Palavras-chave: Crédito Tributário. Dívida Ativa. Certidão de Dívida Ativa. Cobrança Alternativa. Protesto. Viabilidade.
Sumário: 1 Introito: da Legalidade à Obrigação Tributária. 1.1 Da Legalidade Tributária. 1.2 Do Fato Gerador, da Obrigação Tributária e do Crédito Tributário. 2 Das Formas Alternativas de Cobrança do Crédito Tributário. 2.1 Da falta de proporcionalidade da execução judicial de determinados créditos fiscais. 2.2 Da cobrança extrajudicial de créditos tributários: o protesto extrajudicial como providência alternativa. 3 Considerações Finais. 4 Referências bibliográficas.
1 INTROITO: DA LEGALIDADE À OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
1.1 – Da Legalidade Tributária.
Inicialmente, é indispensável consignar que só é possível conceber a existência e a efetividade do Direito Tributário na estrutura do Estado de Direito, posto que é nesta arquitetura que o Poder Público se submete à lei, expressão da vontade popular que detém aptidão para se sobrepor e fazer limitar a extensão dos poderes do próprio Estado. Assim, o Direito Tributário tem como escopo primordial regular o vínculo estabelecido entre os sujeitos da relação jurídico-tributária, não se confundindo, portanto, com o mero ato da tributação.
Como se sabe, os mecanismos de tributação remontam a própria história do homem em sociedade e, por muito tempo, foram manejados sem quaisquer critérios de ponderação e justiça. Justamente por isso é possível vislumbrar inúmeras eclosões de oposições antifiscais no decorrer da história. A título exemplificativo, é possível recobrar o acúmulo de exações durante Brasil Colônia, com a instituição do Quinto e do Dia da Derrama:
(FIGUEIREDO, p.1) A formação do Antigo Sistema Colonial, em sua componente fiscalista, produziu toda a sorte de constrangimentos aos moradores da América que, reconhecendo-se como súditos, resistiram às injustiças provocadas pelos excessos da política tributária. Não raro tais resistências alcançaram a forma violenta das insurreições, como as revoltas de 1660 no Rio de Janeiro – quando a cidade fica seis meses controlada pela elite rebelde –, a de 1710/11 em Salvador – contra as taxas do tráfico negreiro e monopólio do sal –, e as de 1720 e 1736 em Minas Gerais, quando se recusou a forma de cobrança do quinto do ouro.
Com o fortalecimento da resistência perante os abusos na atividade fiscal, bem como com o desenvolvimento político-social emergido principalmente a partir do século XVIII (sobretudo do advento da concepção iluminista e da concretização do constitucionalismo moderno), a opção política recaiu sobre a elaboração de normas jurídicas específicas e concludentes para regular as operações tributárias e fiscais.
Nessa perspectiva, o Direito Tributário comporta o plexo normativo que confere legitimidade e segurança na relação jurídico-tributária no âmbito do Estado de Direito, pois possibilita que o Estado promova a captação dos recursos financeiros necessários ao custeio de suas atividades, garantindo, simultaneamente, a preservação das garantias e direitos fundamentais do Cidadão Contribuinte. Dessa maneira, o Direito tributário “é o ramo do direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder” (MACHADO, 2008, p. 49).
Examinando sob essa ótica, o Princípio da Legalidade é norma de ímpar relevância para o Direito Tributário, assumindo posição de destaque entre os princípios jurídicos que o norteiam. A bem da verdade, esse axioma repercute de modo geral em todo Direito Brasileiro como fidedigno instrumento de tutela em face dos eventuais arbítrios do Poder Público, inclusive no que pertine ao ato de tributar.
Dessa maneira, decorre do Princípio da Legalidade a segurança jurídica indispensável ao ato de instituição ou majoração de tributos, já que, como regra, somente por intermédio de lei será possível exigi-los ou aumentá-los. Ora, a imprescindibilidade de lei autorizativa, nesse caso, está umbilicalmente atrelada ao regime de governo democrático adotado pela República – se todo poder emana do povo (BRASIL, CR/88, Art.1º, § 1º), apenas esse tem a prerrogativa de abonar (avalizar) a ordenação de institutos jurídicos que lhe afetarão. Em outros termos, a lei é a face aparente do consentimento popular e justamente por isso tem o condão de dotar de legitimidade os atos desempenhados pela Administração, inclusive pela Administração Fazendária.
Com efeito, o Princípio da Legalidade Tributária corresponde, a um só tempo, autorização para atuação estatal e garantia do contribuinte. Nesse particular, o Princípio da Legalidade pode ser compreendido em duas dimensões fundamentais, quais sejam, a “Primazia da Lei” (também entendido como “legalidade em sentido negativo”) e a “Reserva Legal”, (ou “legalidade em sentido positivo”)[1]. No Direito Tributário, sobressai a Reserva Legal, no sentido de que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei (em sentido estrito). A Constituição da República de 1988 consagra o princípio no Título VI, Capítulo I, Seção II do Texto Maior: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
Em arremate, uma última ponderação é importante. Não obstante o texto normativo constitucional exija lei para a instituição e da majoração de tributos, a melhor exegese é que também seja necessária lei para extinguir ou reduzir tributos, na toada do que dispõe o Art. 97 do Código Tributário Nacional.
