IGOR DE ANDRADE BARBOSA[1]
(Orientador)
RESUMO: O Sistema Carcerário está abarrotado e a Segurança Pública no Brasil em crise. Esses fatos são de conhecimento de grande parte da população. Porém, quando analisados de forma separada, não permitem a visualização da problemática como um todo. Os presos se encontram em condições desumanas e saem das prisões mais aperfeiçoados para o crime do que quando entraram. Esse fator gera insegurança na sociedade, e por isso, a relação entre a crise da segurança pública com o sistema carcerário brasileiro forma um ciclo no qual um influencia diretamente o outro. Este artigo tem por objetivo principal fazer uma analogia entre as problemáticas trazidas pelo sistema carcerário junto a segurança pública, o impacto causado na sociedade, bem como possíveis instrumentos de pacificação social.
Palavras-chave: Sistema Carcerário. Segurança Pública. Criminalidade.
ABSTRACT: The Prison System is overcrowded and the Public Security in Brazil in crisis. These facts are aware of a large part of the population. However, when they are analyzed separately, do not allow the visualization of the problem as a whole. The prisoners are in inhuman conditions and out of prisons more perfected for the crime than when they entered. This factor creates uncertainty in society, and therefore, the relation between the crisis in Public Security with the Brazilian Prison System create a cycle which one directly influences the other. This article has as main objective to make an analogy between the problems brought by the prison system along the public security, the impact on society, as well as possible instruments of social peace.
Key-words: Prision System. Public Security. Criminality.
Sumário: Introdução. 1. Cenário atual. 2. Síntese histórica da evolução do direito penal e das penas no Brasil e no mundo. 3. Segurança Pública no Brasil: breve histórico e contextualização. 4. Criminalidade no Brasil. 5. A importância das penas alternativas. 6. O Sistema Carcerário e o Estado de Coisas Inconstitucional. 7. A Justiça Restaurativa como possível solução ao caos. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
No Brasil, muito tem se falado em segurança pública nos últimos tempos. O assunto tem sido tema de debates, palestras, discursos políticos, eventos jurídicos e acadêmicos. Isso porque, o direito de ir e vir parece ser cada vez mais utópico diante de tamanha violência que acomete os municípios e estados brasileiros. As pessoas vivem com uma sensação constante de insegurança, medo e opressão.
A segurança é direito social, fundamental e inviolável de todo cidadão brasileiro. Nossa Carta Magna equipara esse direito ao direito à vida, à liberdade e à igualdade, sendo assim, condição basilar para o exercício da cidadania. O Estado, através dos órgãos elencados no artigo 144 da Constituição Federal, é o principal responsável em buscar medidas para que seja concretizado o direito à segurança.
Contudo, é importante ressaltar que o papel de promover o equilíbrio, de modo a evitar atitudes ameaçadoras e violentas, não compete somente ao Estado, visto que cada um deve ter consciência de suas escolhas e consequências. Daí depreende-se a relevância da aplicabilidade de políticas públicas de segurança duradouras e eficazes.
A Segurança Pública no Brasil apresenta falhas e estas se relacionam diretamente com o caos no sistema carcerário. É importante buscar compreender a ineficácia do sistema prisional brasileiro. Há uma quantidade altíssima de apreensões todos os dias, mas contra a lógica, esse fator não tem diminuído em nada a criminalidade no país.
Em oposição à segurança, a violência urbana tem tomado proporções drásticas nos estados e municípios brasileiros, com enfoque nas regiões Norte e Nordeste. O Estado do Tocantins, por exemplo, apresentou um aumento superior a 150% no número de homicídios entre 2006 e 2016, de acordo com o Atlas da Violência.
Nesse contexto, este artigo objetiva fazer uma análise geral acerca da crise da Segurança Pública e relacioná-la à realidade do sistema carcerário brasileiro. Tanto a Segurança Pública como o sistema carcerário devem ser analisados de forma conjunta, a fim de se buscar alternativas para que se resolva os problemas encontrados.
