INTRODUÇÃO
Segundo a Lei nº 8.666/93, também conhecida como o Estatuto da Licitações, os acréscimos e supressões dos contratos dela decorrentes estão autorizados, desde que observem os limites de 25% do valor inicial atualizado e, para reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para seus acréscimos.
A pergunta que se faz é qual a alternativa encontrada para solucionar casos excepcionais para os quais o acréscimo necessário superaria tais percentuais limitadores? Será que a norma extraída do § 1º do art. 65 deve ser entendida de forma absoluta?
O presente artigo busca sintetizar o entendimento atual acerca das alternativas postas ao administrador público que se depara com a situação acima apresentada. Com efeito, a legislação pátria merece ser interpretada da forma a privilegiar o interesse público primário, sem adentrar, no entanto, dar margem à prática de condutas ilegais.
DA INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO LICITATÓRIA
Não se pode olvidar que o ordenamento jurídico pátrio autoriza o entendimento de que nenhuma norma pode ser considerada de forma absoluta.
Para tanto, a hermenêutica mostra-se como instrumento essencial para a compreensão da real intenção do legislador face ao contexto social em que se aplica, vejamos o entendimento de Margarida Lacombe[1]:
“O seu significado, portanto, não se encontra adstrito à natureza, independentemente da vontade humana, de forma a poder ser simplesmente constatado. Ao contrário, tudo aquilo que é feito pelo homem possui um significado cuja busca depende de um esforço hermenêutico. Tratando-se, outrossim, de uma função prática, relativa ao agir humano, a apreensão do sentir insere-se, necessariamente, em um complexo processo dialético, no qual várias interpretações apresentam-se como logicamente possíveis. Entendemos, portanto, que a compreensão serve de base à interpretação, como produto final, uma vez que nos exprimimos sobre aquilo que compreendemos”.
Perceba-se que mesmo sendo o texto legal proibitivo, a inteligência da norma pode ser relativamente diversa, conforme expõe brilhantemente o mestre Renato Geraldo Mendes:
“A evolução em torno da interpretação jurídica possibilitou compreender que não se pode confundir o enunciado prescritivo (texto) com a norma que dele pode ser extraída. Aliás, nem mesmo a vida – que é o valor mais importante da ordem jurídica – é considerado como absoluto, basta ver que o Código Penal acolhe a legítima defesa, o exercício geral de direito e o estado de necessidade.” [2]
No caso da inobservância dos limites previstos no parágrafo primeiro do artigo 65, do estatuto licitatório o mesmo autor assevera:
“Por outro lado, se a necessidade que ensejou o acréscimo além do limite decorrer de falha ou inadequado planejamento de determinado agente público, é ele que deve ser responsabilizado, e não o interesse público. Reconhecer que o limite é absoluto é punir o interesse público. Em situações excepcionais, é possível sim extrapolar os limites previstos no §1º do art 65 da Lei nº 8.666/93, sem prejuízo da responsabilização do agente faltoso. No caso indicado, extrapolar o limite não é ilegal; a eventual ilegalidade estará em não extrapolá-lo e deixar a necessidade da Administração sem o pleno atendimento. ” [3]
No mesmo sentido a lição do mestre Marçal Justen Filho:
“O § 2° determina que os acréscimos e supressões não podem superar aos limites previstos no § 1º, ressalvada a hipótese de redução consensual. O tema tem dado margem a inúmeras disputas. Há os defensores da interpretação ampla do § 2º. Isso significaria que nenhuma modificação, prevista no art. 65, poderia ultrapassar os limites do §1º. Discorda-se desse entendimento.” (sem grifo no original).[4]
Ao expor que os limites previstos no § 1º do art. 65 do art. 8.666/93 podem ser inobservados, o ilustre doutrinador, Marçal Justen Filho, elenca diversas situações que permitem acréscimos acima do limite legal, dentre os quais, citamos, a título de exemplo, a recomposição da equação econômico-financeira, a inadequação de projetos.
Por fim, impende trazer à baila o entendimento do Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1.676/2011, Plenário, a respeito da matéria aqui aventada, que assim conclui:
“Caso as mudanças qualitativas o ultrapassem, o aditamento só seria possível se preenchidos os requisitos discriminados na letra b na Decisão 215/1999 – TCU – Plenário. (Acórdão 1.676/2011, Plenário, rel. Min. Raimundo Carreiro).”
Vejamos o que traz a referida Decisão 215/1999, na mencionada letra b, nos seguintes termos:
“b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:
I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra - que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência; “
Ressalte-se que a alteração contratual com acréscimos acima do limite legal é autorizada tão somente para de se tratar de modificação qualitativa – em que pese haver discordância na doutrina a esse respeito – preservando-se, dessa forma, o objeto contratual.
Os pressupostos citados nos incisos são autoexplicativos, de modo que teceremos apenas breves comentários, salvo no que tange ao previsto no inciso III, face a necessidade de se compatibilizar argumentos encontrados em 2 acórdãos do Egrégio Tribunal de Contas da União.
O inciso I exige que o Termo Aditivo pleiteado não acarrete encargos superiores àqueles decorrentes de uma eventual rescisão.
Em apertada síntese, o inciso exige que a relação custo/benefício do aditamento se contraponha à uma possível rescisão, pois a contrario sensu, mostrar-se-ia não razoável a decisão administrativa que resultasse em prejuízos financeiros.
