas interna e internacional, sobre o direito humano à saúde, houve uma evolução e ampliação conceitual, tendo este processo correspondência para com o processo de organização, participação e controle da sociedade civil.
Este reconhecimento oficial foi uma conquista, e o desafio atual é manter e efetivar plenamente o direito humano à saúde (QUEIROZ, p. 216).
Ademais: o Brasil, é um dos signatários da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conclamando esta, em seu bojo, a preservação do direito à vida, à integridade física e moral, o respeito à dignidade humana de todas as pessoas indistintamente, salvaguardando os direitos fundamentais (aqui compreendidos sob os lindes territoriais do Estado e numa maior amplitude, em sendo considerados na seara internacional, com o significado de direitos humanos), de forma ampla, irrestrita e incondicionada.
Isto significa que a responsabilidade pela disponibilização de meios destinados à concretização de direitos vários, a serem usufruídos pelo ser humano, recai sobre o Estado brasileiro, signatário que é da aludida Convenção, portanto deve promover mecanismos eficazes à observância dos mesmos, sendo exatamente este o enfoque a ser atribuído à questão das pessoas com deficiência.
Ora, mais que ter resguardado o direito à saúde, aí englobado o acesso a medicamentos, tratamentos terapêuticos e internação hospitalar, compreendida a interpretação do texto constitucional, em seu art. 196, repisada em ampla proteção infraconstitucional, importa asseverar, desta feita, que estas pessoas dispõem de proteção em âmbito internacional, para que consigam alcançar a usufruição do direito à saúde, vivendo dignamente, através da atuação estatal.
Constituindo-se a omissão estatal, além de inconstitucionalidade, uma real ruptura para com os compromissos firmados internacionalmente, diante da violação a direitos humanos, que são. Tanto é, que consta no Art. 63 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), à qual o Brasil aderiu, por meio do Decreto 678, de 06 de novembro de 1992, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos deverá atuar, intervindo em favor daquele (aqui compreendido o próprio jurisdicionado) que sofrer lesão, praticada pelo Estado signatário da Convenção e que venha transgredir a observância de suas normas, face a ocorrência de violação a direitos fundamentais, a qual estabelece:
Art. 63: [...]
1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.
2. Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes. Se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.
Recorrendo a uma análise aprofundada e fundamentada do tema: direito de acesso à saúde, outra assertiva não se pode tecer, a não ser a de que o não fornecimento de meios aptos e eficazes ao tratamento subsume latente afronta à dignidade humana, incutida a desigualdade e discriminação negativa, por desaguar no desamparo do direito à vida, direito este constitucionalmente resguardado e erigido à órbita internacional, como desígnio de direitos humanos.
De tudo isso, conclui-se que o Estado brasileiro tem a responsabilidade de, sob a perspectiva dos direitos humanos, resgatar a dignidade da pessoa humana como patamar comum de diálogo e luta, e, neste âmbito, está o direito humano à saúde como uma dimensão dos direitos humanos imprescindível à garantia da dignidade humana, pois não basta alegar que o Estado brasileiro aderiu aos termos do Tratado Internacional, faz-se necessário que o mesmo desenvolva políticas públicas eficazes, que viabilizem a efetivação destes seus propósitos, já conclamados e reconhecidos internacionalmente, para que se possa conferir cumprimento aos anseios de inclusão social.
Violar o direito à saúde subsume-se numa real afronta à dignidade humana, retratando violação à direito internacionalmente protegido.
4. DIREITO À SAÚDE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
No que alude às pessoas com deficiência, nem há que se cogitar, uma vez que o art. 196 assevera taxativamente, assegurar-se irrestritamente a todos, o direito à saúde, incidindo sobre o Estado esta responsabilidade.
Ainda que não houvesse menção alguma no texto constitucional, às pessoas com deficiência, o art. 196 por si só seria suficiente para nos auxiliar na aplicação da interpretação deste preceito, não obstante, pode-se perceber que os arts. 7º., 23, 24, 37, 40, 203, 208, 227 e 244 contemplam prenúncio protetivo a esta categoria de pessoas, abarcado então se encontra, por evidentes razões, o direito à saúde.
Como averiguado minuciosamente (ROSTELATO, p. 134-139) tratando especificamente do direito à saúde, desta categoria de pessoas, o Decreto 3.298, de 20.12.1999, a Lei 7.853/1989, em seu art. 2º., inciso II, aliena “a”, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus arts. 8º., 10, inciso III, 11, §§ 1º. e 2º e 14 eram empregados como fundamentação à concessão de referido direito.
