ANDRÉ DE PAULA VIANA[1]
(Orientador)
Resumo: A legalidade da maconha no Brasil refere-se às leis que na maioria dos outros países do mundo regulam o uso, a posse, o cultivo, a transferência e o comércio. Atualmente vários países já legalizaram e regulamentaram o uso, porém no Brasil ainda não. Nos últimos anos tem havido no país um intenso debate sobre a legalização de drogas no Brasil. De acordo com a legislação brasileira, através da Lei 11.343/2006, a maconha é uma das substâncias proibidas, bem como é proibida sua aquisição, consumo, posse e transporte. A legalização e descriminalização do uso da maconha é um assunto que gera grande preocupação da sociedade, devido aos efeitos geradores de uma possível descriminalização, não somente à saúde do usuário, mas também sobre os impactos sociais que podem gerar. O maior desafio de uma política de drogas é buscar o balanço certo para cada droga, mas sempre visando uma diminuição global do consumo. O presente artigo tem como objetivo analisar os efeitos de uma possível legalização e regulamentação da maconha no Brasil, bem como discorrer sobre as propriedades medicinais da maconha. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica realizada por meio de livros, artigos, doutrinas, reportagens sobre o tema escolhido.
Palavras-Chave: Maconha. Legalização. Descriminalização. Fiscalização. Política de drogas.
Abstract: The legality of marijuana in Brazil refers to laws that in most other countries in the world regulate use, possession, cultivation, transfer and trade. Currently, several countries have legalized and regulated their use, but in Brazil, not yet. In recent years there has been an intense debate in the country about the legalization of drugs in Brazil. According to Brazilian law, through Law 11.343 / 2006, marijuana is one of the prohibited substances, as well as its acquisition, consumption, possession and transportation. The legalization and decriminalization of the use of marijuana is a subject that generates great concern of the society, due to the effects that generate a possible decriminalization, not only to the health of the user, but also about the social impacts that can generate. The biggest challenge of a drug policy is to seek the right balance for each drug, but always aiming for a global decrease in consumption. The present article aims to analyze the effects of a possible legalization and regulation of marijuana in Brazil, as well as to discuss the medicinal properties of marijuana. It is a bibliographical research carried out through books, articles, doctrines, reports on the chosen theme.
Keywords: Marijuana. Legalization. Decriminalization. Inspection. Drug policy.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1 MACONHA: CONCEITOS E EFEITOS. 1.1 Conceito de drogas. 1.2 Conceito de maconha e os efeitos de seu uso. 2. A MACONHA UTILIZADA PARA FINS MEDICINAIS. 3. DA DESCRIMINALIZAÇÃO, LEGALIZAÇÃO E DESPENALIZAÇÃO. 4. POLITICAS PÚBLICAS E CONTROLE SOCIAL. 5. CONSEQUÊNCIAS DA LEGALIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A droga existe há muitos séculos, não se sabe porque as pessoas iniciaram o uso, provavelmente para aliviar as frustrações do dia-a-dia, angústias, ansiedades, revoltas, etc. O que se percebe é que, ao longo do tempo, ela acabou por deixar pessoas dependentes, o que levou a sociedade à proibição entre os usuários.
As drogas sempre estiveram presentes na sociedade, existem drogas lícitas e ilícitas. O que mais preocupa a sociedade é o abuso de drogas por parte das pessoas mais jovens. O termo legalização abre um leque de possibilidades, desde a descriminalização da posse e consumo da maconha até a legalidade dessa substância, com uma regulação e fiscalização própria semelhante ao que já ocorre com o tabaco e com o álcool.
Desde a primeira metade do século XX a maconha é considerada ilegal e isso tem causado polêmicos debates entre os especialistas que estudam o assunto, visto que o tema engloba diversos aspectos relevantes para a sociedade, tais como: diminuição do consumo; produção de uma política pública passível de ser avaliada e aperfeiçoada constantemente; custo social, econômico e emocional; diminuição do crime; custo/benefício para o governo, entre outros. (MIRANDA, 2015)
A maconha é uma erva cujo nome científico é Cannabis Sativa. Em latim Cannabis significa cânhamo, que denomina o gênero da família da planta, e Sativa diz respeito à cultura de como é plantada ou semeada, e indica a espécie e a natureza do desenvolvimento da planta. A maconha é originária da Ásia Central, com extrema adaptabilidade aos vários tipos de clima, altitude, solo, apesar de haver uma variação quanto à conservação das suas propriedades psicoativas, pois essa requer clima quente e seco e umidade adequada do solo (AMBROSIO, 2009).
