RESUMO: Duvida recorrente no estudo sobre o crime militar de deserção recai sobre a condição do militar (status de militar) para procedibilidade e prosseguimento da ação penal. O Objetivo do estudo é dirimir dúvidas surgistes sobre essa condição. Para tanto, a pesquisa buscará trazer um mínimo de conhecimento sobre a evolução nos tribunais militares sobre o status de militar para configuração do crime e o seu processamento perante a justiça militar.
Palavras-chave: Deserção. Procedibilidade. Prosseguibilidade. Status de Militar
ABSTRACT: Recurrent doubts in the study on the military crime of desertion fall on the condition of the military (military status) to procedibility and prosecution. The aim of the study is to resolve doubts about this condition. To do so, the research will seek to bring a minimum of knowledge about the evolution in the military courts on the status of military to set up the crime and its prosecution before military justice.
Keywords: Desertion. Procedibility. Continuity. Military Status
SUMÁRIO: Introdução: 1. Noções históricas do Direito Penal Militar: 2. Conceito de Direito Militar: 3. Conceito de Crime Militar: 4. Classificação dos Crimes Militares: 5. Crime Militar de Deserção: 6 Período de Graça: 7. Condição de militar para se ver processar: 7.1 legislação correlata; 7.2 Doutrina: 7.3 Jurisprudência: Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
O Co?digo Penal Militar [1] (CPM) e? dividido em Parte Geral e Parte Especial. Na Parte Geral, encontramos os conceitos para a interpretac?a?o e aplicac?a?o do Direito Penal Militar. Podemos citar como exemplo de aplicação as concepções acerca da interpretação aute?ntica de dispositivos, além de concepc?o?es acerca do dolo, da culpa, do concurso de pessoas e do concurso de crimes.
A Parte Especial do CPM fica encarregada de dizer quais as condutas que merecem reprovação da sociedade, tendo como expoente o cidadão investido da característica especial de militar ou do próprio cidadão não possuidor dessa característica, que por vezes, venha a cometer crimes previstos no referido código castrense.[2]
A profissão das Armas se difere e muito de qualquer outra. Além de cultuar valores próprios como disciplina e hierarquia, o militar valoriza sentimentos, por vezes renegados por outros setores da sociedade, tais como a camaradagem, respeito, lealdade, dedicação, sentimento de bem cumprir sua missão, além de outros peculiares da carreira das Armas.
A profissão militar e cercada de especificidades sendo a carreira caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas.[3]
O presente artigo visa explorar a condição de militar, denominada pela doutrina como “status de militar” como condicionante de procedibilidade ou de prosseguibilidade da ação penal no crime militar de deserção.
A pesquisa abordará o crime de deserção praticado pela praça especial e pela praça ainda não estabilizada. Não será objeto de estudo a infração perpetrada por Oficial ou Praça com estabilidade assegurada.
A escolha do tema é devido a grande incidência do crime de deserção entre as praças sem graduação, principalmente aquele cidadão submetido ao serviço militar obrigatório.
A tipificação penal do crime de deserção tem previsão legal no CPM entre os arts. 187 e 194, no título que versa sobre os crimes contra o Serviço Militar e o Dever Militar, contudo será abordado o crime de deserção puro (artigo 187 do CPM).
O procedimento e rito processual referente ao crime de deserção estão dispostos entre os arts. 451 e 457 do Código de Processo Penal Militar[4] (CPPM), mas como bem delimitado no presente Artigo, a abordagem tem enfoque nos arts. 456 e 457 que versa sobre os procedimentos referentes ao crime praticado pelo militar sem estabilidade assegurada.
A abordagem do tema proposto teve como base metodológica a pesquisa bibliográfica em fontes doutrinárias e jurisprudenciais, buscando-se materiais ligados ao objeto de estudo sobre a condição de militar na ação penal de deserção.
Para alcançarmos tal objetivo abordaremos inicialmente questões históricas básicas do Direito Penal Militar, a conceituação de crime militar, a sua classificação, o crime em espécie, além de identificar as condições de procedibilidade e de prosseguibilidade da ação penal nos crimes de deserção.
Por fim, será abordado à posição doutrinária e a jurisprudência correlata ao tema sobre a relevância do status de militar na ação penal, seja ela como condição de procedibilidade ou prosseguibilidade.
A história do Direito Penal Militar por vezes se confunde com a história do Direito Penal Comum. É evidente que a história penal castrense está ligada a história do Direito comum, entretanto, não podemos afirmar com exatidão em que momento histórico houve essa ruptura.
Como fonte referencial, podemos citar a obra de José da Silva Loureiro Neto – Coleção Recursos Jurídicos – onde o autor aponta, em linhas gerais, a dificuldade da caracterização do crime militar, citando a Grécia antiga como referência histórica:
Na Gre?cia, considerando que os gregos na?o possui?am noc?a?o exata dos crimes militares, pois todo cidada?o era considerado soldado da pa?tria, a justic?a militar na?o era nitidamente separada da justic?a comum. A justic?a militar era exercida no ini?cio pelo Archonte, juiz sacerdote, que conhecia dos delitos militares. Gradativamente, esses crimes passaram a ser do conhecimento dos Strateges e finalmente do Taxiarcos. (NETO, LOUREIRO, 2010, p. 4)
Segue o autor afirmando:
Ainda que na?o se possa definir com exatida?o o momento em que surgiu um Direito voltado a? atividade be?lica, pode-se, em linhas gerais, afirmar ter sido em tempos remotos, acompanhando o aparecimento dos primeiros exe?rcitos. A estes se segue a criac?a?o de um o?rga?o julgador especializado na apreciac?a?o dos crimes praticados em tempo de guerra, no si?tio das operac?o?es be?licas. (NETO, LOUREIRO, 2010, p. 4)
Em outra importante obra de Direito Penal Militar, os autores Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger – Manual de Direito Penal Militar – citando renomados autores, entre estes Ronaldo Roth, apontam o estabelecimento de uma Justiça Militar como ponto primordial para o surgimento do Direito Castrense. Ensinam os autores que, “o estabelecimento da Justic?a Militar data da antiguidade e vem precedido, na histo?ria dos povos, da existe?ncia do Exe?rcito constitui?do para a defesa e expansa?o de seu territo?rio” (NEVES e STREIFINGER, 2014, p. 36)
Citando Univaldo Corre?a, os autores apontam a importância do Direito castrense para o surgimento da Justiça Militar:
Essa tambe?m e? a visa?o de Univaldo Corre?a, para quem a Justic?a Militar deu os primeiros passos obviamente em virtude do surgimento de um direito substantivo especi?fico para a atividade beligerante, “quando o homem entrou na faixa das conquistas e das defesas para o seu povo”, mesmo porque sentiu “necessidade de contar, a qualquer hora e em qualquer situac?a?o, com um corpo de soldados disciplinados, sob um regime fe?rreo e com sanc?o?es graves e de aplicac?a?o imediata. (NEVES e STREIFINGER, 2014, p. 36)
Como bem apontam Neves e Streifinger (2014), o Direito Militar Penal surgiu sobre a influência das atividades bélicas advindas da guerra. Fruto dessa influência surgiu a necessidade da apreciação dos delitos cometidos no campo de batalha por uma justiça especializada capaz de julgar o fato crime sob ângulo diverso do Direito Penal comum.
