Resumo: Busca-se, no presente trabalho, apontar as características, preceitos e fundamentos a respeito da legitimidade do Ministério Público para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença, bem como analisar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais existentes sobre o tema, à luz dos princípios constitucionais. Desse modo, objetiva-se demonstrar a sua relevância para o direito, de modo que não podem, os operadores do direito, negligenciar essa realidade tão comum nos tempos modernos.
Palavras-chave: Ministério Público. Legitimidade. Ação civil Pública. Remédios.
Abstract: In the present work, the aim is to identify the characteristics, precepts and foundations regarding the legitimacy of the Public Prosecutor's Office for the filing of a public civil action aimed at providing drugs to patients with a certain disease, as well as analyzing existing doctrinal and jurisprudential positions on in the light of constitutional principles. In this way, the objective is to demonstrate their relevance to the law, so that the operators of the law cannot neglect this reality so common in modern times
Keywords: Public ministry. Legitimacy. Related searches Medicines.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Do início da controvérsia; 2. Da repercussão geral da questão constitucional; 3. Da negativa da vigência a própria constituição federal de 1988; 3.1 Legitimidade para defesa de direito individual de usuário do SUS; Conclusão; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o desiderato de fomentar a discussão acerca da legitimidade do Ministério Público para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença.
A partir da análise da controvérsia, colhendo posicionamentos doutrinários e jurisprudências, até conclusão do tema conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal em Repercussão Geral busca-se clarear o uso da ação civil pública pelo Ministério Público em tais casos, utilizando sempre a Constituição Federal de 1988 como norte e fundamento principal.
1. DO INÍCIO DA CONTROVÉRSIA
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por intermédio da Promotoria de Justiça da Comarca de Uberlândia, intentou Ação Civil Pública em face do Estado de MINAS GERAIS, pleiteando que o réu fosse condenado a disponibilizar os medicamentos Euthryrox, Os-Cal e Calcitriol aos pacientes portadores de hipotireoidismo e hipocalcemia, e especialmente.
O MM. Juiz a quo julgou procedente o pedido para determinar ao réu o fornecimento aos pacientes indicados na inicial e aos residentes no Município de Uberlândia, portadores da doença na qual o diagnóstico médio tenha sido indicado os citados medicamentos, sob pena de multa diária arbitrada em R$5.000,00.
A 6º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas gerais, por maioria, reformou a decisão para extinguir o processo por acórdão assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A PESSOA DETERMINADA - ILEGITMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Não se inserindo no âmbito objetivo da ação civil pública o fornecimento de medicamentos a pessoas determinadas, consoante estabelece a Lei nº 7.357/85, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal, deve ser indeferida a petição inicial, por ilegitimidade ativa do Ministério Público, e extinto o processo sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, I e IV c/c art. 295, V, ambos do CPC.
V.V
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE ATIVA - RELEVÂNCIA SOCIAL - VOTO VENCIDO. O Ministério Público Estadual tem legitimidade para ajuizar Ação Civil Pública para proteção de direito difusos e coletivos, bem como dos direitos individuais homogêneos, como direito à saúde, em face da sua relevância social. (fl. 208).
2. DA REPERCURSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL
A decisão do Tribunal de Justiça de Minas gerais contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal explicitada no julgamento do RE 163.213-SP, relatado pelo Ministro Maurício Correa, Pleno, DJ 05.03.97 que, por votação unânime, interpretando o disposto no art. 129, III, da Constituição Federal, reconheceu a legitimidade do Ministério Público para propositura de ação civil pública na defesa dos direitos ou interesses individuais homogêneos.
Nesse sentido foi decidido pela 2ª Turma do STF:
A essencialidade do direito a saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. (STF - AgRg no RE n. 271.286-8-RS, 2ª Turma, Rel. Min Celso Melo, j. 12.09.2000 - RT 786/201-216)
Além disso, a legitimidade ministerial para a defesa dos interesses individuais indisponíveis tem amparo no posicionamento do Pleno do Supremo tribunal Federal no RE nº 248.869-1-SP.
3. DA NEGATIVA DA VIGÊNCIA A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Entendimento diverso do Supremo Tribunal Federal que não reconhecesse a legitimidade e interesse do Ministério Público demonstra negativa de vigência aos seguintes dispositivos constitucionais: arts. 2º, 127, 129, II, III, 196 e 197, da Constituição da República.
3.1 LEGITIMIDADE PARA DEFESA DE DIREITO INDIVIDUAL DE USUÁRIO DO SUS
A defesa dos interesses individuais indisponíveis - quer como autor, quer na condição de fiscal da lei - é atribuição tradicional do Ministério Público.
A própria Constituição Federal tem previsão expressa nesse sentido no art. 127:
O ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Além disso, o art. 129, II, apregoa que compete ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia".
Como se não bastasse, o art. 197 da Constituição Federal de 1988 dispõe que "são de relevância pública as ações e serviços de saúde", essa conceituação teve como móvel possibilitar a atuação do Ministério Público frente aos Poderes Públicos em prol da sociedade.
A saúde pública, direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CF), é bem indisponível protegido por lei contra a vontade do seu titular.
Nesse sentido, a Lei Complementar nº 75/93 em seu art. 6º, VII, "c" que regula o estatuto do Ministério Público da União, aplicável subsidiariamente aos Ministérios Públicos Estaduais por força do art. 80 da Lei nº 8.625/93, diz competir ao Ministério Público a promoção da ação civil pública para proteção de interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidade indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias e ao consumido".