O desafio em se debater sobre drogas no Brasil é muito maior do que a simples decisão da pertinência ou não de flexibilizar as leis que dizem respeito à maconha, mas sim como fazer um debate bem informado, com dados atuais e produzir uma política de drogas de forma racional e balanceada, que possa ser regularmente avaliada. A implementação dessa política não ocorrerá espontaneamente, mas com uma ação determinada de governo.
A sociedade civil já está bastante mobilizada com o assunto álcool e drogas, e agora é necessário que os governos democraticamente eleitos mostrem sua capacidade de organizar uma resposta racional a um problema que afeta milhões de brasileiros, com um custo enorme para o País (LARANJEIRA, 2015).
Mesmo havendo a legalização da maconha no Brasil, como já acontece em outros países, como Uruguai e Holanda, isso não significa que haverá uma liberação total e indiscriminada para uso por qualquer pessoa. Pelo fato de a maconha ter sido há muitos anos proibida em razão de seus efeitos negativos, é necessário uma série de estudos e a mesma não pode ser liberada totalmente. Insta salientar que as drogas lícitas, tais como o álcool e o cigarro, são limitadas na maioria dos países no que se refere a questões de idade, locais e regras para consumo, que são puníveis penalmente quando desrespeitadas.
No Brasil, com relação à maconha, a legislação atual proíbe punindo com prisão aquele que produz, faz o tráfico, comercializa ou leva consigo qualquer quantidade. Portanto, é preciso rever a questão da legalização como um todo. A questão não é fácil e nossa sociedade tem demonstrado grandes dificuldades em cumprir certas leis, desde as mais simples, como as de trânsito, até as mais complexas.
É importante destacar que o fato de uma droga ser legalizada, ou não, não a torna seus efeitos menos perigosos ou pouco nocivos. Por mais que este assunto seja rodeado de polêmica, deve-se observar e estudar de forma completa todos os efeitos tóxicos causados pela maconha.
1. MACONHA: CONCEITOS E EFEITOS
1.1 CONCEITO DE DROGAS
Droga é um nome genérico dado a todo o tipo de substância natural ou não, que ao ser introduzida no organismo provoca mudanças físicas ou psíquicas, modificando suas funções. Nas áreas de Medicina e Farmacologia, droga é qualquer substância que previne ou cura doenças ao causar alterações fisiológicas nos organismos. (RIBEIRO e SILVA, 2015)
De acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 1° da lei n° 11.343/2006:
Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
Existem três tipos de drogas, as naturais, sintéticas e semi-sintéticas.
As drogas naturais são aquelas obtidas através de determinadas plantas, de animais e de alguns minerais. Exemplo a cafeína (do café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula) e o THC tetra-hidro-canabinol (da maconha).
As drogas fabricadas em laboratório são chamadas de drogas sintéticas. São produzidas através de técnicas especiais, a partir de uma ou várias substâncias químicas psicoativas que provocam alucinações no homem por estimular ou deprimir o sistema nervoso central. São exemplos de drogas sintéticas: as anfetaminas, LSD, GHB, ecstasy, anabolizantes, ice, quetamina, inalantes, efedrina, poppers. (DANTAS, 2019?)
As drogas semi-sintéticas são aquelas produzidas através de drogas naturais quimicamente alteradas em laboratórios. São drogas semi-sintéticas: cristais de haxixe, cocaína, heroína, crack, maconha (modificada), codeína, morfina e outras.
O termo droga suscita a ideia de uma substância proibida, de uso ilegal e nocivo ao indivíduo, modificando-lhe as funções, as sensações, o humor e o comportamento.