O segundo pressuposto determina que se observe, quando da celebração do termo aditivo, o que estabelece o artigo 58, I, do mencionado normativo legal.
Em outras palavras, ordena que sejam respeitados os direitos do contratado, dentre os quais, destacam-se a exequibilidade do contrato e a manutenção da equação econômico-financeira.
O pressuposto seguinte autoriza que se firme termo aditivo em percentual superior aos 25% legais, desde que o motivo ensejador seja decorrente de fatos supervenientes.
Cumpre esclarecer que em decisão posterior, (Acórdão 493/2011, Plenário, rel. Min. André Luis de Carvalho) o TCU sopesou a exigência de superveniência do fato que motive o aditamento, exigindo que tal fato apresente um baixo grau de previsibilidade.
Assim, entende-se que tal pressuposto sofreu mitigação com a decisão acima.
Perceba-se que o aditamento acima de 25% está autorizado quando o motivo se mostrar imprevisível ou de baixa previsibilidade, não se permitindo quando o fato ensejador do aditivo já seja do conhecimento do gestor. Destaque-se, no entanto, que há discordância na doutrina quanto a aplicabilidade desse pressuposto.
A seguir vem o pressuposto que veda o desvirtuamento do objeto originalmente contratado em decorrência do novo termo aditivo. Justifica-se a vedação posto que uma vez se verificando a perda ou distorção do objeto inicialmente contratado se exigiria a realização de nova licitação.
O penúltimo pressuposto é absolutamente autoexplicativo: demonstrar necessária à completa execução do objeto original do contrato, a otimização do cronograma de execução e a antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes.
Ora, se a execução do contrato, na íntegra, apresentar-se como meio de se otimizar o cronograma de execução do serviço contratado conduzindo a antecipação da disponibilização dos benefícios sociais e econômicos, satisfeito estará o pressuposto em apreciação.
Por fim, o ultimo pressuposto exige que seja demonstrado no procedimento relativo ao aditivo que a rescisão contratual seria insuportável ao Interesse Público Primário.
Entende-se de fundamental importância a observância desse pressuposto uma vez que a ideia relativa à Administração Pública traz ínsita a condição de consistir a mesma em curadora dos interesses públicos primários. Logo, seria incompatível com a proteção do Interesse Público o ato de gestão que conduzisse a Administração assumir encargos extremamente onerosos.
Não há dúvidas de que a decisão da Corte de Contas da União, foi inovadora e dirimiu questões na Administração Pública, que se mostravam sem solução.
Na doutrina, a decisão foi recebida de forma positiva, merecendo comentários elogiosos, tais como o que se destaca a seguir:
“A decisão merece aplausos, especialmente por seu cunho de inovação em face da doutrina então vigente. O entendimento por ela consagrado refletiu a melhor orientação para a questão, tanto que vem sendo amplamente adotado como solução aplicável no âmbito não apenas da União como também de Estados. Frise-se que o próprio TCU utiliza a Decisão nº 215/1999 como precedente norteador de seus julgamentos...” [5]
A decisão do Tribunal de Contas da União deve influenciar as demais Cortes de Contas estaduais e municipais acerca da interpretação a ser dada ao normativo específico tratado.
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, a legislação em destaque, editada pela União com base na competência que lhe foi conferida pelo art. 22, XXVII, do Estatuto da Licitação, interpretada pelo Tribunal de Contas da União, que abraçou o entendimento doutrinário, permite, pois, em casos excepcionais, acréscimos contratuais acima dos limites previstos no §1º do art. 65 da Lei n° 8666/93.
Com efeito, a decisão do Tribunal de Contas da União ponderou valores imprescindíveis à efetividade das políticas públicas, sem descuidar dos parâmetros legais dispostos na legislação de regência.
BIBLIOGRAFIA
Filho, MJ, in Comentário à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª Edição.
LACOMBE CAMARGO, Margarida. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3º ed., ed. Renovar, 2003.
Mendes, R G, in Lei de Licitações e Contratos Anotada, 9ª Edição.
[1] LACOMBE CAMARGO, Margarida. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3º ed., ed. Renovar, 2003,pp. 50.
[2] Mendes, R G, in Lei de Licitações e Contratos Anotada, pg 1207, 9ª Edição.
[3] Mendes, R G, in Lei de Licitações e Contratos Anotada, pg 1207, 9ª Edição.
[4] Filho, MJ, in Comentário à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Pg. 924. 15ª Edição.
Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe - UFS. Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG. É servidor público efetivo e membro da comissão de advocacia estatal da OAB/SE. Atuante nas áreas de Direito Tributário, Direito Público (Administrativo, Constitucional), contratual e de startups. Foi advogado responsável pela condução dos processos coletivos nos Estados de Alagoas e Mato Grosso no escritório "Fernandes Advogados Associados". Aprovado para o cargo de Procurador na Procuradoria do Estado de Sergipe (10º lugar), ALESE (1º Lugar), PGM/BH e PGM/POA, dentre outros, no total de 10 certames.Foi Monitor de Direito Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DAVI BARRETTO DóRIA, . Licitação: acréscimo contratual além do limite legal previsto na Lei 8.666/93 na visão do Tribunal de Contas da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 abr 2019, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52812/licitacao-acrescimo-contratual-alem-do-limite-legal-previsto-na-lei-8-666-93-na-visao-do-tribunal-de-contas-da-uniao. Acesso em: 23 dez 2024.
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