1 CENÁRIO ATUAL
Ao observar que os presídios são “escolas do crime”, percebe-se que ao invés de contribuírem para a paz social, influenciam negativamente na segurança de todos. As facções criminosas em lugar de acabarem, têm se fortalecido; rebeliões nos presídios não são mais incomuns; não há estrutura presidiária adequada para acomodação dos presos; há um atraso por parte do judiciário no julgamento dos processos; e o índice de reincidência criminal não decai, o que prova, juntamente com demais fatores, que o sistema prisional está praticamente falido.
O próprio Supremo Tribunal Federal declarou o sistema carcerário como “Estado de Coisas Inconstitucional” e violação a direitos fundamentais. Cunha Júnior (2015) disserta que o ECI é um instituto com origem nas decisões da Corte Constitucional Colombiana (CCC) e tem seu respaldo diante da constatação de violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de direitos fundamentais. Possui a finalidade de construir soluções estruturais voltadas à superação desse lamentável quadro de violação massiva de direitos das populações vulneráveis em face das omissões do poder público.
O fato de o STF ter reconhecido expressamente, frente ao pedido de medidas cautelares formulado pela ADPF nº 347/DF, a existência do Estado de Coisas Inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro, constata a relevância do tema. A crise de segurança que o Brasil enfrenta, bem como seus reflexos, são obstáculos graves no caminho para se alcançar a qualidade de vida em sociedade.
Nota-se um descaso com o tema da segurança pública, ao passo em que a criminalidade tem crescido em números alarmantes. A violência, lamentavelmente, se tornou comum e banal. A sociedade acabou por se acostumar a viver com medo e aceitar que mora em um país violento. Há indignação nas pessoas, mas não ao ponto de se tomar providências.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017), nas nossas políticas de segurança pública não há uma perspectiva que integre ações de repreensão qualificada (com inteligência e investigação) com ações (de curto, médio e longo prazos) de prevenção, construídas com a oferta de serviços públicos de qualidade.
Um reflexo dessa realidade está no sistema carcerário brasileiro, que, a propósito possui uma das maiores populações de presos do mundo. Aqui, preocupa- se muito em punir, mas é deixado de lado o caráter ressocializador da pena ao colocar o infrator em um estabelecimento superlotado, sem condição alguma de dignidade humana, fato este que contribui ainda mais para o índice exorbitante de reincidência criminal.
Presos provisórios, na falta de estabelecimento adequado, ficam juntos aos presos sentenciados, e não há, na maioria das vezes, uma separação de celas entre criminosos de menor e maior potencial ofensivo. Ocorre também de o indivíduo não ter outra alternativa de preservar sua vida caso não se alie a facções criminosas diante de constantes ameaças que recebe por parte dos integrantes. Como consequência, o indivíduo sai das casas de prisão muito pior do que entrou, sendo este um perigo eminente para a própria sociedade.
2 SÍNTESE HISTÓRICA DA EVOLUÇÃO DO DIREITO PENAL E DAS PENAS NO BRASIL E NO MUNDO
Para que se compreenda o estado atual da segurança pública no Brasil e do sistema carcerário é preciso conhecer as fontes responsáveis por desencadearem os conflitos existentes. Não são recentes os conflitos que abarcam a segurança pública no país. Metaforicamente, pode se dizer que os frutos podres que colhemos hoje são oriundos de uma plantação malfeita há centenas de anos atrás.
Estudar a evolução histórica do Direito Penal, bem como das penas é um ponto essencial para se chegar ao contexto em que vivemos. O Direito Penal pode ser dividido em cinco fases. São elas: vingança privada, vingança pública, período humanitário e período científico ou criminológico. Cabe perceber as principais peculiaridades de cada fase e os vestígios que se carrega no período atual.
