FRANCISCO NAILSON DOS SANTOS PINTO JÚNIOR
(Orientador)
RESUMO: A presente explanação tem o escopo de mostrar, de forma sucinta, qual a maneira adotada pela nossa legislação para que se proceda à Responsabilização Civil do Estado. Como poderia ser imputada ao Poder Público a responsabilização de um ilícito civil que, na verdade, fora praticado por um agente que lhe presenta. Basicamente são três as teorias que discorrem sobre o tema: Teoria da total irresponsabilidade do Estado (afastava-se a Administração Pública da obrigação de correção dos infortúnios praticados contra os súditos, sobrando para estes apenas a oportunidade de cobrar seus direitos diretamente à pessoa que agia em nome do Estado); A teoria da culpa administrativa (o Poder Público responderia no âmbito cível caso os serviços que lhe competissem não fossem realizados ou então configurasse a anormalidade da atuação do órgão estatal nessa prestação) e por último a teoria da responsabilização objetiva do Estado. Esta última é a regra no nosso ordenamento jurídico – mas também o é em ordenamentos alienígenas – fundada basicamente no fato de o Poder Público, como pessoa jurídica que é, deve ser responsabilizado pelos prejuízos que por ventura sejam causados a terceiros. Não se leva em consideração o elemento subjetivo (dolo ou culpa) que animou a conduta do agente, apenas a relação de causalidade entre a ação ou omissão estatal e o dano sofrido pelo particular. Desse modo, comprovada a conexão existente entre o procedimento do agente do Estado e o prejuízo sofrido, configurado está o dever de indenizar. A teoria da responsabilidade objetiva demonstra que o princípio da isonomia está acima do poderio estatal, pois este deve se submeter ao Direito e não o contrário. Logo chegamos à conclusão de que a coletividade é quem se beneficia com as atividades prestadas pelo Estado, por isso todos devem compartilhar com o ressarcimento dos danos que essas atividades causarem a membros da coletividade.
Palavras-chave: 1- Responsabilidade Civil do Estado; 2 –Teoria Objetiva; 3 – Indenização.
Abstract: This explanation´s scope is show, in summary form, what is the way adopted by our legislation in relation to the State´s Civic Responsibility. How could be attributed an illegal civil to the Public Power that, in fact, was practiced by an outside agent who represents him. Basically are three theories which talk about this subject: Theory of total State irresponsibility (withdraw completely from public authorities a duty to repair damage caused to individuals, which left only the possibility of triggering the official who, acting unlawfully, had caused it), The theory of fault management (the State would be civilly responsible if your services were not provided or if the irregularity set the operation of the state apparatus in this provision) and finally the theory of State objective responsibility. This one is the rule in our legal system – and in the alien orders too - based primarily on the fact that the Public Power, as a legal person, should be held responsible for damage caused to third parties. Does not take into account the subjective element (intent or negligence) that animated the agent´s conduct, just the direction of causality between the State´s action or omission and the damage that was suffered for particular. Thus, the proven link between the State´s agent conduct and the injury suffered, is configured a duty to indemnify. The theory of public authority’s responsibility shows that the equality principle is above the state power, as it should be subject to the law and not the inverse. Once, we reached the conclusion that the community is who benefits from the State activities provided, so everyone should share with compensation for damage that these activities cause to community members.
Key words: 1 - Civic State´s Responsibility; 2 – Objective Theory; 3- Indemnity.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. DEFINIÇÃO DE ESTADO. 2.1. RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O AGENTE. 3. RESPONSABILIDADE CIVIL ORDINÁRIA. 4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 4.1 EVOLUÇÃO TEÓRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 4.2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO. 4.2.1. Pessoas Responsáveis. 4.3. APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 4.3.1. Pressupostos. 5. TIPOLOGIA DAS CONDUTAS ENSEJADORAS DE LESÃO. 5.1. RESPONSABILIDADE POR ATOS COMISSIVOS LÍCITOS E ILÍCITOS. 5.1.1. Responsabilidade por Atos Legislativos. 5.1.1.1. Leis de Efeitos Concretos. 5.1.1.2. Leis Inconstitucionais. 5.1.2. Responsabilidade por Atos Jurisdicionais. 5.1.2.1. Responsabilidade por Erro Judiciário. 5.1.2.2. Responsabilidade por Prisão Indevida/Excesso de Prisão. 5.2. RESPONSABILIDADE POR ATOS OMISSIVOS. 6. REPARAÇÃO DO DANO. 6.1. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. 6.2. RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS. 6.2.1. Ação Regressiva. 6.3. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DO AGENTE CAUSADOR DO DANO. 6.4. AÇÃO DIRETA CONTRA O AGENTE PÚBLICO. 7. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. 7.1. FATOS IMPREVISÍVEIS. 7.2. FATO DA VÍTIMA: EXCLUSIVO OU CONCORRENTE. 7.3. FATO DE TERCEIRO. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 9. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
A necessidade do estudo da responsabilização civil se faz necessário desde os primórdios da humanidade, pelo fato de que sempre ocorreram condutas por parte dos homens que, de alguma forma, ocasionaram prejuízo a outrem, gerando, necessariamente, o dever de ressarcimento. GASPARINI (2012, p. 415) diz que:
a princípio, nas primeiras informações sobre o tema, era comum a autotutela, cujo tratamento se dava no sentido de apenas causar ao agressor um dano semelhante, e não reparar o prejuízo causado. Posteriormente, após a evolução da sociedade, percebeu-se ser mais vantajoso o ressarcimento (em pecúnia) do dano do que a simples retaliação, momento em que o Estado tomou para si o direito coercitivo de normatizar as formas de reparação.
Logo, percebe-se que a evolução do tema em estudo acompanha a própria evolução da humanidade, onde o homem se tornou um ser gregário por excelência.
Sucede que na gênese a Responsabilidade Civil era aplicada apenas na esfera das relações entre particulares, pois prevalecia a ideia de que o ente público, representado pelo Monarca não haveria de ser responsabilizado por danos a terceiros, porque só praticava atos em prol da coletividade, sendo insuscetível de erros, no entanto, havia a ideia de se responsabilizar o agente público causador do dano a terceiros, pois o Estado e o agente eram seres distintos, cada um com suas respectivas atribuições. Posteriormente, de acordo com CARVALHO FILHO (2013, p. 519), “foi-se mudando essa noção, a partir da teoria do órgão – onde o agente no exercício de suas atribuições era considerado como o Estado – despencou a idéia de Estado irresponsável e se considerou a possibilidade de responsabilização estatal”. Portanto, na forma que o republicanismo foi sendo introduzido nas cartas constitucionais dos Estados, e os bens públicos foram sendo tratados pela própria essência, é que a responsabilização civil do Estado foi evoluindo ao patamar que hoje se encontra. Pois nada mais é do que o tratamento impessoal ao que é público.
O presente trabalho visa analisar a evolução da Responsabilidade Civil do Estado até sua aplicação nos dias atuais, fazendo um traçado histórico, analisando as suas características e realizar um cotejo com os demais tipos de responsabilização civil.
Dessa forma, propomos explanar as formas de incidência da Responsabilidade civil do Estado, as causas em que ela se configura, casos em que deve ser afastada por ausência de conduta comissiva ou omissiva, como a vítima deve pleitear a composição dos danos e se existe a faculdade de trazer ao processo o agente causador do dano.
2. DEFINIÇÃO DE ESTADO
Antes de adentrarmos a temática ora proposta, entendemos necessária uma breve, porém elucidadora, definição do que se apreende por Estado.
De acordo com Cicco & Gonzaga (2009, p. 84), o Estado é:
uma instituição organizada política, social e juridicamente, ocupa um território definido e, na maioria das vezes, sua lei maior é uma Constituição. É dirigido por um governo soberano, reconhecido interna e externamente, sendo responsável pela organização e controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força e da coerção.
A noção moderna de Estado surgiu com MAQUIAVEL e HOBBES, e inclui os seguintes aspectos: a) uma população formada por membros socialmente relacionados entre si; b) um território; c) um governo que tem o poder de estabelecer leis e usar a coerção, de modo a regular o comportamento dos indivíduos dentro de certos limites; d) independência e reconhecimento político de outros Estados[1].
2.1. RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E O AGENTE PÚBLICO
O Estado, como pessoa jurídica que é, não pode distanciar-se da concepção de ente imaginário, ou seja, ente criado por convenção de seus participantes para reger e organizar as relações intersubjetivas destes. Logo, tem-se a ideia de que através do agente que exerce o cargo público – que necessariamente está incluso na estrutura orgânica do órgão – o Estado se faz presente.
