RESUMO: Analisa-se o posicionamento de órgãos administrativos e judiciários a respeito da possibilidade de um servidor público exceder a carga horária semanal de 60 horas semanais nos casos de acumulação de cargos públicos previstos de forma excepcional na Constituição Federal. Observou-se que há controvérsia no tema, visto que enquanto a Advocacia Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Superior Tribunal de Justiça sustentam a impossibilidade de superação da jornada semanal em 60 horas semanais, o Supremo Tribunal Federal preceitua o inverso ao permitir a extrapolação de tal período semanal. Conclui-se afirmando que é necessária uma posição intermediária ao permitir que o agente público trabalhe o quanto quiser, mas que exista acompanhamento especial desse servidor, para prevenir falhas na execução de suas funções públicas, propiciadas pela exaustão laboral.
PALAVRAS-CHAVE: Acumulação de cargos públicos. Jornada superior a 60 horas semanais. Precedentes contrários do STJ e STF.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A limitação da jornada de trabalho como direito social. 3. Do livre arbítrio na escolha da jornada semanal. 4. Da Impossibilidade de Superação de 60 Horas Semanais de Trabalho – AGU, TCU e STJ. 5. Da Possibilidade de ultrapassarem-se 60 horas semanais. 6. Conclusão.
1. Introdução
O presente Artigo pretende analisar o posicionamento de órgãos administrativos e judiciários a respeito da possibilidade de um servidor público exceder a carga horária semanal de 60 horas semanais nos casos de acumulação de cargos públicos.
A controvérsia existe, na medida em que a Constituição Federal ao permitir, excepcionalmente, a acumulação de cargos públicos, não fez menção a nenhum limite de horas que o servidor teria que respeitar nessa acumulação.
Por outro lado, não estabelecer nenhum limite, pode ir de encontro à Organização Internacional do Trabalho, a qual recomenda como jornada ótima de trabalho aquela que se limita a 40 horas semanais.
Além disso, possibilitar que o servidor público trabalhe à exaustão, mesmo que por decisão própria, pode ofender os interesses da sociedade, na medida em que pode resultar na prestação inadequada do serviço público.
Desse modo, pretende-se analisar tal tema com escopo no recomendado pela Organização Social do Trabalho, pelas normas de direito Administrativo e pela Constituição.
2. A limitação da jornada de trabalho como direito social
A limitação da jornada de trabalho foi direito conquistado na segunda geração de direitos fundamentais e teve como objetivo privilegiar a dignidade humana, permitindo que o trabalhador não vivesse apenas em função do labor, mas tendo ainda tempo suficiente para exercer outros direitos, como ao descanso, ao lazer e à saúde, reconhecidos, inclusive, pela Declaração Universal dos Direitos Humanos1.
Nesse sentido, a OIT adotou, como padrão almejado, 40 horas semanais2, associando-se o que for acima disso como algo de consequências negativas sobre a saúde e segurança dos trabalhadores3, preocupação subjacente na maior parte dos regulamentos legais sobre segurança do trabalho, como, por exemplo, nas convenções de nº 155 de 19814 e nº 187 de 20065.
Esse excesso de trabalho, pode causar estresse físico e mental que compromete tanto a saúde do trabalhador como o objeto do trabalho por ele realizado. Há assim, uma dupla perda: para o trabalhador, bem como para seu empregador.
Nesse sentido, a chamada Síndrome de Bournout pode acometer o trabalhador submetido a altas cargas de estresse. A Síndrome é caracterizada como o conjunto de consequências sintomáticas derivadas do estresse ocupacional, se evidenciando pela exaustão emocional, avaliação negativa de si mesmo, bem como sintomas físicos de estresse, que resultam em manifestações comportamentais e transtornos psicossomáticos6.
Quanto à fadiga derivada da sobrecarga de trabalho, Mascarenhas Brandão3 cita importante estudo realizado por Ana Maria Rossi, no qual avalia fatores de risco para o Burnout:
“A mesma autora cita estudo que realizou envolvendo 900 profissionais (450 homens e 450 mulheres) escolhidos aleatoriamente em quatro organizações nacionais brasileiras com o objetivo de identificar os agentes estressores. Como resultado a sobrecarga de trabalho foi identificada em 74% dos homens e 94,3% das mulheres e os resultados foram compatíveis com a identificação dos dois principais fatores de riscos organizacionais para o burnout.”
