JANAINA GUIMARÃES MANSILIA
(Orientadora)[1]
ANDRÉ DE PAULA VIANA
(Co-orientador)[2]
RESUMO: Através da presente pesquisa identifica-se a existência de uma verdadeira omissão pelo Estado da não inserção do direito constitucional na grade curricular no sistema de ensino brasileiro. Analisa-se ainda, o Projeto de Lei, apresentado pelo Senador Romário, com a axiologia de implementar os direitos e garantias fundamentais. A pesquisa ainda reflete uma análise crítica sobre o papel do Estado e das escolas, refletindo-se sobre o verdadeiro papel do sistema escolar e as suas diferentes práxis durante todo o percurso da vida do educando. Dialeticamente, a pesquisa parte de uma visão interdisciplinar, compreendendo a importante das diferentes ciências sociais e filosóficas na formação e na construção de uma sociedade menos desigual e mais consciente dos seus valores e direitos.
ABSTRACT: The present research identifies the existence of a true omission by the State of not inserting the constitutional right in the curriculum grid in the Brazilian education system. It also analyzes the Bill, presented by Senator Romario, with the axiology of implementing fundamental rights and guarantees. The research also reflects a critical analysis of the role of the state and schools, reflecting on the true role of the school system and its different praxis throughout the course of the learner's life. Dialectically, the research starts from an interdisciplinary view, understanding the importance of the different social and philosophical sciences in the formation and construction of a society less unequal and more conscious of its values and rights.
Keywords: State. Capitalism. Constitutional rights. Inequality. High school
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2. EDUCAÇÃO COMO REPRODUÇÃO DOS INTERESSES BURGUESES. 3. ESTADO E PODER: QUAL O SEU VERDADEIRO PALEL? 4. PROJETO DE LEI QUE PREVÊ O DIREITO CONSTITUCIONAL NA GRADE CURRICULAR. 5. A INSERÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL NA GRADE CURRICULAR E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA.
1. INTRODUÇÃO
Analisando a dicotomia entre o direito constitucional em uma visão interdisciplinar com outras ciências sociais e os interesses do Estado, fica evidente a importância da discussão em relação aos meios necessários para uma educação reflexiva e transformadora. Partindo-se do valor que o Estado não busca transformar a sociedade, e tão pouco, gerar cidadãos com ideias críticas e autônomas, evidencia um paradoxo, pois como podemos ensinar direitos e deveres, sem antes legitimar os princípios básicos que regem a nossa Constituição? Como criaremos uma camada de indivíduos que em sua essência busca a transformação da realidade sem conhecer seus próprios direitos básicos? De forma geral, o Estado usa da educação como um aparelho de reprodução do sistema capitalista, que por sua natureza gera a desigualdade social.
A tendência do Estado, não é resolver o problema da marginalização, e tão pouco criar uma educação justa e igualitária. O mesmo busca dar mais para uns e menos para outros, ora mantendo as coisas como estão. É assim, que o sistema se mantém, logo a omissão na grade curricular do direito constitucional no ensino médio, não deve ser visto como um fator acidental, pelo contrário, o mesmo encara a sociedade como mero meio de funcionamento reprodutivo, onde o saber gera medo e inconformidade.
A grande problemática aqui apresentada encontra-se no processo de ensino e aprendizagem, principalmente de conhecimentos sociais e de cunho filosóficos, pois se os conhecimentos são selecionados pelo Estado, logos são carregados de ideologias, preso a um determinado aparelho ideológico. Como o conhecimento que em sua essência nasceu para reflexão, poderá gerar mentes libertárias e inovadoras se foram criados pelo Estado? Como poderão deixar de reproduzir o sistema? Diante destes questionamentos, podemos encontras algumas soluções e diretrizes para tentar sanar tais problemas de cunho filosóficos. Primeiro, é necessário que o conhecimento seja um processo construído historicamente voltado para a liberdade do “espírito” humano, em outras palavras, o Estado deve apenas criar os meios e mecanismos necessários para cada indivíduo desenvolver suas maiores potencialidades, aquilo que é inerente a cada sujeito. Porém, só é possível deixar de reproduzir em partes o sistema se o Estado fornecer instrumentos e disponibilizar um espaço propício para o desenvolvimento da autonomia, propagando os direitos inalienáveis e criando as possibilidades de desenvolver o senso crítico, espírito de espanto, de busca e de investigação.