Inúmeras teorias trataram sobre essa relação de “presentação” do Estado pelo agente público. As teorias proposta por CARVALHO FILHO (2013, p. 522) são as mais completas dentre as analisadas. A primeira seria a “teoria do mandato”, onde os agentes públicos seriam mandatários do Estado. A segunda foi a “teoria da representação”, que considerava os agentes públicos como representantes do Estado por força de lei, assemelhando-os aos tutores e curadores do direito civil. A terceira, e prevalente, seria a “teoria do órgão”, na qual a vontade do órgão público é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence. O que há, em verdade, é uma relação jurídica externa, entre a pessoa jurídica e outras pessoas, e uma relação interna, que vincula o órgão à pessoa jurídica a que pertence.
Portanto, a noção geral que se tira do exposto é que mediante as condutas e vontades dos agentes públicos se perfaz a atuação do órgão; logo, como o órgão é parte integrante da administração, esta se faz presente, sendo, pois, responsabilizada por todo o procedimento.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL ORDINÁRIA
Responsabilidade civil é o encargo de restituir o prejuízo causado por uma pessoa a outra. Conforme STOCO (2007, p. 83), “a teoria da responsabilidade civil procura determinar em que condições uma pessoa pode ser considerada responsável pelo dano sofrido por outrem e em que medida está obrigada a repará-lo”. A restituição do prejuízo se dá mediante indenização, que é quase sempre pecuniária. O dano pode ser à integridade física, aos sentimentos ou aos bens de uma pessoa.
A responsabilização civil, por ser tema complexo, possui alguns elementos, logo, para que tenhamos uma melhor noção do âmago da responsabilidade civil do Estado, se faz mister que enfoquemos preliminarmente os elementos constitutivos da responsabilidade civil ordinária, haja vista ser esta o embasamento teórico daquela.
O primeiro requisito é a Conduta, sendo esta o comportamento humano que se exterioriza através de uma ação ou omissão, causando consequências jurídicas.
O segundo é o elemento anímico, que são o dolo e a culpa. O primeiro é a vontade deliberada de praticar a conduta e conseguir o resultado. O segundo é a aquisição do resultado mediante conduta não-voluntária, ou seja, sem que o agente tenha a vontade manifesta de praticá-la. A culpa usualmente é configurada nos contornos da negligência, imprudência e imperícia.
O terceiro é o nexo causal, considerado a relação de motivo e resultado entre o comportamento da pessoa e o dano efetivamente causado na órbita jurídica de outrem.
O último é o dano, que representa a ruptura da ordem normal das coisas, ou seja, é o atingimento do bem jurídico protegido. O dano pode se qualificar como material ou moral, não sendo um requisito para o outro.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
4.1. EVOLUÇÃO TEÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
De acordo com BARRETO (2007, p. 109-112), são cinco teorias explicativas da evolução da responsabilidade em comento, sendo elas:
Teoria da Irresponsabilidade, que consagra a tese de que o Estado nunca deveria responder civilmente por seus atos ou omissões. Para ela, eximia-se absolutamente o Poder Público do dever de reparar danos causados a particulares, aos quais restava apenas a possibilidade de acionar o funcionário que, agindo ilicitamente, os tivesse causado.
Teoria Civilista da Responsabilidade Subjetiva, a qual admitia a aplicação de normas do direito privado no âmbito da responsabilidade civil do Estado, as quais equiparavam a situação jurídica deste à dos particulares, para, assim, estabelecer a obrigação de indenizar.
Teoria do Risco Integral, defendendo que o Estado sempre deve ser responsabilizado por dano suportado por terceiro, mesmo que tenha sido este o seu único causador. Sustenta, pois, uma forma de reparação irrestrita a ser imposta aos entes públicos, que estariam obrigados a atuar como seguradores universais da sociedade.
Teoria da Culpa Administrativa (falta do serviço), tendo como base, na terminologia da jurisprudência francesa, a faut du service publique, ou seja, por ela, o Estado seria civilmente responsável caso os serviços que lhe competissem não fossem prestados ou se estivesse configurada a irregularidade do funcionamento do aparelho estatal nessa prestação.
Teoria do Risco Administrativo (responsabilidade objetiva), tem como base o fato de que, como o Poder Público desempenha funções com o objetivo de beneficiar a coletividade, os ônus oriundos dessas atribuições devem ser custeados, de forma solidária e equitativa, por todos os que a compõem. Assim, considerando-se que a atuação pública envolve um risco potencial (probabilidade de dano), pois, eventualmente, pode causar prejuízos a determinados indivíduos, o Estado se obriga a repará-los caso ocorram, repartindo o custo de suas operações entre os membros da sociedade, através do pagamento de indenização pelos cofres públicos. O traço marcante desta teoria é o afastamento definitivo do elemento subjetivo da culpa, que não necessita ser comprovada pela vítima para obter o ressarcimento devido.
Atualmente, conforme nos assegura o autor citado, prevalece a última das teorias citadas. Portanto, igual ao empregador no direito do trabalho, o Estado assume o risco da atividade que exerce e tem o dever de indenizar aos prejudicados pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, venham a causar.
4.2. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NO DIREITO BRASILEIRO
O Direito pátrio oscilou entre as doutrinas subjetiva e objetiva da responsabilização cível da Administração. Informa CARVALHO (2013, p 530) que:
desde o Império os nossos juristas mais avançados propugnavam pela adoção da responsabilidade sem culpa, fundada na teoria do risco que se iniciava na França – encabeçada por Raymond Saleilles – mas encontraram decidida oposição dos civilistas apegados à doutrina da culpa, dominante no Direito Privado, porém inadequada para o Direito Público.
A obrigação do Poder Público de compor prejuízos causados a administrados decorre essencialmente de dois dispositivos, um constitucional e outro legal:
CF/1988, 37; § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
CC/2002, Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Portanto, pela leitura dos dispositivos, tem-se que praticada a conduta pelo agente público, nasce para o particular a pretensão da reparação pelo Estado do eventual dano causado. O Estado tem o direito de reaver regressivamente do seu agente aquilo que despendeu, entretanto essa pretensão só existirá quando o agente causador tiver agido com dolo ou culpa.
Essa obrigação de reparar pode surgir para o Estado pela ocorrência de condutas lícitas ou ilícitas, desde que sempre decorrente de condutas de seus agentes. Quanto ao assunto, DI PIETRO (2011, p. 612) informa que:
o princípio constitucional da igualdade é o fundamento da responsabilização estatal, pelo fato de que não se pode admitir que certos indivíduos suportem ônus superiores que aqueles ordinariamente incumbidos aos demais membros da coletividade, quando do próprio desempenho das atividades voltadas à população. Com relação a obrigação de reparar advinda de atos ilícitos, lastreia-se no princípio da legalidade, que condiciona a validade da atuação do agente público à observância das normas vigentes.
Se assim não fosse estaria o Estado de Direito perdendo a sua essência, pois descumpriria os compromissos firmados na Constituição Federal e nas leis que editou.
4.2.1 Pessoas Responsáveis
O art. 37, § 6º da Carta Magna faz menção a duas categorias de pessoas sujeitas à responsabilização objetiva, são elas: pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
As primeiras são taxativamente as expressas no art. 41 do Código Civil: União, Estados-membros, Distrito Federal, Territórios, Municípios, Autarquias e demais entidades de caráter público criadas por lei.
Vejamos o que diz, sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, mediante voto do Ministro Celso de Mello:
A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417)." (RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02/08/96)[2] .
A segunda categoria foi inclusa, segundo CARVALHO FILHO (2013, p. 532), basicamente, com o intuito de “igualar, para fins de sujeição à responsabilização objetiva, as pessoas jurídicas de direito público e aquelas que, embora com personalidade jurídica de direito privado, executassem funções que, em princípio, caberiam ao Estado”. Dessa forma, se tais serviços são outorgados a terceiros pelo próprio Poder Público, não seria justo que a só delegação tivesse o efeito de retirar a responsabilidade objetiva estatal e dificultar a reparação de prejuízos pelos administrados.
O Pretório Excelso em recente julgamento dispôs sobre o tema em questão:
RE 262651/SP SÃO PAULO RE262651 RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 16/11/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F. II. - R.E. conhecido e provido[3].
Corroborando com o exposto e de forma brilhante temos MEIRELLES (1997, p. 430):
Evoluímos no sentido de que também estas respondem objetivamente pelos danos que seus empregados, nessa qualidade, causarem a terceiros, pois não é justo e jurídico que a só transferência da execução de uma obra ou de um serviço originariamente público a particular descaracterize sua intrínseca natureza estatal e libere o executor privado das responsabilidades que teria o Poder Público se o executasse diretamente, criando maiores ônus de prova ao lesado.