Na fase da vingança privada, nos primórdios da civilização, não havia intervenções justas. Quando alguém ofendia outrem, a resposta era brutal, totalmente instintiva, atingindo inclusive os familiares ou tribos, de forma a gerar uma verdadeira sangria, que dizimava tribos inteiras. “Reinava a responsabilidade objetiva, e desconheciam-se princípios como o da proporcionalidade, humanidade e personalidade da pena” (CAPEZ; BONFIM. 2004, p. 43).
A noção de proporcionalidade surgiu com o Código de Hamurábi, em 1790 a.C. no reino da Babilônia. Apesar de não ter sido afastada a violência da repulsa, a Lei de Talião que tinha como princípio o “olho por olho, dente por dente”, representou um avanço na sociedade daquela época.
No período da vingança divina, como o próprio nome sugere, o foco principal era os deuses. Acreditava-se que eles eram os guardiões da paz e todo crime cometido era considerado afronta às divindades. “Para que a tranquilidade fosse restaurada, sacrifícios humanos deveriam ser realizados. Desse modo, três providências eram adotadas: agradava-se o Deus maculado, castigava-se o ofensor e amedrontava-se a população” (FADEL, 2009, p. 62).
As penas na segunda fase variavam de acordo com o prestígio da divindade afrontada: quanto maior o valor do deus afrontado, mais cruel seria a pena. “Os sacerdotes eram os responsáveis pela administração da justiça, e pela aplicação das sanções. O Direito Penal vigorante foi denominado Direito Penal Teocrático. ” (FADEL. 2009, p. 62). No período da vingança pública, a punição imposta ao transgressor da lei passou a ter no Estado a resposta oficial, com objetivo de que fosse protegida a coletividade. Mas, na verdade, todo o poder que estava nas mãos dos soberanos era abusivo e o tratamento dado aos cidadãos, desigual.
No Brasil a realidade era bem semelhante. Durante a fase imperial, o Direito Penal foi utilizado para favorecer o Soberano e amigos e punir os menos favorecidos, ou os que se revoltavam contra a Coroa. No século XVIII com o iluminismo, surge o período humanitário. Nessa época, denominada como “século das luzes”, emergiram grandes e profundas mudanças que permitiram reconhecido avanço intelectual e social. Um dos filósofos marcantes desse século, Marquês de Beccaria, lançou a obra “Dos Delitos e da Penas”, a qual contribuiu significantemente para o Direito Penal.
Segundo Fadel (2009), Beccaria não concordava com o sistema penal vigente da época. Ele criticava a complexidade da linguagem usada pela lei, visto que a maioria dos réus eram analfabetos e desconhecedores da lei. O autor repudiava a desproporção entre os crimes cometidos e as penas aplicadas, bem como a aplicação desordenada da pena de morte. Além disso, repreendeu a utilização da tortura como meio legal de obtenção de prova e condenou o estado das prisões.
Segundo (BITENCOURT, 2001, p. 56), Beccaria tinha uma visão utilitarista da pena. Ele acreditava que a pena não tinha outra finalidade senão a de impedir que o infrator cometesse novamente o crime e que os demais cidadãos tomassem o ocorrido como exemplo. “As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e inviolável for a segurança [...] ”. (BECCARIA, 2015, p.28).
A obra em questão foi escrita em 1764 e é impressionante como aborda temas tão atuais. Beccaria ainda em tempos remotos, há mais de 250 anos, já defendia o caráter ressocializador da pena. Com a máxima “é melhor prevenir delitos que castigá-los”, ele trabalhava sob a ótica da prevenção e da reinserção do réu para a sociedade. Isso nos leva à conclusão de que, a evolução das penas e do direito penal como um todo, se dá de maneira extremamente lenta no Brasil, pois mesmo tendo passado tantos anos, ainda vivemos os problemas de séculos passados.
Marquês, sem dúvidas, pensava a frente de seu tempo. Além de tudo, ele conseguia visualizar as dificuldades que a demora no julgamento de um processo, acarretariam. No Brasil, este é um dos maiores impedimentos para que se atinja o objetivo reabilitador da pena privativa de liberdade.