Torna-se lógico, que alguns alunos que tem mais acessos a livros, revista ou informações em gerais, terão menos problemas no modelo educacional, pois sua inserção estará de acordo com os interesses burgueses, ou seja, aqueles que tiveram mais acesso ao “capital cultural” sobressairão em relação aqueles que não tiveram. Assim, é notório que o Estado se torne ramificações que atendam prioritariamente a sua própria manutenção e aposteriori dissolva certo conhecimento que consiga reproduzir e manter o funcionamento do sistema.
O sistema escolar, por sua vez acaba favorecendo alguns alunos que já possuem uma certa “leitura de mundo”, uma maior “bagagem cultural”. São justamente aqueles alunos que não tiveram capital cultural, seja na forma de livros, “coisas concretas” ou por não terem acesso a passeios em lugares que possibilitem sua “formação intelectual refinada”, ao chegarem à escola, serão marginalizados pelo sistema de ensino, os enganando-os e fazendo-os pensar que sua dificuldade é apenas falta de inteligência e vontade, onde na verdade o que ocorre é que eles não dominam os mesmos códigos culturais que a escola valoriza.
2. EDUCAÇÃO COMO REPRODUÇÃO DOS INTERESSES BURGUESES
Inúmeros pensadores com Aristóteles, São Tomás de Aquino, Rousseau, entre outros se debruçaram em torno da temática acerca da educação, apresentando como a essência da vida e da felicidade. A educação para a transformação, para a criação e para o bem comum. Porém alguns estudiosos apresentaram a educação não como meio de equalização, mas para perpetuação das desigualdades e disparidades do sistema, um aparelho reprodutivo do Estado.
A educação como mera reprodução, leva talvez a uma concepção reduzida da realidade, mas que de certa forma, denuncia as mazelas e o descaso social. Algumas tendências entendem que a escola é sem dúvida o principal meio de alcançar a igualdade e a justiça. Essas concepções são chamadas de não-criticas, acredita que a educação é a responsável pela ordem social, pela pacificação, pelo direcionamento de todo o processo do corpo coletivo. Essa tendência interpreta que a educação é um processo de mediação com o projeto social, considerando que existe a possibilidade de agir a partir dos próprios condicionantes históricos.
Dermeval Saviani assim manifesta seu pensamento em relação ao tema:
Uma teoria do tipo acima enunciando se impõe a tarefa de superar tanto o poder ilusório (que caracteriza as teorias não-críticas) como a impotência (decorrente das teorias-critico-reprodutivistas), colocando nas mãos dos educadores uma arma de luta capaz de permitir-lhes o exercício de um poder real, ainda que limitado (SAVIANI, p. 35-6)
Evidencia que não se pretende enxergar a educação como algo ilusório ou perfeito, nem tão pouco, como mera reprodução, como impotente, sem poder de transformação. Pelo contrário, mostra um poder que se encontra nas mãos dos educadores, um poder verdadeiro, que bem lapidado e trabalhado, tem a força de mudar, de construir, de modificar.
Para a filosofia, a educação não pode e nem deve ser um mero mecanismo de manutenção, de conformidade, de aceitação, de acriticidade. O fies aqui, é estruturar uma nova forma de enxergar o processo de construção e transformação, pois partindo que a base do direito constitucional e de outras ciências sociais é a reflexão, o espanto, o diálogo e a busca imutável da essência das coisas, cabe aqui apresentar mecanismos que possam superar a simples aceitação da estrutura curricular do ensino médio nas escolas públicas e privadas brasileiras. As metodologias dos educadores devem levar os alunos à superação, ao conflito de ideias, a inconformidade e a dúvida. Parte-se então, da superação da própria estrutura criada pelo Estado, não aceitado apenas a reprodução de certos conceitos determinados como corretos, mas sim, criar elementos que constituem a consciência coletiva, visando à formação plena e participativa.