E o servidor público não está alheio a esse circunstancial prejudicial. Inclusive a OIT na Convenção nº 155, ratificada pelo Brasil em 1992, explicitou no art. 3º[1], alínea “a” que: “a expressão ‘áreas de atividade econômica’ abrange todas as áreas em que existam trabalhadores empregados, inclusive a administração pública”, e em sua alínea “b”: “o termo ‘trabalhadores’ abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos”, evidenciando, assim, a importância do tema, não apenas no mercado privado, mas também no resguardo à saúde do funcionário público, que, por óbvio, não perde qualquer característica de cidadão e pessoa7.
Seguindo essa corrente garantista, que encara a limitação da jornada de trabalho como direito social, o legislador constituinte determina também determina o mesmo para os servidores públicos, conforme dita o artigo 37[2], inciso XVI da Constituição Federal.
Todavia, observa-se que a Carta Cidadã estabelece pontuais exceções a esse limite de carga horária imposto ao servidor público, nas alíneas “a”, “b” e “c”[3] do inciso XVI do referido artigo ao se permitir a acumulação de cargos públicos.
Contudo, a questão que surge é a de que quando a Constituição Federal estabeleceu a exceção da possibilidade de acumulação de cargos públicos, ela teria permitido o somatório dessas jornadas de modo ilimitado, mitigando o direito social da limitação da jornada? Ou essa limitação precisa ser observada, mesmo que perante pedido do servidor?
Observa-se, em verdade, que a limitação da jornada de trabalho tem um aspecto dual, na medida em que, de um lado, limita o empregador na exploração da mão de obra do trabalho, de outro, limita o trabalhador no poder de sua escolha, por ser regra de saúde pública, dignidade humana e direito social.
3. Do livre arbítrio na escolha da jornada semanal
O aspecto da jornada de trabalho também possui um viés individualista, visto que a escolha por parte do trabalhador do quanto deseja laborar é direito individual que o Estado não pode interferir.
Essa visão liberal sugestiona que os indivíduos não podem ser tratados de modo igual, visto que existem aqueles que se satisfazem emocionalmente na realização de seu labor e ali se sentem confortáveis.
Além disso, o direito de enriquecer também é um direito que deve ser observado constitucionalmente. Ora, se o servidor, por motivos pessoais, como a ocupação mental benéfica na reversão de um estado psicológico depressivo, o pagamento de financiamento de uma casa, ou mesmo o afeto ao trabalho, sentindo-se disposto e apto a trabalhar mais de 60 horas, e a Constituição Federal nada diz em seu desfavor, é seu direito ter a liberdade para exercer seu labor. O Estado, nessa medida, não poderia interferir em suas escolhas. Aquele que assim pensa, deve ser respeitado em suas decisões e consequências. É essa a dinâmica do direito do trabalho na esfera privada.
Todavia, o tema aqui analisado, em sua vertente liberal, toma contornos difíceis ao ser confrontando à adequada prestação do serviço público por aquele que representa o Estado. Visto que a partir do momento que o Estado aceita que um servidor exausto execute um serviço público, estará assumindo riscos de erros para a sociedade, bem como para o patrimônio público.
Imagine, nesse sentido, um médico que possui uma jornada de 80 horas semanais. Ele estará bem mais sujeito a erros que podem prejudicar demasiadamente na prestação do serviço público.
Portanto, em sua visão liberal e individualista, o limite da jornada de trabalho não pode ser tratado da mesma forma que ocorre na esfera privada. De fato, a Constituição não trouxe um limite da jornada de trabalho naqueles casos excepcionais de acumulação de cargos públicos, contudo, é importante a consideração de um limite temporal razoável, visto que quando o agente é incorporado ao regime estatutário, suas ações repercutirão diretamente na sociedade, diferentemente das consequências das ações do trabalhador privado.
4. Da Impossibilidade de Superação de 60 Horas Semanais de Trabalho – AGU, TCU e STJ.
No Judiciário e Órgãos administrativos, a controvérsia é ainda acirrada.