O dispositivo determina que somente lei pode estabelecer a instituição, extinção, majoração ou redução de tributos (incisos I e II), bem como que a exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários ou dispensa ou redução de penalidades (inciso VI), o que autoriza concluir que a mens legis não é outra senão essa: a regra é a existência de lei, seja para criar, modificar ou suprimir tributos.
Ademais, em prestígio ao Princípio da Simetria das Formas, a extinção de institutos jurídicos é implementada pela mesma forma ou modo empregado para sua criação.
Assim, a criação ou extinção de tributos, bem como a respectiva majoração ou redução, necessita de lei em sentido estrito para ser legítima e não padecer de vícios de ilegalidade. Prevalece, no âmbito do Direito Tributário, o Princípio da Reserva Legal, de modo que, como regra, a regulamentação há de fazer-se necessariamente por meio de lei (em sentido estrito).
1.2 – Do Fato Gerador, da Obrigação Tributária e do Crédito Tributário.
É notório que um dos principais contributos do Princípio da Legalidade Tributária foi tornar o vínculo jurídico-tributário em relação de direito no lugar de relação de poder, porque pressupõe assentimento popular no tocante as atividades afetas à tributação.
Assim, repisa-se que, em matéria tributária, a lei desempenha a essencial função de garantir a validade e legitimidade do exercício da competência e da capacidade tributária, expressões do poder de tributar. Nessa esteira, dotada de imperatividade e juricidade, com caráter eminentemente generalista, incumbe à lei veicular o que a doutrina convencionou denominar de hipótese de incidência, que, nas palavras de Geraldo Ataliba, “é a descrição hipotética e abstrata de um fato. É a parte da norma tributária. É o meio pelo qual o legislador institui um tributo” (2008, p. 66).
Desse modo, a hipótese de incidência é uma abstração antecedentemente positivada, ou seja, “é primeiramente a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem conceitual de um fato; é seu desenho)” (ATALIBA, 2008, p. 68). Vindo, porém, a ocorrer no mundo fenomênico a situação hipotética descrita em lei, descortina-se outro cenário, mediante a ocorrência do fato gerador (ou fato imponível):
(ATALIBA, 2008, p. 68) Fato imponível é o fato concreto, localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela h.i. legal – dá nascimento à obrigação tributária.
Nessa linha de intelecção, é juridicamente correto concluir que a gênese do tributo acontece quando ocorre a subsunção do fato à norma, vislumbrada quando “um fato corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei” (ATALIBA, 2008, p. 69).
Cumpre aduzir, portanto, que a lei é o sustentáculo para a ocorrência do fato imponível, assim como é o fundamento para a origem da obrigação tributária. Apenas para fins de conceituar o instituto jurídico da “obrigação”, recorre-se ao Direito Privado, especificamente ao Direito das Obrigações, ramificação do Direito Civil[2]:
(FARIAS, 2017, p. 34-35, itálicos no original e negrito nosso) Etimologicamente, obrigação vem do vocábulo latino obrigare - “ob + ligaria”-, que significa atar, ligar, unir, impbr um determinado compromisso. A expressão obrigação é plurívoca, comportando diferentes significados, mesmo dentro da própria ciência jurídica. (…) Considerada a necessária evolução histórica do direito das obrigações, já vista alhures, é possível, então, conceituar a obrigação como a relação jurídica transitória, estabelecendo vínculos jurídicos entre duas diferentes partes (denominadas credor e devedor, respectivamente), cujo objeto é uma prestação pessoal, positiva ou negativa, garantido o cumprimento, sob pena de coerção judicial.
Nesse sentido, o instituto da obrigação pode ser compreendido como o liame jurídico entre duas ou mais pessoas que se submetem ao cumprimento de determinada prestação, dotada de caráter econômico. Semelhantemente, na seara tributária, a obrigação também constitui vínculo jurídico, decorrente não mero acordo (o que evidencia o elemento volitivo no campo obrigacional privado), mas sim de disposição cogente materializada em corpo de lei.
Efetivamente, a logicidade hermenêutica da obrigação tributária é a seguinte: a hipótese de incidência, antecipadamente prevista em lei, ocorre no mundo fenomênico, fazendo exsurgir o fato gerador. É o fato gerador que estabelece a relação jurídica que vincula o Estado (na posição de credor) e particular (como devedor), a qual faz emergir para aquele o legítimo poder-dever de reivindicar deste uma conduta (de dar, fazer ou não fazer).
Perceba-se, portanto, que a obrigação tributária dá origem ao crédito tributário, que, em síntese, representa o direito subjetivo de que é titular o sujeito ativo da relação jurídico tributária (o Estado), em razão da obrigação tributária exigível, devidamente lançada e passível de cobrança. Expliquemos.