As drogas estão classificadas em três categorias: as estimulantes, os depressores e os perturbadores das atividades mentais. O termo droga envolve os analgésicos, estimulantes, alucinógenos, tranquilizantes e barbitúricos, além do álcool e substâncias voláteis.
As drogas estimulantes são aquelas que aumentam a atividade cerebral, acelerando o sistema nervoso central. As drogas depressoras são o oposto das estimulantes, pois diminuem a atividade cerebral e deprimem o sistema nervoso central. As perturbadoras são aquelas que fazem com que o cérebro comece a se comportar de forma perturbada, alucinada, mudando as atitudes do usuário. (SILVANO, 2014)
As drogas estão divididas em dois grandes grupos, segundo o critério de legalidade definido em lei como: drogas lícitas e ilícitas.
As drogas lícitas são aceitas pela sociedade, sendo elas legalizadas, produzidas e comercializadas livremente. São drogas lícitas: o cigarro, as bebidas alcoólicas, os anorexígenos (moderadores de apetite), os benzodiazepínicos (remédios utilizados para reduzir a ansiedade), entre outros.
A maconha, a cocaína, o crack, a heroína são drogas ilícitas, ou seja, a comercialização das mesmas é proibida pela atual legislação no Brasil. Ademais, as mesmas não são socialmente aceitas.
Atualmente o Controle de drogas no Brasil é regulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, que é quem determina se uma determinada substância é uma droga lícita ou ilícita. (SILVANO, 2014)
1.2 CONCEITO DE MACONHA E OS EFEITOS DE SEU USO
A maconha provém da planta de cânhamo, a substância alucinógena é encontrada em maior quantidade principalmente nas flores, que são chamadas de “botões” e em pouca quantidade em suas sementes, folhas e caules.
Para a utilização da maconha é preparada uma mistura de folhas, caules, flores e sementes secas da planta do cânhamo. É geralmente de cor verde, marrom ou cinza.
A maconha pode ser fumada como um cigarro (conhecido entre os usuários como baseado), mas pode também ser fumada em cachimbo ou com uma tubulação que possui um reservatório para acrescentar água. Pode ainda ser misturada em alimentos e ingerida juntamente com eles, bem como pode ser ingerida através de chá produzido com suas folhas.
Os efeitos provocados pelo uso da inalação da fumaça de um baseado ou cachimbo são sentidos em questão de alguns minutos. Tais efeitos podem ser observados através do aumento do ritmo cardíaco, estado mental irreal, ver a realidade como se fosse um sonho, sentidos mais intensos. diminuição da coordenação motora e equilíbrio.
Tais efeitos de curto prazo desaparecem normalmente em um período aproximado de duas ou três horas, porém podem perdurar por mais tempo, tudo depende da quantidade que foi consumida pelo usuário, da potência do tetra-hidro-canabinol e da possível presença de outros tipos de drogas acrescentadas durante o preparo da mistura.
Um cigarro de maconha causa um impacto severo nos seus pulmões do usuário, uma vez que o mesmo inala a fumaça e a segura por mais tempo do que o faria com outro tipo de cigarro. O uso da maconha pode causar dores de garganta e bronquite, além disso, o usuário está exposto a diversos elementos químicos cancerígenos.
Existem ainda consequências mentais causadas pelo uso da maconha, que são a falta de memória e capacidade mental reduzida.
Após muitos estudos sobre a cannabis sativa, descobriu-se que a planta possui efeitos terapêuticos. A maconha possui aproximadamente 400 compostos químicos, sendo 60 canabinóides que são os princípios ativos específicos (MONTEIRO, 2014).
Destes canabinóides, dois possuem propriedades medicinais: o tetra-hidro-canabinol (THC) e o canabidiol (CDB). Conforme apontam as pesquisas, o THC principal constituinte da droga, os ligantes endógenos e os canabinóides, em pacientes oncológicos possuem uma ação analgésica, antitumoral, que provocam o aumento do apetite, além de proporcionarem um relaxamento muscular e redução da insônia (MONTEIRO, 2014).
Além disso, em pacientes com dor crônica, o uso de canabinóides combate as dores, melhora o sendo de humor e o sono. Os pacientes com esclerose múltipla ou dor neurogênica não tratável relataram que os benefícios dos canabinóides incluem a redução da ansiedade, da depressão, bem como dos espasmos musculares e da dor (MONTEIRO, 2014).