4.3. APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A pilastra-mãe da responsabilização objetiva é a prescindibilidade de o lesado pelo infortúnio, causado pelo agente estatal, provar a existência da culpa do agente ou do serviço. Portanto, o elemento culpa fica à margem dos demais requisitos para a responsabilização objetiva.
4.3.1 Pressupostos
Para configurar esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos. O primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, considerado como toda espécie de comportamento, negativo ou positivo, certo ou errado, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público. CARVALHO FILHO (2013, p. 533) acrescenta que “ainda que o agente do estatal atue fora das suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando)”.
O segundo pressuposto é o dano, não importa a sua natureza. Tanto é desagravado o dano objetivo como o dano subjetivo.
O último pressuposto é o nexo causal entre o fato administrativo e o dano. Portanto, cabe ao lesado provar que o prejuízo sofrido se originou de conduta estatal. Sobre as nuances desse pressuposto o Superior Tribunal de Justiça se pronunciou com o seguinte:
REsp 719738 / RS RECURSO ESPECIAL 2005/0012176-7 Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI (1124) 16/09/2008 DJe 22/09/2008 EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A NEGLIGÊNCIA DO ESTADO E O ATO ILÍCITO PRATICADO POR FORAGIDO DE INSTITUIÇÃO PRISIONAL. AUSÊNCIA.
1. A imputação de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, supõe a presença de dois elementos de fato (a conduta do agente e o resultado danoso) e um elemento lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste num elo referencial, numa relação de pertencialidade, entre os elementos de fato; e é normativo, porque tem contornos e limites impostos pelo sistema de direito).
2."Ora, em nosso sistema, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil [art. 403 do CC/2002], a teoria adotada quanto ao nexo causal é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva (...). Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim (Da Inexecução das Obrigações, 5ª ed., nº 226, p. 370, Editora Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa" (STF, RE 130.764, 1ª Turma, DJ de 07.08.92, Min. Moreira Alves).
3. No caso, não há como afirmar que a deficiência do serviço do Estado tenha sido a causa direta e imediata do ato ilícito praticado pelo foragido. A violência contra a recorrida, que produziu os danos reclamados, ocorreu mais de dez meses após o foragido ter se evadido do presídio. Ausente o nexo causal, fica afastada a responsabilidade do Estado. Precedentes do STF (RE 130.764, 1ª T., Min. Moreira Alves, DJ de 07.08.92; RE 369.820-6, 2ª T., Min. Carlos Velloso, DJ de 27.02.2004; RE 341.776-2, 2ª T., Min. Gilmar Mendes, DJ de 17.04.2007) e do STJ (REsp 858.511/DF, 1ª T., relator para acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 19.08.2008) .
4. Recurso especial a que se dá provimento[4].
O Supremo Tribunal Federal em brilhante aresto, de relatoria do ilustre Ministro Celso de Mello, nos dá uma ótima noção sobre os pressupostos da responsabilização objetiva:
RE-AgR 481110 / PE – PERNAMBUCO AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 06/02/2007 Órgão Julgador: Segunda Turma E M E N T A: RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS QUE DETERMINAM A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONFIGURAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO - NÃO-COMPROVAÇÃO, PELA PARTE RECORRENTE, DO VÍNCULO CAUSAL - RECONHECIMENTO DE SUA INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - SOBERANIA DESSE PRONUNCIAMENTO JURISDICIONAL EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, DA EXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA (SÚMULA 279/STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o "eventus damni" e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. - O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o "eventus damni", sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido. - A comprovação da relação de causalidade - qualquer que seja a teoria que lhe dê suporte doutrinário (teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada) - revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido. Doutrina. Precedentes. - Não se revela processualmente lícito reexaminar matéria fático-probatória em sede de recurso extraordinário (RTJ 161/992 - RTJ 186/703 - Súmula 279/STF), prevalecendo, nesse domínio, o caráter soberano do pronunciamento jurisdicional dos Tribunais ordinários sobre matéria de fato e de prova. Precedentes. - Ausência, na espécie, de demonstração inequívoca, mediante prova idônea, da efetiva ocorrência dos prejuízos alegadamente sofridos pela parte recorrente. Não-comprovação do vínculo causal registrada pelas instâncias ordinárias[5].
Portanto, conforme os julgados colacionados ao texto, a relação de causa e efeito entre a conduta estatal e o dano se fazem essenciais para a imputação ao Estado da responsabilização da reparação ao prejudicado. E não podia ser diferente, pois em não sendo assim haveria ilegal dilapidação do erário.
5. TIPOLOGIA DAS CONDUTAS ENSEJADORAS DE LESÃO
5.1. RESPONSABILIDADE POR ATOS COMISSIVOS LÍCITOS E ILÍCITOS
O monografista Octavio Pelucio Ottoni Pizato, acadêmico pela Faculdade de Direito de Curitiba – PR, sobre o tema, afirma o seguinte:
dentro da idéia de Estado de Direito e de República – conceitos e princípios sob os quais entendemos estar a Responsabilidade do Estado estritamente vinculada – toda e qualquer ação estatal que importe em reais sacrifícios ao patrimônio ou direito de terceiros deverá, necessariamente, ser indenizada pelo aparelho estatal. [6]
Assim, quando o Estado age dentro dos ditames legais na busca da satisfação da finalidade pública e, por esta ação, gera danos a bem jurídico de terceiros deverá, como consequência da aplicação do princípio da isonomia, indenizar o prejuízo por este sofrido.
Por ser atribuição do Poder Público o uso e monopólio da força, e ainda pela impossibilidade de o administrado furtar-se disto – em virtude da posição privilegiada àquele inerente –, é normal que este reste responsabilizado quando, por ato lícito, cause danos ou prejuízos que devam ser suportados por algum ou alguns. Se toda a comunidade se locupleta do ato estatal por ela própria consentida, também deverá arcar com os eventuais danos que estes possam vir a provocar.
Solidificando o que dissemos, temos o entendimento de FIGUEIREDO (2007, p.264):
Doutra parte, se a Administração, ao dar cumprimento a suas funções, ao exercer, de conseguinte, suas competências-deveres, lesar o administrado, também responderá por ato lícito, sob o fundamento do princípio da igualdade (se todos são iguais perante a lei, também o devem ser no tocante às cargas públicas).
No mesmo raciocínio, também os atos comissivos ilícitos praticados pelo Estado, importarão no dever de indenizar por dano sofrido por terceiro.
Assim é que o Estado poderá atuar em dissonância com o ordenamento jurídico e, portanto, agindo à margem legalidade. Portanto, nos casos em que o Poder Público atua de encontro à legalidade, não vislumbramos a hipótese de se cogitar a mudança de tratamento legal no que tange à sua responsabilização.
Acerca do discutido, BANDEIRA DE MELO (2011, p.930) diz que:
Deveras, se a conduta legitima produtora de dano enseja responsabilidade objetiva, a fortiori deverá ensejá-la a conduta ilegítima causadora de lesão jurídica. È que tanto numa como noutra hipótese o administrado não tem como se evadir à ação estatal. Fica à sua mercê, sujeito a um poder que investe sobre uma situação juridicamente protegida e a agrava. Por conclusão, o princípio da igualdade volta à tona e acoberta aquele que suportou um ônus maior do que deveria por ele ser suportado.
Destarte, nos dois casos – de atuação legal e ilegal – a norma constitucional e infraconstitucional brasileira abarca a tese da responsabilidade objetiva, prescindindo, pois, de se indagar se houve ou não, qualquer dos elementos anímicos caracterizadores da teoria subjetiva da responsabilidade para se averiguar o dever de reparar por parte do Estado.
5.1.1 Responsabilidade por Atos Legislativos
Questão relevante é a de atribuir ou não responsabilidade civil ao Estado pelos danos causados pelos atos legislativos.
CAVALIERI FILHO (2007, p.267-268), a respeito do tema, afirma que:
A lei, em sentido material, ato legislativo típico, não pode causar prejuízo a ninguém enquanto norma genérica, abstrata e impessoal; seus efeitos, positivos ou negativos, dependem da sua efetiva incidência sobre o caso concreto, quando, então, passível de reparação será o ato jurídico ou administrativo que ensejou a aplicação da norma, jamais a lei em tese. A eventual lesão de direito subjetivo decorrerá diretamente da aplicação da lei e apenas indiretamente dela.