Outro pensador do século XVIII, que vale o destaque no presente estudo, é John Howard. Ele dedicou a vida à problemática penitenciária e, com essa dedicação, publicou a famosa obra The state of prisons in england and wales. Cezar Roberto Bitencourt e outros doutrinadores, o consideram o iniciador de uma corrente preocupada com a reforma carcerária.
O tema central da obra de Howard é a humanização das prisões. O autor arguia contra as condições desumanas em que se encontravam as prisões da Inglaterra e País de Gales. No entanto, como bem lembrado por Bitencourt (2001) em sua obra “Falência da Pena de Prisão – Causas e Alternativas”, a reforma da prisão naquela época não era tema de interesse dos governantes, assim como nos dias atuais.
Após o avanço ocasionado pelos pensadores iluministas, o Direito Penal passou a ser estudado de modo mais científico e metodológico. Esse é o período denominado como científico ou criminológico.
“A partir de então, os estudiosos não mais se limitaram ao exame da legislação, passando a desenvolver conceitos e teorias jurídicas, sociais e antropológicas, divisando de forma abrangente o fenômeno criminal, bem como a verdadeira função de alguns institutos penais. ” (FADEL, 2009, p. 65).
Pode-se dizer que a raiz dos problemas do sistema carcerário é profunda e antiga, e que desde o início, havia quem lutava e clamava por mudanças. Ocorre que a desigualdade social, o poderio nas mãos de poucos, a falta de aplicação de políticas públicas voltadas para segurança e tantas outras questões sociais, sempre existentes, fizeram e fazem com que se encontre estagnado o sistema prisional brasileiro.
A teoria de finalidade da pena adotada pelo Brasil é a mista. Sintetiza Magalhaes Noronha: “As teorias mistas conciliam as precedentes. A pena tem índole retributiva, porém objetiva os fins de reeducação do criminoso e de intimidação geral. Arma, pois, o caráter de retribuição da pena, mas aceita sua função utilitária”. (NORONHA, 2009, p. 223). Contudo, a finalidade não é alcançada em sua plenitude, visto que o Brasil é um dos países com maior índice de criminalidade do mundo.
Desde a criação da Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil até as Policias Militares comandadas por oficiais do Exército com a consolidação da Constituição da República de 1967 ocorreram diversos momentos de conflitos políticos e sociais. Na década de 1960, quando começou o regime ditatorial no país, a centralização da segurança estava com as Forças Armadas, que tomavam ações repressivas num período marcado pela censura, falta de liberdade e democracia.
“Nesse período, as Polícias Militares passaram a ser comandadas por oficiais do Exército, que imprimiram à corporação valores das Forças Armadas. Portanto, o Brasil adquiriu, nesse momento, um colaborador do período ditatorial, ou seja, uma polícia repressora que priorizava a segurança nacional, desfavorecendo a segurança pública e se inserindo num contexto negativo diante da sociedade brasileira”. (CRUZ, 2013, p. 3).
Até a promulgação da Constituição Federal de 1988 não se tinha uma noção de segurança pública e menos ainda uma aplicabilidade desta. Entretanto, a atual Constituição trouxe em seu artigo 144 algo inovador, porém sucinto: o conceito de segurança pública.
“A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. ” (BRASIL, 1988).
“O texto destaca uma autonomia para os estados em conduzir a política de segurança gerando uma descentralização. O resguardo à ordem pública e a prevenção da violência se tornaram atribuições das instituições policiais”. (CRUZ, 2013, p. 4). Após 1988, as polícias que antes atuavam apenas de modo reativo ao problema da violência, passariam a atuar de modo preventivo. Outra inovação trazida pela Carta Magna foi o desfazimento do mito de que o assunto em pauta era competência apenas da Justiça Criminal.