O crédito tributário decorre da obrigação tributária e detém a mesma natureza dela[3], eis que “surge no mundo jurídico no exato instante em que se opera o fenômeno da incidência, com a aplicação da regra-matriz do tributo” (CARVALHO, 2008, p. 431). Materializada a hipótese de incidência surge o crédito tributário, cuja existência é declarada pelo lançamento, instituto que conferirá o caráter de certeza, liquidez e exigibilidade[4].
Nesse contexto, é o lançamento que atribui à obrigação tributária a quantificação devida, definindo o importe pecuniário respectivo que faz jus o Estado. Nesse sentido é que o CTN afirma categoricamente que é o lançamento que constitui o crédito tributário. Assim, somente o débito lançado e, portanto, constituído, poderá ser inscrito em dívida ativa para então ser objeto de execução fiscal – demanda judicial que dispõe o Fisco para a cobrança dos tributos não pagos.
Esse é, aliás, o curso ordinário para a cobrança do crédito tributário. Devidamente quantificada e constituída a obrigação tributária, origina-se o crédito tributário, que legitimará a reivindicação de pagamento. Decorrido o prazo legal para a quitação sem que o contribuinte ou o responsável o promova, incumbe à Fazenda Pública inscrevê-lo em seu cadastro geral de inadimplentes, denominado Dívida Ativa.
Nos termos do § 3º do Art. 2º da Lei 6.830, de 22 de setembro de 1980 (Lei de Execução Fiscal), o ato de inscrição em Dívida Ativa constitui ato de controle administrativo de legalidade e é promovido pelo órgão competente, a fim de apurar a liquidez e certeza do débito fiscal, suspendendo-se a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias ou até a distribuição da execução fiscal intentada antes do término desse prazo.
Compete a cada Ente Político editar lei que regule os pormenores referentes ao lançamento e da inscrição em dívida ativa. De toda sorte, inscrito o crédito em Dívida Ativa, deve ser emitido documento que formalize a inclusão do débito no rol dos devedores públicos, qual seja, o Termo de Inscrição em Dívida Ativa.
Finalizada essa etapa, a Fazenda Pública poderá extrair a Certidão de Dívida Ativa, título formal que, por atestar a certeza e liquidez do débito fiscal, contendo os mesmos elementos do Termo de Inscrição e autenticada pela autoridade competente, detém a natureza de título executivo extrajudicial[5].
O processo judicial de execução fiscal, cujo modelo atual é aquele disciplinado pela Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/1980), somente inicia quando o crédito fiscal foi devidamente inscrito (Art. 3º da Lei n. 6.830/80) ou quando findo o processo tributário administrativo (PAF ou PTA), no qual se discute algum de seus aspectos. Dessa maneira, é a Certidão de Dívida Ativa que materializa documentalmente o crédito e a obrigação tributária, lastreando suficientemente o processo judicial, posto que goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade.
Atendidos os requisitos formais da Lei de Execução Fiscal, o processo prossegue até seus ulteriores feitos, o que não significa, necessariamente, a satisfação do crédito tributário.
2 DAS FORMAS ALTERNATIVAS DE COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
2.1 – Da falta de proporcionalidade da execução judicial de determinados créditos fiscais.
Superadas essas considerações introdutórias, cuja a compreensão é imprescindível para o bom desenvolvimento da temática abordada, compete-nos debruçar doravante sobre as formas alternativas de cobrança do crédito tributário. Isso porque a cobrança judicial do crédito público nem sempre se mostra oportuna, como se passa a demonstrar.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelam que o tempo médio total de um executivo fiscal é de 9 anos, 9 meses e 16 dias, e a probabilidade de obter-se êxito na recuperação integral do crédito é de apenas 25,8% (vinte e cinco vírgula oito por cento). Segundo a entidade, o custo unitário (médio) de uma execução fiscal promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional gira em torno de R$ 5.606,67 (cinco mil, seiscentos e seis reais e sessenta e sete centavos), sendo economicamente viável a execução fiscal de créditos que correspondam, no mínimo, a monta de R$ 21.731,45 (vinte e um mil, setecentos e trinta e um reais e quarenta e cinco centavos)[6].
No mesmo sentido, o Relatório “Justiça em Números”, expedido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em 2018, referente ao ano-base de 2017, dá nota de que:
(CNJ, p. 125) Historicamente as execuções fiscais têm sido apontadas como o principal fator de morosidade do Poder Judiciário. O executivo fiscal chega a juízo depois que as tentativas de recuperação do crédito tributário se frustraram na via administrativa, provocando sua inscrição na dívida ativa. Dessa forma, o processo judicial acaba por repetir etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer o crédito tributário já adotadas, sem sucesso, pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional. Acabam chegando ao Judiciário títulos de dívidas antigas e, por consequência, com menor probabilidade de recuperação. Os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 74% das execuções pendentes no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 91,7%. Ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2017, apenas 8 foram baixados. Desconsiderando esses processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia 9 pontos percentuais, passando de 72% para 63% em 2017. O maior impacto das execuções fiscais está na Justiça Estadual, que concentra 85% dos processos. A Justiça Federal responde por 14%; a Justiça do Trabalho, 0,31%, e a Justiça Eleitoral apenas 0,01%.