Não obstante esse posicionamento doutrinário da irresponsabilidade estatal quando os danos aos particulares são oriundos de atos típicos do legislativo constituir a regra geral, o direito pátrio admite esse tipo de responsabilidade quando a norma for declarada inconstitucional ou, mais raramente, quando a lei de efeitos concretos, embora constitucional, onera demasiadamente parte de uma categoria de pessoas.
A orientação é no sentido de obrigar o Poder Público a reconstituir o patrimônio das pessoas que tenham sofrido deteriorização motivadas pelo desempenho da função legiferante.
Conclui-se, portanto, que, quando o parlamentar atuar na elaboração de uma lei, o Estado poderá ser responsabilizado objetivamente, caso se observe a conduta danosa da Administração, sendo aplicado o art. 37 § 6º da Carta da República, pois a atividade legiferante é vinculada, devendo obediência à estrita legalidade.
5.1.1.1 Leis de Efeitos Concretos
A lei de efeitos concretos é, materialmente, espécie de ato administrativo normativo. Entretanto, o procedimento em que é formulada lhe confere força de lei, só que, por via de consequência, não é dotada de abstração e generalidade.
Existe, pois, a responsabilidade estatal referente a esse tipo de leis quando seus efeitos oneram demasiadamente um número restrito de particulares, embora tenham obedecido aos trâmites constitucionais para suas aprovações. Nesses casos, há ofensa ao princípio da isonomia, distribuindo de forma desigual o ônus social, tendo o lesado direito à reparação com o mesmo fundamento.
Assim, a doutrina pátria vem se posicionando no sentido de que sobre as leis de efeitos concretos incide a responsabilidade da Administração porque se estas se afastam da característica de abstração e generalidade própria dos atos normativos.
O ilustre civilista PEREIRA (1996, p. 137) informa que “se, porém, os encargos rompem a necessária proporcionalidade e sobrevém dano, a distribuição do ônus e encargos sociais fundamenta a responsabilidade civil do Estado legislador”. E não poderia ser diferente, pois, como foi dito acima, o Estado não pode romper com o compromisso de tratamento isonômico aos administrados.
5.1.1.2 Leis Inconstitucionais
A inconstitucionalidade ocorre quando a lei contraria normas ou princípios da constituição.
Reiteramos, conforme exposto acima, que, de regra, a norma geral e abstrata não tem o condão de causar prejuízo ao membro da coletividade. Entretanto, assevera MEIRELLES (1997, p. 437) que:
“excepcionalmente poderá uma lei inconstitucional atingir o particular uti singuli, causando-lhe um dano injusto e reparável. Se tal ocorrer, necessária se torna a demonstração cabal da culpa do Estado, através da atuação dos seus agentes políticos, mas isto nos afigura indemonstrável no regime democrático, em que o próprio povo escolhe seus representantes para o Legislativo.”
Contrariamente a citação logo acima, trazemos à tona os entendimentos dos doutos Diógenes Gasparini, José dos Santos Carvalho Filho e do Ministro Celso de Mello de que é plenamente possível que, ocorrido o dano em decorrência da norma inconstitucional, a qual reflete atuação indevida do órgão legislador, não pode o Poder Público ficar à margem dos acontecimentos e furtar-se da obrigação de reparar, pois nessa hipótese estão presentes todos os pressupostos da responsabilidade civil. Portanto, tem-se a noção de que lei inconstitucional é referente ao ato ilícito.
Assim, atualmente se vem admitindo a responsabilidade do Estado com relação aos atos legislativos que sejam declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Sucede que apenas a alegação de inconstitucionalidade da norma não é capaz de gerar direitos para o particular, deve ele também especificar o dano suportado durante o período em que a lei se encontrava em vigor. Nesse diapasão, importante demonstrar o entendimento já consolidado no Pretório Excelso:
Ato legislativo – Inconstitucionalidade - Responsabilidade Civil do Estado. Cabe responsabilidade civil pelo desempenho inconstitucional da função do legislador. (STF RE nº 158.962 Rel. M. Celso de Mello RDA 191/175)[7].
5.1.2 Responsabilidade Por Atos Jurisdicionais
A atividade jurisdicional se diferencia das demais atividades estatais pela sua característica de fazer efeitos a limitado número de pessoas, ou seja, a eficácia subjetiva da coisa julgada é limitada a pequeno número de pessoas. Deve ser levado em consideração também o fato de que a atividade jurisdicional para ser petrificada deve percorrer todas as vias recursais, o que limita a atuação danosa de um órgão só.
Acerca do assunto, sustenta DI PIETRO (2011, p. 620) que:
se tratando de função jurisdicional, tem-se que excluir, desde logo, os danos decorrentes de atos lícitos praticados pelo Poder Judiciário. Embora a função jurisdicional, no âmbito civil, objetive, em última instância, a consecução da paz social, quando se exerce no caso concreto, ela não beneficia a toda a coletividade (salvo em algumas ações que protegem o interesse coletivo), mas apenas às partes envolvidas. Não há como aplicar a regra da repartição dos encargos sociais; o benefício e o prejuízo alcançam apenas as partes no processo.
Todavia, apesar das considerações acima, a atividade jurisdicional é capaz de causar danos graves e de difícil reparação.
5.1.2.1 Responsabilidade Por Erro Judiciário
Os atos jurisdicionais, segundo o art. 162 do Código de Processo Civil, consistirão em sentença, decisões interlocutórias e despachos. A priori não se cogita a possibilidade de haver condição de o Juiz – ser imparcial da relação jurídica processual – causar dano a qualquer das partes, portanto tem-se o entendimento que o juiz no uso normal das suas atribuições é incapaz de causar dano à parte.
O art. 133 do mesmo Código de Processo Civil afirma que: Responderá por perdas e danos o juiz, quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; II – recusar omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. A interpretação literal do dispositivo citado nos traz o entendimento de que o Juiz responde pessoalmente pelos atos judiciais que tenham a vontade deliberada de prejudicar a parte. Entretanto não podemos esquecer que o Juiz é, antes de tudo, agente do Estado (agente político). Portanto, numa interpretação sistemática do dispositivo citado do Código de Processo Civil e o art. 37, §6 da Constituição Federal, somos pelo entendimento de que a responsabilidade pelos atos jurisdicionais é do Estado e não do Juiz pessoa física, que responderá posteriormente em ação regressiva.
Corroborando com esse entendimento, temos o esclarecedor aresto do Pretório Excelso:
RE 228977 / SP - SÃO PAULO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA Julgamento: 05/03/2002 Órgão Julgador: Segunda Turma EMENTA: - Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido[8].
Sucede que a Constituição Federal traz – no arcabouço dos Direitos e Garantias Fundamentais – dois casos de responsabilização estatal por atos jurisdicionais, são eles:
Art. 5º, LXXV: O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.
A indenização por erro judiciário é de difícil constatação, haja vista o complexo sistema recursal brasileiro, tanto na esfera cível quanto na penal, com isso tem-se como consertar possível defeito da decisão. Além disso, o ordenamento jurídico nacional coloca à disposição do lesado dois elementos de revisão processual – Ação Rescisória e Revisão Criminal. Estas ações têm o condão de quebrar a coisa julgada e refazer a decisão irregular.
No âmbito penal, onde há a sobreposição da penalidade restritiva de liberdade ao indivíduo, o dano é premente e plenamente considerável. Logo o dever de reparar pelo Estado é fato e deve, por questão de justiça, ser reparado in loco.
No âmbito cível, difícil seria a configuração do dano, haja vista os direitos tutelados neste ramo jurídico – direitos patrimoniais – que no máximo causam prejuízos financeiros, entretanto, em havendo o dano deve o Estado indenizar, trazemos para ilustrar, o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
AR-execução 749 / DF - DISTRITO FEDERAL EXECUÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA Relator(a): Min. AMARAL SANTOS Julgamento: 14/06/1972 Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO EMENTA: RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ERRO JUDICIARIO. LIQUIDAÇÃO POR CALCULO DO CONTADOR. INCLUSAO DOS JUROS COMPOSTOS E HONORARIOS ADVOCATICIOS SOBRE O MONTANTE APURADO. PEDIDO DE CORREÇÃO MONETÁRIA INDEFERIDO POR FALTA DE AMPARO LEGAL.
Para concluir este assunto, importante se faz mencionar o entendimento de CARVALHO FILHO (2013, p. 540) sobre o tema em discussão:
em nosso entendimento, portanto, se um ato culposo do juiz, de natureza cível, possibilita a ocorrência de dano à parte, deve ela valer-se dos instrumentos recursais e administrativos para evitá-los, sendo inviável a responsabilização civil do Poder Público por fatos desse tipo. A não ser assim, os juízes perderiam em muito a independência e a imparcialidade, bem como permaneceriam sempre com a insegurança de que atos judiciais de seu convencimento pudessem vir a ser considerados resultantes de culpa em sua conduta.