Como se pode verificar no texto Maior[5], as instituic?o?es militares sa?o dotadas de tutela especial, que visa a? manutenc?a?o de sua regularidade, pela protec?a?o de outros bens juri?dicos: a vida, a integridade fi?sica, a honra, a hierarquia, a disciplina etc. Some-se a isso o fato de a missa?o das corporac?o?es militares ser revestida de uma complexidade i?mpar, exigindo de seus sujeitos abnegac?a?o, robustez e coragem dignas de odisseia. (NEVES e STREIFINGER, 2014, p. 69)
O Direito Penal Militar consiste no conjunto de normas juri?dicas que te?m por objeto a determinac?a?o de infrac?o?es penais, com suas consequentes medidas coercitivas em face da violac?a?o, e, ainda, pela garantia dos bens juridicamente tutelados, mormente a regularidade de ac?a?o das forc?as militares, proteger a ordem juri?dica militar, fomentando o salutar desenvolver das misso?es preci?puas atribui?das a?s Forc?as Armadas e a?s Forc?as Auxiliares. (NEVES e STREIFINGER, 2014, p. 36)
O conceito de crime na visão material (essência da infração, sob o ponto de vista da sociedade), constitui toda a conduta lesiva a bem juridicamente tutelado, merecedora de pena; na ótica formal (captada a essência pelo legislador, transformar-se em lei), é a conduta lesiva a bem juridicamente tutelado, merecedora de pena, devidamente prevista em lei. (NUCCI, 2014, item 84)
O nosso legislador, no Decreto-lei no 1.001 (CPM), adotou o critério ratione legis, isto é, não o definiu, apenas enumerou taxativamente as diversas situações que definem esse delito, ao contrário do que já sucedeu em situações anteriores como, por exemplo, com o código militar de 1891 (Código Penal Militar da Armada), ampliado ao Exército pela Lei no 612, de 12-9-1899, e aplicado à Aeronáutica pelo Decreto-lei no 2.961, de 20-1-1941. Dispunha seu art. 5º desse estatuto militar: “É crime toda ação ou omissão contrária ao dever marítimo e militar, prevista por este código, e será punido com as penas nele estabelecidas.” (LOUREIRO NETO, 2010, p. 17)
As infrações penais militares são as que, por mandamento constitucional (arts. 124 e 125, § 4.º, da CF), possuem previsão de existência, sendo norma em branco complementada pelos arts. 9.º (crimes militares em tempo de paz) e 10 (crimes militares em tempo de guerra) do CPM (Dec.-lei no 1.001/1969). Em geral, são processadas e julgadas pelos órgãos do Poder Judiciário que exercem a jurisdição especial militar, estadual ou federal (arts. 122 a 124, e 125, §§ 3.º, 4.º e 5.º, todos da CF/1988; art. 1.º da LOJMU). (ALVES-MARREIROS, 2015, item 1)
O artigo 9º do CPM dispõe em quais situações uma determinada conduta humana, positiva ou negativa, terá o condão de disparar o sistema de apuração, instrução e julgamento dos crimes militares em tempo de paz.
Inicialmente, os crimes militares são classificados em duas grandes categorias: crimes propriamente militares e crimes impropriamente militares. Esta divisão tem eco constitucional; basta uma rápida leitura do art. 5.°, inciso LXI, da Carta Magna[6], para que seja aferida a importância da distinção. (SARAIVA, 2014, item 1.8)
Desse dualismo teórico referente aos crimes militares, podemos apontar os ensinamentos de Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger, onde os autores tecem breves considerações sobre a diferenciação de crimes próprios e impropriamente militares.
Crimes propriamente militares seriam os que só podem ser cometidos por militares, pois consistem em violação de deveres que lhes são próprios. trata-se, pois, do crime funcional praticável somente pelo militar, a exemplo da deserção (art. 187), da cobardia (art. 363), dormir em serviço (art. 203) etc. Em contraposição, os crimes comuns em sua natureza, praticáveis por qualquer pessoa, civil ou militar, são os chamados impropriamente militares. Como exemplo podemos citar o homicídio de um militar praticado por outro militar, ambos em situação de atividade (art. 9º, ii, a, c/c o art. 205), ou a violência contra sentinela (art. 158). A essa construção a doutrina especializada admite uma exceção, qual seja, o crime de insubmissão (art.183), considerado o único crime propriamente militar que somente o civil pode cometer. Note-se que, apesar de ser praticado por um civil, a incorporação do faltoso, portanto, a qualidade de militar, é condição de punibilidade ou de procedibilidade, nos termos do art. 464, § 2o, do CPPM. Vale dizer que, antes de adquirir a qualidade de militar, com sua inclusão nas Forças Armadas, não cabe ação penal contra o insubmisso. (NEVES, 2013, p. 93).