A Advocacia Geral da União (AGU) entende, há longa data, pela impossibilidade de cargas horárias semanais na administração pública que ultrapassem o limite de 60 horas semanais, visto que seriam consideradas extenuantes, trazendo consigo diversas consequências nefastas.
Esse posicionamento ganhou força a partir de um importante Parecer8, no qual esse Órgão analisou a constitucionalidade e legalidade da acumulação de cargo técnico-científico com cargo de magistério, ambos de 40 horas semanais, perfazendo um total de 80 horas. Nele, entendeu-se pela ilicitude dessa acumulação.
Como fundamentação, o Órgão considerou que ainda que houvesse compatibilidade entre as duas jornadas de 40 horas semanais cada, apenas 8 horas restariam aos trabalhadores para refazerem-se para uma nova jornada diária, sendo incompatível com a higidez física e mental esse exíguo prazo para descanso e realização de atividades fisiológicas naturais ao homem. Inclusive, o Parecer deu como exemplo a própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como um parâmetro geral, a qual em seu artigo 66[4], proibiu intervalos interjornadas inferiores a 11 horas.
Ademais, o não-gozo de direitos fundamentais levando ao desequilíbrio vida-trabalho não envolveria apenas malefícios individuais ao servidor, mas também a impossibilidade de realização adequada do serviço que lhe cabe, indo de encontro ao interesse público, em prejuízo da própria sociedade.
Portanto, o Parecer considerou, no caso concreto, a desproporcionalidade de uma jornada de 80 horas semanais, preservando um direito social, bem como assegurando a boa prestação do serviço público.
Dessa forma, de maneira a harmonizar com a possibilidade de acumulação, o Parecer como possível o exercício em dois cargos, desde que eles não superassem a jornada máxima semanal de 60 horas semanais9.
Esse entendimento, inclusive, tornou-se vinculante para a Administração Pública Federal, através do Parecer-AGU n.º GQ-145/98, estabelecendo, assim, um paradigma na defesa da limitação da carga horária aos servidores públicos federais.
Outrossim, o TCU manteve, em regra, posicionamento semelhante exarado no supracitado Parecer, utilizando também como motivação a própria CLT[5], nos artigos 59[6] a 66, como, por exemplo, no voto do Acórdão nº 2.861/2004-TCU, 1ª Câmara, de relatoria do Ministro Guilherme Palmeira10:
“Corroborando-o, ressalto que, embora a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT não seja diretamente aplicável a servidores públicos stricto sensu, ao menos demonstra a necessidade de se fixar máximo e mínimo, respectivamente, para os tempos diários de labor e de descanso - arts. 59 e 66 da CLT -, que, desrespeitados, geram, em última instância, comprometimento da eficiência do trabalho prestado.
Por analogia àquela Norma Trabalhista, destaco a coerência do limite de sessenta horas semanais que vem sendo imposto pela jurisprudência desta Corte, uma vez que, para cada dia útil, ele comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada - art. 66 da CLT -, dois turnos de seis horas - um para cada cargo, obedecendo ao mínimo imposto pelo art. 19 da Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n. 8.270, de 17/12/1991 - e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos destinada à alimentação e deslocamento, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso tanto dos funcionários celetistas quanto dos estatutários."
Ademais, o Acórdão do TCU, de nº 3184/200811 também esmiúça a importância da limitação da jornada de trabalho:
“Importante destacar, por fim, que nas situações em que a acumulação de cargos e/ou empregos públicos resulta em carga de trabalho superior a 60 (sessenta) horas semanais, o TCU tem considerado ilegais e negado registro aos correspondentes atos de admissão, conforme Acórdãos nºs 2.133/2005, 533/2003, 2.860/2004, 155/2005 e 2.861/10.”
Por fim, corroborando os posicionamentos da AGU e do TCU, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou, por anos, posicionamento no mesmo sentido. Para ele, a acumulação dos cargos públicos também deveria obedecer a uma limitação de horário, nos termos também do Parecer GQ 145/98 da AGU.