Dessa forma, na seara cível, aparenta ser difícil que um ato jurisdicional possa causar dano a uma parte, todavia, não julgo impossível que isso possa acontecer, vez que as ações cíveis de relativas a direitos indisponíveis podem gerar danos antes mesmo da demanda ser levada aos tribunais de apelação.
5.1.2.2. Responsabilidade Por Prisão Indevida/Excesso de Prisão
Para introduzirmos este tópico tragamos uma breve e não pouco profunda lembrança de Carnelutti:
As pessoas crêem que o processo penal termina com a condenação, o que não é verdade. As pessoas pensam que a pena termina com a saída do cárcere, o que tampouco é verdade. As pessoas pensam que prisão perpétua é a única pena que se estende por toda a vida: eis uma outra ilusão. Senão sempre, nove em cada dez vezes a pena jamais termina. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, os homens não.[9]
A prisão indevida está além daquela que decorre de uma condenação injusta, mas também, toda restrição sem base legal da liberdade, seja antes ou depois do trânsito em julgado de um pronunciamento condenatório, como a prisão cautelar, o excesso no tempo de cumprimento da prisão e a não observância do devido regime de cumprimento da pena.
DI PIETRO (2011, p. 623) traz um entendimento que, embora não concordemos, deve ser citado:
Considerando a indenização uma garantia fundamental do homem, prevista no rol do art. 5º da Constituição Federal que, no caso de prisão cautelar, pode ocorrer que o réu venha a ser condenado e, nesse caso, o tempo em que esteve preso é descontado do período da condenação, o que já constitui uma forma de reparação pela punição antecipada. No entanto, na hipótese de uma absolvição, ou quando a condenação não comportar pena privativa de liberdade, ou quando a pena cominada for inferior ao tempo de prisão cautelar, surge a questão da indenização por erro judiciário.
STOCO (2007, p. 1.025) traz outro entendimento que para a prisão indevida é válido:
A prisão indevida não significa nem se confunde com a prisão que se mostrou necessária em um certo momento da persecutio criminis. Prisão indevida é aquela que ocorreu de forma ilegítima e abusiva em desobediência à realidade fática e aos requisitos formais.
Portanto, a prisão indevida é aquela que decorre da análise errônea dos pressupostos fáticos e jurídicos. Entendemos que só há o dever de indenizar quando tal análise dos elementos da prisão seja procedida dolosamente, caso em que o juiz sai da esfera de imparcialidade e se submete a agir de maneira irregular.
O excesso de prisão se configura quando excedido o prazo da prisão temporária – 5 dias, prorrogáveis – ou se excedente o tempo de prisão preventiva o Poder Público não toma nenhuma providência para regularizar a situação do aprisionado, liberando-o se for o caso. Nesses casos, como também naquele em que expirado o prazo da pena o apenado não é posto em liberdade, vislumbramos a pretensão do indivíduo de se ver reparado do tempo em que sofreu a constrição indevida.
5.2. Responsabilidade Por Atos Omissivos
A atividade do Estado, pela sua enorme gama de atuações, potencialmente pode causar danos aos administrados por ação ou omissão. Todavia, nos casos de inércia estatal, existem posicionamentos conflitantes no sentido de que esta não se constitui suficiente para a responsabilização do Estado, haja vista não ser toda conduta omissiva que retrata uma desídia do Estado em cumprir um dever legal.
Importante suscitar qual o tipo de omissão seria relevante para gerar o dever de indenizar pelo poder público. Autorizada doutrina e a jurisprudência fazem a distinção entre a omissão genérica e a omissão específica. A primeira seria um não agir inespecífico, ou seja, não há nenhum tipo de dispositivo (legal ou mandamental) que obrigue a atuar, o interesse público em sentido lato estaria sendo desrespeitado; a segunda seria um não agir específico, onde há um mandamento impondo uma conduta e a administração não o faz, nesse caso não só o interesse público estaria relegado a segundo plano, mas também um interesse de uma coletividade – ou mesmo um indivíduo – específica.
Ante ao já insistentemente exposto, não restou dúvidas quanto ao uso da teoria da responsabilidade objetiva proveniente de condutas positivas, entretanto, de forma diversa ocorre com relação às inações, pois vibra na doutrina e nos tribunais brasileiros uma celeuma quanto ao seu cabimento, nos casos de responsabilização decorrente de conduta omissiva estatal.
Entendendo ser cabível a comprovação da culpa em casos de omissões do Estado, temos por ícone a boa doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, no que é seguido por Maria Sylvia Zanella di Pietro e José dos Santos Carvalho Filho.
Seguindo a linha dos ilustres administrativistas, e para ilustrar o trabalho, trazemos o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
RE 382054 / RJ - RIO DE JANEIRO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 03/08/2004. Segunda Turma. EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido[10].
Seguindo outra linha de raciocínio está o entendimento de CAVALIERI FILHO, citado por Augusto Vinícius Fonseca e Silva. Para ele:
antes de se dizer, peremptoriamente, ser subjetiva a responsabilidade do Estado por omissão, deve ser feita uma distinção entre omissão genérica e omissão específica. Esclarece, escorando-se em monografia de Guilherme Couto de Castro, não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo[11].
Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não sendo dessa forma entendido quando for um caso de descuido específico, pelo fato de aí haver a obrigação individualizada da prática de uma ação.
O Supremo Tribunal Federal aparenta ter seguido a corrente proposta pelo Desembargador Cavalieri, nos seguintes julgados:
CONSTITUCIONAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, §6º CF. DANOS CAUSADOS POR TERCEIROS EM IMÓVEL RURAL. DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. INDENIZAÇÃO.
(...) Caracteriza-se a responsabilidade objetiva do Poder Público em decorrência de danos causados por invasores em propriedade particular, quando o Estado se omite no cumprimento de ordem judicial para envio de força policial ao imóvel invadido. Recursos Extraordinários não conhecidos.
AGRAVO REGIMENTAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA GENÉRICA DO ESTADO – OMISSÃO
Sendo certo que não se pode admitir responsabilidade objetiva genérica do Esatdo por omissão, quanto a todos os crimes ocorridos na sociedade, no caso, para se chegar a conclusão contrária à que chegou o acórdão recorrido, seria mister reexaminar os fatos da causa para se verificar se existiu ou não, na hipótese sob julgamento, o nexo de causalidade negado pelo acórdão recorrido, por não ter havido falha específica da Administração, mas, sim, dolo de terceiros, não sendo cabível para isso o recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento[12].
Entretanto, com a citação que se fará adiante – do Supremo Tribunal Federal – veremos que a jurisprudência, assim como a doutrina, ainda estão distantes de um consenso:
A Turma negou provimento a recurso extraordinário no qual se pretendia, sob alegação ao art. 37, §6º da CF, a reforma do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte que, entendendo caracterizada na espécie a responsabilidade objetiva do Estado, reconhecera o direito de indenização devida a filho de preso assassinado dentro da própria cela por outro detento. A Turma, embora salientando que a responsabilidade por ato omissivo do Estado caracteriza-se como subjetiva – não sendo necessária, contudo, a individualização da culpa, que decorre de forma genérica, da falta de serviço -, considerou presente, no caso, o nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao Poder Público e o dano, por competir ao Estado zelar pela integridade física do preso.
Por entender ausente o nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao Poder Público e o dano causado a particular, a Turma conheceu e deu provimento a recurso extraordinário para, reformando o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, afastar a condenação por danos morais e materiais imposta ao mesmo Estado, nos autos de ação indenizatória movida por viúva de vítima de latrocínio praticado por quadrilha, da qual participava detento foragido da prisão há 4 meses. A Turma, assentando ser a espécie hipótese de responsabilidade subjetiva do Estado, considerou não ser possível o reconhecimento da falta do serviço no caso, uma vez que o dano decorrente do latrocínio não tivera como causa direta e imediata a omissão do Poder Público na falha da vigilância penitenciária, mas resultara de outras causas, como o planejamento, a associação e a própria execução do delito, ficando interrompida, portanto, a cadeia causal[13].
Portanto, vacilante está a doutrina e a jurisprudência sobre o tema. Entretanto deve-se analisar caso a caso, pois as peculiaridades de cada um pode se distanciar de um entendimento e se aproximar de outro – e vice e versa. Logo, através da ponderação de princípios e de uma interpretação sistemática do ordenamento pode-se resolver o caso concreto.
