ROGÉRIO MONTEIRO BARBOSA
(orientador)[1]
“Parece-nos, então, que sentenças proferidas em processos instaurados por meio de ação, sem que tenham sido satisfeita uma ou mais condição da ação – legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido – não podem ser consideradas nulas, mas inexistentes”(TeresaArruda Alvim.Nulidades do Processo e da Sentença, 6ªed., São Paulo:RT,2007, p.350)
RESUMO: O estudo em alusão explicita a importância da querela nullitatis e a sua necessidade na dinâmica processual jurídico pátrio, corroborando para que este instituto seja incluso no direito positivo brasileiro, devendo o mesmo integrar no texto processual como dispositivo com anuência do Poder Legislativo. Foi inserido no presente artigo, um explicativo histórico e em seguida foi demonstrado como o tema se apresenta no nosso hodierno ordenamento jurídico. O intuito do artigo, em tela, é perfeitamente, oportuno, principalmente, para fluência processual, assim como facilitador no âmbito dos operadores do direito, que clamam pela necessidade de instrumentalização de um remédio que possa afastar do mundo jurídico as mazelas trazidas por atos inexistentes (sentenças inexistentes), porém, materialmente existentes, pois ainda, que inexistentes produzem efeitos, devendo ser expurgada através de uma ação declaratória de inexistência a ser declarada pelo poder judiciário. E nada mais racional que a positivação do instituto supracitado. Sendo inseridos, ainda, neste trabalho, os pressupostos processuais de existência e validade que direcionará a querela nullitatis. Traze-se, também, na temática abordada na presente conjuntura jurídica brasileira, a diferença entre ações rescisórias e ações declaratórias de inexistências, tendo esta uma grande vantagem, qual seja, retirar do mundo sócio-jurídico incertezas processuais sem se ater a prazos decadenciais, e nem, tampouco, a rol taxativo. Essa abordagem vai mais além, pois se expande fazendo um parâmetro entre a relativização da coisa julgada material, querela nullitatis e ação rescisória.
Palavra-chave: Querella nullitatis; Processo Civil; sentença inexistente; ação declaratória; coisa julgada.
ABSTRACT: The present study explains the importance and need of querela nullitatis for law claims and its necessity in the procedural dynamics of the Brazilian legal system, and confirms that it should be included in the Brazilian positive law and be integrated in the procedural text as a law device with the consent of the Congress. Included in this article is a historical explanation followed by the theme in our modern legal system. The aim of the article is perfectly suitable and relevant, mainly, as far as the procedural flow of the Law is concerned. As a matter of fact, the theme of this article brings out the pragmatism of querela nullitatis for lawyers and others in the legal profession who urge the necessity of this legal resource to remedy problems during the suit, as well as keep out the non-existent actions in the legal system, although these actions might be materially existent due to the fact they do cause effects. The non-existent action should be expelled from the legal suit through a declaratory action of non existence by the judiciary- which rationally should be included into Brazil’s legal system. Also, included in this article are the procedural presuppositions of the validity and existence which will govern querela nullitatis as well as the differences between the declaratory action of existence – which has a major advantage for keeping judicial controversies out of the legal system and not taking into account preclusive deadlines - and termination actions. Finally, this paper aims at establishing parameters among the relativization of the material res judicata, querela nullitatis and the termination action.
Key-words: querela nullitatis, Civil Process of Law, non existent action, declaratory action, res judicata.
Esse estudo irá proporcionar ao leitor a satisfação de seus questionamentos quanto às seguintes matérias: se o não enquadramento da querela nullitatis na normatização pátria poderia haver prejuízo de ordem jurídico-social? Esse Instituto é cabível de sentenças inexistentes? E essas gerariam efeitos no mundo sócio-jurídico? As sentenças eivadas de vícios seriam passíveis de rescisão? Se as sentenças eivadas de vícios que não estão insertas no rol taxativo da ação rescisória poderia ser expurgada do mundo jurídico? Trazendo esse instituto para o nosso seio processual não estaríamos evitando a burocratização do duplo grau de jurisdição, e assim, facilitando pela a via processual um maior acesso a Justiça, além do que, não se ateria a prazos decadenciais, respeitando, assim, o corolário do Estado Democrático de Direito?Se o art. 475-L e 741, I do Código de Processo Civil já representaria uma previsão expressa no ordenamento jurídico positivo brasileiro da querela nullitatis?
Todos esses questionamentos iremos tentar solucionar, aqui, nesse trabalho, procurando sempre demonstrar a necessidade da instrumentalização de um remédio que possa expurgar do mundo jurídico as mazelas trazidas pela produção dos efeitos dos atos inexistentes (sentenças inexistentes), e assim, se poderia responder a todas a essas respostas de forma mais simples e segura.
2 PREÂMBULO HISTÓRICO
A origem da querela nullitatis como o próprio nome sugere em sua expressão latina, alude etimologicamente a uma Ação de Nulidades que teve seu nascedouro no Império Romano, onde se fazia necessário no âmbito dos atos processuais a prática de requerer a nulidade dos mesmos. Visto que, não havia recursos previamente inclusos no ordenamento jurídico em relação aos defeitos processuais, bem como nas sentenças prolatadas nesse importante período histórico do Direito, que sob a égide da jurisdição romana projetou para outros povos a instrumentalidade e aplicação eficaz da querela nullitatis.
As formalidades processuais romanas necessariamente deveriam ser aprimoradas, e as nulidades de certos atos processuais serviriam para sanar mazelas no bojo dos processos, bem como suas respectivas sentenças, as quais possuíam um arrazoado sancionador.
A querela nullitatis surgiu em um contexto jurídico não só como uma ação que busca sanar defeitos na tramitação processual, mas abriu questionamentos em razão de carência de um referencial no que concerne à declaração de nulidade de sentença inexistente; pois a Ação de Nulidade, já naquele período, do auge do Império Romano, tinha sua dinâmica como matéria impugnativa, não havendo prazo para argüir, podendo a qualquer momento requerer a nulidade.