Diante de tais circunstâncias, é plausível sustentar que inexiste proporcionalidade na propositura de ação de execução fiscal para a cobrança de qualquer dívida tributária, incluindo aquelas de pequena monta, assim entendida os créditos tributários cujo importe financeiro seja inferior ao valor necessário para o custeio do processo judicial de execução.
Deveras, o Princípio (ou postulado) da Proporcionalidade é o método racional, de raízes germânicas, que se manifesta como fidedigno parâmetro aplicável em análises concretas cujo escopo é desvendar a justa medida numa relação de meio e fim. O exame de proporcionalidade é primacialmente executado em conformidade e submissão a seus subelementos, quais sejam: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
De acordo com Virgílio Afonso da Silva, o método correto para a aplicação do Princípio da Proporcionalidade tem estrutura racionalmente definida, na qual os elementos secundários, embora independentes, são necessariamente aplicáveis em ordem pré-definida (SILVA, 2002, p. 34). Em sua didática lição, consta:
(SILVA, 2002, p. 34-35, destaques nossos) A real importância dessa ordem fica patente quando se tem em mente que a aplicação da regra da proporcionalidade nem sempre implica a análise de todas as suas três sub-regras. Pode-se dizer que tais sub-regras relacionam-se de forma subsidiária entre si. Essa é uma importante característica, para a qual não se tem dado a devida atenção. A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-regras da proporcionalidade, é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas, quando do controle do ato considerado abusivo. Não é correto, contudo, esse pensamento. É justamente na relação de subsidiariedade acima mencionada que reside a razão de ser da divisão em sub-regras. Em termos claros e concretos, com subsidiariedade quer-se dizer que a análise da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade. Assim, a aplicação da regra da proporcionalidade pode esgotar-se, em alguns casos, com o simples exame da adequação do ato estatal para a promoção dos objetivos pretendidos. Em outros casos, pode ser indispensável a análise acerca de sua necessidade. Por fim, nos casos mais complexos, e somente nesses casos, deve-se proceder à análise da proporcionalidade em sentido estrito.
Nesse ínterim, veja-se que exigência de judicialização para todos créditos fiscais não é sequer adequada. A adequação (ou idoneidade ou conformidade) é o subelemento que determina a correspondência entre o fim pretendido e os meios empregados para sua consecução, implicando na necessidade de empregar tão somente os meios aptos a promover certa finalidade.
Ora, parece manifesto que inexiste adequação quando o custo para a cobrança judicial representa numerário superior ao possível proveito financeiro a ser obtido. A medida adotada (judicialização do crédito fiscal), nesses casos, não é idônea para alcançar o fim pretendido, pois é improvável que a Administração Tributária consiga recuperar importe financeiro igual ou superior ao custo do processo judicial.
Efetivamente, considerando o custo-benefício das execuções fiscais, as Fazendas Públicas de todos os níveis (federal, estadual e municipal) estabeleceram o limite mínimo para a propositura do processo. Atualmente, A União Federal somente intenta demanda executória se o crédito exequendo representar, no mínimo, o importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Pode ser que hajam vozes defendendo que a medida é sim adequada para alcançar o fim pretendido, já que, de qualquer maneira, é possível lograr êxito quanto a efetivação do pagamento da dívida fiscal. Há de se entender, porém, que o fim a ser conquistado não é o mero pagamento em si, mas sim o financiamento sustentável do Estado, angariando recursos para o exercício de suas atribuições mínimas. Se a cobrança judicial não contribui para essa finalidade, é em si inócua.
De toda sorte, cumpre registrar que ainda que (equivocadamente) se defenda a existência de adequação, é certo que o acionar o Poder Judiciário para a cobrança de quaisquer dívidas tributárias se afasta do subcritério da necessidade. A necessidade, também denominada exigibilidade, é o subelemento que demanda a eleição da medida, dentre aquelas reputadas adequadas, que provoque a menor limitação possível. Trata-se de optar pelo instrumento menos gravoso dentre as alternativas consideradas adequadas para alcançar a finalidade pretendida, ou seja, aquele que, ao mesmo tempo, seja mais efetivo e menos restritivo na espécie.
(NEGRÃO, p. 14, negrito nosso) Diferentemente do exame de adequação, no qual se faz uma análise absoluta dos meios, o exame de necessidade efetua uma análise comparativa entre as medidas adequadas. Nessa fase, realiza-se um cotejo das medidas aptas a promover o fim, escolhendo por aquela que menos restringe direitos. Trata-se da adoção de um parâmetro de eficiência adotando, também, o critério da menor prejudicialidade. Assim, na análise de necessidade questiona-se não a escolha operada, mas sim o meio empregado, devendo ser o mais suave, aquele que gere a menor desvantagem possível A necessidade procura o meio menos nocivo, menos desvantajoso capaz de produzir a finalidade propugnada pela norma em questão. Traduz-se em exigibilidade material, que reconhece a indispensabilidade da restrição, exigibilidade espacial, que delimita o âmbito de atuação, exigibilidade temporal, segundo a qual a medida coativa deve vigorar pelo menor espaço de tempo possível, e, por fim, exigibilidade pessoal, que determina o ato deve somente se destinar ao conjunto de pessoas cujos interesses devem ser restringidos ou sacrificados.