6. REPARAÇÃO DO DANO
O ressarcimento aos prejuízos sofridos pelo administrado por parte do Poder Público pode se dar de maneira amigável (mediante processo administrativo) ou litigiosa (por interpelação judicial). Reparado o prejuízo ao lesado, nasce para o poder público o direito de cobrar ao servidor culpado o valor gasto pela sua conduta danosa, mediante o manejo da ação regressiva disposta no art. 37, §6º in fine da CF.
Na via administrativa, segundo CARVALHO FILHO (2013, P. 550):
o lesado pode formular seu pedido indenizatório ao órgão competente da pessoa jurídica civilmente responsável, formando-se, então, processo administrativo no qual poderão manifestar-se os interessados, produzir-se provas e chegar-se a um resultado final sobre o pedido. Se houver acordo quanto ao montante indenizatório, é viável que o pagamento se faça de uma só vez ou parceladamente, tudo de acordo com a autocomposição das partes interessadas.
A via administrativa de reclamação de direitos lesados se mostra mais viável por conta da forma de como o pagamento é realizado, em dinheiro. Todavia, poucos são os casos em que o administrador se utiliza dessa via para indenizar os lesados por sua atividade, vez que a execução do orçamento público é vinculado à lei de diretrizes orçamentárias, onde não há perspectiva de orçamento para isso.
Judicialmente, trataremos no tópico seguinte.
6.1 AÇÃO DE INDENIZAÇÃO
Segundo MEIRELLES (1997, p. 631), para obter a indenização “basta que o lesado acione a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano, bem como o seu montante”. Portanto, presentes os elementos supramencionados, nasce o dever de indenizar.
O pedido da ação deve abranger o dano sofrido e os lucros cessantes, conforme os artigos 944 e 949 do Código Civil. Entretanto, a indenização não se limita aos danos materiais. Por expressa disposição do inciso V do art. 5º da Constituição Federal, os danos de natureza imaterial também estão inclusos nessa obrigação, levando-se em conta a gravidade do dano impingido à honra, o nível intelectual da pessoa lesada, a valoração do dano físico e a fortuna do ofensor, esta última inaplicável em relação ao Estado.
A ação seguirá o procedimento comum, ordinário ou sumário, conforme a hipótese (artigos 272 e 275 do CPC). Com relação ao foro competente, vai depender da pessoa jurídica que causou o dano – ou seja – se for a União, empresa pública federa ou autarquia federal o foro será o da justiça comum federal (109, I, CF); entretanto se for de outra natureza, competente será o da justiça estadual, o que dependerá da respectiva Lei de Organização Judiciária.
Explica bem o procedimento o professor Kiyoshi Harada, com as seguintes palavras:
“uma vez promovida a liquidação da sentença fixadora da indenização na forma do art. 475-A e seguintes do Código de Processo Civil, mediante apresentação, pelo credor, da memória de cálculo, é promovida a citação da Fazenda Pública para opor embargos no prazo de trinta dias, sob pena de expedição de precatório judicial pelo presidente do Tribunal que proferiu a decisão exequenda (art. 730 do CPC). O precatório entregue até o dia 1º de julho terá o seu valor atualizado até essa data para ser incluído no orçamento do exercício seguinte, a fim de ser pago até o final desse exercício, dentro da rigorosa ordem cronológica de sua apresentação (art. 100 e § 1º da CF). O credor preterido em seu direito de preferência pode requer o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito (731 do CPC)”[14].
A prescrição desta ação ocorre em cinco anos, ou seja, é a regra geral de prescrição contra a Fazenda Pública (Art. 1º do Decreto nº. 20.910/32).
Há inúmeros precedentes do Superior Tribunal de Justiça considerando devida a aplicação do prazo especial previsto no Decreto n°. 20.910/32 em detrimento do prazo geral da lei civil, por força do princípio da especialidade. Apesar de abordarem a controvérsia sob o pálio do Código Civil de 1916, é normal que a ocorrência de julgados como o abaixo reproduzido se mantenha na Corte:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO LEGISLATIVO 20.910/32. APLICAÇÃO. NORMA ESPECIAL.
1. O art. 1º do Decreto nº 20.910/32 dispõe acerca da prescrição qüinqüenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou.
2. In casu, tendo a parte interessada deixado escoar o prazo qüinqüenal para propor a ação objetivando o reconhecimento do seu direito, vez que o dano indenizável ocorrera em 24 de outubro de 1993, enquanto a ação judicial somente fora ajuizada em 17 de abril de 2003, ou seja, quase dez anos após o incidente, impõe-se decretar extinto o processo, com resolução de mérito pela ocorrência da inequívoca prescrição.
3. Deveras, a lei especial convive com a lei geral, por isso que os prazos do Decreto 20.910/32 coexistem com aqueles fixados na lei civil.
4. Recurso especial provido para reconhecer a incidência da prescrição quinquenal e declarar extinto o processo com resolução de mérito (art. 269, IV do CPC).
(REsp 820.768/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04.10.2007, DJ 05.11.2007 p. 227)[15]
6.2. RESPONSABILIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS
Ao longo deste trabalho foi exposta a forma objetiva com que o ordenamento trata a responsabilização do Estado pelos seus atos. De outra banda, a responsabilização do agente público causador do dano concreto, perante a Administração Pública, é de caráter subjetivo. Logo, só tem guarida se o servidor agir com dolo ou culpa.
Se por ventura da conduta do agente o Poder Público tiver de reparar qualquer prejuízo, de acordo com a regra insculpida no §6º do art. 37 da CF, o poder público deve, toda vez que o servidor agir com dolo ou culpa, direito de regresso contra este. Tem, pois, o direito de reaver de tal servidor, observado o devido processo legal, o que desembolsou a título de indenização ao erário público. Tal será feito através de procedimento administrativo – realizado no âmbito da própria administração – ou, em caso de resistência do servidor, mediante ação regressiva.
Na esfera administrativa, após paga a indenização devida, e no bojo de processo administrativo especialmente aberto para tal fim, o agente causador do dano poderá ser convocado a recompor o prejuízo que sua conduta ocasionou aos cofres públicos. Em caso de concordância, o agente público poderá efetuar o pagamento de uma só vez ou em certo número de parcelas, sendo perfeitamente possível o desconto em folha de pagamento. No caso dos servidores públicos federais, a regra insculpida no parágrafo primeiro do art. 46 da Lei nº 8.112/90, as parcelas mensais descontadas não poderão ser inferior à décima parte da sua remuneração ou provento.
6.2.1 Ação Regressiva
O direito regressivo da Fazenda Pública para com o seu preposto consiste em dirigir a sua pretensão indenizatória em face deste, quando tenha agido dolosa ou culposamente.
Portanto, segundo ensina o mestre MEIRELLES (1997, p. 532-533), para o êxito desta ação “exigem-se dois requisitos: primeiro, que a Administração já tenha sido condenada a indenizar a vítima do dano sofrido; segundo, que se comprove a culpa do funcionário no evento danoso”. Logo, enquanto a administração responde independentemente de culpa, para o servidor a responsabilidade depende da culpa.
Importante salientar que como a ação regressiva é civil e se destina à reparação patrimonial, transmite-se aos herdeiros até os seus respectivos quinhões hereditários.
Segundo o CARVALHO FILHO (2013, p. 524), “a prescrição da pretensão contra o servidor ocorre de maneira diversa, na forma do direito civil comum”. Logo, o Código Civil em seu art. 206, § 3º, inc. V, prescreve em três anos a pretensão para a reparação civil. Posteriormente, como a pretensão do Estado, ao manejar a ação regressiva, é justamente a satisfação do prejuízo causado por parte de seu agente, a pretensão reparatória, de que é titular, prescreverá em três anos.
O pagamento dos valores devidos a título de direito de regresso não exime o servidor da concomitante responsabilidade administrativa e penal, sempre que a ação causadora do dano as ensejar, em face do princípio da independência de instâncias – ou seja – da responsabilidade civil, penal e administrativa.
6.3. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DO AGENTE CAUSADOR DO DANO
Segundo a excelente doutrina de MARINONI (2011, p. 191), a denunciação da lide “constitui modalidade de intervenção de terceiro em que se pretende incluir no processo uma nova ação, subsidiária àquela originariamente instaurada, a ser analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal”. Em regra, funda-se na figura do direito de regresso, pelo qual aquele que vier a sofrer algum prejuízo, pode, posteriormente, recuperá-lo de terceiro, que por alguma razão é seu garante.