Evidentemente as articulações jurídicas que operacionalizavam com relação particularmente a Ação de Nulidade passaram por períodos de evolução, tais como: o período “legis actiones”, o período da ordem judiciária privada, o período formulário e finalmente o período republicano.
A querela nullitatis tinha sua aplicabilidade como um tipo de apelação para movimentações processuais injustas, onde estavam inseridas no contexto sentenças juridicamente maculadas, e como já foi observado no presente raciocínio histórico, não havia estabelecimento de prazo determinado com relação às questões, principalmente, envolvendo a problemática de dívidas pecuniárias envolvendo negociatas entre cidadãos civis.
Havia uma constância no tocante a parte devedora, a qual normalmente fazia restituição pecuniária integral sendo devidamente ressarcida; em contrapartida havia demandas processuais no qual o pagamento era efetuado em dobro, conforme decisões judiciais através de juízes intitulados naquele lapso temporal da idade antiga de Magistrados Imperiais.
Diante desse momento de litígios, onde chamava a atenção, os respectivos equívocos processuais, sendo criados institutos que buscavam atender e sanar as deficiências técnico-processuais que geravam injustiças sentidas principalmente através das partes vencidas. Cabe ressaltar nesse ínterim, que tais decisões judiciais apesar de tratar de questões civis de interesse eminentemente privado, ficava bastante evidente o caráter sancionador. Era comum uma punição quando se tratava de litígios de ordem financeira decorrente de dívidas.
O caráter sancionador era rígido, porém em alguns momentos a mácula processual estava consolidada, e a distribuição da justiça estava comprometida visto que, a dinâmica processual estava contaminada, e em consequências as sentenças estavam eivadas de vícios. Era uma notória demonstração de ausência de real distribuição da justiça em sua verdadeira essência.
Em face do surgimento dos defeitos processuais e sentenças injustas surgiram alguns institutos para sanar tais injustiças, os quais os mais evidentes foram: a apelação, a restituição integral, e a revogação em dobro[2]. Mas a frente diante das complexidades litigiosas envolvendo interesse de particulares, em dado momento evidenciou-se no andamento uma fusão dos institutos acima mencionados.
Historicamente a querela nullitatis nasceu de forma polêmica nos mais variados contextos a qual foi aplicada nos arrazoados processuais, visto que, até no presente século, tal característica é notória. No tocante a sentença nula, a mesma não era considerada inexistente do ponto de vista Jurídico.
Mas é relevante observarmos, que no exercício jurídico-processual romano as sentenças eram consideradas nulas com o advento da querela nullitatis, comprovando sua ilegalidade como peça viciada; não havendo diferença nesse contexto entre nulidade e inexistência da sentença.
Em estudo desenvolvido por FERNANDO DA FONSECA GAJARDONE, fazendo menção ao jurista italiano PIERO CALAMANDREI, este explicitou origem diversa da querela nullitatis:
“A querela nullitatis é um instituto desconhecido do Direito Romano e do Direito Germânico que surge na legislação estatutária italiana do século XII, desenvolve-se e toma forma no século XIII, atinge a maturidade na idade do século XIV”.
De acordo com o desenvolvimento do raciocínio de Calamandrei, este considerou a querela nullitatis não como originariamente romana, mas o mesmo entendia ser germinamente italiana.
O renomado autor italiano acima aludido enfatizou que a querela nullitatis está diretamente ligada aos erros inclusos no processo, que a órbita do Direito romano aduz inexistência jurídica da decisão do órgão judicante, ou seja, a sentença nula significaria no supra aduzido processo uma patente caracterização da sentença inexistente.Calamandrei pondera:
“ que a inexistência jurídica encontrava-se em oposição a existência material e sensível, no mundo exterior, de um provimento judicial com toda aparência de uma sentença juridicamente válida.Criava-se, então, a necessidade de se estabelecer um meio adequado de declarar que a sentença materialmente existente não existia no plano jurídico”e delineia “que o emprego de uma ação ordinária declaratória da nulidade será indispensável e o sistema jurídico que a excluir cometerá pecado mortal contra a razão e a lógica jurídica.Por outro lado- é uma conseqüência necessária da natureza dessas nulidades-,a utilização da ação autônoma declaratória(ou desconstitutiva) da nulidade, não estará sujeita a nenhum prazo preclusivo.Em tais casos, podendo a nulidade ser argüida no recurso, caso não o seja, a omissão não impedirá o exercício da ação de nulidade, a qualquer tempo [3].
Tanto no âmbito do direito romano como na contextualização do Direito hodierno, os erros integrantes dos procedimentos processuais passaram a ser defeitos de uma sentença judicial considerada existente.
No Direito Romano é de bom alvitre explicitar que defeitos processuais que implicam em inexistência de sentença atendia aos requisitos da nulidade. Só mais a frente a história alude que a querela nullitatis com o avançar do tempo, sua existência se instrumentalizava como forma de impugnar sentenças comprovadamente injustas e graves.
A querela nullitatis no Direito brasileiro não existe a mesma instrumentalidade para sentenças injustas. O que na realidade ocorre no Brasil, numa interpretação, em síntese, é que no lapso temporal histórico e até na hodierna conjuntura processual, há uma mesclagem entre sentença inexistente e nula.
Foi delineado com riqueza de detalhes sobre a influência da querela nullitatis, o Doutor e mestre de Processo Civil,- FERNADO FONSECA GAJARDONI -, o qual em sua análise sobre sentenças inexistentes e querela nullitatis, aludiu a importância histórica, fazendo apreciações no âmbito do direito comparado, incluindo Portugal , Itália, Alemanha, bem como direito canônico(Vaticano), onde as respectivas sistematizações usavam a querela nullitatis para dirimir , extirpar, ou seja, sanar injustiças oriundas de erro judicial que maculam o corpo processual.
No Brasil, historicamente, registrou-se a existência de sentenças inexistentes no período colonial compreendida à vigência das Ordenações Filipinas.
De conformidade com o processualista civil supra enfatizado, este expôs o seguinte arrazoado:
“indiscutivelmente ao menos na cultura jurídica brasileira havia previsão legal no sentido da querela nullitatis”.