Dermeval Saviani nos ensina desta forma:
“O caminho é repleto de armadilhas, já que os mecanismos de adaptação acionados periodicamente a partir dos interesses dominantes podem ser confundidos com os anseios da classe dominante. Para evitar esse risco, é necessário avançar no sentido de captar a natureza especifica da educação, o que nos levará à compreensão das complexas mediações pelas quais se dá sua inserção contraditória na sociedade capitalistas”. (LUCKESI, 1994 apud SAVIANI, p. 50)
Assim em seu livro: Escola e Democracia (SAVIANI, 1997), o autor levanta algumas questões em torno das “teorias não críticas”, compreendidas nos diversos tipos de pedagogia (tradicional; nova e; tecnicista), as quais entendem que a educação é capaz de acabar com a marginalidade vivida pela sociedade brasileira, subentendendo-se a marginalidade como um desvio de conduta, algo individual e passivo de correção a partir da educação.
Além destas teorias, o autor analisa as “teorias crítico-reprodutivistas”, como a Teoria do Sistema de Ensino como a violência simbólica; Teoria da Escola como Aparelho Ideológico do Estado, além da Teoria da Escola Dualista, nas quais entendem que a educação agrava seus problemas de ensino, discriminando e marginalizando seus discentes, os quais estão inerentes à estrutura da sociedade, o autor destaca a importância de fazer da escola um ambiente que democratize as relações sociais e não torne a sociedade cada vez mais estratificada e distanciada de uma consciência cidadã.
É importante frisar os problemas decorrentes do sistema capitalista, em especial os que conduzem a um determinado capital cultural, metáfora difundida por Pierre Bourdieu que serve para indicar: “as maneiras em que a cultura reflete ou atua sobre as condições de vida dos indivíduos, realçando a cultura de classe e o papel do sistema escolar na valorização da cultura dominante”. (BOURDIEU, 1997)
Evidencia a importância de uma grade curricular com uma vertente inovadora, partindo-se da inserção dos conhecimentos jurídicos constitucionais, em uma concepção interdisciplinar. Destarte, o papel do Estado em uma concepção crítica deve ser entendido como meio que reflete estas relações de dominação dentro do ambiente escolar, servindo de alerta contra o “pedagocídio educacional”, tendo o saber filosófico e constitucional como uma das inúmeras ferramentas de liberdade ao sistema de ensino, assim: “Todas e todos que atuamos em Educação, porque lidamos com formação e informação, trabalhamos com o conhecimento. O conhecimento, objeto da nossa atividade, não pode, no entanto, ser reduzido à sua modalidade científica, pois, apesar de ela estar mais direta e extensamente presente em nossas ações profissionais cotidianas, outras modalidades (como o conhecimento estético, o religioso, o afetivo etc.) também o estão. ” (CORTELLA, 1999)
Em uma análise sistémica, é possível desvendar que a educação é um instrumento não de equalização, mas sim, um mecanismo de discriminação social, de desigualdade e de marginalização. Partindo-se então que o papel do direito constitucional não é uma mera reprodução do sistema, com passividade e difusão ideológica, apresentando-se um olhar crítico e dinâmico em relação aos anseios e aos desejos do Estado. Assim nas palavras de Dermeval Saviani, o Estado encobre tal realidade:
Como a AIE dominante, vale dizer que a escola constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista. Para isso ela toma a si todas as crianças de todas as classes sociais e lhe inculca durante anos a fio de audiência obrigatória “saberes práticos” envolvidos na ideologia dominante. (SAVIANI, 24-5)
Em suma, é possível compreender que os conhecimentos filosóficos são vítimas do próprio sistema, reduzindo-se a sua autonomia e a sua capacidade de criticidade, massificando-as e encurralando-as pelas pretensões que fragmentam sua verdadeira essência e seu papel transformador, diminuindo suas qualificadoras e distorcendo o seu verdadeiro prisma. É importante ressaltar que o conhecimento do direito constitucional na grade curricular é uma ameaça a classe burguesa e ao próprio Estado, pois sem dúvidas, os conteúdos selecionados não devem criar uma camada crítica e conhecedoras dos seus direitos, pois o Estado estaria contradizendo a sua própria natureza de reprodução formalística e da mera perpetuação das relações de produção.