Podemos então, de forma bem objetiva e didática, apontar que o crime propriamente militar é aquele que só pode ser cometido por militar[7]. Já os crimes impropriamente militares podem ser cometidos por qualquer pessoa, seja ela civil ou militar, obedecida as condições do Art. 9º do CPM.
Deserção vem de desertio, que por sua vez deriva de deserere, que significa abandonar, desamparar. Deserere exercitum, ou simplesmente deserere, significa desertar, na lição de Esmeraldino Bandeira (1915:355). Consequentemente, o agente do crime denomina-se desertor. Na doutrina atual, distingue-se do emansor, que é o ausente, ou seja, aquele que excede o tempo de ausência sem consumar o prazo correspondente ao delito de deserção. (LOUREIRO NETO, 2010, p. 144)
Como bem aponta Neves e Streifinger (2014) o objetivo jurídico do tipo penal é tutelar o serviço militar, tendo como sujeito ativo o militar em situação de atividade. O marco que habilita a pessoa a cometer a deserção é o ato de incorporação a Força Militar ou ato equiparado, que inicie o vi?nculo de ligac?a?o com a Instituic?a?o Militar.
O delito de deserção está descrito nos dois livros, ou seja, o militar poderá praticar esse crime em tempo de paz e, de igual modo, em tempo de guerra. Ressalta-se que para o militar que deserta em tempo de guerra, a pena prescrita em grau máximo é a de morte.
Uma das formas para cometimento do crime de deserção está capitulada no art. 187 do CPM, assim destacado: “Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou de lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena – Detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.”
Sobre a conceituação do período de ausência, Loureiro Neto tece os seguintes comentários:
No caso, o militar ausenta-se (de ausentar-se, afastar-se, desaparecer, retirar-se) sem licença, ou seja, indevidamente (trata-se de elemento normativo do tipo), da unidade em que serve, ou do lugar que deve permanecer, por mais de oito dias. O militar, nesta última hipótese, pode encontrar-se fora de sua unidade, como em manobras, em serviço de qualquer natureza etc. (LOUREIRO NETO 2010, p. 144)
Portanto, para a caracterização da ausência, o militar deverá deixar de comparecer a sua Organização Militar (OM) sem a devida autorização ou comunicação ao seu chefe ou comandante imediato. Lembramos que essa ausência deverá ser indevida e injustificável.
O art. 456 do CPPM determina que “Vinte e quatro horas depois de iniciada a contagem dos dias de ausência o comandante da respectiva subunidade, ou autoridade competente, encaminhará parte de ausência ao comandante ou chefe da respectiva organização, que mandará inventariar o material permanente da Fazenda Nacional, deixado ou extraviado pelo ausente, com a assistência de duas testemunhas idôneas”.
Conforme estabelece o § 4º do art. 456, “consumada a deserção da praça sem estabilidade, será ela imediatamente excluída do serviço ativo”.
O art. 89 do Estatuto dos Militares (E1) define a figura do ausente como aquele militar que “por mais de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, deixa de comparecer a sua OM sem comunicar à autoridade competente o motivo do impedimento, ou ausentasse, sem licença, da OM na qual sirva ou local onde deva permanecer”.
Sobre o prazo de graça, Loureiro Neto (2010, p. 144) assevera que, “no momento em que se ausenta voluntariamente do local onde deva estar, e tendo transcorrido o prazo de graça, o crime está consumado, pois se trata de delito formal que se constitui pelo simples transcurso desse prazo, que é de mais de oito dias”.
Segue Loureiro Neto afirmando que, “esse prazo é admitido em nosso direito desde a Ordenança de abril de 1805, variando em certos países.
Segue o autor apontando a variação desse prazo em alguns países:
Assim, na França o delais de grace é contado six jours aprés celui de l’absence constatés, para os que têm mais de três meses de serviço e de um mês para os recrutas; na Itália l’assenza de corpo per cinque giorno completi senza autorizzazione importa di pieno diritto lo stato di dizerzione; na Alemanha o prazo é de três dias; na Bolívia o prazo é de três dias em tempo de guerra, de seis dias em tempo de praz e de dez dias quando finda uma licença determinada; no Chile o prazo é de 8, 4 e 3 dias, conforme o caso. É como se vê um prazo variável, segundo a tradição do direito em cada país e parece ter sido estabelecido na antiguidade, com duas finalidades: uma de permitir o ausente regressar a seu corpo através de longa jornada, a tempo de não ser considerado desertor e, outra, a de proporcionar tempo bastante para o ausente arrepender-se e voltar às fileiras.” (NETO LOUREIRA, 2010, p. 144)
A contagem errada do prazo de graça é tão prejudicial para a Administração Militar que poderá, a depender do caso concreto, importar no trancamento ou até mesmo o arquivamento da ação penal.
Jorge Luiz Nogueira de Abreu fazendo referência a julgado do Superior Tribunal Militar (Habeas corpus), que tornou atípica a conduta de militar desertor, tendo em vista o paciente ter sido licenciado das fileiras do Exército antes da consumação do crime de deserção, evidencia a importância da correta contagem do prazo de graça.
EMENTA: Habeas corpus – deserção. Trancamento da instrução provisória de deserção. Fato que não constitui crime militar. Exclusão do paciente das fileiras do Exército anterior à consumação da deserção. 1. A impetração busca o trancamento da Instrução Provisória de Deserção sob o argumento de que se apura fato que não constitui crime militar. 2. A exclusão do paciente das fileiras do Exército ocorreu antes de consumado o crime de deserção, suprimindo uma elementar do crime de deserção. 3. A consumação da deserção antecede o ato administrativo de exclusão do serviço ativo. 4. A condição de militar é elementar normativa do crime de deserção, de forma que a sua suspensão, antes da consumação do delito, torna atípica a conduta. 5. Concedida a ordem. Decisão unânime.” (STM. HC 2005.01.034011-4. Relator: Flavio Flores da Cunha Bierrenbach. DJ 31/05/2005. (ABREU, 2016, p. 481)
Destaca-se nesse exemplo que o ato administrativo de licenciamento das fileiras do Exército, se deu anteriormente ao da consumação do crime de deserção, ou seja, o paciente não ostentava mais a condição de militar, que em tese, é elementar normativa do tipo penal.