Com efeito, a discussão do crédito de pequena monta em sede judicial trará mais ônus à Administração Fazendária do que bônus. É a alternativa mais gravosa e dispendiosa, razão pela qual é inconteste não atender ao Princípio da Proporcionalidade, por lhe faltar o subprincípio da necessidade (repisa-se que, em nossa visão, sequer o da adequação).
Nessa esteira, é imperioso que o Administrador Público Fazendário detenha formas alternativas e eficazes de cobrança do crédito tributário que, embora inferiores ao limite reconhecidamente viáveis para a propositura de demanda judicial, representa significativa parcela do montante a ser integrado ao crédito público.
2.2 – Da cobrança extrajudicial de créditos tributários: o protesto extrajudicial como providência alternativa.
O protesto extrajudicial é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, conforme dispõe o art. 1º da Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997, que define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências).
Por intermédio do protesto o credor torna pública a mora do devedor, produzindo, em desfavor deste, prova do inadimplemento dotada de fé pública, além de impulsionar com considerável efetividade o pagamento da quantia não quitada. O procedimento é célere e, de modo geral, eficaz. Protocolizado o título ou instrumento equivalente, o Tabelião de Protesto expedirá a intimação ao devedor. Findo o prazo de três dias úteis (a contar do protocolo) e não quitado o débito, o Tabelião lavrará e registrará o protesto, desde que não haja desistência ou sustação do protesto pelo apresentante.
Uma vez incluídas as informações do protesto no banco de dados do respectivo Tabelionato, é possível a emissão de certidões positivas ou negativas de pessoas físicas ou jurídicas, com o intuito de demonstrar se encontram ou não em estado de inadimplência. Referidas certidões são expedidas no prazo máximo de cinco dias úteis a contar da solicitação, abrangendo o período mínimo dos cinco anos anteriores, contados da data do pedido, salvo quando se referir a protesto específico (BRASIL, Lei n. 9.492/1997, Art. 27).
Há, portanto, consequências práticas do protesto de títulos e outros documentos de dívida – inclusive da Certidão de Dívida Ativa. Além de evidenciar a mora e o inadimplemento, o protesto tem o condão de produzir efeitos negativos na seara civil e negocial do devedor, como a inserção de seu nome nos cadastros restritivos de crédito.
A controvérsia que provoca maior interesse, porém, se deu com o advento da Lei n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012, que, dentre outras providências, introduziu o parágrafo único ao artigo 1º da Lei n. 9.492/1997, de modo a incluir entre os títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa. É a dicção legal:
Lei n. 9.497/1997 – Art. 1º Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.
Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas. (Incluído pela Lei nº 12.767, de 2012) (Destacamos).
Nesse contexto, a Administração Fazendária passou a contar com mais uma forma de cobrança dos débitos inscritos em Dívida Ativa: o mecanismo extrajudicial de cobrança, com a possibilidade de protesto, no regime da Lei 9.492/1997.
O contribuinte devidamente protestado, enquanto não quitar o débito, figurará como inadimplente em certidões emitidas pelo Tabelionato de Notas, bem como das certidões das referidas instituições de proteção ao crédito[7] e congêneres, dentre outras consequências, como a não emissão de certidão de regularidade fiscal.
Depreende-se que o objetivo do legislador, ao permitir o protesto da Certidão de Dívida Ativa, é engajar esforços para compelir o pagamento do tributo não quitado, sem perspectiva de quitação e cuja judicialização é inviável e desproporcional. A medida, com caráter eminentemente probatória ou testificante, demonstra o estado de inadimplência fiscal e pode gerar, a par de outras dívidas protestadas, diversas dificuldades no dia a dia negocial do devedor (e.g., restrições creditícias).
Com efeito, durante esse esboço, pode-se rememorar que a dívida decorrente do tributo possui fundamento jurídico em lei e em ocorrências no mundo fenomênico, de modo a gerar uma obrigação que vincula particular ao Estado. Tributo, de acordo com a inerente definição legal[8], é uma prestação pecuniária compulsória, que não pode deixar de ser quitado por vontade própria do devedor. Por outro lado, também fora demonstrado alhures que o ajuizamento de ações de execução fiscal, em alguns casos, é inoportuna e desproporcional, gerando mais ônus à Administração Fazendária do que proveito econômico.
Nesse sentido, a cobrança extrajudicial de créditos de pequena monta, inclusive com a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa, é alternativa salutar, que viabiliza à Entidade Federada perseguir o pagamento de dívidas sem a perspectiva de pagamento. Note-se a consequência positiva: inúmeros créditos de pequena monta não quitados (representando vultosa quantia financeira) poderão, finalmente, ser contestados e possivelmente quitados, então, guarnecer os cofres públicos.
Outrossim, merece destaque, ainda, que a cobrança extrajudicial de créditos de pequena monta auxilia positivamente no resguardo e na efetivação da responsabilidade na gestão fiscal dessa pessoa jurídica tributante.