Mas somente no século XIX com o advento da Constituição de 1824 é que a cultura jurídica do Brasil passou a ter direcionamento próprio, passando a existir a ação de nulidade e rescisão de sentença, e em 1843 passaria a disseminar-se de ação rescisória, consoante ROQUE KAMATSU:
“O remédio ordinário era sobrevivência da querela nullitatis do direito do século XIII(...) e recebeu no século XIX, a denominação de nulidade e rescisão de sentença”
Fernando Fonseca Gajardoni conclui em sua obra no que se reporta a evolução histórica sobre querela nullitatis :
“A evolução do direito processual, com aperfeiçoamento do sistema recursal nos diversos ordenamentos jurídicos que sucederam ao período estatutário italiano, notadamente o de apelação, fizeram com que a querela nullitatis desaparecesse quase que por completo dos sistemas jurídicos subseqüentes ora sendo encampada por novos institutos pela extensão cada vez maior das matérias alegáveis na seara recursal”[4].
Com isso na maioria dos ordenamentos europeus, a querela nullitatis em duas modalidades, sanabilis e insanabilis acabaram perdendo fôlego; a primeira foi pouco a pouco absorvida pela apelação, e a segunda acabou desaparecendo de modo que os motivos de invalidação da sentença passaram a ter de alegar-se por meio de recursos sob pena de ficarem preclusos com o esgotamento das vias recursais.
Vale ressaltar, contudo que o desaparecimento da querela nullitatis, pelo que podemos constatar pela análise de sua evolução histórica se deu muito mais em virtude do aperfeiçoamento dos sistemas impugnativos do que em virtude da desnecessidade do instituto”[5].
Os pressupostos processuais em sentido amplo englobaria tanto elementos de existência como os de validades conforme maioria da doutrina.
Tais pressupostos podem ser classificados como elementos existenciais, pois pressupostos, segundo o respeitável Fernando Fonseca Gajardoni, é aquilo que precede ao ato e se porta como elemento indispensável para sua existência jurídica; enquanto, os requisitos estariam direcionados aos elementos de validades.
De acordo com o Mestre[6], os pressupostos existenciais podem, ainda, serem divididos em subjetivos e objetivos, sendo que aqueles estariam insertos a Jurisdição representada pelo Juiz e a Capacidade de ser parte representada pela arte, enquanto os objetivos seria a própria existência da demanda. Por outro lado, Os pressupostos acima aduzidos são confrontados, agora, com os outros pressupostos processuais que assumem caráter de validade, classificando-os, também, como subjetivos e objetivos, o primeiro; diz respeito à competência e a imparcialidade do Juiz, e em relação às Partes se dividem em capacidade processual e capacidade postulatória, enquanto aos requisitos objetivos, esses se resumem nos elementos extrínsecos ou negativos, como a perempção, litispendência, coisa julgada e convenção de arbitragem.
Entretanto, Teresa Arruda Alvim Wambier, de forma mais detalhada8, data máxima vênia ao um dos maiores Processualista da atualidade, - Fredie Didier Jr.-, acertada está a classificação da daquela renomada autora no que concerne aos pressupostos de existência, pois além da tradicional classificação, inclui neste rol como pressupostos de existência as condições da ação – interesse de agir e possibilidade jurídica de pedir. Vejamos a sua tese defensiva quanto a esse pressuposto de existência:
“Se admitíssemos que as sentenças proferidas em ações às quais teria faltado uma condição fossem nulas, porque a falta de condição da ação teria gerada nulidade processual, teríamos de admitir por coerência que estariam sujeitas para serem desconstituídas, ao prazo decadencial da ação rescisória. Escoado este biênio, caberia perguntar, por exemplo, qual seria a situação jurídica de uma sentença que desconstitui a relação jurídica gerada pelo casamento entre homem e mulher que não são, e que nunca foram, cônjuges? Qual seria também a situação de uma sentença que, aos cônjuges verdadeiros, concedesse o divórcio antes que o instituto fosse acolhido pela legislação positiva brasileira? E a partilha de bens de pessoas vivas, se se tivesse juntado aos autos uma certidão de óbito de um homônimo?[7]
Destarte, a Autora conclui:
“Ter-se-iam de admitir absurdos como, por exemplo, o de, depois de dois anos, escoado a partir do trânsito em julgado – e não sendo mais possível o uso da ação rescisória-, ficassem divorciados (num país onde não houvesse divórcio, como no caso do Brasil, antes de 1977) pessoas que nunca foram casadas!...Esta sentença teria sido proferida apesar da falta de duas condições da ação; possibilidade jurídica do pedido e legitimidade ad causam.Indubitavelmente, admitir que o sistema possibilitasse eternizarem sentenças com vícios desta ordem seria admitir que o sistema alberga soluções absurdas, o que não é, em absoluto desejável.Parece-nos, então, que as sentenças proferidas em processos instaurados por meio de ação – legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido – não podem ser consideradas nulas, mas inexistentes”[8].
E em sua classificação minuciosa a jurisdição, a capacidade postulatória, a petição inicial e a citação fazem parte dos pressupostos de existência. Sendo assim, sentença proferida por Juiz afastado ou aposentado, quem não é Juiz e, por último concorda com o seguinte posicionamento: manifestação de Juiz que se manifesta na causa depois de ter sentenciado[9],- salvo o que dispõe no art. 463 do CPC-, estamos diante de sentenças inexistentes.
Vislumbra a Processualista Teresa Arruda Alvim Wambier[10] que a falta de competência (inserto na Jurisdição - incompetência absoluta) gera nulidade absoluta, não impedindo o trânsito em julgado, logo passível de ação rescisória.