Como já apontado em tópicos anteriores, a atividade militar é diferente de qualquer outra profissão, pois exige dos seus integrantes valores e condutas próprias. Nesse liame, ponto bastante divergente na doutrina e jurisprudência recai sobre a condição de militar – status de militar – para se ver processar: condição de procedibilidade ou prosseguibilidade?
Antes de adentrarmos nesta questão fundamental, é salutar, em primeiro plano, identificar a diferença entre as duas condições.
Neste contexto inicial de esclarecimento cabe destacar trecho do artigo publicado na Revista de Doutrina e Jurisprudência do Superior Tribunal Militar pelo Min. Artur Vidigal de Oliveira, que de forma simples e objetiva nos ajuda a determinar a diferença entre ambas.
Condições de procedibilidade, também denominadas de condições de admissibilidade do processo penal ou de pressupostos processuais, são aquelas necessárias ao início da ação penal militar, bem como para o conhecimento dos recursos dirigidos aos tribunais. Elas devem estar previstas em lei. As condições de prosseguibilidade são aquelas indispensáveis ao prosseguimento da ação penal, isto é, o processo está em andamento e a condição deve ser mantida e implementada para que o processo prossiga o seu curso normal.[8]
Feito este breve esclarecimento sobre a condição de procedibilidade e prosseguibilidade da ação, cabe destacar como a legislação, a doutrina e a jurisprudência abordam o tema.
Estatuto dos Militares
Art. 89. É considerado ausente o militar que, por mais de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas: I - deixar de comparecer à sua organização militar sem comunicar qualquer motivo de impedimento; e II - ausentar-se, sem licença, da organização militar onde serve ou local onde deve permanecer. Parágrafo único. Decorrido o prazo mencionado neste artigo, serão observadas as formalidades previstas em legislação específica.
Art. 90. O militar é considerado desertor nos casos previstos na legislação penal militar.
(...)
Art. 128. A deserção do militar acarreta interrupção do serviço militar, com a conseqüente demissão ex officio para o oficial, ou a exclusão do serviço ativo, para a praça. § 1º A demissão do oficial ou a exclusão da praça com estabilidade assegurada processar-se-á após 1 (um) ano de agregação, se não houver captura ou apresentação voluntária antes desse prazo. § 2º A praça sem estabilidade assegurada será automaticamente excluída após oficialmente declarada desertora. § 3º O militar desertor que for capturado ou que se apresentar voluntariamente, depois de haver sido demitido ou excluído, será reincluído no serviço ativo e, a seguir, agregado para se ver processar. § 4º A reinclusão em definitivo do militar de que trata o parágrafo anterior dependerá de sentença de Conselho de Justiça. (grifo nosso)
Código Penal Militares
Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.
Código de Processo Penal Militares
Art. 451. Consumado o crime de deserção, nos casos previsto na lei penal militar, o comandante da unidade, ou autoridade correspondente, ou ainda autoridade superior, fará lavrar o respectivo termo, imediatamente, que poderá ser impresso ou datilografado, sendo por ele assinado e por duas testemunhas idôneas, além do militar incumbido da lavratura. § 1º A contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á a zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar.
(…)
Art. 456. Vinte e quatro horas depois de iniciada a contagem dos dias de ausência de uma praça, o comandante da respectiva subunidade, ou autoridade competente, encaminhará parte de ausência ao comandante ou chefe da respectiva organização, que mandará inventariar o material permanente da Fazenda Nacional, deixado ou extraviado pelo ausente, com a assistência de duas testemunhas idôneas. (...) § 4º Consumada a deserção de praça especial ou praça sem estabilidade, será ela imediatamente excluída do serviço ativo. Se praça estável, será agregada, fazendo-se, em ambos os casos, publicação, em boletim ou documento equivalente, do termo de deserção e remetendo-se, em seguida, os autos à auditoria competente. (grifo nosso)
(...)
Art. 457. Recebidos do comandante da unidade, ou da autoridade competente, o termo de deserção e a cópia do boletim, ou documento equivalente que o publicou, acompanhados dos demais atos lavrados e dos assentamentos, o Juiz-Auditor[9] mandará autuá-los e dar vista do processo, por cinco dias, ao procurador, que requererá o que for de direito, aguardando-se a captura ou apresentação voluntária do desertor, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas. § 1º O desertor sem estabilidade que se apresentar ou for capturado deverá ser submetido à inspeção de saúde e, quando julgado apto para o serviço militar, será reincluído. § 2º A ata de inspeção de saúde será remetida, com urgência, à auditoria a que tiverem sido distribuídos os autos, para que, em caso de incapacidade definitiva, seja o desertor sem estabilidade isento da reinclusão e do processo, sendo os autos arquivados, após o pronunciamento do representante do Ministério Público Militar. § 3º Reincluída que a praça especial ou a praça sem estabilidade, ou procedida à reversão da praça estável, o comandante da unidade providenciará, com urgência, sob pena de responsabilidade, a remessa à auditoria de cópia do ato de reinclusão ou do ato de reversão. O Juiz-Auditor determinará sua juntada aos autos e deles dará vista, por cinco dias, ao procurador que requererá o arquivamento, ou o que for de direito, ou oferecerá denúncia, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas.(grifo nosso)
Súmula Superior Tribunal Militar
SÚMULA Nº 8 - (DJ 1 Nº 77, de 24/04/95)
O desertor sem estabilidade e o insubmisso que, por apresentação voluntária ou em razão de captura, forem julgados em inspeção de saúde, para fins de reinclusão ou incorporação, incapazes para o Serviço Militar, podem ser isentos do processo, após o pronunciamento do representante do Ministério Público.