Partindo-se que os conteúdos são selecionados pelo Estado, evidência um paradoxo, pois os conteúdos seriam para libertar ou para reproduzir? Os educadores estariam ensinando a pensar ou reproduzindo ideologias? Em uma concepção crítica, compreende-se que o sistema inculca determinados conteúdos que se fundamentam nas manifestações dos domínios burgueses. Diante do que foi supracitado é notória um antagonismo de classes e interesses, ora, assim alguns serão médicos, outros serão lixeiros, pois só assim seria possível o funcionamento do sistema. Diante disso, a escola assume o papel de reproduzir as relações materiais. No olhar de Saviani, o Aparelho Ideológico do Estado escolar tem essa finalidade:
Neste contexto, como se coloca o problema da marginalidade? O fenômeno da marginalização se inscreve no próprio seio das relações de produção capitalista que se funda na expropriação dos trabalhadores pelos capitalistas. Marginalizado é, pois, a classe trabalhadora. O AIE escolar, em lugar de instrumento de equalização social constitui um mecanismo construído pela burguesia para garantir e perpetuar seus interesses (...)
Entretanto, quando descreve o funcionamento do AIE escolar, a luta de classes praticamente diluída, tal o peso que adquire aí a dominação burguesa. (SAVIANI, p. 26-7)
Diante do exposto, evidencia uma controvérsia, pois como proporcionar a criticidade, a autonomia, o questionamento, a reflexão e a transformação dos problemas sociais, já que os conhecimentos jurídicos que servem para gerar mentes libertárias e dinâmica ficam camuflados pelo Estado?
Pois é possível desvendar que o conhecimento jurídico constitucional vem para fazer a correção da realidade, já que o mesmo tem como vertente não apenas denunciar, mas também transformar na busca do bem comum, da justiça e da felicidade. Os conhecimentos jurídicos devem ter como primazia a essência da verdadeira axiologia, desprendendo das aparências e se voltando para o verdadeiro conhecimento, abandonado o senso comum e transcendendo a um plano mais amplo e complexo. Com a inserção dos conhecimentos jurídicos na grade curricular do ensino médio, os sujeitos se desprenderão da escuridão, da ingenuidade, levando-os a inquietação, a busca, a investigação e a reflexão de tudo aquilo que o cerca.
Dentro desta concepção, o ensino na escola, não pode vir de encontro com os interesses dominantes, mas sim, preparar o educando para a vida como cidadão repleto de conhecimento e de inteligência. Não cabe aqui, reduzir o potencial de ensinar, ou apenas selecionar, ao contrário, cabe levar o aluno a “luz”, a transformação, a modificação da realidade, para a busca do bem comum. Entende-se que a escola é sem dúvida uma das principais “pontes” de ligação entre a formação do corpo coletivo, não de aceitação, mais de reflexão e inovação, na busca permanente dos direitos inerentes aos Homens.
3. ESTADO E PODER: QUAL O SEU VERDADEIRO PAPEL?
O Estado então surge para a paz ou para o poder? Para justiça ou manutenção das desigualdades sociais e intelectuais? Destarte, é notório que o Estado surge não apenas como um meio de resolver problemas de ordem política, econômica, cultural e social. Pelo contrário, ele é um ente personificado de poder, porém é preciso observar empiricamente que o poder ultrapassa a esfera do próprio Estado. Diante do entendimento que o Estado não é um simples meio de manter a paz, a ordem ou a pacificação social, ou seja, não é um ente neutro, é possível buscar a sua verdadeira axiologia, partindo-se que não devemos reduzir o “Poder” apenas na esfera econômica ou dizer que todo poder está centralizado nas mãos do Estado. O poder extrapola o Estado e permeiam, ainda que de forma difusa e pouco evidente as diversas práxis sociais no cotidiano. Isso é visível quando observamos a moda que diretamente não advém do poder do Estado ou até mesmo a classe dominante que detém uma parte do poder, mas não na sua plenitude.