No entanto, o tetra-hidro-canabinol é a principal substância psicoativa da planta, ou seja, é ela que pode causar dependência química do usuário. Por essa razão, há certa resistência ao seu uso medicinal (MONTEIRO, 2014).
O canabidiol (CBD) também possui efeito terapêutico e vem sedo cada vez mais estudado por pesquisadores da área medicinal, uma vez que seus agentes são capazes de controlar graves crises de convulsão causadas por doenças e síndromes. O CBD não possui efeito entorpecente (MONTEIRO, 2014).
A maconha é a droga ilícita mais usada em todo o mundo, ficando atrás apenas de drogas lícitas, como o álcool e o tabaco. Estima-se que 10% dos que experimentaram a maconha tornam-se usuários diários e que 20% a 30% a usam semanalmente. (JUNGERMAN, LARANJEIRA, BRESSAN, 2005 apud SILVANO, 2014).
O uso da maconha pode causar dependência física e psicológica.
De acordo com Lopes e Ribeiro (2007) a dependência física caracteriza-se pelo fato de que o organismo vai se adaptando a presença crônica da substância e ajusta seus padrões de funcionamento a essas condições. Se o uso for interrompido, o corpo entra em colapso, causando um desequilíbrio fisiológico e, como consequência, fortíssimos sintomas de mal-estar. A dependência psicológica ocorre com o prazer sentido ao usar certo tipo de substância e pode ser comparado, por exemplo, ao prazer de comer ou em jogar. O indivíduo começa a usar cronicamente a substância devido ao prazer que ela lhe causa.
A maconha não causa dependência física, podendo ocasionar apenas a dependência psicológica, restando provado que o uso crônico da mesma não resulta em severos sintomas de abstinência, existindo poucas pessoas acometidas. (LARANJEIRA, JUNGERMAM E DUNN, 2012 apud SILVANO, 2014)
2. A MACONHA UTILIZADA PARA FINS MEDICINAIS
Conforme já abordado, o uso de drogas pode ser associado a toda a trajetória e evolução humana, já que este está presente na vida do homem desde os tempos mais primitivos. Para Seibel e Toscano Jr:
[...] a relação do homem com as substâncias psicoativas é bastante antiga ou, melhor dizendo, ancestral. Assim, mostra-se equivocada a ideia de que a presença das drogas é um evento novo do repertório humano. Na verdade, trata-se de uma presença contínua no tempo e que não envolve somente medicina e ciência, mas também magia, religião, cultura, festa e deleite. (SEIBEL e TOSCANO JR, 2001, p. 07)
Por volta de 2.300 anos a.C., aconteceu o primeiro uso documentado da maconha como remédio, quando o legendário imperador chinês Shen Nong prescreveu a chu-ma, (cânhamo fêmea) para o tratamento de constipação, gota, malária, reumatismo e problemas menstruais, classificando a chu-ma, como um dos “Supremos Elixires da Imortalidade”. (ROBINSON, 1999)
Desde então, muitos povos e culturas se valeram das possíveis propriedades terapêuticas e divinas da cannabis, através dos milênios, como os hindus, os árabes, na Europa medieval etc., nas mais variadas doenças e males e de várias formas, até começar a ser descriminada no século XX, sendo eliminada da farmacopéia inglesa em 1932 e da americana em 1942. Posteriormente foi proibida em muitos países, inclusive o Brasil. (ROBINSON, 1999).
Existem muitos estudos que visam provar o potencial terapêutico da maconha, nos mais diversos casos da medicina, sendo que os canabinóides estão entre as melhores perspectivas de sucesso nos tratamentos dos mais diversos males que ainda não têm tratamento adequado. (LOPES E RIBEIRO, 2007)
O THC presente na maconha tem conhecida propriedade antiemética, isto é, combate náuseas e vômitos, e apesar de haverem remédios disponíveis no mercado para os mesmos fins, a maconha se mostra superior:
Outros fármacos disponíveis no mercado se mostram tão efetivos quanto a maconha em inibir a náusea e produzem efeitos colaterais tão toleráveis quanto. Porém, dentro de um grupo de pacientes que não obtiveram resultados com nenhuma dessas drogas, 34% relataram ter obtido sucesso fumando maconha. (LOPES e RIBEIRO, 2007, p. 72)
Os autores também citam uma pesquisa do Canadá, que comparou em pacientes de quimioterapia e que sofriam com náuseas, como reagiam ao THC inalado diretamente do cigarro de maconha e ao tomarem pílulas de THC.