Prosseguindo, primando não apenas pelas garantias individuais do trabalhador, o entendimento do STJ salvaguardou o princípio constitucional da eficiência, a exemplo da Decisão da 1ª Seção do STJ12:
“Ementa: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ENFERMEIRA DO QUADRO DE PESSOAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPILINAR. PENA DE DEMISSÃO. ACUMULAÇÃO ILÍCITA DE CARGOS PÚBLICOS PRIVATVOS DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE. JORNADA SEMANALSUPERIOR A 60 (SESSENTA HORAS). NÃO COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES À CONCESSÃO DA LIMINAR. AUSÊNCIA DE PROBABILIDAE DE ÊXITO E DE RISCO DE DANO IMEDIATO E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. 1 Este Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que não há compatibilidade de horários quando servidor público, em acúmulo de cargos públicos, está submetido a jornada de trabalho superior ao limite de 60 horas semanais impostos no Parecer GQ 145/98 da AGU e pelo Acórdão 2.242/2007 do TCU (cf. MS 19.336/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 14/10/2014). [...] 3 Não há direito subjetivo da servidora em exercer carga horária de 30 horas semanais em regime de plantão (art. 3º do Decreto 1.590/1995, com alterações do Decreto nº 4.836/2003): há mera permissão, ao alvedrio da Administração Pública Federal. A servidora está submetida a uma jornada de trabalho de 40 horas semanais (art. 1º do Decreto nº 1.590/1995). 4 Agravo Interno não provido. AgInt no MS 22.862/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2017, DJe 21/06/2017.”.
Desse modo, observa-se que há uma forte corrente doutrinária, bem como jurisprudencial que asseveram a importância no estabelecimento e cumprimento de uma limitação na jornada de trabalho naqueles casos de cargos públicos acumuláveis, e o limite que os Tribunais indicaram é o de 60 horas semanais como parâmetro fundamentado em estudos do bem-estar social do trabalho e de fadiga laboral.
Conclui-se, assim, que essa corrente tem por objetivo justamente o resguardo de tudo aquilo que foi pensado quando se decidiu por assegurar ao trabalhador um limite na sua jornada de trabalho, de modo a proteger garantias fundamentais e direitos sociais per si, bem como concretizar o princípio da eficiência e adequada execução de serviços na administração pública.
5. Da Possibilidade de ultrapassarem-se 60 horas semanais
Em sentido contrário, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, assevera que é possível ultrapassar a jornada de 60 horas semanais, em casos excepcionais de acumulação de cargos. Essas decisões baseiam-se na posição hierárquico-normativa superior que possui a Constituição Federal em relação a qualquer possível norma infraconstitucional.
Além disso, o STF diz que a própria Constituição não impôs qualquer requisito objetivo à acumulação de cargos, além da adequação às exceções previstas ou a comprovação de compatibilidade de cargas horárias. Assim, não especificou em nenhum de seus artigos um limite à jornada de trabalho. Não poderia, pois, o legislador ordinário ou uma interpretação jurídica idealizar requisitos que não existem, fomentando, dessa forma, uma insegurança jurídica criada por um legislador invisível.
Dessa maneira, sob o escopo do entendimento do STF, o parecer da AGU, bem como decisões do TCU e STJ foram equivocadas, visto que a Constituição não estabeleceu nenhum limite de horas semanais quando previu a acumulação de cargos públicos. Não podendo, pois, os referidos Órgãos legislarem, de forma a limitar direitos fundamentais do servidor público.
Percebe-se o exposto diante de recentes exemplos de decisões do STF sobre o tema, como no RMS 34257313, julgado em 2018, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, e outros[7], extraindo-se trecho que expressa o firme entendimento.
“Assim, não há falar em validade do Parecer GQ-145/1998/AGU, uma vez que esta Suprema Corte já assentou que “não é possível a limitação da carga horária semanal relativa ao exercício cumulativo de cargos públicos, por tratar-se de requisito não previsto na Constituição da República” (AI 762.427/GO, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia).”.
Conclui-se, com base nessa segunda corrente, que é possível ao funcionário público ter jornada superior a 60 horas semanais, não se permitindo, portanto, uma restrição criada sem autorização constitucional.
Por fim, o STJ, recentemente, proferiu julgado a fim de harmonizar seu entendimento com a Corte Suprema. Para tanto, a 2ª Turma do STJ, no REsp 1.746.784-PE14, entendeu pela possibilidade de acumulação constitucional de cargos, excedendo as 60 horas anteriormente até então tomadas por esse Tribunal como limitação de jornada, demonstrando uma nova tendência em sua orientação. Tamanha importância do presente Julgado o levou a compor o informativo do STJ nº 632 de 2018.