Com a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 06.07.2015) no sistema jurídico brasileiro, esta tarefa não carece mais ser realizada, em virtude da expressa previsão nos arts. 18, §1º., 19, 20, 21, 23 e 26, Parágrafo Único que assim dispõem:
Art. 18. É assegurada atenção integral à saúde da pessoa com deficiência em todos os níveis de complexidade, por intermédio do SUS, garantido acesso universal e igualitário.
§ 1o É assegurada a participação da pessoa com deficiência na elaboração das políticas de saúde a ela destinadas.
Art. 19. Compete ao SUS desenvolver ações destinadas à prevenção de deficiências por causas evitáveis, inclusive por meio de:
I - acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, com garantia de parto humanizado e seguro;
II - promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, vigilância alimentar e nutricional, prevenção e cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição da mulher e da criança;
III - aprimoramento e expansão dos programas de imunização e de triagem neonatal;
IV - identificação e controle da gestante de alto risco.
Art. 20. As operadoras de planos e seguros privados de saúde são obrigadas a garantir à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes.
Art. 21. Quando esgotados os meios de atenção à saúde da pessoa com deficiência no local de residência, será prestado atendimento fora de domicílio, para fins de diagnóstico e de tratamento, garantidos o transporte e a acomodação da pessoa com deficiência e de seu acompanhante.
Art. 23. São vedadas todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, inclusive por meio de cobrança de valores diferenciados por planos e seguros privados de saúde, em razão de sua condição.
Art. 26. Os casos de suspeita ou de confirmação de violência praticada contra a pessoa com deficiência serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade policial e ao Ministério Público, além dos Conselhos dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se violência contra a pessoa com deficiência qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que lhe cause morte ou dano ou sofrimento físico ou psicológico.
Recorrendo a uma perfunctória leitura dos dispositivos legais acima reproduzidos, torna-se possível inferir convictamente que não cabe mais qualquer relutância à concessão de meios de que necessitem as pessoas com deficiência, para viabilizar o exercício de suas atividades triviais.
É inconteste que o Estado ocupa importante papel, dada a sua responsabilidade, fundada no dever de conceder o direito de acesso irrestrito e incondicionado à saúde aos seus jurisdicionados, como preconiza o art. 196 da Constituição Federal, sendo certo que as pessoas com deficiência, não carecem apenas da salvaguarda de seu direito à vida, mas da garantia de uma existência digna, subsumindo-se o extermínio do preconceito, da discriminação e da marginalização social, com que possam vir a se deparar estas pessoas.
Trazendo os anseios conclamados pelos direitos humanos, para aplicar-se a estas pessoas, infere-se que a garantia do direito a saúde, por ser extensão do direito à vida, assegurado constitucionalmente como direito fundamental (art. 6º.) não sobeja dúvida que é resguardado o direito de assistência integral, no âmbito da saúde, seja a curativa, preventiva, medicamentosa ou hospitalar, sob pena de atribuição de responsabilização a quem der causa ao ato omissivo, penalizado sob espeque de violação a direito humano, transcendendo a órbita do direito interno brasileiro, portanto.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pessoas com deficiência podem contar com um Estatuto para poder reivindicar seus direitos.
À sociedade, à família e ao Estado são impingidas imposições, que se transfiguram em obrigações atitudinais, de forma que, o que antes da entrada em vigor do mencionado Estatuto requeria a adoção de uma verdadeira técnica interpretativa ampliativa, ancorada por certo, no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, após 05/01/2016 transmutou-se para a singela leitura do texto normativo, que dada a sua clareza e objetividade dispensa qualquer indução requintada.
A saúde, bem buscado por todas as pessoas, sedimentado pela significância de resguardo à existência digna, contemplada está pela proteção ao direito à vida, por isso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é concebida como fonte protetiva aos direitos de todas as pessoas, simultaneamente abriga as pessoas com deficiência.
Dessarte, à aludida categoria de pessoas é guardado o dever estatal na concessão de meios aptos para exercitar seu direito à saúde, de maneira ampla, irrestrita e incondicionada, em observância ao texto constitucional.
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[1] Terminologia questionada por SÉGUIN, Elida. Minorias e grupos vulneráveis: uma abordagem jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 09, vez que conceituar minorias é complexo, já que não condiz com um contingente numericamente inferior, como grupos de indivíduos, destacados por uma característica que os distingue dos outros habitantes do país, estando em quantidade menor, em relação à população deste, devendo ser sopesada a realidade jurídica ante as conquistas modernas.
Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino - ITE - Bauru/SP. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional de Sorocaba/SP. Professora da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/SP. Procuradora Jurídica Municipal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSTELATO, Telma Aparecida. Análise do estatuto da pessoa com deficiência e o direito à saúde, no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jan 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52591/analise-do-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-e-o-direito-a-saude-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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