No que se reporta a petição inicial como pressuposto de existência esta se traduz em inexistência da sentença quando há falta do pedido, pois caso o Juiz proferisse sentença de mérito estaria julgando extrapetita, e assim, estaríamos perante uma sentença inexistente, como bem afirma Teresa Arruda Alvim Wambier (2007, p.352). Ademais, a ilustríssima Autora não se prende, apenas, a sentença extrapetita, mas também, a ultra petita, pois na parte que excede o pedido a sentença será juridicamente inexistente, porque não há pedido como base para aquele plus seja concedida e até mesmo apreciada (2007, p.338 e 339).
Por último, a doutrina e a jurisprudência vacilam quanto à citação, pois havendo vício nesta e estando cumulada com a revelia, uns declinam[11] para nulidade absoluta e outros pela inexistência do processo e consequentemente da sentença. E com maestria a Autora supracitada pontua que a citação com vício formal, - por exemplo, a citação que, apenas, não foi emitida validamente -, mas com comparecimento espontâneo do réu não desaguará em sentença inexistente, e sim, em sentença nula. Ou seja, “a citação nula, somada a revelia, deixará de ser nula, para ser inexistente: neste sentido, deve considerar-se inexistente a citação nula somada à revelia”
Portanto, a falta dos pressupostos de existência nunca constituirá uma relação jurídica, por conseguinte jamais formará um processo e, por fim, na sequencia lógica do processo, a inexistência da sentença é inevitável, logo não haverá coisa julgada, e não havendo coisa julgada, não há o que desconstituir (rescindir), pois sequer existiu sentença, consequentemente não há prazo decadencial, e assim, o remédio cabível é ação declaratória de inexistência da sentença.
Por outro lado, estão os pressupostos de validade, - já elencados em sua classificação -, que deságua em uma sentença nula, e não inexistente eivadas de vícios que podem inclusive ser desconstituída, por meio, de ação rescisória, pois apesar de viciada existe juridicamente. Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, competência absoluta, imparcialidade, capacidade e legitimidade processual, citação válida ou comparecimento espontâneo do réu é de bom alvitre atrelar os pressupostos de validade ao inciso V do art. 485 do CPC.
“Talvez, o inciso que interesse mais de perto ao estudo da nulidades processuais seja exatamente este inciso V.Isto porque, pelo fato de o art. 485 não ter incluído em seus incisos de forma expressa os outros pressupostos de validade, além do impedimento e da incompetência absoluta, em um segundo pressuposto processual negativo, a litispendência, além da coisa julgada, que consta expressamente na lei, pensamos que a hipóteses ligadas a estes fenômenos processuais deverão ser tidas como abrangidas pelo 485, V, com exceção da hipótese da litispendência”[12].
Daí podemos permitir delinear com bastante clareza a real diferença entre uma sentença inexistente e uma sentença nula. Frisando com maior amplitude de conteúdo a primeira, que tem como característica a carência dos pressupostos processuais de existência ou a falta de condições da ação, que não tem o condão de transitar em julgado, logo incabível ação rescisória, porque não há o que ser desconstituído, já que não se desconstitui o que não existe, e assim, pode ser arguida a qualquer momento, em qualquer processo e naquele juízo que a proferiu, flexibilizando e evitando a morosidade do duplo grau de jurisdição.
Essa distinção dos pressupostos de existência e de validade é crucial para diferenciar uma sentença nula de uma sentença inexistente, pois enquanto aquela está atrelada aos pressupostos de validade, esta está umbilicalmente ligada aos pressupostos de existência.
Interessante pontuar que quer queira, quer não queira, mesmo afirmando que algo não exista, conforme a dialética advinda do campo filosófica a coisa enfatizada existe de fato.
4 CITAÇÃO EM EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL, ART. 475-L, I (IMPUGNAÇÃO), E EXTRAJUDICIAL, ART. 741-I DO CPC (EMBARGOS DE EXECUÇÃO) REPRESENTARIAM A POSITIVAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO DA QUERELA NULLITATIS?E TITULOS EXECUTIVOS DECORRENTE DE SENTENÇAS EXTRA OU ULTRA PETITA SERIA PASSÍVEL DE IMPUGNAÇÃO POR MEIO DA QUERELA NULLITATIS?
Para alguns doutrinadores como Fredie Didier Jr., Cândido Dinamarco e outros que declinam para a nulidade absoluta da sentença, têm-se a citação como requisito de validade, enquanto para Teresa Arruda Alvim, JosKomatsu Roque, Eduardo Talamini e outros16, têm-se como requisito de existência, gerando, assim, uma sentença inexistente, ou seja, inexiste processo e sentença, logo não houve a constituição da coisa julgada.
A tese defensiva que justifica a nulidade da sentença por falta de citação, levantada, dentre outros Fred Didier e Adroaldo Furtado Fabrício, é que por ser ato defeituoso, e apesar dessa nulidade poder ser prolatada a qualquer tempo, mesmo após o transcurso de dois anos, além do prazo decadencial da rescisória, não se trata de decisão inexistente (art. 475-L,I e art. 741-I do CPC). Pois, para esses autores, se já existe processo, ou seja, já há uma estrutura processual já constituída, não se pode considerar como pressuposto de existência fato que já está, na linha do tempo, em momento posterior à existência daquilo que se pretende condicionar.
Todavia, apesar da posição de Fred Didier não admitir que sentença proferida em processo que não houve citação trata-se de decisão nula e não de decisão inexistente[13]. Admite ele, expressamente[14], em sua obra Impugnações de decisão, que a querela nullitatis, no direito brasileiro, está previsto como hipótese de cabimento, decorrente, somente, de títulos executivos, quais sejam, de impugnação de sentença (art. 475-L, I, CPC) ou como hipótese cabimento dos embargos à execução contra a Fazenda Pública (741 I CPC).
A resposta a primeira indagação acima é positiva, pois como bem afirmam Teresa Arruda Alvim Wambier e Alexandre dos Santos Macedo que a redação do 475-L, I e 741, I do CPC é a expressão de um título decorrente de uma sentença inexistente que se traduz na positivação da querela nullitatis, e assim, se posiciona a maioria dos autores, e para aqueles que clamam pela instrumentalização desta ação no nosso ordenamento jurídico, afirmam que esses artigos do CPC seriam o embrião na Legislação Pátria da querela nullitatis. Quanto a segunda indagação:
“O mesmo raciocínio que se pode fazer no que diz respeito à execução de título judicial, consistente em sentença condenatória proferida em processo em que não tenha havido citação, pode-se fazer para execução de sentença extra ou ultra petita: não há título se a decisão foi proferida fora do pedido (para o caso da decisão ser extra petita) e não há título na parte em que a sentença excede o pedido ou julga pedido que não foi , além dos que foram efetivamente formulados[15].