Ao mencionar “ordem pública”, a Constituição abrange as políticas de segurança, educação, saúde, moradia, entre outras. Ou seja, é responsabilidade do Estado, por meio da Segurança Pública, assegurar e garantir efetivamente o bem-estar social. A segurança pública precisa ser articulada junto aos demais serviços públicos. Caso contrário, dificilmente será possível alcançar a ordem social.
“E a segurança, por sua vez, é proporcionada pelo Estado por meio de: a) um conjunto de normas que determinam o que é permitido e o que é proibido (as leis); b) políticas públicas que buscam promover os direitos dos cidadãos com equidade, igualdade e oportunidades além de prevenir atos violentos e manter a convivência harmoniosa na sociedade (programas, projetos e ações dos governos federal, estaduais e municipais); c) procedimentos que asseguram o direito a um julgamento justo (juízes imparciais, defesa ampla e processo juridicamente correto); d) um conjunto de instituições responsáveis por aplicar as medidas preventivas e as sanções determinadas pelos juízes (instituições policiais, prisionais, fiscais etc.)”. (SCABÓ, I.; RISSO, M., 2018, p. 11).
Na prática, a desordem social se visualiza nos jovens moradores de uma área com forte tráfico de drogas, na periferia do Rio de Janeiro, por exemplo. Se esses jovens não tiverem acesso à segurança, habitação, saúde e educação de qualidade, como terão uma vida digna e protegida do crime? A segurança não consiste apenas em uma ronda policial na periferia, mas em uma proteção policial aliada a todas as outras garantias sociais.
O perfil de quem mata e morre, segundo o Atlas da Violência de 2018 é de homens negros, moradores de periferia, com idade de até 29 anos, que possuem baixa escolaridade e baixa renda. Esse perfil comprova que o crime cresce na medida da desigualdade social e racial e na desproporção da aplicabilidade de políticas de segurança pública.
Segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso (2018), “Segurança Pública inclui prevenção, inteligência e investigação”. O ministro reconhece que uma “polícia bem-equipada, bem-treinada e bem-remunerada faz a diferença”, porém deixa claro o entendimento de que a Segurança Pública não se restringe apenas à ideia de polícia.
“Os caminhos para uma política antiviolência devem abranger atenção à primeira infância; prevenção e redução do abuso infantil; diminuição da evasão escolar; criação de condições de trabalho mais favoráveis para mãe e pais de crianças pequenas; proteção da integridade física das mulheres; combate à violência doméstica; revisão da fracassada política de guerra às drogas; e regulamentação do porte e da posse de armas”. Barroso (2018).
Os Governos municipais devem trabalhar coordenadamente com os estados a fim de buscar a efetivação de ações preventivas contra a violência. Da mesma maneira o setor privado e a sociedade têm papel fundamental nessas ações, de modo que, com a contribuição de todos é possível deixar de ser utópica a ideia de paz social.
4 CRIMINALIDADE NO BRASIL
Jovens brasileiros, sem expectativa de emprego e de futuro, acabam por se envolver no “mundo do crime”, ao acreditarem ser a única alternativa válida para fugir dos problemas e conseguir seu sustento. Por conseguinte, se aliam a facções do crime organizado, que a propósito, têm ganhado cada vez mais força. Muitos desses jovens, com faixa etária de 15 a 29 anos, tem perdido suas vidas, sendo este um fenômeno recorrente, denunciado ao longo das últimas décadas, mas que não se vê ações consistentes o suficiente para combater esse mal (Atlas da Violência. 2018).
Os crimes de homicídio doloso, latrocínio, mortes em decorrência de intervenção policial e mortes violentas intencionais de policiais em serviço e fora de serviço são classificados pela Secretária Nacional de Segurança Pública como Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Esses crimes têm maior relevância social e, portanto, impactam sobremaneira na sociedade. Pode-se dizer, até, que as mortes violentas, especialmente o crime de homicídio doloso, é problema “número um” no cenário da Segurança Pública.
O Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), registrou um número de 62.517 mil homicídios no Brasil em 2016. Como principal indicador de violência, esse dado demonstra quão preocupante é a situação da criminalidade no país tropical.