Questão ainda polêmica é essa aplicação da denunciação da lide à ação de reparação de danos decorrentes de condutas estatais. Os doutos e os tribunais ainda chegaram a um consenso acerca do tema, pelo fato de esse tipo de ação ter suas próprias peculiaridades e vicissitudes. Na literalidade do art. 70, III, do Código de Processo Civil, vemos, claramente a possibilidade da aplicação desse instituto à ação de responsabilidade civil do Estado.
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Recorrendo novamente à boa fonte de MARINONI e ARENHART (2011, p 194), temos a seguinte passagem:
também este é o caso da responsabilidade subsidiária, mantida pelo servidor público em relação à responsabilidade objetiva pelos danos causados pela execução do serviço público (art. 37, §6º, da CF). Particularmente, em relação a esse caso, discute-se sobre a possibilidade ou não da efetivação da denunciação. Há quem sustente que não é possível a denunciação por conta da intromissão, no processo, de argumento novo, não presente na demanda original – afinal, a responsabilidade do Estado é objetiva (independente de dolo ou culpa), enquanto a do servidor é subjetiva, dependendo da avaliação de culpa deste –, o que viria a prejudicar a aceleração processual, decorrente da exclusão da matéria “culpa” desse processo. Hoje, porém, prepondera a orientação no sentido do cabimento da denunciação, mormente considerado que está em jogo o patrimônio público, que, como elemento indisponível pertencente a toda coletividade, depende da mais pronta reintegração.
Em contrapartida, surge outra corrente defendendo a tese de que o artigo 70, III, do CPC pode ser entendido de forma restritiva, não admitindo a denunciação em todos os casos em que há o direito de regresso, pela lei ou pelo contrato, mas somente quando se trata de garantia do resultado da demanda, ou seja, quando desenvolvida a lide principal, torna-se automática a responsabilidade do denunciado, independente de discussão sobre sua culpa ou dolo, isto é, sem a introdução de fato ou elemento novo. Aduz ainda esta corrente que, denunciar a lide agente público pode demandar muito tempo, violando a celeridade da justiça e da economia processual, haja vista que deve-se priorizar o direito da vítima que necessita ser reparada dos prejuízos ocasionados pela conduta estatal ou dos entes executores de funções públicas delegadas. Por fim, adeptos desta corrente como CAHALI (2007, p.112), sustenta que o Estado denunciando a lide servidor público, estaria assumindo indiretamente a responsabilidade pelo evento danoso à vítima, a partir do momento em que reconhece o dolo ou a culpa do agente público.
Nesse sentido, corroborando com a tese, um dos maiores defensores desta corrente, GRECO FILHO (2002, 142-143) entende que:
[...] a admissão da denunciação ante a simples possibilidade de direito de regresso violaria a economia processual e a celeridade da justiça, porque num processo seriam citados inúmeros responsáveis ou pretensos responsáveis numa cadeia imensa e infindável, como suspensão do feito primitivo e em prejuízo da vítima, que teria de aguardar anos até a citação final de todos. E violar-se-ia, também, o princípio da singularidade da ação e da jurisdição, com verdadeira denegação de justiça.
Segundo ele,
[...] a solução se encontra em admitir, apenas, a denunciação da lide nos casos de ação de garantia, não admitindo para os casos de simples ação de regresso, i.e., a obrigação de garantir o resultado da demanda, ou seja, a perda da primeira ação, automaticamente, gera a responsabilidade do garante. Em outras palavras, não é permitida, na denunciação intromissão de fundamento jurídico novo, ausente na demanda originária, que não seja responsabilidade direta decorrente da lei ou do contrato.
E finaliza:
[...] por tradição histórica, uma das finalidades da denunciação é a de que o denunciado venha a coadjuvar na defesa do denunciante e não litigar com ele, arguindo fato estranho à lide primitiva.
Ressaltam ainda os defensores desta corrente que nem a falta ou o indeferimento da denunciação acarretaria a eliminação do direito de regresso do Estado, que permanece a partir do momento em que for condenado em ação indenizatória perante a vítima, cabendo-lhe mover ação de regresso contra o agente público, pelo que despendeu em virtude da conduta danosa deste.
Acerca da divergência doutrinária, entendemos no sentido de que deve ser concebível a possibilidade de o Estado trazer ao processo, através do mencionado instituto, o agente público causador do dano, em caso de dolo ou culpa deste na produção do evento danoso, como medida de economia processual, haja vista que a responsabilidade do agente poder ser apurada nos autos da ação de reparação do dano, para evitar decisões conflitantes.
Em análise aos julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o articulista Matheus Carneiro Assunção informa o seguinte:
“Todavia, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça já pacificou a celeuma, assentando que a denunciação da lide ao agente do Estado em ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, § 6º, da CF/88 não é obrigatória[16].”
E cita o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - DIREITO DE REGRESSO - ART. 70, III, DO CPC.
1. A denunciação da lide só é obrigatória em relação ao denunciante que, não denunciando, perderá o direito de regresso, mas não está obrigado o julgador a processá-la, se concluir que a tramitação de duas ações em uma só onerará em demasia uma das partes, ferindo os princípios da economia e da celeridade na prestação jurisdicional.
2. A denunciação da lide ao agente do Estado em ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, § 6º, da CF/88 não é obrigatória, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na culpa subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária.
3. Não perde o Estado o direito de regresso se não denuncia a lide ao seu preposto (precedentes jurisprudenciais).
4. Embargos de divergência rejeitados.
(EREsp 313886/RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26.02.2004, DJ 22.03.2004 p. 188)
Percebe-se a decisão jurisdicional acima transcrita está mais alinhada com a realidade das demandas em curso, vez que em caso de obrigatoriedade da denunciação (como se um pré-questionamento fosse) o processo ficaria por demais complexo para ser julgado, correndo o risco de nunca sê-lo. Todavia, no âmbito da teoria, não podemos rechaçar a possibilidade, vez que em casos tópicos ela pode figurar como uma solução viável para o garantia do direito pleiteado.
6.4. AÇÃO DIRETA CONTRA O AGENTE PÚBLICO
Outra questão ainda polêmica na doutrina e na jurisprudência é a possibilidade jurídica de o lesado ingressar diretamente com uma ação contra o agente causador do dano, ou mesmo contra este e o Estado, em litisconsórcio passivo.
Corrente majoritária no direito pátrio, em sintonia com a tese do descabimento da denunciação da lide, sustenta a inadmissibilidade da proposição de ação direta indenizatória contra o agente causador do dano.
Nesse sentido, temos a clássica doutrina de MEIRELLES (1997, p. 564) lecionando que “cumpriria à vítima tão-somente ajuizar o Estado, e este, no caso de dolo ou culpa do servidor, exerceria contra este o direito de regresso. Assim, o Estado indeniza a vítima e, no caso de culpa, o agente indeniza o Estado regressivamente”.
Em contrapartida, parcela significativa da doutrina, encabeçada por GASPARINI (2012), sustenta a possibilidade de o lesado acionar diretamente o servidor que gerou o evento danoso. A vítima poderia ingressar em juízo contra o Estado ou optar pelo ingresso contra o agente público responsável.
Esta via alternativa seria altamente eficaz em demanda de baixo valor, nesse caso mesmo sendo por requisição de pequeno valor a burocracia é regra. Logo, a despeito de recair o ônus de comprovar a culpa do agente – pois sua responsabilidade é subjetiva – aquele não enfrentaria os conhecidos óbices de demandas movidas contra a Fazenda Pública, mormente quando tais pendências ingressam na fase executória, sob o regime de precatórios e suas delongas, previsto no art. 100 da Constituição Federal.
7. EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Como visto em linhas anteriores, para que seja configurada a responsabilidade civil estatal, necessária se faz a conjugação dos seguintes requisitos: ocorrência de prejuízo causado por uma lesão a um bem jurídico da vítima, ação proveniente de quem atue em nome do Poder Público e que tenha relação de causa e efeito entre a conduta imputada à Administração e o dano causado.
Uma vez rechaçada a teoria do risco integral, inadmissível aceitar que o Estado responda pela reparação de todos os prejuízos ocorridos no meio social. Por tal razão, há situações, elencadas na doutrina, que causam o rompimento do nexo causal e, consequentemente, afastam o dever de reparação do Estado.
São hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias que serão a seguir analisadas.
7.1 FATOS IMPREVISÍVEIS
Não raras vezes os termos caso fortuito e força maior são utilizados como sinônimos. Observamos que ainda hoje a distinção entre eles apresenta-se sob controvérsias e imprecisões.
Em razão disso, os doutrinadores administrativistas preferem o uso de terminologias mais genéricas para tratar dessa modalidade de excludente.