Os resultados foram semelhantes, no entanto, os pacientes preferiam da forma inalada, visto que as pílulas demoram muito pra fazer efeito e os efeitos adversos como sonolência são mais duradouros. (LOPES e RIBEIRO, 2007, p. 72)
Acrescentam ainda que:
O THC, CBD e CBC, possuem efetiva ação anti-inflamatória, sendo que destes, o mais eficaz é o CBD, que reduz a inflamação crônica quando administrado via oral, agindo contra a artrite reumatoide, por exemplo, que por ser uma inflamação crônica que causa erosão nas articulações, pode causar danos irreversíveis, como deformações e perdas de movimentos. (LOPES e RIBEIRO, 2007, p. 78).
De acordo com Lopes e Ribeiro (2007), experimentos realizados com células do córtex cerebral em laboratório, demostraram que tanto o THC quanto o CBD, são eficientes agentes antioxidantes, uma vez que protegeram os neurônios contra os efeitos tóxicos causados pelo excesso de ativação de receptores glutamatérgicos, situação semelhante que acontece durante convulsões, isquemia cerebral ou AVC.
O THC e o CBD se mostraram eficazes em reduzirem com sucesso a degeneração de neurônios causado pelo mal de Parkinson, e administrados em animais com Alzheimer impediu relevantemente, a neurodegeneração e seus sintomas. (LOPES E RIBEIRO, 2007)
3. DA DESCRIMINALIZAÇÃO, LEGALIZAÇÃO E DESPENALIZAÇÃO
Ao tratar sobre drogas, é necessário fazer uma distinção entre os termos descriminalização, legalização e despenalização.
A descriminalização ocorre quando um fato deixa de ser considerado como crime. Pode ser feita alterando a lei ou o modo como os juízes a interpretam. Esse modelo visa reduzir danos para usuários e dependentes e concentrar esforços na prevenção e no combate à oferta. (FREITAS, 2018)
A legalização é fazer com que o uso da maconha e sua comercialização sejam legalmente previstas em lei, através de legislação específica, ou seja, é o simples ato de tornar legal. Revestir a matéria com as formalidades exigidas por lei. Como apresentar um Projeto de Lei, tramitar na câmara, ser votada em plenário e obedecer a todos os requisitos constitucionais. (FREITAS, 2018)
A despenalização ocorre quando um fato deixa ser punível, isto é, isento de pena. Na despenalização ocorre a substituição, legislativa ou judicial, da pena de prisão por penas de outra natureza, tais como restritiva de direito ou pena de multa. (QUEIROZ, 2010)
O uso do termo descriminalizar não se refere ao entorpecente em si, mas sim ao comportamento, ou seja, o consumo da droga. Trata-se de um comportamento individual que traz diversas consequências no plano social e jurídico. O termo legalizar se refere ao entorpecente em si, é uma autorização expressa ao consumo, que a partir da permissão deixará de gerar consequências no mundo jurídico. Dessa forma, descriminalizar uma determinada conduta não significa estar legalizando-a, tampouco a autorizando, mas significa apenas deixar de punir. (DIOGO, 2016)
Descriminalizar significa retirar de condutas o caráter de criminosas, ou seja, o fato descrito como crime na legislação penal deixa de ser crime. Existem duas espécies de descriminalização: uma que retira o caráter de ilícito penal da conduta, mas não a legaliza e outra que afasta o caráter criminoso do fato e o legaliza totalmente. (GOMES, 2006 apud SILVA, 2015).
O aborto de feto anencefálico e a prática do grafite são exemplos de crimes que foram descriminalizados no Brasil.