O número de assassinatos só de mulheres no ano de 2016 foi de 4.645, “o que representa uma taxa de 4,5% homicídios para cada 100 mil brasileiras”. (Atlas da Violência. 2018, p. 44). Diante de dados que mostram que a violência de gênero, assim como, a violência motivada pela cor, raça e classe social, ainda estão bem presentes neste século, podemos concluir que vivemos um retrocesso, presos a questões arcaicas que, como visto no histórico do direito penal, existem desde as primeiras civilizações.
“A taxa de homicídios de mulheres negras é 71% maior que a de não negras, e com um lapso de tempo de 10 anos (2006 a 2016), a taxa de homicídios para cada 100 mil mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto que entre as não negras houve queda de 8%” (ATLAS da Violência. 2018, p. 44). Ora, em 10 anos, em vez de diminuir o número de mortes, o que identificamos foi o aumento. Tais dados parecem ilógicos diante da premissa de que a sociedade evolui com o passar do tempo.
Outrossim, nossas polícias estão com elevados índices de autoria de crimes de homicídio. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017) registrou o número de 4.222 mortes no ano de 2016 em decorrência de intervenções de policiais Civis e Militares. Por outro lado, nesse mesmo ano, 453 policiais Civis e Militares foram vítimas de homicídio.
Os crimes contra o patrimônio que nos aflige diariamente é outra demonstração de tamanha insegurança que vivemos. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017), mais de 1 milhão de carros foram roubados ou furtados entre 2015 e 2016, no Brasil, o que corresponde a 1 carro roubado ou furtado por minuto.
Tendo em vista esses dados que apontam a criminalidade no Brasil, um fator assustador é que “boa parte da violência que temos na nossa sociedade é comandada de dentro do presídio”, disse o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo (2015). Ainda segundo o Ministro, dentro das penitenciárias atuam organizações criminosas que lideram a violência aqui fora.
Nesta ocasião, presos de menor potencial ofensivo, quando saem são muito mais perigosos e habilidosos para o crime. Em muitos casos, saem aliados a facções que os “obriga” a continuar a praticar o ilícito nas ruas. Nosso sistema carcerário nem de longe tem cumprido sua função de diminuir a criminalidade e reintegrar o infrator à sociedade. Pelo contrário, os presídios no Brasil têm fomentado o crime.
Nesse sentindo, Jungmann, Ministro da Segurança Pública, afirmou:
"Temos que rever a cultura que vige na sociedade de prender, prender, prender, sem entender que a prisão em larga escala ou em massa não é sustentável. Nós prendemos muito e prendemos mal. Boa parte desse pessoal faz um juramento para sobreviver e se incorpora às grandes gangues. Então o sistema penitenciário hoje é um sistema que recruta soldados para o crime organizado". Jungmann (2018).
O Ministro afirmou ainda, logo após a criação do Ministério da Segurança Pública, que técnicos do ministério estudariam propostas para separar os presos pelo grau de periculosidade e pelo tipo de crime que cometeram; ampliariam as unidades do regime semiaberto; adotariam medidas punitivas alternativas, como o uso de tornozeleiras e prestação de serviços à comunidade.
5 A IMPORTÂNCIA DA APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS
Perante a falência da pena privativa de liberdade em ordenar a questão da criminalidade no Brasil, mostra-se a importância do fortalecimento das penas alternativas como um caminho mais humanizado e facilitador da integração do apenado à sociedade. Deve-se ater ao fato de que o objetivo da sanção penal deve ser o de reabilitar o indivíduo e não de vingar o mal cometido.
As penas alternativas, legalmente conhecidas como penas restritivas de direito, estão previstas no art. 43 do Código Penal Brasileiro. São elas: prestação pecuniária; perda de bens e valores; limitação de fim de semana; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; e limitação de fim de semana. Ampliar a aplicação dessas penas reduzirá a superlotação nas unidades prisionais, o que, consequentemente, evitará que o indivíduo de menor potencial ofensivo, tenha contato com o sistema prisional e acabe por se tornar um reincidente no crime.
