Resumo: Trata-se o presente de uma explanação acerca da inovação trazida pela reforma trabalhista, Lei 13.467/2016, no tocante à possibilidade da prevalência das negociações empreendidas em sede de convenção ou acordo coletivo, sobre a lei. O texto da reforma trouxe um rol exemplificativo de assuntos que poderão ser objeto de negociação, limitou outros (que não poderão ser objeto de negociação exclusiva), no entanto, deixou de cuidar para que os direitos mínimos estabelecidos na Constituição Federal não sejam objeto de negociação. Isso poderá acarretar prejuízos aos trabalhadores, com possível redução ou supressão de direitos, o que desafiará a manifestação do poder judiciário acerca da constitucionalidade ou não da inovação trazida pela reforma trabalhista.
Palavras-chave: reforma trabalhista, acordo, convenção coletiva.
Abstract: This is the present of an explanation about the innovation brought about by the labor reform, Law 13467/166, regarding the possibility of the prevalence of the negotiations undertaken in a convention or collective agreement, on the law. The text of the reform brought an exemplary role of subjects that could be negotiated, limited others (that can not be object of exclusive negotiation), however, it ceased to take care that the minimum rights established in the Federal Constitution are not subject to negotiation . This may cause harm to workers, with possible reduction or suppression of rights, which will challenge the manifestation of the judiciary over the constitutionality or not of the innovation brought about by the labor reform.
Key-words: labor reform, agreement, collective agreement.
A Lei 13.467/2017 promoveu diversas alterações na CLT, dentre elas destaca-se a vontade do legislador em atribuir a preponderância das negociações entre empregados e empregadores sobre as próprias disposições legais.
Há preocupações, especialmente por parte dos sindicatos de trabalhadores, de que tal prerrogativa poderá significar prejuízos aos empregados, por sua condição de desigualdade em relação aos patrões.
Os artigos 611 – A e 611 – B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzidos pela Lei 13.467/2017, disciplinam as matérias que podem ser objeto de negociação entre patrões e empregados, bem como a forma com a qual a negociação deverá ser feita.
Há a previsão, no texto legal de que as negociações se darão entre os sindicatos das partes, nas convenções coletivas, ou entre sindicato da categoria e a empresa, no caso de acordo coletivo. Isso indica que o trabalhador continuará amparado pelo sindicato da categoria.
Por outro lado, o artigo 444 da CLT excepciona a negociação diretamente entre empregado e empregador, nos casos de empregado de nível superior que perceba mensalmente salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Cumpre aprofundar os estudos acerca dos mecanismos trazidos pela Lei 13.467/2017 para verificar que as negociações nos moldes da reforma não signifiquem supressão de direitos aos empregados, bem como forma e limites das negociações.
2 ASPECTOS INICIAIS
Para o desenvolvimento do tema proposto faz-se necessário a explicitação de algumas ideias iniciais, a saber: a inovação introduzida pela reforma trabalhista no tocante às negociações coletivas e a abordagem constitucional sobre o tema.
2.1 A autonomia das negociações coletivas na Reforma Trabalhista
A Lei 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, introduziu consideráveis alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tanto no tocante aos direitos individuais como coletivo.
A proposta do presente artigo é explanar justamente acerca de um aspecto que toca o direito coletivo dos trabalhadores, em especial o desejo apresentado no projeto de lei que originou a reforma e que se propôs a “aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores”, segundo consta do PL 6787/16.[1]
Desse modo, claramente quis o legislador conferir maior autonomia sobre as negociações coletivas, passando a ser preponderante inclusive sobre matérias legisladas.
2.2 Ordem Constitucional
A Constituição Federal (CF), em seu Artigo 7º deu reconhecimento à validade dos acordos em convenções coletivas, nos seguintes termos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
Coube, então, ao Tribunal superior do Trabalho (TST) estabelecer os limites das negociações coletivas, a título de exemplo reproduz-se o seguinte precedente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – ACORDO COLETIVO – LIMITES À NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 7º, XXVI, ao permitir que as categorias profissionais e econômicas disciplinem as relações por ela travadas, não o fez de maneira a possibilitar o vilipêndio a direitos indisponíveis dos trabalhadores. Dessa forma, o negociado somente se afigurará passível de se sobrepor ao legislado, naquelas situações em que ausente a afronta aos aludidos direitos, o que não ocorre nos casos em que desrespeita normas inerentes à saúde do trabalhador, como é o caso da duração diária da jornada do trabalho.
Agravo de Instrumento em Recurso de Revista AIRR - 77140-17.2005.5.01.0056, Órgão Julgador: 1ª Turma; Publicação: 07/08/2009; Relator: Ministro Vieira de Mello Filho.
Sobre o tema assim posiciona-se Maurício Godinho Delgado[2]:
Há limites objetivos à adequação setorial negociada; limites jurídicos objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista.
Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia (e não transação). É que ao processo negocial coletivo falece poderes de renúncia sobre direito de terceiros, (isto é, despojamento unilateral sem contrapartida do agente adverso). Cabe-lhe, essencialmente, promover transação (ou seja, despojamento bilateral ou multilateral, com reciprocidade entre os agentes envolvidos), hábil a gerar normas jurídicas.
Também não prevalece a adequação setorial negociada se concernente a diretos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por uma negociação sindical coletiva. Tais parcelas são imantadas por uma tutela de interesse público, por constituírem um patamar mínimo civilizatório que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e valorização mínima deferível ao trabalho (art.1º, III e art. 170, caput, CF/88). Expressam, ilustrativamente, essas parcelas de indisponibilidade absoluta a anotação na CTPS, o pagamento de salário mínimo, as normas de medicina e segurança do trabalho.”
Ocorre que, na visão do legislador reformista, o posicionamento do TST gera um ambiente de incerteza jurídica quanto aquilo que foi ou o que pode ser negociado, fato que impede ou dificulta o desenvolvimento das atividades econômicas, além de gerar um passivo perante os Tribunais Trabalhistas a respeito da interpretação de cláusulas existentes em acordos coletivos ou convenções coletivas de trabalho.
Desse modo, até a entrada em vigor da reforma trabalhista, a jurisprudência tratou de estabelecer que as negociações coletivas não poderiam afrontar direitos previstos em lei, não podendo assim sobrepor-se ao legislado.
3 NEGOCIAÇÕES COLETIVAS APÓS A REFORMA TRABALHISTA – APREVALÊNCIA DO ACORDADO SOBRE O LEGISLADO
Com o advento da Lei 13467/16, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu Artigo 611-A, passou a prever expressamente as hipóteses exemplificativas sobre as quais a convenção coletiva passa a prevalecer sobre a lei, vejamos:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:
I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais:
III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas:
IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;
V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança:
VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;
VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;
IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;
X - modalidade de registro de jornada de trabalho;
XII - enquadramento do grau de insalubridade;
XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;
XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;
XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.
Observe-se que além das hipóteses elencadas, a expressão “entre outros” confere característica meramente exemplificativa do rol apresentado, abrindo a possibilidade de que outros assuntos também possam ser objeto de negociação prevalente sobre a lei, desde que não signifique a supressão ou redução dos direitos constantes do Artigo 611-B, vejamos:
Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:
I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);
V - valor nominal do décimo terceiro salário;
VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
IX - repouso semanal remunerado;
X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal;
XI - número de dias de férias devidas ao empregado;
XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias;
XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei;
XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;
XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;
XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;
XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência;
XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;
XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;
XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;
XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;
XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;
XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;
XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.
Observe-se a presença da expressão “exclusivamente” para que se caracterize a ilicitude da negociação acerca dos pontos elencados no Artigo 611-B, ao passo que infere-se que se houver negociação não exclusiva acerca desses mencionados direitos, haverá licitude.
Nesse passo, vislumbra-se um risco de redução de direitos a depender da negociação empreendida na negociação ou acordo coletivo, o que parece confrontar a Constituição Federal, Artigo 7º, pois lá estão previstos os direitos mínimos os quais os empregados fazem jus, além de direitos indisponíveis, não tendo a Lei 13.467/2016 feito nenhuma ressalva acerca da preservação desses direitos constitucionais mínimos.
4 CONCLUSÃO
A reforma trabalhista, Lei 13.467/16, estabelece que as convenções coletivas e acordos coletivos poderão prevalecer sobre a lei, trazendo um rol exemplificativo de temas que poderão ser objeto de negociação e excetuando outros temas.
Não houve, entretanto, nenhuma ressalva com relação aos direitos mínimos estabelecidos na Constituição Federal, o que desafiará a manifestação do poder judiciário no tocante à constitucionalidade de tal permissivo.
A forma com a inovação inaugurada pela reforma trabalhista apresenta-se, aparentemente traz risco à supressão ou redução de direitos trabalhistas.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 17 de junho de 2018.
BRASIL. Constituição (1988). Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm. Acesso em 30 de junho de 2018.
DELGADO. Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTR, 2008.
PROJETO DE LEI 6787/16. Câmara dos Deputados. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076. Acesso em 29 de junho de 2018.
[1] PROJETO DE LEI 6787/16. Câmara dos Deputados. Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2122076. Acesso em 29 de junho de 2018.
[2] DELGADO. Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTR, 2008.
Mestrando em Direitos Sociais, Advogado, Membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/DF, Especialista em Direito Processual, Especialista em Gestão Orçamentária e Financeira do Setor Público, Economista, Assessor no Banco do Brasil S.A.<br><br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Welder Rodrigues. Reforma trabalhista: análise da prevalência da negociação coletiva sobre os direitos trabalhistas legislados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 mar 2019, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52737/reforma-trabalhista-analise-da-prevalencia-da-negociacao-coletiva-sobre-os-direitos-trabalhistas-legislados. Acesso em: 23 dez 2024.
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