Na legalização o governo estabelecerá regras para o comércio de cada droga, de forma especifica, impondo eventuais restrições de idade, locais e horários
bem como exigindo registro e autorizações especiais para compra e venda.
Em relação à legalização do uso de drogas para o consumo próprio, a conduta deixa de ser encoberta pela criminalização, deixando de ser considerado como um ato ilícito, ou seja, para as pessoas que praticarem este tipo de conduta, não será imposta quaisquer tipo de sanção. (GOMES, 2006 apud SILVA, 2015).
No ordenamento jurídico brasileiro referente ao consumo próprio de drogas, descrito no artigo 28 da Lei n° 11.343/2006, houve a ocorrência da despenalização para o sujeito que faz o uso, ou seja, não incorrerá em penas o sujeito que usar drogas ou plantar para consumo próprio, o sujeito apenas será submetido à advertência, prestação de serviços à comunidade ou algum tipo de medida educativa (MENDES, 2015).
A descriminalização, também chamada de abolitio criminis, ocorre quando é abolido o caráter criminoso do fato, ou seja, o fato deixa de ser legalmente considerado como crime. A despenalização ocorre quando existe uma amenização da resposta penal para o cometimento do crime, ou seja, o uso da pena de prisão é suavizado, mas o fato continua como criminoso. Na descriminalização, o crime deixa de existir no ordenamento jurídico, já na despenalização o crime continua a existir no ordenamento jurídico, mas com uma punição branda. No crime de posse ou porte de drogas para uso pessoal houve o abrandamento da pena que anteriormente era imposta ao delito, uma vez que deixou de ser cominada pena privativa de liberdade e pena pecuniária, passando a ser cominada apenas pena restritiva de direitos. Dessa maneira, houve uma verdadeira despenalização, uma vez que o crime, anteriormente disposto no artigo 16 da Lei nº 6.368/76, atualmente está disposto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06, ou seja, o mesmo continua fazendo parte do ordenamento jurídico brasileiro, na condição de ilícito penal, mas é punido apenas com pena alternativa (MOURA, 2006 apud SILVA, 2015).
Atualmente no ordenamento jurídico brasileiro, existe a regulamentação do livre comércio de bebidas alcoólicas e de cigarros para as pessoas maiores de dezoito anos de idade. Este é um exemplo do que poderia vir a ocorrer no caso de uma possível legalização da maconha.
4. POLITICAS PÚBLICAS E CONTROLE SOCIAL
Existe grande problemática em nosso país no que diz respeito à politicas públicas e controle social dos usuários de drogas.
A problemática do controle não se coloca apenas para as políticas sociais, mas principalmente para os consumidores de drogas. Em geral, o senso comum percebe o uso de drogas através da ideia da perda dos controles, sem visualizar a possibilidade do auto-controle, do não-abuso.
Individualizando o problema (inscrevendo-o com contornos morais-legais ou médico-sociais), o que se teria a eliminar é a droga. Os indivíduos que usam ou abusam de substâncias psicoativas são considerados, nessa perspectiva, como populações flutuantes, não-socializadas, cortadas de seus vínculos e que ameaçam a ordem social. (GARCIA, LEAL e ABREU, 2007, p.273)
De acordo com Andrade (2011) a vulnerabilidade social e carências no campo da saúde, educação e segurança pública das populações menos favorecidas, principalmente daquelas moradoras das periferias das cidades grandes e de médio porte, bem como das pessoas que fazem uso de drogas ilícitas, uma política de Estado que integrasse a atenção a todas estas deficiências seria um elemento importantíssimo na resolução do problema. Com esta finalidade, foram criados o Plano Emergencial de ampliação do acesso ao tratamento e prevenção em Álcool e outras Drogas - PEAD e o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas - Plano Crack.