A não oposição de impugnação à execução fundada no art. 475-L, I ou de embargos à execução findados no 741, I, bem como a ausência de alegação da matéria no curso da própria ação executiva, não impedem que o executado ajuíze, paralelamente ou após a ação de execução, ação declaratória de inexistência da sentença. Nesse contexto, a renomada doutrinadora defende a suspensão da execução da sentença enquanto tramita ação declaratória de inexistência fazendo analogia a alteração do art. 489 do CPC[16]-[17].
Na hodierna contextualização processual civil do Brasil ocorrem duas maneiras em que a decisão prolatada por órgão judicantes pode ser invalidada depois do prazo da ação rescisória, sendo no caso da sentença judicial contra o réu em processo tramitado a sua revelia, havendo na aludida demanda a não citação. Portanto, a querela nullitatis não está posta na sistematização normativa legal do direito, salvo alguns doutrinadores que faz ressalvas quanto ao art. 475-L e 741, I do Código de Processo Civil
A ausência desta positivação no ordenamento jurídico brasileiro causa certa ansiedade, na busca de uma norma positivada com escopo de adequar uma situação fática e jurídica no que diz respeito à arguição de impugnações de sentenças ditas inexistentes.
No ponto de vista do direito positivo do Brasil, uma decisão pode ser impugnada, tradicionalmente, através de dispositivos previamente preconizados por meios de preceitos legais, - o recurso e ação rescisória, por exemplo. Esses são instrumentos para impugnar os erros de procedimento, e também, o chamado de erros no julgamento do mérito.
Conforme aludiu o renomado processualista MOACIR AMARAL DOS SANTOS, em sua obra Primeiras Linhas do Direito Brasileiro (p.115):
“O apelante indicará o vício da sentença que poderá ser quanto a sua justiça (erro iudicando), ou quanto ao procedimento (erro in procedendo)”.
Isso quer dizer que há ampla possibilidade de questionar a validade, e a justiça exarada na sentença, onde a decisão judicial aduzida no conteúdo processual é impugnada dentro do processo, através de recurso, até transitado em julgado, enquanto que a ação que visa desconstituir a coisa julgada material é a denominada de rescisória, obedecendo ao lapso temporal de dois anos depois de transitado em julgado.
É de bom alvitre, observar os primórdios da querela nullitatis, que historicamente surgiu como instrumento de expurgo de sentenças eivadas de vícios. Mas numa análise própria e contextualizada ao nosso paradigma processual estar inclusa como ação impugnativa.
Como já nos reportamos, no tem 5, que há estudos na doutrina que aponta o texto pertinente ao artigo 475-L do CPC como expressão de querela nullitatis no âmbito processual civil pátrio. É o caso do raciocínio de Alexandre dos Santos Macedo, realmente atende tal visão no que concerne a ausência ou nulidade da citação do réu revel. O artigo 475-L do CPC aduz em seu bojo a possibilidade da citação nula ou inexistente, a qual possui o caráter impugnativo, dando um aspecto simplificado.
Conforme aludiu ENRICO TÚLIO LIEBMAN, o art. 475-L do CPC estaria perfeitamente inserido na possibilidade da querela nullitatis em nosso ordenamento jurídico.
No que concerne a doutrina jurídica brasileira é fato consumado a temática em abordagem na presente conjuntura processual brasileira que explicita controvérsias doutrinárias, visto que, existe uma relevante polêmica se, algumas sentenças são nulas ou inexistentes, aquelas rescindidas após o trânsito em julgado com limite temporal de até dois anos, e estas declaradas inexistentes a qualquer tempo.
Do ponto de vista jurisprudencial a querela nullitatis teve seu reconhecimento através de um acórdão, tendo como relator o Desembargador Sidney Sanches integrante à época do Tribunal de Justiça de São Paulo (RJTJ-SP), e acompanhando a mesma vertente o STJ se pronunciou mediante acórdão no qual o relator foi o ministro Dias Trindade (Rev. vl.32, pg.449).E cuida o STF, também, pronunciar-se como perfeitamente cabível a querela nullitatis conforme acórdão do relator Moreira Alves.
Daí chega à conclusão que a querela nullitatis apesar de ser um instituto cronologicamente secular, mas sua aplicabilidade é perfeitamente cabível e coerente nas demandas processuais da realidade jurídica brasileira, em função disso a sua positivação é bastante racional para a flexibilização processual, ou seja, fluiria tanto em celeridade como em economia processual.
As ações rescisória que possuem sua existência positivada no atual ordenamento jurídico brasileiro não são condizentes para impugnar uma sentença inexistente, por serem de caráter desconstitutiva, isso quer dizer que para declarar a inexistência de uma sentença é necessário que sua declaração venha através de uma ação devidamente apropriada as qualificações desse propósito, qual seja, querela nullitatis.
A ideia é que querela nullitatis adentrasse como uma ação objetivamente formulada como uma peça declaratória de inexistência no direito positivo brasileiro, para todas as hipóteses de atos processuais inexistentes que gerasse uma sentença, também, inexistente.
Na hodierna conjuntura jurídica brasileira por não inserir este instituto na previsão normativa Legal, não tem como aplicar, nos casos de processos inexistentes, à rescisória, pois o art.485 e ss do CPC falta requisitos para tal, apesar do fator identificador com a similitude da função da querela nullitatis.É apropriado a análise de Garjardoni, em seu estudo sobre as sentenças inexistentes e querela nullitatis:
“Indiscutível por outro lado, que muito se perdeu com a ausência de previsão legal da ação de nulidade, seja em razão de algumas hipóteses de cabimento não contemplada pelo artigo 485 do CPC, seja em razão de prazo decadencial para ajuizamento e necessidade de análise pela superior instância”[18].