É urgente a necessidade de oxigenação total do sistema carcerário, sobretudo buscando medidas para pôr fim ao seu crescimento acelerado. Constata-se que o país carece de investimento na recuperação e ressocialização da massa e no fortalecimento de penas alternativas.
Desde que o “mundo é mundo” há conflitos nas relações sociais e com eles a indispensabilidade de se existir normas e regras. De acordo com (CAMARA, 2009, p. 65), “o crescimento desenfreado das cidades nas últimas décadas aumentou a carga de conflito entre as pessoas, grupos e entre estes com o Estado, que, por sua vez, não foi competente para preveni-los e menos ainda para administrá-los”.
O ritmo das mudanças nas cidades, principalmente nas grandes metrópoles, acontece de forma muito rápida, e, infelizmente, as polícias, o sistema judiciário e penal não têm conseguido acompanhar as transformações e evitar a expansão do crime. Em decorrência disso, acarreta-se um verdadeiro caos no sistema penitenciário.
De acordo com Fiódor Dostoiévski em sua obra “Crime e Castigo” do ano de 1866, “é possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões”. Visto isso, depreende-se a situação crítica em que se encontra a civilização brasileira. O relatório levantado pelo Departamento Penitenciário Nacional (2017), trouxe o dado de 726.712 mil presos no Brasil e um déficit de 358.663 vagas. Em outras palavras, nos nossos presídios a quantidade de vagas existentes, suportaria apenas metade dos presidiários.
As rebeliões sanguinárias nos presídios causaram pânico na população em 2017. Logo no primeiro dia do ano ocorreu um massacre no
Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, deixando um saldo de 56 mortos, segundo Henriques (2017). O G1 Amazonas informou que os mortos eram integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital e presos por estupro.
Com base na reportagem do G1 (2017), em janeiro de 2017, se continuou as matanças nos presídios, por meio das rebeliões, com 33 mortes na rebelião de Boa Vista – RO, duas mortes em Patos na Paraíba, quatro mortes na cadeia pública de Manaus, e no meio do mês, 26 mortes na rebelião no Rio Grande do Norte. Além dessas, tiveram outras ocorrências, que somadas às citadas, “ultrapassaram as 111 mortes do Massacre do Carandiru, no Estado de São Paulo, em 1992”.
Nesse segmento, o STF reconheceu o quadro do sistema penitenciário no Brasil como “Estado de Coisas Inconstitucional”, fato que comprova que já se passou muito dos limites as irregularidades nesse sistema.
Em julgamento dos pedidos de medida cautelar formulados na inicial, ocorrido em 9.9.2015, o Pleno do STF, por maioria, deferiu a cautelar em relação à alínea b, para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, realizassem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão. E, em relação à alínea h, por maioria, deferiu a cautelar para determinar à União que liberasse o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos. E, ainda, o Tribunal, por maioria, deferiu a proposta do ministro Roberto Barroso de concessão de cautelar de ofício para que se determinasse à União e aos estados, especificamente ao Estado São Paulo, que encaminhassem ao Supremo Tribunal Federal informações sobre a situação prisional. (GUIMARAES, M, 2017, p. 95-96).
Ao tomar essa decisão, o Supremo voltou seus olhares à problemática deveras grande em que se vive no Brasil há tempos com relação à Segurança Pública e ao sistema prisional. No entanto, segundo Porpino (2017), paira uma polêmica acerca da autonomia da Suprema Corte quanto a formulação de políticas públicas. O Plenário entendeu que a decisão do STF violava o Princípio da Separação e Harmonia dos Poderes, bem como a cláusula do financeiramente possível.