De acordo com a Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, conhecida por “Lei de Responsabilidade Fiscal”, constitui requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação (Artigo 11). Ora, se a execução judicial é inviável e se a responsabilidade fiscal implica na efetiva arrecadação tributária, há de se possibilitar à Administração Tributária a opção de ir ao encalço do pagamento do crédito fiscal por outras vias.
Ademais, a não propositura de ações de execução fiscal nesses casos contribui para não agravar austera crise suportada pelo Judiciário Brasileiro: o congestionamento nas varas e a morosidade no atendimento da demanda. Renato Nalini[9], num tom prático, comenta o assunto:
Todos os anos o Governo, suas autarquias e fundações – aí compreendidos União, Estados, Distrito Federal e Municípios – arremessam à Justiça milhões de CDAs – Certidões de Dívida Ativa, que darão origem a execuções fiscais. O Judiciário se conforma com a situação esdrúxula. Aceita ser cobrador de dívida. Mesmo sabendo que não tem estrutura, pessoal nem gestão eficiente para fazer funcionar um setor nevrálgico. Todos têm interesse em que os devedores recolham ao Erário o devido. Se eles se recusarem a pagar, o ônus de sustentar a máquina – sempre perdulária e quase sempre ineficiente – recairá sobre os demais. Há comarcas em que os milhares de processos de execução fiscal estão paralisados há vários anos. Isso é prejuízo para todos e também para a Justiça, que arca com o ônus de não funcionar. Por isso estou envidando esforços no sentido de se oferecer uma alternativa ao processo judicial de execução fiscal. É o caso do protesto da CDA, que o STJ aceita, que o CNJ admite e que o TCE, em recente decisão, entendeu perfeitamente cabível para as Prefeituras. O tabelionato de protestos possui uma estrutura que o Judiciário não tem. Todos os serviços extrajudiciais conquistaram um status singular na Constituição de 1988. Exercem uma delegação estatal, mas em caráter privado. Isso faz com que a prestação por eles oferecida seja muito mais eficiente do que aquela a cargo do Poder Judiciário. Notificado de que terá um prazo para pagar a dívida, sob pena de protesto, o devedor solvente preferirá satisfazer sua obrigação. Enquanto a execução fiscal leva anos para tramitar. Não se encontra o devedor, nem existem bens a serem penhorados. Quando o Poder Público credor despertar para a superioridade estratégica do protesto em cotejo com a execução fiscal, todos ganharão com a única opção possível. Sociedade e povo e, por acréscimo, o aturdido Judiciário.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores encampa a viabilidade de cobrança extrajudicial de débitos tributários, inclusive com o protesto extrajudicial das Certidões de Dívida Ativa. Vejamos.
DIREITO TRIBUTÁRIO. PROTESTO DE CDA. É possível o protesto de Certidão de Dívida Ativa (CDA). No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492/1997 (“Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”), o protesto foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer “títulos ou documentos de dívida”. Nesse sentido, há, tanto no STJ (REsp 750.805/RS) quanto na Justiça do Trabalho, precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado. Dada a natureza bifronte do protesto – o qual representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida –, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF) e da imparcialidade. Quanto aos argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830/1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito, estes são falaciosos. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa e não autoriza, por si, a conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição ou utilização de mecanismos de cobrança extrajudicial. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (na qual foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (como o DCTF, a GIA e o Termo de Confissão para adesão ao parcelamento). O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve “surpresa” ou “abuso de poder” na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. (…).
STJ. REsp 1.126.515-PR. Rel. Min. Herman Benjamin. Segunda Turma. Julgado em 3/12/2013. Informativo n. 0533. Período: 12 de fevereiro de 2014. (Destaques nossos).
Outrossim, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de inconstitucionalidade n. 5135/DF, julgada em 9 de novembro de 2016, determinou que “o protesto das Certidões de Dívida Ativa (CDA) constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política” (vide informativo de jurisprudência n. 846).
Com efeito, o Plenário da Suprema Corte, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado contra o parágrafo único do art. 1º da Lei 9.492/1997, incluído pela Lei 12.767/2012, que introduziu entre os títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.
Direito tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.492/1997, art. 1º, parágrafo único. Inclusão das certidões de dívida ativa no rol de títulos sujeitos a protesto. Constitucionalidade.
1. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, inserido pela Lei nº 12.767/2012, que inclui as Certidões de Dívida Ativa – CDA no rol dos títulos sujeitos a protesto, é compatível com a Constituição Federal, tanto do ponto de vista formal quanto material.
2. Em que pese o dispositivo impugnado ter sido inserido por emenda em medida provisória com a qual não guarda pertinência temática, não há inconstitucionalidade formal. É que, muito embora o STF tenha decidido, na ADI 5.127 (Rel. Min. Rosa Weber, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, j. 15.10.2015), que a prática, consolidada no Congresso Nacional, de introduzir emendas sobre matérias estranhas às medidas provisórias constitui costume contrário à Constituição, a Corte atribuiu eficácia ex nunc à decisão. Ficaram, assim, preservadas, até a data daquele julgamento, as leis oriundas de projetos de conversão de medidas provisórias com semelhante vício, já aprovadas ou em tramitação no Congresso Nacional, incluindo o dispositivo questionado nesta ADI.