O sistema escolar dentro de um cenário marcado pelo poder, não teria em sua essência a neutralidade, como um sistema perfeito, utópico e justo. Destarte, uma concepção marcada pelo senso comum ou até mesmo uma pré-noção sobre o sistema escolar é definir que ela é sem dúvida uma instituição neutra, que busca diminuir as desigualdades sociais, o principal meio de transformação social. É importante frisar que as diretrizes que regem certas perspectivas democráticas que trazem a nós uma certa enganação, ou seja, difunde a ideia que o sistema está trilhando o seu caminho natural, neutro, das ciências, não passa de um fato ilusório, de uma certa concepção enganosa. O bom desempenho ou mau desempenho do aluno está totalmente ligado às relações sociais fora da escola, assim podemos supor que muitas vezes, quando é discutido algum problema educacional, as opiniões primeiras sobre os fatos sociais apresentam-se como uma coletânea falsamente sistematizada de julgamento com uso alternativo. (BOURDIEU, 1999).
É notório que a discussão ultrapassa o campo econômico, e enfatiza questões de cunho cultural e social. Assim, é importante frisar que o sistema de forma global “nada” contra os menos favorecidos, aqueles que não detém o poder dos mesmos códigos que são valorizados pelo sistema de ensino.
Diante disso, Bourdieu nos ensina desta maneira:
É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da “escola libertadora”, quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência da legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural (BOURDIEU, 2005, p. 41).
Destarte, verifica-se que a democracia ainda é um processo a ser construído pela sociedade, que de certa maneira, não apresenta uma consciência pura e liberta de “raios” de certos vícios e contaminações do sistema e do Estado. Assim, é possível compreender que o Estado ainda nos apresenta como um aparelho ideológico com certas intencionalidades, essas que são ainda de determinados grupos sociais. É notório ainda, que o poder de “manipular” ou induzir a certos padrões de vida, como a moda, consumo, gostos entre outros, ultrapassam a esfera do Estado, sendo inculcados determinados valores e modelos na sociedade que terão força de modificar e até mesmo de ir contra a própria consciência do ser, fazendo-se assim, a democracia como um recorte de desejos e anseios impostos e transmitidos pelo sistema e consequentemente modificando a cultura e produzindo uma democracia falha e utópica.
4. PROJETO DE LEI QUE PREVÊ O DIREITO CONSTITUICIONAL NA GRADE CURRICULAR
A ideia central é introduzir os valores sociais e constitucionais na grade curricular do ensino médio, partindo de uma concepção marcada pela difusão de conhecimentos como política, cidadania, justiça, equidade, direitos e garantias fundamentais como previstos no art. 5º e 6º da Constituição brasileira de 1988.
Diante da necessidade de uma mudança significativa na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, Lei 9.394/96 (LDBEN), no dia 06 de outubro de 2015, o Senado aprovou a PSL 70/2015, de autoria do senador Romário (PSB – RJ), o texto segue para a Câmara dos Deputados para ser apreciado pelo CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e, se aprovado, virará lei e passará a ser uma verdadeira realidade nas escolas públicas e particulares do ensino brasileiro.
Em suma, o Projeto de Lei do Senado Nº 70, de 2015 em sua essência leva aos estudantes do ensino fundamental e médio o direito de conhecer e explorar os princípios básicos e fundamentais constitucionais, possibilitando um espaço de reflexão e de tomadas de decisões fundadas, coesas, lógicas e plenas. Destarte, não é digno que o povo, não tenha o mínimo de conhecimento da sua própria lei maior, pois sem dúvidas, a democracia não passaria de sobras da realidade, de uma certa enganação, um instrumento sem finalidade para a libertação do “espírito”.
Da realidade a ilusão, da coragem ao medo, da significância ao insignificante, isso resume um ensino que se pauta em uma grade curricular sem conhecimentos de cunhos filosóficos e constitucionais, pois o processo estaria contaminado de vícios ideológicos e de interesses de determinados grupos sociais. Por mais, é importante frisar que a inserção do direito constitucional seria um dos maiores avanços da democracia, pois é notório, que um sistema só consegue atingir a sua verdadeira finalidade, se o mesmo, possibilitar situações que materialização a sua verdadeira axiologia, pois caso contrário, o poder não estaria sobre o controle do povo, e sim de um determinado grupo dominante.