Por outro lado, se defendeu a importância do ativismo judicial, já que os órgãos estatais são inertes e a violação aos direitos humanos, desenfreada. Ora, é certo pensar que não existe coerência no fato de se ignorar a não concretização dos direitos fundamentais da população. A atuação do Supremo ao reconhecer a existência do ECI foi uma medida extrema para uma situação igualmente séria e relevante.
7 JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO POSSÍVEL SOLUÇÃO PARA O CAOS
A sede por vingança é um sentimento comum entre os brasileiros. Neste país é intrínseca a ideia de que o mal instaurado deve ser, acima de tudo, punido por quem o praticou. Com isso, percebe-se a prática de uma cultura punitiva, em que a sociedade sente a necessidade de castigar o possível transgressor, para que gere, então, a sensação de justiça. Isso acontece, porque, com base nessa cultura, a concepção de justiça está intimamente ligada ao ato de punir.
No entanto, frente a realidade da segurança pública e do sistema carcerário brasileiro, se faz conveniente a reflexão acerca da cultura punitiva. É sabido que as prisões estão superlotadas e que as penas aplicadas não têm cumprido seu papel restaurador. Falta, pois, primeiramente, a conscientização de que ao punir deliberadamente o infrator, a punição também recai sobre a sociedade, que vai reencontrar esse infrator potencialmente mais perigoso.
A Justiça Restaurativa não é uma prática recente no Brasil e tem se expandido com o passar dos anos. Segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a Justiça Restaurativa “se trata de um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima. ”
“Na prática existem algumas metodologias voltadas para esse processo. A mediação vítima-ofensor consiste basicamente em colocá-los em um mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo de que se busque ali acordo que implique a resolução de outras dimensões do problema que não apenas a punição, como, por exemplo, a reparação de danos emocionais. ” Carvalho (2014).
Esse instituto, como o próprio nome diz, busca restaurar os danos sofridos pela vítima. O cerne está na reparação, ou seja, em atuar na consequência do crime. O viés restaurativo possui um foco na cura da ferida do que na reclusão. É uma ideia que tem sido discutida e que pode ser um importante instrumento de pacificação social, de política de desencarceramento e evolução do próprio Direito Penal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segurança pública, como fator determinante para a promoção e manutenção da paz social, garante os direitos individuais e assegura o exercício da cidadania. Nessa perspectiva, é possível afirmar que a qualidade de vida de um cidadão está intimamente ligada à qualidade do exercício da segurança pública. A situação atual do sistema carcerário brasileiro, conforme demonstrado, funciona como um termômetro social, em que quanto mais caótico for o sistema penitenciário, maior será a complexidade da segurança pública.
O direito penal tem vivido um processo longo e antigo de ineficiência no que tange ao combate à criminalidade. Não se vê evolução, mas sim retrocesso. O encarceramento em massa, visivelmente, não tem resolvido os problemas sociais, longe disso, tem aumentado. Todavia, para que se aplique substitutos penais é preciso, primordialmente, haver um reconhecimento geral da falência do modelo punitivo atual. A justiça meramente retributiva, comprovadamente, não tem gerado bons efeitos.
O sistema prisional é o maior problema da segurança pública, e o sucesso desta, perpassa pelo enfrentamento e solução do caos carcerário. Com o presente artigo, pôde-se constatar que é crucial buscar e aplicar medidas que visem o desencarceramento. Ademais, precisa-se voltar a atenção à primeira infância, ao acesso a educação, saúde e moradia de qualidade, a fim de se evitar o mal “pela raiz”.
BECCARIA, C. Dos Delitos e das Penas. 2 ed. São Paulo: Edipro, 2015.
BITENCOURT, C. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
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[1] Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Defensor Público Federal de 1ª categoria na Defensoria Pública da União no Estado do Tocantins. Professor de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. E-mail: [email protected]
Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ana Luiza Fontoura. A crise da segurança pública e sua relação direta com o sistema carcerário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52899/a-crise-da-seguranca-publica-e-sua-relacao-direta-com-o-sistema-carcerario-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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