3. Tampouco há inconstitucionalidade material na inclusão das CDAs no rol dos títulos sujeitos a protesto. Somente pode ser considerada “sanção política” vedada pelo STF (cf. Súmulas nº 70, 323 e 547) a medida coercitiva do recolhimento do crédito tributário que restrinja direitos fundamentais dos contribuintes devedores de forma desproporcional e irrazoável, o que não ocorre no caso do protesto de CDAs.
3.1. Em primeiro lugar, não há efetiva restrição a direitos fundamentais dos contribuintes. De um lado, inexiste afronta ao devido processo legal, uma vez que (i) o fato de a execução fiscal ser o instrumento típico para a cobrança judicial da Dívida Ativa não exclui mecanismos extrajudiciais, como o protesto de CDA, e (ii) o protesto não impede o devedor de acessar o Poder Judiciário para discutir a validade do crédito. De outro lado, a publicidade que é conferida ao débito tributário pelo protesto não representa embaraço à livre iniciativa e à liberdade profissional, pois não compromete diretamente a organização e a condução das atividades societárias (diferentemente das hipóteses de interdição de estabelecimento, apreensão de mercadorias, etc). Eventual restrição à linha de crédito comercial da empresa seria, quando muito, uma decorrência indireta do instrumento, que, porém, não pode ser imputada ao Fisco, mas aos próprios atores do mercado creditício.
3.2. Em segundo lugar, o dispositivo legal impugnado não viola o princípio da proporcionalidade. A medida é adequada, pois confere maior publicidade ao descumprimento das obrigações tributárias e serve como importante mecanismo extrajudicial de cobrança, que estimula a adimplência, incrementa a arrecadação e promove a justiça fiscal. A medida é necessária, pois permite alcançar os fins pretendidos de modo menos gravoso para o contribuinte (já que não envolve penhora, custas, honorários, etc.) e mais eficiente para a arrecadação tributária em relação ao executivo fiscal (que apresenta alto custo, reduzido índice de recuperação dos créditos públicos e contribui para o congestionamento do Poder Judiciário). A medida é proporcional em sentido estrito, uma vez que os eventuais custos do protesto de CDA (limitações creditícias) são compensados largamente pelos seus benefícios, a saber: (i) a maior eficiência e economicidade na recuperação dos créditos tributários, (ii) a garantia da livre concorrência, evitando-se que agentes possam extrair vantagens competitivas indevidas da sonegação de tributos, e (iii) o alívio da sobrecarga de processos do Judiciário, em prol da razoável duração do processo.
4. Nada obstante considere o protesto das certidões de dívida constitucional em abstrato, a Administração Tributária deverá se cercar de algumas cautelas para evitar desvios e abusos no manejo do instrumento. Primeiro, para garantir o respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia, é recomendável a edição de ato infralegal que estabeleça parâmetros claros, objetivos e compatíveis com a Constituição para identificar os créditos que serão protestados. Segundo, deverá promover a revisão de eventuais atos de protesto que, à luz do caso concreto, gerem situações de inconstitucionalidade (e.g., protesto de créditos cuja invalidade tenha sido assentada em julgados de Cortes Superiores por meio das sistemáticas da repercussão geral e de recursos repetitivos) ou de ilegalidade (e.g., créditos prescritos, decaídos, em excesso, cobrados em duplicidade).
5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Fixação da seguinte tese: “O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política.”
STF. ADI 5135. Relator Min. Roberto Barroso. Tribunal Pleno. Julgado em 09/11/2016. Processo Eletrônico Dje-022. Divulgação 06-02-2018. Publicação 07-02-2018)
Mais recentemente, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou tese repetitiva acerca da legalidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa, afirmando que “a Fazenda Pública possui interesse e pode efetivar o protesto da Certidão de Dívida Ativa na forma do artigo 1º, inc. I, da Lei 9.492/97, com a redação da Lei 12.767/12” (vide REsp 1.694.690 e REsp 1.686.659).
Destarte, com arrimo nos argumentos expostos e principalmente com amparo nas teses fixadas pelos Tribunais de Superposição, percebe-se que inexistem óbices jurídicos ao protesto das certidões de dívida, devendo a Administração Tributária apenas acautelar-se para evitar desvios ou abusos no manejo do instrumento.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade tributária é, inegavelmente, essencial para que o Estado detenha recursos financeiros para desempenhar o papel social de prestação de serviços públicos à comunidade, mas somente poderá ser desempenhada quando existir fundamento legal para tanto. Nesse sentido, a Legalidade Tributária é o princípio de especial relevância no Direito Tributário. É a Legalidade que legitima atos desempenhados pela Administração Tributária. Efetivamente, somente na estrutura do Estado de Direito é plausível conceber a existência e a efetividade do Direito Tributário, que tem como escopo primordial regular o vínculo estabelecido entre os sujeitos da relação jurídico-tributária.