Fica visível, a justificativa do Projeto de Lei, com plausível e notório saber que só é possível construir uma sociedade mais solidária, justa e cidadã, se elevar o nível de cultura e conhecimento daquela nação, possibilitando não um saber em transe, mas um saber que está impresso na identidade do ser, na sua essência.
A primazia do Projeto está em possibilitar os discentes a terem maior conhecimento sobre política, cidadania e direitos fundamentais previstos na Constituição de 1988, ou seja, a inserção de conhecimentos jurídicos na grade curricular levará os alunos a serem mais críticos e participativos, pois uma sociedade que não conhece as suas próprias leis, jamais poderá manifestar os seus verdadeiros valores.
É preciso levar em consideração, que ao completarem 16 anos os jovens brasileiros têm a faculdade de escolher seus representantes, porém, como poderão estar preparados sem uma base sólida de conhecimentos jurídicos? Essa indagação é sem dúvida um ponto crucial na construção de uma sociedade mais participativa, pois o ato de votar ou escolher o representante precisa ser fundado, coeso e racional. É necessário então, que o Estado crie as possibilidades de desenvolver todas as potencialidades de um sujeito carregado de conhecimento e de consciência crítica para tal participação.
A ausência do direito constitucional na grade curricular do ensino médio não é senão a vontade do Estado em não preparar jovens e adolescentes para o verdadeiro exercício da cidadania, pois, verifica-se um problema de cunho ideológico na estrutura e no funcionamento do Estado.
Destarte, o Projeto de Lei do Senado nº 70, de 2015, veio alterar a redação dos arts. 32 e 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional) para inserir novas disciplinas obrigatórias no currículo dos ensinos fundamental e médio.
Diante do que foi mencionado, fica assim expresso no Projeto de Lei do Senado nº 70, de 2015, o art. 1º. Os arts. 32 e 36 de Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes Bases da Educação Nacional), passam a vigorar com a seguintes redação:
“Art.32.
II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, do exercício da cidadania, da tecnóloga, das artes e dos valores morais e cívicos em que se fundamenta a sociedade;
§ 5º O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, a disciplina Constitucional, além de conteúdo que trate dos direitos das crianças e adolescentes, tendo como diretriz a Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), observada a produção e distribuição de material didático adequado.
“Art.36..” (NR)
IV – serão incluídas a disciplina Constitucional, a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio.
(NR)
Destarte, a inserção do direito constitucional na grade curricular é sem dúvida uma luta contra o próprio sistema, um certo meio de contradizer a própria natureza do Estado. Assim, a omissão jamais poderá ser vista como algo não planejado ou irracional, pelo contrário, a grade curricular mesmo que carregado de interesses ideológicos que visam o bom funcionamento da máquina estatal, seria ainda assim, um risco, um certo perigo, um “confronto armado” contra a classe dominante, a elite.
Ainda que os conhecimentos transmitidos pelos aparelhos do Estado fossem de tal forma reduzido, a inserção do direito constitucional levaria uma certa conscientização das classes marginalizadas, dos oprimidos, dos menos cultos.
5. A INSERÇÃO DO DIREITO CONSTITUCIONAL NA GRADE CURRICULAR E A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
O Direito é sem dúvida uma das ciências mais relevantes para a formação intelectual humana, e ainda assim, é possível perceber a sua ausência nas escolas, tanto no ensino fundamental, como no ensino médio. Destarte, é notório um certo paradoxo, pois em um sistema cercado de leis e normas jurídicas, a educação ainda sim parece negar, omitir, desvincular. Nesta ótica, é possível compreender que a não inserção dos conhecimentos jurídicos nas escolas é uma escolha do Estado, que de certa forma, planeja para que tal formação “refinada” fiquem a determinadas classes sociais, de forma geral, a classe dominante.
É notório desta forma, que o ensino médio apresenta uma verdadeira lacuna na sua grade curricular, ao se “esquecer” de tal inserção, ou seja, o conhecimento jurídico que tem como prisma a libertação do espírito humano fica esquecido, jogado, escondido. Esse certo esquecimento, não é um ato voluntário, mas sim consensual, planejado, sistematizado pela máquina estatal.