Segundo CARVALHO FILHO (2013, p. 560), os fatos imprevisíveis “se traduzem como aqueles eventos que acontecem sem que as pessoas possam preveni-los ou mesmo se acautelarem e se prepararem para enfrentá-los ou impedir os danos deles decorrentes”. São exemplos os terremotos, tempestades, furacões.
Nessas hipóteses é possível visualizar claramente que inexiste fato imputável ao Estado bem como fato cometido por agente estatal, razão pela qual não se observa nexo causal entre qualquer ação do Estado e o dano sofrido pela vítima, o que afasta a responsabilidade ressarcitória.
Interessante salientar, contudo, que em havendo concorrência entre o fato imprevisível e a ação ou omissão do Estado, haverá concausa, não havendo, portanto, completa exclusão da responsabilidade estatal e sim sua mitigação. Deverá então o Estado repara o dano de forma proporcional à sua participação no evento lesivo.
7.2. FATO DA VÍTIMA: EXCLUSIVO OU CONCORRENTE
Antes de atribuir-se responsabilidade ao Estado, é necessário observar o comportamento da vítima no episódio que lhe provocou o dano. Em alguns momentos, o dano é provocado exclusivamente pela vítima ou mesmo que ela tenha concorrido de algum modo para o dano.
Diz o articulista Marcos Antônio Santos Mangueira informa que:
“A inexistência do dever de reparação no caso de culpa exclusiva da vítima, ou sua mitigação, no caso de concorrência, deve-se não ao fato de que se inocenta o Estado pela ausência de culpa, posto que esta não é requisito da responsabilidade objetiva, mas porque a participação da vítima para o dano opera excluindo ou atenuando o nexo causal.[17]”
No caso da culpa exclusiva da vítima, conforme leciona BANDEIRA DE MELO (2011, p. 954), “seria absurdo atribuir-se ao Estado a responsabilidade por comportamentos de autolesão dos particulares. Se assim não ocorresse se estaria beneficiando alguém pela sua própria torpeza, o que contraria um dos mais basilares princípios do Direito”.
Já na hipótese de culpa concorrente do Estado e da vítima, a responsabilidade do ente público é apenas atenuada, sofrendo redução proporcional à extensão da conduta produzida pelo lesado. É a aplicação, hoje consagrada pela jurisprudência, do sistema da compensação de culpas observado no direito privado.
7.3. FATO DE TERCEIRO
Igualmente ao que ocorre com o fato de culpa exclusiva da lesado, a conduta imputável a terceiro, que sem concorrência de outras pessoas provoca o evento danoso, não há que se falar em responsabilização do Estado, pois a adoção pela doutrina pátria da teoria do risco administrativo exige a relação de causalidade entre a atuação do agente público e o resultado danoso.
O mesmo se aplica quando os prejuízos são causados por atos danosos de agrupamentos de pessoas. Nesse caso, contudo, deve-se verificar se houve também omissão do Poder Público. Em sendo verificada a inação estatal, a reparação do dano deverá ser proporcional à conduta do ente público no resultado danoso.
No diz respeito ao tema, observe-se interessante julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em que o Estado não foi condenado a ressarcir os danos, por haverem entendido os magistrados faltar nexo de causalidade, por ter o evento danoso decorrido de fato de terceiro:
Responsabilidade civil do Estado - Acidente de trânsito - Capotamento de veículo em via pública urbana quando motorista desviou de animais bovinos - demonstração de que a Prefeitura cumpre seu papel de retirar animais das vias públicas - Responsabilidade, a rigor, do proprietário do animal - Improcedência - CF/88, art. 37, §6o. (Apelação Cível nº. 162.456.030-0 SP)[18].
Portanto, conforme o julgado colacionado ao texto, o Tribunal concluiu que a negligência do dono do proprietário do animal foi a causa do acidente, pois somente ele deveria zelar pela guarda do seu anima, evitando que este invadisse a via pública. O Estado não tem o poder de vigiar a todos que estão sob o seu círculo de poder integralmente, por isso, no caso citado, não lhe pode ser imputada responsabilidade por omissão.
Não obstante, não há caráter absoluto nessa excludente, conforme leciona BARRETO (2007, p. 118):
Essa cláusula de exclusão comporta exceções, notadamente nos casos em que é confiada ao Estado a segurança das pessoas ou a sua custódia, pois nessas situações ele poderá ser responsabilizado pela ausência do dever de cuidado quanto à incolumidade dos indivíduos que tem sob sua guarda (culpa in vigilando).
Pela análise dos entendimentos acima colacionados, nota-se que costuma imputar ao Estado a onipotência para a ocorrência dos fatos sociais, diminuindo, ou mesmo afastando, a ação do administrado. Esse não é o caminho a ser seguindo, pois – como já foi trabalhado – a ação estatal é multifária e não tem o condão de resguardar todos os cidadãos, devendo estes ser responsabilizados pelos danos a que deu causa.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente obra fora pensada com a finalidade de analisar a posição do Estado perante a coletividade no que tange ao adimplemento de suas obrigações em relação aos seus administrados. Sabemos que a responsabilidade civil é matéria de suma importância no que tange às relações privadas, de salvaguardar direito e obrigações. Dessa forma, importaria saber a maneira com que a Responsabilidade do Estado era regida e apurada diante das condutas praticadas pelos seus agentes que viessem atingir bem jurídico de outrem.
Ao longo do “iter” da obra notamos que foi um processo longo de formação doutrinária e jurisprudencial para se chegar ao estágio atual da Responsabilidade Objetiva do Estado no Brasil e na maioria dos ordenamentos jurídicos dos países, visto que toda evolução que se mostrou através das Teorias, foi proveniente do desenvolvimento da sociedade, de sua organização, da criação do Estado de Direito, que visou submeter o Poder Público aos ditames da Legislação – por ele criada –, para que da mesma forma que o Estado devesse propiciar à coletividade meios de crescimento e condições de vida digna, devesse o mesmo assumir encargos pelos seus atos, respondendo pelos atos danosos que viesse a cometer.
Portanto, o estudo realizado nesta Monografia, nos propiciou a noção das causas que levam o Estado a responder perante a vítima, independentemente da demonstração do elemento anímico, bastando que seja demonstrado que o prejuízo sofrido pelo lesado tenha sido ocasionado pela conduta de um ente público ou privado, em se tratando de uma empresa executora de serviços públicos delegados, pela inovação do diploma constitucional previsto no art. 37, §6º.
Nota-se que os cidadãos estão amparados legalmente pelos atos praticados pelo Estado, não ficando mais impunes quando este transgride a Lei, como acontecia durante o Estado autoritário, em que sucedia a total irresponsabilidade do Poder Público pelos atos que seus presentantes causassem danos a terceiros, tendo em vista que a figura do Estado e de seus agentes era dissociada, fato que a conduta destes não obrigava àquele. Embora se saiba que a forma de adimplemento da responsabilização não seja a mais eficaz, entretanto é a maneira mais justa para se assegurar a lisura do procedimento.
Dessa forma, em sintonia com o ordenamento pátrio, a vítima de ato estatal pode se valer da Ação de Indenização por Perdas e Danos, que deverá ser pleiteada no prazo de cinco anos, sob pena de extinção da pretensão pela respectiva prescrição. A Administração Pública condenada a indenizar o administrado, pode ingressar com Ação Regressiva contra seu agente público para reaver aquilo que despendeu com a demanda indenizatória, entretanto, pode se valer – ainda no bojo da ação originária – do instituto da denunciação da lide (para chamar ao processo o agente causador do dano) conforme previsão expressa do art. 70, III, do Código de Processo Civil, apesar da divergência que este tema enseja. Conforme abordamos, os Tribunais vêm admitindo a possibilidade de na mesma demanda, o Magistrado analisar o pedido principal e a denunciação da lide, como forma de economia processual e para evitar decisões divergentes, mas ressaltamos que o caso concreto é quem vai demonstrar se a denunciação importará ou não prejuízo à vítima, com a demora no julgamento do pleito.
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[9]PANTALEÃO, Juliana e MARCOCHI, Marcelo. Indenização: erro judiciário e prisão indevida. Jus Navigandi, Maio de 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5642. Acesso em: 11 de setembro.
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[13] STF – RE 372472/RN – Rel. Min. Carlos Veloso – Julgado em 04/11/2003 – Informativo nº 329 STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo391.htm. Acesso em 03 de outubro.
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[18] Disponível em: http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/16031-16032-1-PB.pdf. Acesso em 03 de outubro.
Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública. Especialização em Direito Penal e Processual Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Yuri Givago Araújo. Responsabilidade civil do Estado: evolução histórica e características elementares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52667/responsabilidade-civil-do-estado-evolucao-historica-e-caracteristicas-elementares. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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