6. Conclusão
Diante de todo o exposto, a primeira corrente apresentada, que defende a limitação da jornada de trabalho em 60 horas, traz uma interpretação garantista bastante interessante, pois visa à preservação da possibilidade de gozo de direitos fundamentais e sociais ao trabalhador, bem como a preocupação com a adequada prestação do serviço público, que poderia ser comprometida por um servidor cansado fisicamente ou mentalmente.
Em outra medida, a segunda corrente exposta, que se posiciona pela não limitação da carga horária nos casos previstos constitucionalmente permissivos à acumulação de cargos, traz conceito mais liberal ao não interferir na autonomia de trabalho do agente público, bem como interpreta de modo legalista a Constituição Federal ao não trazer vestes sociais para tal interpretação.
De toda sorte, por óbvio não se poderia negar ao Estado a estandardização do serviço público, se no caso concreto a jornada de trabalho for tão extenuante que realmente traga malefícios para a prestação de serviço público. Nesse sentido, pode-se supor como possível o caso em que um médico não consiga realizar uma cirurgia de emergência com a mesma competência e eficiência daquele médico que pôde revigorar-se, gozando de adequado descanso.
Todavia, há que se evidenciar as distintas composições de cada organismo, não havendo parâmetros suficientes para estabelecer-se um marco absoluto. Cada corpo reage a estímulos de variadas formas. Além disso, não se pode antever qual seria a situação pessoal, social, familiar e econômica, daquele. Sendo assim, o mais prudente é, na verdade, permitir a superação das 60 horas semanais nos casos constitucionalmente permitidos.
No entanto, sugere-se a necessidade de que o servidor comunique à administração pública ambos os vínculos, de modo que se permita o registro em seu assento funcional. Identificada a acumulação, deverá ser analisada, por meio de uma comissão capacitada, avaliação daquela jornada de trabalho que excede a 60 horas semanais, com vistas a ponderar se a jornada não estaria prejudicando o serviço público, garantidos ampla defesa e contraditório
Dessa forma, nesta decisão média, garante-se ao servidor a liberdade de trabalhar bem como assegura ao Estado que prime pela adequada prestação do serviço público. Por fim, ressalta-se o despontar recente de novo posicionamento do STJ, alinhando-se ao STF, podendo-se assim perfilhar que há uma tendência de que não ocorra limite de horas de trabalho em caso de acumulação de cargos. No entanto, a sugestão que se faz nesse artigo é a de que ocorra o acompanhamento especial desse servidor, para prevenir falhas na execução de suas funções públicas, propiciadas pela exaustão laboral.
REFERÊNCIAS
1. ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. 1948. Declaração Universal dos Direitos Humanos (217 [III] A). Paris.
2. OIT. 2009. Duração do Trabalho em Todo o Mundo: Tendências de jornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada / Sangheon Lee, Deirdre McCann e Jon C. Secretaria Internacional de Trabalho. − Brasília: OIT, 2009. Disponível <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_229714.pdf> Acessado em: 05/02/2019.
3. BRANDÃO, Cláudio Mascarenhas. Jornada de trabalho e acidente de trabalho: reflexões em torno da prestação de horas extraordinárias como causa de adoecimento no trabalho. Rev. TST. Brasília, vol. 75, nº 2, abr/jun 2009.
4. CONVENÇÃO Nº 155. Organização Internacional do Trabalho. Genebra, 22 de junho de 1981. Disponível em: < http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_155.html#155>. Acessado em: 1/02/2019.
5. CONVENÇÃO Nº 187. Organização Internacional do Trabalho. Genebra, 31 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.gso.org.br/files/file_id266.pdf>. Acessado em: 1/02/2019.
6. DEMINCO, Marcus. 2011. Jornada de Trabalho e Redução do Estresse. Psicologia.PT – o portal dos psicólogos. ISSN 1646-6977. Publicado em 28 de ago. de 2011. Disponível em: < http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0576.pdf>. Acessado em 6/02/2019.