A discussão em torno da querela nullitatis não advém apenas de teorização acadêmica, mas cientifica, e juridicamente assume uma postura prática, pois estamos tratando de algo instrumental e como tal se expressa com efeitos no âmbito da dinâmica processual.
E nessa esteira, a querela nullitatis é alvo de acaloradas discussões e interpretações, bem como a possibilidade de ser inserida no campo processual.
A ação declaratória de inexistência é perfeitamente cabível na ausência de pressupostos processuais, ditos de existência, acima já aludidos, como nos casos de ausência de condição da ação. Essa, também, é a ótica de SILVIO FERIGATO NETO.
Adotamos uma visão de caráter favorável ao cabimento da querela nullitatis, TEREZA ARRUDA ALVIM WAMBIER, a qual explicita com maestria e profundidade a viabilidade deste tipo de ação em sua obra Nulidades do Processo e da Sentença, por várias vezes, citado neste estudo.
Em uma postura divergente ADROALDO FABRÍCIO FURTADO E ENRICO TÚLIO LIEBMAN, aludem a desnecessidade da positivação do instituto da querela nullitatis para extinção da sentença inexistente.
Diante das discordâncias e posicionamentos, ROGÉRIO MARRONE DE CASTRO e muitos OUTROS, já citados neste pretenso artigo, aludem que diante da inexistência de um ato processual, o mesmo tem que ser declarado como tal, através do Poder Judiciário, podendo vir a lume à ação declaratória de inexistência, a qual não obedece a prazo prescricional ou decadencial.
O banimento das sentenças inexistentes atende a um clamor de interesse público, visto que tais sentenças agridem a fluência processual do ordenamento jurídico brasileiro.
O surgimento da sentença inexistente exclui a ação rescisória, pois não há, aqui, realização de revisão, com isso a querela nullitatis é formalmente uma declaração de inexistência. É assim que se insere a posição da Teoria da inexistência na seara Processual, diante de um vício insanabilis:
“(...)a inexistência da sentença é inevitável, logo não haverá coisa julgada, e não havendo coisa julgada, não há o que desconstituir(rescindir), pois sequer existiu sentença, conseqüentemente não há prazo decadencial, e assim, o remédio cabível é ação declaratória de inexistência da sentença”[19].
6 RELAÇÃO DA QUERELA NULLITATIS E DA AÇÃO RESCISORIA COM A TEORIA DOS ATOS NULOS(SENTENÇAS NULAS) E INEXISTENTES(SENTENÇAS INEXISTENTES) E O EFEITO DA CONSTITUIÇÃO OU NÃO DA COISA JULGADA
Para Teresa Arruda Alvim Wambier a coisa julgada só não se constituirá em caso de processo e sentença inexistente, mas, no caso de processo nulo, ou sentenças nulas, forma-se a coisa julgada e a sentença passa a ser rescindível.
“Assim, se o ato é nulo é viciado de alguma forma, o inexistente não chega a ser juridicamente.Ainda que para ambos os casos deva haver pronunciamento judicial, segundo pensamos , aquele estará submetido a um prazo qualquer, que tenha sido estabelecido em lei, todavia, o mesmo não ocorre com os atos inexistentes, cuja possibilidade de vulneração não se submete a prazo algum[20].[21]
Já Calmon de Passos sugere que a diferença entre inexistência e nulidade seja uma questão de grau[22].
Todavia, Humberto Theodoro Jr. ressalta que a diferença entre atos nulos e inexistentes se trata de uma questão meramente didática, pois na prática os efeitos. Todavia, Humberto Theodoro Jr. ressalta que a diferença entre atos nulos e inexistentes se trata de uma questão meramente didática, pois na prática os efeitos se igualam impossibilitando a formação da coisa julgada[23].
No entender de Teresa Arruda Alvim Wambier, sentenças nulas transitam em julgado, portanto passível de ser rescindida. Afirma, ainda, que ação rescisória é uma ação desconstitutiva, cuja função é desconstituir a coisa julgada, para, ao depois, atingir a nulidade da decisão, agora já não mais protegida pela coisa julgada. (2007,p.196)
Em suma, a respeitável professora aclara com maestria e certeza que por meio da ação rescisória serão atacáveis as sentenças nulas, ou porque o sejam intrinsecamente, ou porque provenham de processo onde tenha havido nulidade absolutas.Pontua , ainda, que só as sentenças inexistentes são atacáveis após o decurso de dois anos da ação rescisória[24].
Pondera, ainda, que o meio adequado e eficaz para se impugnarem decisões judiciais de mérito em que pesa a autoridade da coisa julgada inserta nas hipóteses taxativas do art. 485 do CPC, dentro de um prazo limitado de dois anos após o trânsito em julgado, é ação rescisória, enquanto a querela nullitatis não está afeita a prazos decadenciais, podendo ser impugnada diretamente no juízo que a proferiu, evitando, assim, a burocratização do julgamento por um órgão ad quem, flexibilizando o acesso a justiça.
“Pois de nada adiantaria falar em direito de acesso a justiça sem dar ao cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado a justiça definitivamente[25]”.
Flexibilizando mais ainda esse acesso à justiça:
“A competência para querela nullitatis é do juízo que proferiu a decisão nula, seja o juízo monocrático, seja o tribunal, nos casos em que a decisão foi proferida em processos de sua competência originária[26]”
7 FUNGIBILIDADE
“Decisão judicial com vício rescisório só por ação rescisória pode se impugnada[27]”
O que autor quis demonstrar é que decisões judiciais que estão elencadas no rol taxativo do 485 do CPC não poderão ser impugnada por outro meio, ou seja, não poderia ser impugnada por querela nullitatis.Todavia, admite que vícios transrescisório sejam impugnados por ação rescisória, contudo não podemos olvidar a posição do STJ que no caso de vício transrescisório por falta de citação não se aplica o Princípio da Fungibilidade, devendo-se, aqui, aplicar somente a querela nullitatis[28].