SÚMULA Nº 12 - (DJ 1 N° 18, de 27.01.97)
A praça sem estabilidade não pode ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo.(grifo nosso)
Sobre a qualidade de militar da ativa ser condição específica de procedibilidade, Neves (2017), citando Célio Lobão comenta:
Se o desertor perder essa qualidade, passando para a inatividade ou retornando à condição de civil, o fato – a ausência ilícita – torna-se atípico, deixa de existir o crime de deserção. A ação penal não será proposta, se o for, extingue-se o processo em qualquer fase, inclusive na fase de execução da sentença condenatória transitada em julgado. (NEVES, 2017, p. 838 apud CÉLIO LOBÃO, 2010, p. 387)
Segundo Neves (2017), a visão embora coerente e inovadora, deve-se entender, foge ao disposto estritamente na lei processual penal militar.
No caso de praça, uma vez recebida a denúncia, não há previsão na lei processual penal militar de que haverá a necessidade de que o réu (já denunciado e com denúncia recebida) continue a ostentar a condição de militar. Nos termos do § 3o do art. 457, reincluída a praça especial ou a praça sem estabilidade, ou procedida a reversão da praça estável, o comandante da unidade providenciará, com urgência, sob pena de responsabilidade, a remessa à auditoria de cópia do ato de reinclusão ou do ato de reversão. Após isso, o Juiz-Auditor determinará sua juntada aos autos e deles dará vista, por cinco dias, ao procurador que requererá o arquivamento, ou o que for de direito, ou oferecerá denúncia, se nenhuma formalidade tiver sido omitida, ou após o cumprimento das diligências requeridas. (NEVES, 2017, p. 839 - grifo nosso)
Corroborando sobre a condição de militar para se ver processar, Neves e Streifinger (2014) destacam entendimento de parte da doutrina e do STF sobre a condição de militar.
(...) esta? no entendimento, versado por parte da doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal, de que a condic?a?o de militar e? elemento estrutural do crime, entenda-se, elemento constitutivo, de maneira que, na?o havendo essa condic?a?o na?o havera? o crime, mesmo que ja? haja processo em curso, quando a perda da condic?a?o de militar impedira? o seguimento da persecuc?a?o criminal. (NEVES e STREIFINGER, 2014, p. 931)
Sobre a qualidade de militar da ativa ser condição específica de procedibilidade, Célio Lobão, citado por Neves, assevera:
Se o desertor perder essa qualidade, passando para a inatividade ou retornando à condição de civil, o fato – a ausência ilícita – torna-se atípico, deixa de existir o crime de deserção. A ação penal não será proposta, se o for, extingue-se o processo em qualquer fase, inclusive na fase de execução da sentença condenatória transitada em julgado. (NEVES, 2017, p. 838 apud CÉLIO LOBÃO, 2010, p. 387)
Supremo Tribunal Federal
Corroborando com a tese defendida por Célio Lobão, a jurisprudência do STF tem entendimento consolidado, até o momento, que a qualidade de militar é elemento estrutural do tipo penal, conforme julgados que se seguem:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL MILITAR. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA. IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I - Paciente condenado pela prática do crime de deserção, que foi licenciado a bem da disciplina, não mais ostentando a qualidade de militar. Ausente, pois, condição de procedibilidade para o prosseguimento da ação e, por conseguinte, para a execução da pena imposta pelo crime de deserção. Precedentes. II – Ordem concedida de ofício. (HC 108197, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 14-02-2012 PUBLIC 15-02-2012 – grifo nosso)
EMENTA: (...) É o breve relatório. Decido. O recorrente insurge-se contra a decisão que denegou o pedido de extinção da ação penal, porquanto ausente a condição de procedibilidade em razão do licenciamento do militar desertor. Acerca do tema ressalto que a jurisprudência deste Supremo Tribunal se consolidou no sentido de que a qualidade de militar é elemento estrutural do tipo penal de deserção, de modo que a ausência de tal requisito impede o processamento do feito. Nesse sentido, entre inúmeros precedentes, cito os seguintes: HC 90.838/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 22.5.2009; HC 83.030/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ 1º.8.2003; e HC 108.197/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 15.2.2012, restando este último assim ementado: “HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL MILITAR. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA. IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. I - Paciente condenado pela prática do crime de deserção, que foi licenciado a bem da disciplina, não mais ostentando a qualidade de militar. Ausente, pois, condição de procedibilidade para o prosseguimento da ação e, por conseguinte, para a execução da pena imposta pelo crime de deserção. Precedentes. II – Ordem concedida de ofício”. Dessarte, tratando-se a deserção de crime propriamente militar, o agente se restringe àqueles que detêm a condição de militar. Uma vez perdida tal qualidade, o processo deverá ser extinto em qualquer fase, inclusive na fase de execução da sentença condenatória transitada em julgado. Sobre o tema, colho lição da doutrina: (...) na deserção, a qualidade de militar da ativa é condição específica de procedibilidade. Se o desertor perder essa qualidade, passando para a inatividade ou retornando à condição de civil, o fato – a ausência ilícita – torna-se atípico, deixa de existir o crime de deserção. A ação penal não será proposta, se o for, extingue-se o processo em qualquer fase, inclusive na fase de execução da sentença condenatória transitada em julgado”. (LOBÃO, Célio. Direito processual penal militar. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 387) Ante o exposto, com base no art. 192, caput, do RISTF, dou provimento ao presente recurso ordinário em habeas corpus a fim de determinar a extinção definitiva da Execução de Sentença Militar nº 0000156-93.2013.7.11.0011, em curso perante a 1ª Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar de Brasília/DF. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 26 de novembro de 2015. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente (RHC 131001, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 26/11/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 01/12/2015 PUBLIC 02/12/2015- grifo nosso)