Logo a defesa abrange interesses difusos, coletivos e individuais em razão de sua indisponibilidade. Restando clarividente a legitimidade ministerial para a defesa dos interesses individuais indisponíveis e conta com amparo do posicionamento do Pleno do Supremo Tribunal Federal (RE nº 248.869-1-SP).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de admitir a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos até mesmo nas hipóteses nas quais a indisponibilidade não se verifica, desde que presente o interesse social na defesa coletiva desses direitos. Citem-se os seguintes precedentes:
a) ressarcimento de resíduo inflacionário em contrato de financiamento imobiliário (REsp 182.556- RJ, 4º Turma, Rel. Min César Asfor Rocha, DJ 20.05.2002);
b) discussão de cláusulas de contratos bancários de adesão (REsp 175.645-RS, 4º Turma, Rel. Min Ruy Rosado de Aguiar, DJ 30.04.2001);
c) ressarcimento de taxa imobiliária nos contratos de locação (Emb. Div. REsp 114.908-SP, Rel. Min Eliana Calmon, Corte Superior, DJ 20.05.2002);
d) reajuste de mensalidade de plano de saúde (REsp 177.965-PR, 4ª Turma, Rel. Min Ruy Rosado de Aguiar, j. 18.05.1999, DJ de 23.08.1999, p.130);
e) reparação civil aos trabalhadores submetidos a condições insalubres de trabalho (REsp 58.682- MG, Rel. Min Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 16.12.1996);
f) direito ao salário mínimo dos servidores municipais (REsp 95.347-SE, 5ª Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 01.02.1999);
g) interesses coletivos de comunidade de pais e alunos (REsp 168.881-DF, 4ª Turma, Rel. Barros Monteiros, j. 21.05.1998 e REsp 94.810-MG, 4ª Turma, Rel Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 17.06.1997);
h) reajuste de mensalidades escolares (REsp 89.646-PR, 4ª Turma, Rel. Min Sálvio Figueiredo Teixeira, j 10.12.1996;
i) direitos dos assinantes de televisão por assinatura (REsp 308.486-MG, 3ª Turma, Rel. Min Carlos Alberto Menezes Direito, DJ 02.09.2002);
j) atualização de benefícios previdenciários (AGRAGA 422.659-RS, 5ª Turma, Rel Gilson Dipp, Dj 05.08.2002);
l) reintegração de agentes sanitários (REsp 177.883-PE, 6ª Turma, Rel. Min VIcente Leal, DJ 1º.04.2002);
m) aplicadores dos títulos de capitalização lesados pela atuação irregular da sociedade de capitalização (REsp 311.492-SP, 3ª Turma, Rel. Min Nancy Andrighi, DJ 06.05.2002)
n) legalidade de cláusulas de contrato de plano de saúde (REsp 208.068-SC, 3ª Turma, Rel. Min Nancy Andrighi, DJ 08.04.2002);
o) anulação de cobrança de contrato bancário de financiamento imobiliário (REsp 416.298-SP, Rel Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, DJ 07.10.2002).
O zelo pelos direitos assegurados na Constituição da República é função institucional do Ministério Público (art. 129, II, da CF) e essa função é disposta no art. 5º, inciso V da Lei Complementar nº 75/93:
Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:
[...]
V - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de relevância pública quanto:
a) aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação.
A nossa Carta Magna atribui ao Ministério Público legitimação para ajuizamento da ação civil pública para a defesa, em Juízo, dos interesses difusos e coletivos nos termos do arts. 127, caput, 129, III, bem como a Lei nº 8.625/93, ems eu art. 25, inciso IV, alínea "a".
No mesmo sentido a jurisprudência pátria apregoa:
[...]
I - O Ministério Público do Distrito Federal, ao propor ação civil pública, atua conforme sua vocação (CF, art. 127) na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, como é o caso da proteção da saúde pública (CF, art. 197, e LODF, art. 207, XXIV), afetada pela falta crônica de medicamentos destinados à população. (TJDF - AgRg no AI 20020020070412AGI, 3ª Turma Cível, Relator Des. Wellington Medeiros, DJU 11.12.2002)
A essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art.197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante. (STF - AgRg no RE n. 271.286-8-RS, 2ª Turma, Rel. Min Celso Melo, j. 12.09.2000 - RT 786/210-216).
Assim, o Supremo Tribunal Federal, em 15 de agosto de 2018, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 262 da repercussão geral, fixou a seguinte tese: "O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença".
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE REMÉDIOS - LEGITIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - RECUSA NA ORIGEM - Possui repercussão geral a controvérsia sobre a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública com objetivo de compelir entes federados a entregar medicamentos a pessoas necessitadas.
Decisão
Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencidos os Ministros Cezar Peluso e Eros Grau. Não se manifestaram os Ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Ministro Marco Aurélio Relator.
Tema
262 - Legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública que tem por objetivo compelir entes federados a entregar medicamentos a portadores de certas doenças.
CONCLUSÃO
A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal é de que o atendimento médico às pessoas destituídas de recursos financeiros é dever constitucional do Poder Público (art. 196 c/c art. 5º, caput, da Constituição Federal), uma vez que o direito a saúde constitui conseqüência indissociável do direito à vida, ambos garantidos pela Carta Magna, admitindo a auto-aplicabilidade do dispositivo em comento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2013.
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2010.
Advogado, aprovado para Juiz de Direito Substituto no Tribunal de Justiça do Piauí e Tribunal de Justiça do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Danny Rodrigues. Da legitimidade do Ministério Público para ajuizamento de ação civil pública para fornecimento de remédios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52697/da-legitimidade-do-ministerio-publico-para-ajuizamento-de-acao-civil-publica-para-fornecimento-de-remedios. Acesso em: 23 dez 2024.
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