Se a função da educação é a transformação social e a busca incessante pelo exercício da cidadania, não é possível materializar essas relações sem que os discentes tenham contato, acesso aos conhecimentos que estão expressos na Carta Magna de 1988, a Constituição brasileira. Assim, a educação que teoricamente teria nascido para a construção de uma sociedade cidadã, respeitando direitos e obrigações, nos apresenta de certa forma contaminada ou pelo menos impotente diante do papel transformador que a educação nos faz “saltar pelos olhos”, mas que ainda reproduz de certa forma a mazela intelectual aos oprimidos, aos explorados.
Deste contexto, Eurides Brito da Silva nos preconiza:
(...) a questão central do ensino médio é a de definição de sua função social, dos seus objetivos e da consequente concepção curricular adotada. Sempre se esperou do ensino médio a formação da pessoa humana, do cidadão, do trabalhador e do futuro universitário. E tudo isso coincidindo com a etapa final da consolidação da educação básica, na faixa etária ideal da adolescência. Período justamente em que o jovem estrutura valores e conceitos e faz escolhas essenciais. Trabalho, profissão, família, grupo social, esporte, política, enfim, modo de viver, constituem opções fundamentais dessa fase da vida humana (...) (SILVA, 2003, p. 109).
Nesta ótica, o ensino médio que não constrói as potencialidades do espírito investigativo nos discentes e principalmente o espírito solidário, de respeito, convivência, da moral e dos bons costumes, é sem dúvida um ensino frustrado, sem potência e essência, sem poder de transformação.
Visivelmente, podemos analisar que o processo educacional é um problema de cunho ideológico, que nos faz acreditar que a educação criada pelo Estado é um meio de ascensão social, de mobilização e construção de condições justas e igualitárias. As impressões e as percepções inculcadas nos indivíduos não passam de uma “simples sombra da realidade”, um sonho, ou melhor, uma utopia.
Diante das afirmações supracitadas, Bourdieu nos ensina:
É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando o sistema escolar como um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da “escola libertadora”, quanto, ao contrário, tudo tende a mostra que ele é um dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência da legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom social tratado como dom natural. (BOURDIEU, 2005, p. 41).
Dentro deste cenário, a educação “cria uma ideia falsa” de transformação social, de mobilização, de uma construção social justa e igualitária. A inércia cultural, faz com que os indivíduos tenham uma visão reduzida, ou até mesmo distorcida do verdadeiro papel do Estado. É legitimo desta forma, que contrariando a própria natureza do Estado, que a educação traga em seu bojo, o valor essencial de transformação, de modificação, de construção. Assim, o espírito crítico e investigativo deve estar atrelado com as metodologias e as práticas dos docentes, de certa forma, superando as próprias estruturas do Estado. Porém, esse ato, não é simples, já que de certa forma, tudo é criado para manutenção de certos privilégios, da manutenção da hierarquia injusta, ou melhor, uma “justa desigualdade”.
Destarte, a construção de valores, depende necessariamente de um processo contínuo, construído em grupo, no grupo e pelo grupo dentro das instituições escolares. Ora, assim, é preciso ensinar os discentes a pensarem sobre política, filosofia, ética, moral, cidadania e direitos fundamentais e sociais, dentro de uma perspectiva criativa, reflexiva, dinâmica e inovadora.
Significativamente, a educação real é aquela que antes de tudo, busca uma verdadeira transformação, possibilitando o acesso à cultura. Destarte, só é possível que o processo de escolarização tenha realmente significado e significância, se os conteúdos ensinados tenham uma utilização prática, um verdadeiro valor social. Seria trágico, se os conteúdos do sistema escolar, fosse irrisoriamente usado como meio apenas de inserção as Universidades públicas, o que na atualidade vem sendo uma prática comum. Isso, apresenta a nós, o quão é importante o conhecimento jurídico nas escolas, já que por ventura, as normas jurídicas estão em todos os lugares e fazem parte da vida dos indivíduos diariamente, nas relações sociais.
Por ventura, a inserção dos direitos constitucionais na grade currículo do ensino médio é uma obrigação com o exercício da cidadania, um certo respeito com a formação do cidadão para uma boa conduta, de seus direitos e obrigações, na busca do bem comum. É fundamental destacar que o processo educacional deva ter como objetivo a difusão dos conhecimentos que serão usados no cotidiano, como também, para investigação científica.