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PENAL MILITAR. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESERÇÃO. ARTIGO 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, D E I. ROL TAXATIVO. DESLIGAMENTO DO PACIENTE DAS FILEIRAS DO EXÉRCITO. PERDA DA CONDIÇÃO DE MILITAR. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. A condição de militar é elemento estrutural dos crimes militares próprios, razão pela qual o desligamento do paciente das fileiras das Forças Armadas impede o prosseguimento da ação. 2. In casu, o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de deserção, tipificado no artigo 187 do Código Penal Militar, tendo sido posteriormente excluído das fileiras do Exército por ocasião do término do serviço militar obrigatório. 3. Habeas Corpus concedido para determinar a extinção da ação penal militar 4.22.2016.7.01.0401(HC 149092, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 27/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 03-04-2018 PUBLIC 04-04-2018 – grifo nosso)
Superior Tribunal Militar
Sobre o entendimento do Superior Tribunal Militar referente a condição de militar para o prosseguimento da ação, podemos dividi-lá em dois grandes momentos: Um afirmando que a condição de militar do acusado é indispensável para a persecução penal no crime de deserção; e outra no sentido que o status de militar da ativa constitui requisito de procedibilidade e não de prosseguibilidade do processo, conforme jurisprudências relacionadas abaixo:
EMENTA: APELAÇÃO. DESERÇÃO (ART. 187 DO CPM). PROCESSO EM CURSO NA 2ª INSTÂNCIA. ACUSADO. PERDA DA CONDIÇÃO DE MILITAR PELA INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O SERVIÇO MILITAR. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO E CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. Informações aportadas aos autos, oriundas do Juízo a quo, noticiando que o Apelante não ostenta mais o status de militar, em face de incapacidade definitiva para o Serviço Militar. Impõe-se a extinção do processo pela falta de condição de procedibilidade para o prosseguimento da ação penal. A condição de militar do Acusado é indispensável para a persecução penal no crime de deserção. Precedentes nesse sentido. Preliminar de não conhecimento por falta de condição de procedibilidade - e concessão de Habeas Corpus de Ofício acolhida. Decisão majoritária. (Processo Num: 949220013701401 RJ 00000009-49.2013.7.01.0401; Data da Publicação: 07/11/2013 Vol: Veículo: DJE – Ministro relator: Lúcio Mauro de Barros Góes – grifo nosso)
APELAÇÃO. DESERÇÃO (ART. 187 DO CPM). PROCESSO EM CURSO NA 2ª INSTÂNCIA. ACUSADO. PERDA DA CONDIÇÃO DE MILITAR PELO LICENCIAMENTO DO SERVIÇO ATIVO DO EXÉRCITO. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE SUPERVENIENTE. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO E ARQUIVAMENTO DO FEITO. Informação aportada aos autos, oriundas do Juízo a quo, noticiando que o Apelante não ostenta mais o status de militar, em face de licenciamento por término do serviço militar obrigatório. Impõe-se a extinção do processo pela falta de condição de procedibilidade da ação penal. A condição de militar do Acusado é indispensável para a persecução penal no crime de deserção. Precedentes nesse sentido. Preliminar de não conhecimento do Recurso acolhida e concedido, de ofício, habeas corpus para trancar a Ação Penal Militar por falta de justa causa, determinando-se o seu arquivamento. Decisão majoritária. (Processo Num: 0000091-93.2013.7.05.0005; Data da Publicação: 20/05/2014 Vol: Veículo: DJE – Ministro relator: Lúcio Mauro de Barros Góes – grifo nosso)
HABEAS CORPUS. DESERÇÃO. AÇÃO PENAL REGULARMENTE INSTAURADA. PERDA SUPERVENIENTE DA CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. DECISÃO DO CONSELHO PELO PROSSEGUIMENTO DO FEITO. IMPUGNAÇÃO DO ATO PELA DPU. A ação penal decorrente da prática do delito de deserção, conforme entendimento consolidado desta Corte por meio da Súmula nº 12, exige a condição de militar do agente para figurar no polo passivo da relação processual penal, conforme se verifica do artigo 457 e seus §§ 1º, 2º e 3º, do CPPM. Embora esses dispositivos se refiram à aptidão de saúde do desertor para sua reinclusão e a consequente instauração do processo, o legislador expressou o entendimento no § 2º do referido dispositivo de que a inaptidão por incapacidade definitiva o isenta do processo, determinando, por consequência lógica, o seu arquivamento. Por essa razão, não há de falar em violação do artigo 129, inciso I, da CF, conforme precedente da Excelsa Corte. Configurada a ausência de interesse da lei em manter sub judice o agente inapto para o serviço militar obrigatório. Uma vez licenciado das fileiras da Força, por meio da discricionariedade da autoridade administrativa militar, o acusado não mais se sujeita à ação penal militar de rito especial, ainda que seu desligamento seja superveniente à instauração do processo. Ratificada a liminar que suspendeu o curso da ação penal e, no mérito, concedida a ordem para trancá-la por manifesta perda de objeto. Decisão por maioria. (Processo Num: 0000217-65.2014.7.00.0000 ; Data da Publicação: 04/03/2015 Vol: Veículo: DJE – Ministro relator: William de Oliveira Barros– grifo nosso)
EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. DPU. DESERÇÃO. PERDA DO STATUS DE MILITAR DO ACUSADO POSTERIOR AO RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSATÓRIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INDULTO CONCEDIDO PELO JUÍZO A QUO. CONFIRMAÇÃO PELO STM. O status de militar da ativa constitui requisito de procedibilidade e não de prosseguibilidade do processo, nos termos § 2º do art. 457 do CPPM. Inexiste qualquer previsão na legislação castrense que ampare interpretação diversa. A exclusão do desertor do Serviço Ativo das Forças Armadas, em momento posterior ao recebimento da peça acusatória, não extingue a sua punibilidade. Uma vez concedido o indulto ao réu, e ocorrido o seu trânsito em julgado sem que as partes tenham dele recorrido, cabe a esta Corte confirmar o benefício. Embargos rejeitados. Decisão por maioria. (STM - Acórdão Num: 0000056-35.2014.7.03.0303 UF: DF; Data da Publicação: 24/10/2016 Vol: Veículo: DJE – Ministro relator: Alvaro Luiz Pinto - grifo nosso)
APELAÇÃO. DESERÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE. NÃO VERIFICADA. 1. A tese relativa à ausência da intitulada condição de prosseguibilidade jamais encontrou respaldo jurídico no ordenamento pátrio, seja nos tempos do Império ou durante a República. 2. Em interpretação sistemática, os §§ 1º a 3º do art. 457 do Código de Processo Penal Militar, o art. 187 do Código Penal Militar, o inciso VIII do art. 82 do Estatuto dos Militares e o enunciado 12 de Súmula de Jurisprudência deste Tribunal revelam somente a condição de procedibilidade de legitimidade passiva quando do recebimento da Denúncia, sem menção a qualquer condição de prosseguibilidade após essa fase. Trata-se de verdadeiro silêncio eloquente e não eventual omissão do legislador. 3. Decisão por maioria. (STM - Acórdão Num: 0000154-97.2016.7.12.0012 UF: AM Decisão: 31/10/2017 Proc: AP - APELAÇÃO Cód. 50 Publicação Data da Publicação: 01/12/2017 Vol: Veículo: DJE Ministro Relator Lúcio Mário de Barros Góes – grifo nosso)