Estes planos foram instituídos num contexto de pânico social relacionado ao uso de crack e de grande fragilidade estrutural, diante da carência de ações de comunitárias junto aos usuários de drogas. Os Programas de Atenção Básica em Saúde, baseados na Estratégia de Saúde da Família (ESF), apresentam cobertura inferior a 20% em algumas grandes cidades do Brasil, e a quase totalidade desta Estratégia não inclui a atenção ao uso de drogas no rol de suas ações. (ANDRADE, 2011)
As fragilidades existentes nas ações territoriais desenvolvidas no âmbito da Estratégia de Saúde da Família são mais perceptíveis nas comunidades socioeconomicamente menos favorecidas e com menor acesso aos serviços de saúde e de suporte social, ou seja, nas mesmas comunidades onde há maior uso e o tráfico de drogas, além de uma grande taxa de homicídios e outras formas de violência. Dessa forma, os usuários de drogas que fazem uso abusivo de crack, oxi e outras formas de apresentação de cocaína, são a principal população alvo do Plano Crack. (ANDRADE, 2011)
Compete aos Conselhos de Políticas sobre Drogas estimular e coordenar a garantia de direitos às pessoas que usam drogas, prevista nas legislações vigentes, com vistas à promoção, defesa e orientação acerca das ofertas de prevenção, cuidado, estudos e pesquisas e segurança. Suas atribuições envolvem formulação, deliberação, monitoramento e avaliação das políticas sobre drogas, seja no âmbito municipal ou estadual.
A Constituição de 1988 prevê que os conselhos podem ser consultivos ou deliberativos. No Brasil, a maioria dos conselhos são consultivos, uma vez que sua implantação é mais fácil e garante o foco na fiscalização e monitoramento das políticas públicas. Porém, são os conselhos deliberativos que têm o encargo de decidir e propor políticas públicas para o Poder Executivo e, em muitos casos, sem sua aprovação, determinado programa ou ação não podem ser implementados
O processo político de formulação e implementação de políticas sociais é atravessado por interesses, valores e ideologias conflitantes. Uma vez que colocam-se diferentes perspectivas teóricas, projetos societários e as variadas análises de futuro. A direção utilizada pelas políticas governamentais no Brasil caracteriza-se pela preponderância de modos de regulação de acordo com as demandas existentes ou conveniências dos interesses de dirigentes políticos ou de grupos e corporações com influência sobre o Estado. (GARCIA, LEAL e ABREU, 2007)
5. CONSEQUÊNCIAS DA LEGALIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL
As drogas não são perigosas porque são ilegais, mas são ilegais porque são perigosas. (CALIFANO, 2007 apud DIOGO, 2016).
Estudos coordenados pela Organização dos Estados Americanos vêm demonstrando que, em todos os países onde houve algum nível de liberação das drogas, o consumo aumentou notadamente entre os jovens. (DIOGO, 2016)
A flexibilização das leis de consumo de maconha nos Estados Unidos na última década levou a um aumento do uso da substância entre pessoas com mais de 18 anos. Hoje, 23 Estados americanos consideram legal alguma forma de consumo. Alguns permitem a posse de pequenas quantidades para uso pessoal, outros descriminalizaram o consumo, outros admitem o uso médico. (BOUER, 2016)
Portugal, Áustria, Holanda, Reino Unido, alguns Estados americanos são exemplos de lugares onde houve tolerância da maconha, e constatou-se que seu consumo aumentou em virtude da queda no preço do produto, ocasionando maior consumo de outras drogas. (DIOGO, 2016)
Apesar de a medicina brasileira confirmar alguns benefícios associados ao uso da maconha durante o tratamento de algumas doenças, também foram realizadas algumas ponderações referentes aos efeitos colaterais do uso da droga em longo prazo como, por exemplo: esquizofrenia, infertilidade, além de psicoses e desagregação social. Diante destes fatos, com a legalização do uso da maconha, os pesquisadores poderiam aprofundar-se nos estudos referentes ao uso da maconha como forma medicinal e terapêutica.