8 AÇÃO ANULATÓRIA DO ART. 486 DO CPC
Importante frisar que a ação declaratória de inexistência nada tem haver com ação anulatória que dispõe o art. 486 do CPC, e nem tampouco, com a ação rescisória. Nelson Nery Jr. Define aludida ação:
“Diferente da ação rescisória, que visa apagar do mundo jurídico decisão judicial acobertada pela coisa julgada material, a ação anulatória do CPC 486 tem por objeto anular os atos processuais sentenças judiciais homologatórias[29]”.
As sentenças homologatórias de que trata o art. 486 do CPC nem todas são passíveis de ação anulatória, pelo contrário poderá ser rescindida, um exemplo clássico, é o instituto da transação, pois havendo a homologação desse acordo transacional, seja judicial ou extrajudicial, não deixa de ser uma decisão que resolve o mérito, disposto no art.269, III do CPC. Logo, conclui-se que as decisões homologatórias passíveis de ação anulatórias são aquelas, meramente homologatórias, ou seja, sem conteúdo elencado no art. 269 do CPC[30],[31].
Reforça Luis Guilherme Marinoni:
“porque nada acrescentado ao ato homologado, limitando-se a atestar a conformidade formal deste ato com os ditames do direito. Dessa forma como mera certificação formal, sem qualquer avaliação do conteúdo do ato jurídico homologado, é certo que essa sentença não sente (não julga) nada)[32]”.
9 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL NO ÂMBITO DA QUERELA NULLITATIS E DA AÇÃO RESCISÓRIA NO QUE TANGE A NOVO DOCUMENTO (EXAME DE DNA)
Procurando delinear um parâmetro da querela nullitatis com a relativização da coisa julgada material, a primeira não há de se falar em coisa julgada material, porque sequer existe coisa julgada de um decisium contaminado com um vício de enorme gravame, que atinge todo o processo legal, tendo como maior exemplo, a falta de citação somada ao réu revel. Apesar de não surtir eficácia no plano jurídico, essa decisão é materialmente existente, ou seja, existe no mundo fático, devendo destarte, ser declarada inexistente com escopo de não persistir materialmente sentenças com vícios insabilis, produzindo efeitos aparentemente válidos[33]. Por essa razão é unânime o ataque dessas decisões por meio de ação autônoma da querela nullitatis, não estando sujeita a qualquer tipo de prazo decadencial ou prescricional.
Por outro lado, a coisa julgada material pode ser rescindida dentro de um prazo de dois anos após o trânsito em julgado da decisão de mérito. Nesta seara, existiria uma sentença jurídica materialmente existente, estando apenas eivada de vício que poderá ser desconstituída pela ação rescisória conforme rol taxativo do art. 485 do CPC[34]-[35].
Nessa esteira Luiz Guilherme Marinoni , tomando como exemplo, uma ação de investigação de paternidade, cuja decisão transitada em julgado, declarou que o autor não era filho do réu, vindo depois um exame de DNA a demonstrar o contrário após o prazo decadencial de dois anos da ação rescisória. Nesse contexto, se abre uma discussão se a realidade deve prevalecer sobre a estabilidade da imutabilidade da coisa julgada material?
Para esse mestre, não. Afirma ele:
“que a sentença da ação de investigação de paternidade somente pode ser rescindida a partir de prazo contado da ciência da parte vencida sobre a existência do exame de DNA.Não obstante, a dificuldade de identificação dessa ciência, que certamente seria levantada, é somente mais uma razão a recomendar a imediata intervenção legislativa[36]”.
10 CONCLUSÃO
É fato que a justiça seja distribuída de forma igualitária e dentro do autêntico Estado democrático de Direito.É de fundamental importância que seus institutos sejam aplicados de forma fluente e menos burocrática possível. Porém, só isso não é suficientemente justo ou prático, há uma necessidade premente de tomar certos institutos fulcrados através de dispositivos legais amplamente aplicáveis com eficácia e eficiência, como a querela nullitatis de origem canônica e restitutio in integrum de origem romana.
A querela nullitatis apesar das divergências técnicas jurídicas de ordem doutrinária, a viabilidade do instituto supra nominada é fator de relevante importância para o direito processual pátrio. Pois, surge aí uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, e em decorrência dessa inércia legiferante, há sérios questionamentos, tais quais:
A incompletude é inerente ao sistema? A lacuna é uma problemática de ordem jurídica? O sistema jurídico é dinâmico ou estático? É um sistema fechado ou aberto?
Existem três tipos de lacunas: a normativa, ontológica e axiológica. No caso da querela nullitatis, esta se enquadra no rol das lacunas normativas, por ausência de normatividade sobre matéria em alusão.
A dinâmica do direito é dupla, pois pode ser exterior, quando mediante elaboração de novas normas pelo o poder competente, transforma o direito; e o interno,quando aplicador aceita normas em discordância com os fatos, sujeitando-se a valoração subjetiva.
Diante da abordagem do objeto do presente artigo, temos a enfatizar mais objetivamente os meios de preenchimento de lacunas indicadas pela a própria lei.
Por tais motivos, o ordenamento sócio-jurídico clama pela necessidade da instrumentalização de um remédio capaz de sanear as mazelas trazidas através das malfadadas sentenças inexistentes, até porque existem razões, não só de ordem teórico-doutrinárias, mas na praticidade seria de relevante valor a implementação deste instituto que proveria segurança jurídica, justiça, celeridade, racionalidade, fluência processual adequada a extirpar as inúmeras decisões inexistentes eivada de vício insanabilis que continuam maculando o seio jurídico-social, pois como bem coloca ENRICO TÚLIO LIEBMAN, que na sua origem, a querela nullitatis vinha para expurgar do mundo jurídico sentenças que não passavam de verdadeiros simulacros.
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[1] Trabalho de conclusão do curso de pós-graduação lato sensu apresentado a Universidade Cândido Mendes e ao Praetorium como requisito para obtenção do título de especialista em Direito Público.