EMENTA: APELAÇÃO. MPM. DESERÇÃO. LICENCIAMENTO DO MILITAR. EXTINÇÃO DA AÇÃO PENAL SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. REFORMA DA DECISÃO A QUO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO. 1. Em observância à Teoria da Atividade, adotada pelo Código Penal Militar, o fato de o agente ter sido licenciado das fileiras das Forças Armadas durante o curso da Ação Penal em nada modifica a sua condição de militar no momento em que perpetrou o crime de deserção. 2. A ação penal para a apuração do crime de deserção é pública incondicionada e, nessa situação, a legislação penal militar tutela os pilares básicos das Forças Armadas, sendo vedado estabelecer outras condições de procedibilidade e de prosseguibilidade distanciadas da lei. Recurso conhecido e provido. Decisão por maioria. (STM - Acórdão Num: 0000095-12.2016.7.12.0012 UF: AM Decisão: 24/10/2017 Proc: AP - APELAÇÃO Cód. 50 Publicação Data da Publicação: 16/11/2017 Vol: Veículo: DJE Ministro Relator Artur Vidigal de Oliveira – grifo nosso)
EMENTA. APELAÇÃO. DESERÇÃO. ARTIGO 187 DO CPM. SENTENÇA A QUO QUE JULGOU EXTINTA, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, A AÇÃO PENAL MILITAR REFERENTE A DESERTOR. Militar que se ausentou sem autorização por mais de oito dias da OM, em que servia, consumou deserção. Por consequência teve sua exclusão do serviço ativo do Exército. Apresentou-se voluntariamente, foi considerado apto para o serviço militar, reincluído ao serviço ativo e denunciado. Em face do licenciamento do Réu da Força, o Conselho Permanente de Justiça julgou extinto o processo sem julgamento do mérito. O licenciamento de militar não inviabiliza o prosseguimento do feito por não integrar as hipóteses de extinção da punibilidade previstas no CPM. No caso, examina-se a conduta do militar que cometeu crime de deserção, devendo ser julgado e processado pelo ato ilícito praticado, independentemente da sua condição atual de civil. Precedentes. Apelação do Parquet Castrense provida para cassar a Sentença recorrida e determinar o regular prosseguimento do feito. Maioria (Apelação nº 0000191-39.2016.7.11.0211/DF, 01/06/2017, Rel. Min. Alte Esq Marcus Vinícius Oliveira dos Santos - grifo nosso).
Exposta a legislação, a doutrina e a jurisprudência, podemos afirmar que a tese firmada pelo STM é de que o status de militar é condição de procedibilidade, ou seja, no momento do oferecimento da denúncia o desertor tem que ostentar a condição de militar.
Em relação ao status de militar para o prosseguimento da ação penal, o STM vem adotando a tese que a condição de militar não inviabiliza o prosseguimento da ação penal por não integrar as hipóteses de extinção da punibilidade prevista no CPM, como até então defendia a Egrégia Corte castrense.
Cabe destacar que a jurisprudência do STF ainda guarda restrição quanto à condição de militar do desertor, argumentando ser elemento estrutural do tipo penal, de modo que a ausência de tal requisito impede o processamento do crime.
Entretanto, em dois julgados do Min. Alexandre de Moraes, um datado de 22/06/2018 e outro de 29/03/2019, ambos em sede de Habeas Corpus, decidiu o digníssimo Ministro que o “status de militar é exigido somente na fase inicial do processo, como pressuposto para deflagração da ação penal, sendo irrelevante, para fins de prosseguimento da instrução criminal ou do cumprimento da pena, a posterior exclusão do agente do serviço ativo das Forças Armadas.”
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). STATUS DE MILITAR DA ATIVA. CONDIÇÃO PARA DEFLGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. SUPERVENIENTE EXCLUSÃO DAS FORÇAS ARMADAS. IRRELEVÂNCIA, PARA FINS DE PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. 1. A ação penal que trata de deserção (CPM, art. 187) somente poderá ser instaurada contra militar da ativa, constituindo, portanto, condição de procedibilidade; isto é, o status de militar é exigido somente na fase inicial do processo, como pressuposto para deflagração da ação penal, sendo irrelevante, para fins de prosseguimento da instrução criminal ou do cumprimento da pena, a posterior exclusão do agente do serviço ativo das Forças Armadas. Inteligência do art. 456, § 4º, e do art. 457, § 1º e § 2º, ambos do CPPM. 2. Agravo Regimental a que se nega provimento. (HC 146355 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 22/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-153 DIVULG 31-07-2018 PUBLIC 01-08-2018)
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. DESERÇÃO (ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). STATUS DE MILITAR DA ATIVA. CONDIÇÃO PARA DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. SUPERVENIENTE EXCLUSÃO DAS FORÇAS ARMADAS. IRRELEVÂNCIA, PARA FINS DE PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. 1. A ação penal que trata de deserção (CPM, art. 187) somente poderá ser instaurada contra militar da ativa, constituindo, portanto, condição de procedibilidade; isto é, o status de militar é exigido somente na fase inicial do processo, como pressuposto para deflagração da ação penal, sendo irrelevante, para fins de prosseguimento da instrução criminal ou do cumprimento da pena, a posterior exclusão do agente do serviço ativo das Forças Armadas. Inteligência do art. 456, § 4º, e do art. 457, § 1º e § 2º, do CPPM. Precedentes. 2. Agravo Regimental a que se nega provimento. (HC 167640 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 29/03/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-069 DIVULG 04-04-2019 PUBLIC 05-04-2019)
Observamos que o entendimento do STF pode vir a sofrer mudança no tocante a condição de militar para o prosseguimento da ação penal no crime de deserção, conforme entendimento do seu mais novo ministro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em interpretação aprofundada da legislação militar, cabe destacar que os §§ 1º a 3º do art. 457 do Código de Processo Penal Militar, o art. 187 do Código Penal Militar, o inciso VIII do art. 82 do Estatuto dos Militares e o enunciado 12 de Súmula do STM revelam somente a condição de procedibilidade de legitimidade passiva quando do recebimento da denúncia, sem menção a qualquer condição de prosseguibilidade após essa fase.