Acredita-se que a legalização da maconha no Brasil, colocaria fim a parte exageradamente lucrativa do negócio do narcotráfico, ao trazer para a superfície o mercado negro existente, uma vez que o narcotráfico tem estendido seus tentáculos ao cenário político dos países. (HIDALGO, 2014)
O preço das drogas seria reduzido ao acabar com os altíssimos custos de produção e intermediação que a proibição implica. Isto significa que muita gente que é viciada nestas substâncias não teria que roubar ou prostituir-se com o fim de custear o atual preço inflacionado destas substâncias. (HIDALGO, 2014)
Além de fazer com que a fabricação dessas substâncias se encontre dentro do alcance das regulações próprias do mercado legal. Abaixo da proibição, não existem controles de qualidade ou vendas de doses padronizadas. (HIDALGO, 2014)
A compra e venda da maconha poderiam virar investimento no país, pois ao mesmo tempo em que o Estado passa a gastar menos com apreensões, julgamentos e prisões, arrecada mais com a tributação do comércio da maconha. Dessa forma, o valor arrecadado poderia ser investido na melhoria da polícia, do sistema prisional, em um judiciário mais dinâmico e no tratamento dos casos dos usuários com dependência crônica, bem como utilizado em educação, saneamento básico e infra-estrutura.
É importante dizer que em uma sociedade onde as drogas são legais, o número de vítimas inocentes produzidas pelo consumo e venda de entorpecentes é reduzido. Muitas pessoas que nunca consumiram drogas ou que não estão relacionadas com essa atividade estão sendo prejudicadas ou perdem a vida devido as “externalidades” da guerra contra as drogas, tais como: violência urbana, abusos policiais, confiscos de propriedades, revistas e buscas equivocadas, entre outros. (HIDALGO, 2014)
A legalização não é a solução de todos os problemas, mas a partir dela é possível perceber e encarar os problemas criados com o uso da droga, bem como os problemas criados pela proibição.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, observa-se que não é tão simples a legalização ou descriminalização do uso da maconha no Brasil.
Atualmente verifica-se que a população está consumindo drogas ilícitas da mesma forma e com a mesma intensidade que consomem as drogas lícitas. Caso a legalização ou descriminalização aconteça, a sociedade se tornará desajustada e desamparada, uma vez que o Brasil ainda não possui políticas públicas totalmente eficientes, nem efetivas, pois não existem locais apropriados para o tratamento dos usuários, além de existir discriminação da população em relação ao usuário de drogas.
A legalização da maconha tem sido uma alternativa adotada em alguns países do mundo para o combate ao narcotráfico e controle público do uso e dos efeitos.
É sabido que consumir maconha é um direito civil, ou seja, depende da livre escolha de cada indivíduo que seja consciente e responsável pelos seus atos e sua integridade física e moral. Mas, todos os usuários e aqueles que pretendam fazer o uso da maconha, estejam conscientes dos riscos que a produção, distribuição e consumo de maconha podem provocar, bem como é importante lembrar que a maconha pode ser usada como remédio para fins medicinais.
A legalização da maconha conduzirá a sociedade a aprender a conviver com a presença das drogas, como tem feito com o uso de outras substâncias como o álcool e o cigarro. É necessário que haja um processo de aprendizagem social para poder diminuir e internalizar os efeitos negativos que advindos do consumo de determinadas substâncias.
O Estado não deve intervir na liberdade individual de cada cidadão, pois é de livre arbítrio cada pessoa escolher o que se quer fazer da sua própria vida.
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
ANDRADE, Tarcísio Matos de. Reflexões sobre Políticas de Drogas no Brasil. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/15.pdf>. Acesso em: 06 Jan. 2019.
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[1] professor orientador: Graduado em Direito. Pós Graduação Lato Sensu em: O Processo e o Direito Civil sob a Ótica da Constituição Federal de 1.988 e da Lei 10.406/2002. Pós Graduação Stricto Sensu em Ciências Ambientais, todos pela Universidade Camilo Castelo Branco. Pós-Graduando Lato Sensu em Direito Médico pela UNIARA. Docente no curso de Direito, Docente e Supervisor do Módulo Responsabilidade Profissional no Curso de Medicina pela Universidade Brasil - Fernandópolis-SP. Advogado inscrito na OAB/SP sob n. 236.293, com atuação profissional em Direito Penal e Direito Médico. Avaliador do INEP (Instituto Nacional de Educação e Pesquisa Anisio Teixeira).
Bacharelando do Curso de Direito da Universidade Brasil - Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Evandro Luiz Veiga. Legalização e regulamentação da maconha no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2019, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52922/legalizacao-e-regulamentacao-da-maconha-no-brasil. Acesso em: 27 dez 2024.
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