7. BRASIL. Decreto nº 1.254 de 29 de setembro de 1994. Promulga a Convenção nº 155, da Organização Internacional do Trabalho, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho, concluída em Genebra, em 22 de junho de 1981. Diário Oficial, Brasília, DF, 30/09/1994. Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_155.html. Acessado em: 1/02/2019.
8. BRASIL. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer GQ145/98. Brasília, DF, 1 de abril de 1998.
9. GOMES, Ana Carolina Mendonça. Acumulação remunerada de cargos públicos: possibilidade de limitação da jornada de trabalho sob a ótica da Administração Pública e do Superior Tribunal de Justiça. Conteúdo Jurídico. Brasília-DF, 29 nov. 2016. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.57120&seo=1>. Acessado em: 03/02/2019.
10. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2.861/2004. 1ª Câmara. Seção de 11 de nov. de 2004. Admissão de pessoal. Acumulação ilícita de cargos públicos, por incompatibilidade de horários, por parte de um dos interessados. Ilegalidade do ato e recusa do respectivo registro. Legalidade e registro dos demais. Determinações. Min. Relator Guilherme Palmeira.
11. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 3184/2008. 1ª Câmara. Sessão de 30 de set. de 2008. Representação. Pessoal. Acumulação ilícita de cargos públicos e/ou não-cumprimento de jornada de trabalho nas esferas federal e estadual. Determinações. Ciência. Min. Relator Valmir Campelo.
12. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no MS 22.862/DF. 1ª Seção. Direito administrativo e outras matérias de direito público, Servidor Público Civil, Processo Administrativo Disciplinar ou Sindicância, Demissão ou Exoneração. Servidor Público Civil, Regime Estatutário, Reintegração. Rel. Ministro Mauro Campbell Marques. Publicado em 27 de set. de 2016.
13. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RMS 34257. 2ª Turma. Agravo regimental no recurso ordinário em mandado de segurança. Parecer GQ-145/1998 - AGU. Limite máximo de 60 horas semanais em casos de acumulação de cargos ou empregos públicos. Impossibilidade. Rel. Ministro Ricardo Lewandowski. Publicado em 29 de jun. de 2018.
14. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.746.784-P0045. 2ª turma. Administrativo. Recurso especial. Servidor público. Acumulação de cargos públicos remunerados. Área da saúde. Limitação da carga horária. Impossibilidade. Compatibilidade de horários. Requisito único. Aferição pela administração pública. Rel. Ministro Og Fernandes. Publicado em 30 de ago. de 2018.
[1] Art. 3: “Para os fins da presente Convenção: a) a expressão ‘áreas de atividade econômica’ abrange todas as áreas em que existam trabalhadores empregados, inclusive a administração pública; b) o termo ‘trabalhadores’ abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos; c) a expressão ‘local de trabalho’ abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que estejam sob o controle, direto ou indireto, do empregador; d) o termo ‘regulamentos’ abrange todas as disposições às quais a autoridade ou as autoridades competentes tiverem dado força de lei; e) o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho”.
[2] Artigo 37, inc. XVI: “XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI”.
[3] Art. 37, inc. XVI, “a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;”
[4] CLT, Art. 66: “Entre 2 (duas) jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 (onze) horas consecutivas para descanso.”
[5] O Acórdão nº 2.861/2004-TCU está em conformidade com a redação do Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho.
[6] CLT/1943, Art. 59: “A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.” O Artigo 59 teve sua redação alterada pela Lei nº13.467/2017, em vigência.
[7] RE 1023290, Min. Relator Celso de Mello, julgado em novembro de 2017; RE 1.094.802, Min. Relator Alexandre de Morais, julgado em maio de 2018; no mesmo sentido ARE 859484, Min. Relator Dias Toffoli, julgado em maio de 2015.
advogado sócio do Escritório Morais Ribeiro. Pós-graduado em Ciências Criminais pela Faculdade Estácio de Sá. Pós-graduando em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes. Aluno especial do Mestrado de Políticas Públicas do Centro Universitário de Brasília - CEUB. Graduado pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Ivan Morais. A acumulação de cargos públicos e o limite de carga horária semanal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 abr 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52797/a-acumulacao-de-cargos-publicos-e-o-limite-de-carga-horaria-semanal. Acesso em: 23 dez 2024.
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