O status de militar da ativa constitui requisito de procedibilidade e não de prosseguibilidade do processo, nos termos § 2º do art. 457 do CPPM.
Como bem se observa, o licenciamento ou exclusão do militar desertor em momento posterior a sua reinclusão, não inviabiliza o prosseguimento da ação, sob pena de criação de causa de extinção de punibilidade não prevista no Código Penal Militar.
Em observância à Teoria da Atividade[10] adotada pelo Código Penal Militar, o fato de o agente ter sido licenciado das fileiras das Forças Armadas durante o curso da Ação Penal em nada modifica a sua condição de militar no momento em que perpetrou o crime de deserção.
Em síntese, o status de militar tem relevância apenas para o procedimento da ação, não guardando mais relevância para prosseguibilidade, conforme novo entendimento da Corte Militar.
Apesar do entendimento consolidado pela Corte Castrense, ainda há um longo caminho a ser percorrido, pois o STF ainda guardar restrição quanto ao status de militar no crime de deserção no tocante a prosseguibilidade da ação penal, mas como destacado no presente Artigo pode vir a ter novo entendimento no futuro.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
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______. Decreto-Lei 1.002, de outubro de 1969. Código de Processo Penal Militar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm>. Acessado em: 13 Fev 2018. Não Paginado.
______. Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1001.htm>. Acessado em: 13 Fev 2018. Não Paginado.
______. Lei nº 4.435, de 17 de agosto de 1964. Lei do Serviço Militar. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4375.htm>. Acessado em: 13 Fev 2018. Não Paginado.
______. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6880.htm>. Acessado em: 13 Fev 2018. Não Paginado.
ALVES-MARREIROS, Adriano. Direito penal militar teoria crítica e prática. Rio de Janeiro Método 2015.
ABREU, Jorge Luiz Nogueira de. Direito administrativo militar. 2. ed. Rio de Janeiro Método 2017.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral : arts. 1o a 120 — 21. ed. — Sa?o Paulo : Saraiva, 2017.
NEVES, Ci?cero Robson Coimbra. Manual de direito penal militar / Ci?cero Robson Coimbra Neves, Marcello Streifinger. – 4. ed. – Sa?o Paulo : Saraiva, 2014.
NEVES, Cícero Robson Coimbra. Manual de direito processual penal militar. 2. ed. São Paulo Saraiva 2017.
LOUREIRO NETO, Jose? da Silva – 5/2a. Direito penal militar – Sa?o Paulo : Atlas, 2010.
NUCCI, Guilherme Souza. Código Penal Militar Comentado. 2. ed.Rio de Janeiro. Forense, 2014.
Revista de Doutrina e Jurisprudência do Superior Tribunal Militar. — Vol. 22, n. 1/2 (jan./set. 2013) - . — Brasília: Superior Tribunal Militar, Comissão de Jurisprudência, 2013.
SARAIVA, Alexandre José de Barros Leal. Código Penal Militar comentado. 3. ed. Rio de Janeiro: Método, 2014.
[1] Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar
[2] A palavra “castrense” origina-se, como ensina Ronaldo Joa?o Roth, pelas palavras de Reynaldo Moreira Miranda, do voca?bulo “castra”, castrorum do latim, que “significa acampamentos (...), isto e?, o incipiente e primitivo ‘direito romano-militar’ – o jus castrensis – se exercia, de prefere?ncia, nos acampamentos, em tempo de guerra, em plena luta armada” (Justic?a militar e as peculiaridades do juiz militar na atuac?a?o jurisdicional. Sa?o Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 91) – citado por NEVES, Cícero Coimbra. Manual de direito penal militar, 4ª edição, p 36.
[3] Art. 5º da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 - Estatuto dos Militares.
[4] Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 – Código de Processo Penal Militar.
[5] Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem – Constituição Federal de 1988.
[6] Art. 5º. LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
[7] Exceção aos crimes propriamente militares é o crime de insubmissão que é praticado por civil mas que é condicionado a incorporação do insubmisso. Condição de procedibilidade.
[8] Crime Militar de Deserção: As Condições de Procedibilidade e de Prosseguibilidade: Revista de Doutrina e Jurisprudência do Superior Tribunal Militar. — Vol. 22, n. 1/2 (jan./set. 2013) - . — Brasília: Superior Tribunal Militar, Comissão de Jurisprudência, 2013. Disponível em: <http://www.mflip.com.br/pub/stm/index6/?numero=22&edicao=2854>. Acesso em 28 fevereiro 2018
[9] Juiz Federal da Justiça Militar (conforme Lei 13.774/2018 de reorganização da Justiça Militar da União)
[10] Teoria adotada: o Co?digo Penal adotou a teoria da atividade. Como conseque?ncia principal, a imputabilidade do agente deve ser aferida no momento em que o crime e? praticado, pouco importando a data em que o resultado venha a ocorrer. (CAPEZ, 2017, p. 85)
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Candido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Daniel Souza. Crime de deserção: status de militar como condição da ação penal militar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52924/crime-de-desercao-status-de-militar-como-condicao-da-acao-penal-militar. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Sócrates da Silva Pires
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