O crédito tributário decorre da obrigação tributária e detém a mesma natureza dela. Uma vez regularmente constituído e não pago no prazo legal, surge para o Fisco a faculdade de inscrevê-lo em dívida ativa, podendo, a posteriori, manejar a ação de execução fiscal, demanda judicial que dispõe o Fisco para a cobrança dos tributos não pagos.
As ações de Execução Fiscal representam investimento pecuniário que, em algumas situações, supera o valor do crédito exequendo, o que importa na inadequação da propositura da ação judicial respectiva. Em tais casos, o processamento judicial do crédito é desproporcional: a judiciliazação de tal demanda não é adequada, pois não se presta a alcançar o fim pretendido, qual seja, o financiamento sustentável do Estado. Ainda que a considere adequada, é incontestável não atende ao subprincípio da necessidade, permanecendo, portanto desproporcional.
Nessa perspectiva, é imprescindível pontuar que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação, de acordo com a Lei Complementar n. 101/2000. Ora, nesse sentido, deve-se permitir que a Administração Tributária persiga o pagamento do crédito fiscal por outros caminhos quando a via judicial demonstrar-se inviável.
Por conseguinte, a Lei n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012, incluiu na redação do parágrafo único do artigo 1º da Lei n. 9.492, de 10 de setembro de 1997, as Certidões da Dívida Ativa como os documentos passíveis de protesto. É a dicção legal: “incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas”.
Um dos mais relevantes efeitos decorrentes do protesto são a publicização da dívida e a produção de produzir efeitos negativos na órbita civil e negocial do devedor, como a inserção de seu nome nos cadastros restritivos de crédito.
O tema foi amplamente debatido pela comunidade jurídica e os Tribunais Superiores se posicionaram a respeito. Tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça entenderam que o protesto das certidões é não viola os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. O protesto das Certidões de Dívida Ativa não se trata de sanção política, pelo que é constitucional e legal.
Portanto, com arrimo nos argumentos expostos e principalmente com amparo nas teses fixadas pelos Tribunais de Superposição, percebe-se que inexistem óbices jurídicos ao protesto das certidões de dívida.
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[1] Para Alexandre Mazza, a legalidade pode assumir o sentido negativo ou positivo. De acordo com o autor: “A doutrina europeia costuma desdobrar o conteúdo da legalidade em duas dimensões fundamentais ou subprincípios: a) princípio da primazia da lei; e b) princípio da reserva legal. O princípio da primazia da lei, ou legalidade em sentido negativo, enuncia que os atos administrativos não podem contrariar a lei. Trata-se de uma consequência da posição de superioridade que, no ordenamento, a lei ocupa em relação ao ato administrativo. Quanto ao princípio da reserva legal, ou legalidade em sentido positivo, preceitua que os atos administrativos só podem ser praticados mediante autorização legal, disciplinando tema anteriormente regulados pelo legislador. Não basta não contradizer a lei. O ato administrativo deve ser expedido secudum legem. A reserva legal reforça o entendimento de que somente a lei pode inovar originariamente na ordem jurídica”. (MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 86-87) (itálico no original).
[2] CTN – Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
[3] CTN – Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.
[4] Em consonância, “para conferir exigibilidade ao objeto da obrigação tributária, seja ela principal ou acessória, precisando seu objeto e identificando o sujeito passivo, se faz necessário constituir o crédito tributário, que decorre daquela obrigação, por meio do lançamento”. (TRF4, APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2004.70.00.021450-0/PR, Juiz Relator Joel Ilan Paciornik, Primeira Turma, Data de Julgamento: 16/08/2006).
[5] Código de Processo Civil (Lei n. 13.102/2015) – Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais: (…). IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei.
[6] Instituto De Pesquisa Econômica Aplicada. Custo e tempo do processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Brasília, novembro de 2011. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.pdf. Acesso em 15 de janeiro de 2019. p. 13-14, 16.
[7] A Lei não impõe restrições de quem poderá solicitar tais certidões. No que pertine, porém, às entidades representativas de serviços de proteção ao crédito, o Art. 29 da Lei n. 9.492/1997 determina que: os cartórios fornecerão às entidades representativas da indústria e do comércio ou àquelas vinculadas à proteção do crédito, quando solicitada, certidão diária, em forma de relação, dos protestos tirados e dos cancelamentos efetuados, com a nota de se cuidar de informação reservada, da qual não se poderá dar publicidade pela imprensa, nem mesmo parcialmente.
[8] CTN – Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
[9] Disponível em: https://renatonalini.wordpress.com/2012/03/18/execucao-nao-e-a-solucao/. Acesso em 15 de janeiro de 2019.
Estagiária de pós-graduação no Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Samara Fernandes da Cruz. Formas Alternativas de Cobrança do Crédito Tributário: a viabilidade jurídica do protesto da Certidão de Dívida Ativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52668/formas-alternativas-de-cobranca-do-credito-tributario-a-viabilidade-juridica-do-protesto-da-certidao-de-divida-ativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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