[2] Fernando da Fonseca Gajardoni sintetiza as formas de impugnação naquela época: Appelatio – via ordinária para correção da injustiça substancial da sentença, tendo em vista a aplicação da lei, abarcando o tema de nulidades.Restituto integrum – via excepcional, concedida pelo pretor e pelos magistrados imperiais, com escopo de corrigir a injustiça substancial da sentença, tendo em vista a consideração dos fatos da causa.Revocatio in duplum – via autônoma – seu prazo fixado – de iniciativa do devedor, que, correndo o risco de ser condenado em dobro, antes de eventual atitude constritiva do credor, impugnava a sentença sob o ponto de vista legalidade”.
[3] Silva,Olvídio Baptista.A efetiva aplicabilidade da querela nullitatis.Disponível em WWW.ambitojurídico.com.br/pdf/index.php?id...A%20efetiva%20aplicabilidade20%da20Querela%20.Acesso em 14/10/2008.
[4] GARJARDONI, Fernando da Fonseca.”Sentenças inexistentes e Querela Nullitatis”.Disponível em http:// www.lfg.com.br/artigos/Sentenças_inexistentes.pdf.Acesso em 24/09/2008)
[5] GARJARDONI, Fernando da Fonseca.”Sentenças inexistentes e Querela Nullitatis”.Disponível em http:// www.lfg.com.br/artigos/Sentenças_inexistentes.pdf.Acesso em 24/09/2008)
[6] JÚNIOR, Fredie Didier.Curso de direito Processual Civil.7ª edição,salvador:PODIVM,2007,VL1,P.368-369.
[7] WAMBIER,Teresa Arruda Alvim.Nulidades do Processo e da sentença.6ªedição, São Paulo:RT,2007,p.349-351.
[8] idem , ibidem.
[9] idem , ibidem.
[10] WAMBIER,Teresa Arruda Alvim, op.cit.351-352
[11] No mesmo sentido:STF,RE97589-6,J.17.11.82,DJU03.06.83 e André de Luizi Correia, p.356.
[12] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, op.cit.382.
[13] JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de direito Processual Civil- Impugnações de decisões.7ª edição,salvador:PODIVM,2007,VL1,P.368-369.
[14] STF, RE 97.589-6, j.17.11,1982, dju 03.06.1983,Teresa arruda Alvim Wambier, José Manuel Arruda Alvim,Eduardo Talamani, André de Luizi Correia, Roque Komatsu e outros
[15] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, op.cit.345.
[16] WAMBIER,Teresa Arruda Alvim, op.cit.346.
[17] Referido conteúdo pode ser contestado independentemente de impugnação à execução (475-L) ou de embargos (art. 741)
[18] GARJARDONI, Fernando da Fonseca.”Sentenças inexistentes e Querela Nullitatis”.Disponível em http:// www.lfg.com.br/artigos/Sentenças_inexistentes.pdf.Acesso em 24/09/2008)
[19] WAMBIER,Teresa Arruda Alvim, op.cit.
[20] Idem, ibidem,p.197.
[21] No mesmo sentido, Camusso, Nulidades procesales,p.199.
[22] Passos, Calmon. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada as nulidades processuais.Rio de Janeiro.Forense, 3003, n. 14 até n, 74.
[23] Jr.,Theodoro Humberto.As Nulidadade do Código de Processo Civil.Revista Síntese do Direito Civil e Processual Civil, set.-out.1999, p.139
[24] WAMBIER,Teresa Arruda Alvim, op.cit.
[25] Marinoni, Luis Guilherme, Manual do processo de Conhecimento, 5ª ed.,São Paulo, Editora: RT, 2006, p.664.
[26] JÚNIOR,FredieDidier. Curso de direito Processual Civil- Impugnações de decisões.7ª edição, salvador:PODIVM,2007,VL1, p. 371.
[27] FABRÍCIO,Adroaldo Furtado - Réu revel não citado, querela nullitatis e ação rescisória .Ensaios do Direito processual. Rio de Janeiro, 2003, p.251.
[28] STJ, 2ª S, AR n.771-PA, rel. Ministro Aldir Passarinho Jr., j. 13.12.2006, informativo 308.
[29] Jr.,Nelson Nery, Código de Processo Civil Comentado, 7ª edição, São Paulo: R, 2003.p.837
[30] Nesse sentido 1ª T.,Resp 450.431/PR, rel. Min. Luíz Fux, j.18.09.2003, DJ 20.10.2003, p.185.
[31] Pontes de Miranda, Francisco Cavalcante.Tratado de Ação Rescisória, São Paulo:RT, 1970
[32] Marinoni, Luis Guilherme, Manual do processo de Conhecimento, 5ª ed.,São Paulo, Editora: RT, 2006, p.656.
[33] professor Doutor Gaio Jr. A efetiva aplicabilidade da “querela nullitatis”. http://www.gaiojr.adv.br/artigos.php?conteudo=16
[34] No direito canônico há decisões que não transitam em julgado. Essas decisões se reportam ao estado das pessoas (matrimônio, filiação, religião...).
[35] O remédio cabível no direito romano é restitutio in integrum que é semelhante a ação rescisória, entretanto difere no prazo que é mais exíguo, apenas de três meses.Todavia o dia a quo se dar na data do conhecimento do motivo.
[36] Marinoni, Luis Guilherme, Manual do processo de Conhecimento, 5ª ed.,São Paulo, Editora: RT, 2006, p.675
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Advogada militante na área civil e empresarial. Especialista em: 1. Direito Civil (Direito Reais, Direito De Família, Direito Das Sucessões, Direito Empresarial); 2. Direito Processual Civil; 3. Direito Público; 4. Direito Do Consumidor.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Francisca Marcia Moura. Querela nullitatis de sentenças inexistentes e a necessidade de sua positivação no ordenamento jurídico-positivo brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 mar 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52765/querela-nullitatis-de-sentencas-inexistentes-e-a-necessidade-de-sua-positivacao-no-ordenamento-juridico-positivo-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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