Destro desta parafernália de informações, o Direito soa como algo indispensável para a vida acadêmica, como um conhecimento imutável no sentido da sua utilidade prática no cotidiano. Destarte, o conhecimento jurídico vem para agregar o que eles já vivenciam em todo processo de ação ou omissão na vida em sociedade. Porém, por falta de conhecimento e informação fidedigna, muitos ainda não sabem como conceituar ou atribuir um juízo de valor sobre o que seria lícito ou ilícito, legal ou ilegal, ou até mesmo o que é moral, imoral e amoral. Isso ocorre em razão da ausência de conhecimentos jurídicos nas escolas e por falta de políticas públicas.
A educação deve ser um meio de transformação social, de construção de cultura e valores, porém o que nos parece ser óbvio, é a lacuna deixada pela omissão estatal ao não inserir os conhecimentos de cunho jurídico, que nos traz a certeza que o ente estatal não está preocupado com a verdadeira formação do cidadão, que de certa forma propaga a ausência do “espírito” participativo dentro do contexto social. Nesta ótica, o problema do ensino brasileiro, ultrapassa o cenário marcado pelas péssimas condições de professores e infraestruturas. O verdadeiro problema está no funcionamento do sistema, que de certa forma, elabora uma grade curricular defasada e seleciona determinados conteúdos que estão a serviço do Estado, propiciando não um ensino de qualidade, pelo contrário, uma formação rasa, obscura e ignorante. Isso, é sem dúvidas, o reflexo de uma gestão pública incapaz de fazer valer o potencial da educação na sua plenitude, de desenvolver nos discentes as competências e habilidades necessárias para exercerem com excelência o papel de cidadão.
Dentro deste cenário, o Estado pouco se esforça para alcançar uma educação voltada para a construção de uma grade curricular inovadora, dinâmica e plausível, assim, o objetivo maior do ente estatal não é exatamente a construção de uma verdadeira cidadania, nem tão pouco, buscar uma participação ativa nas ações que envolvam os bens públicos, pelo contrário, existe uma certa negação da vida política, o que se parece excluir “a arte de viver na cidade”.
Assim, a inserção dos conhecimentos jurídico, é sem dúvida um dos maiores avanços para a democracia, onde a construção de valores e ideais são desenvolvidos e vivenciados pelos discentes, participando assim, ativamente na elaboração de todo projeto político e social, despertando o espírito inovador que está na essência da juventude atual.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das análises e investigações, é possível concluir que o a educação crítica e reflexiva é um desafio no contexto social e cultural brasileiro. Destarte, a não inserção do direito constitucional na grade curricular do ensino médio não é um fator acidental, ou um simples ato voluntário, pelo contrário, pois foi possível verificar problemas na estrutura e no funcionamento do Estado que de certa forma busca reproduzir o sistema e as condições materiais do mundo capitalista.
Por fim, é possível afirmar que o Estado deva criar as condições mínimas para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, buscando propiciar uma democracia verdadeira, onde o sistema escolar tenha condições de elaborar uma grade curricular que possa manifestar os valores de cidadania, de política, de ética e dos direitos inalienáveis a todos os Homens. Por mais, ressalto que o modelo educacional brasileiro é uma incógnita, onde a desconsideração da inserção dos direitos fundamentais e sociais demonstra ainda mais o verdadeiro papel do Estado, omisso com os oprimidos e ativo para a burguesia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BOURDIEU, P. Escritos de Educação. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2005.
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CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 3.ª Edição. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 1999.
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SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia, São Paulo: Editora Cortez, 1997.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. São Paulo: Cortez. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1992603/mod_resource/content/1/texto%20de%20Dermeval%20Saviani.pdf. Acesso em 18. fev. 2019.
SILVA, B, E. da. A Educação Básica Pós-LDB. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2003.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACIO, Junio Cesar Sato. Estado e educação: os interesses da não inserção do direito constitucional na grade curricular do ensino médio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 maio 2019, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52906/estado-e-educacao-os-interesses-da-nao-insercao-do-direito-constitucional-na-grade-curricular-do-ensino-medio. Acesso em: 23 dez 2024.
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