RESUMO: Esta pesquisa objetiva apresentar um panorama geral, sem a pretensão de exaurir esta problemática, acerca do surgimento do nepotismo do Brasil, demonstrando a evolução do entendimento sobre o tema, bem como, especificamente, a incidência ou não da Súmula Vinculante nº13 às nomeações de parentes a cargos políticos, detalhando a corrente tradicional, a intermediária e, por fim, uma terceira corrente que melhor tutela o interesse público que tem guarida implícita na Constituição Federal de 1988, sob o prisma do princípio da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, que possuem aplicação imediata e independem de lei para sua eficácia. Para tanto, no decorrer do texto serão analisadas as principais decisões acerca do tema traçando um panorama pro futuro, sob o espectro do princípio do in dubio pro societate que deve reger o trato com a coisa pública.
PALAVRAS CHAVES: NEPOTISMO. AGENTES POLÍTICOS. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA. IN DUBIO PRO SOCIETATIS. EFETIVAÇÃO DA VONTADE DA CONSTITUIÇÃO.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ASPECTOS GERAIS SOBRE O NEPOTISMO. 2.1 CONCEITUAÇÃO. 2.2 PROCESSO HISTÓRICO-EVOLUTIVO DO NEPOTISMO 3. ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A INCIDÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº13 AOS AGENTES POLÍTICOS 4. CONCLUSÃO.
1. INTRODUÇÃO
O nepotismo está entrelaçado com a própria história do descobrimento do Brasil, em que os espaços públicos eram dominados pelos interesses pessoais. Na própria Carta de descobrimento do Brasil, escrita por Pedro Vaz de Caminha, ao rei de Portugal, aquele pedia ao monarca um emprego para seu genro.
Essa prática que desvia a finalidade do interesse público persiste até hoje, aviltando princípios constitucionais expressos, como o princípio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência, bem como implícitos, como o princípio do superior interesse público e da indisponibilidade do interesse público que formam a pedra toque do regime administrativo constitucional.
Para tanto, far-se-á uma análise sobre os aspectos gerais do nepotismo, sua conceituação, processo histórico-evolutivo, demonstrando o entendimento tradicional de não incidência da súmula vinculante nº13 aos agentes políticos, suas correntes e adoção do entendimento que melhor resguarda o interesse público diante de um panorama principiológico pro futuro.
Diante disso, a presente pesquisa objetiva apresentar, sem pretensão de exaurir o tema, um epítome das correntes de pensamento existentes no Direito Brasileiro acerca da incidência, ou não, da súmula vinculante e a nomeação de cargos políticos.
2. ASPECTOS GERAIS SOBRE O NEPOTISMO
A vedação do nepotismo na nomeação para cargos públicos constitui uma das principais práticas de moralização pós Constituição de 1988, tendo em vista que esta espécie de favorecimento dos vínculos de parentesco nas nomeações à cargos e funções públicas viola as garantias constitucionais de impessoalidade e eficiência, desconsiderando a necessária e prevalente escolha para o exercício do cargo público pela capacidade técnica do agente a ser designado.
Diante disso, faz-se mister analisar a conceituação e o processo histórico-evolutivo do nepotismo.
2.1 CONCEITUAÇÃO
A palavra “nepotismo”, do ponto de vista etimológico, tem origem no latim, proveniente da conjugação do termo nepote, que significa sobrinho ou protegido, atrelado ao sufixo “ismo”, que remonta a ideia de ato.
No site institucional do Conselho Nacional De Justiça, responsável pela edição da Resolução nº 7 considerada o marco da regulação temática no ordenamento brasileiro, o nepotismo é conceituado como “o favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego. As práticas de nepotismo substituem a avaliação de mérito para o exercício da função pública pela valorização de laços de parentesco. Nepotismo é prática que viola as garantias constitucionais de impessoalidade administrativa, na medida em que estabelece privilégios em função de relações de parentesco e desconsidera a capacidade técnica para o exercício do cargo público. O fundamento das ações de combate ao nepotismo é o fortalecimento da República e a resistência a ações de concentração de poder que privatizam o espaço público.”
2.2 PROCESSO HISTÓRICO-EVOLUTIVO DO NEPOTISMO
Historicamente, o termo advém da autoridade exercida pelos sobrinhos e outros aparentados dos Papas na administração eclesiástica, nos séculos XV e XVI, ganhando, hodiernamente, contornos pejorativos relacionados ao favorecimento de parentes por alguém que exerce poder na administração pública, seja direta ou indireta, de qualquer dos Poderes dos entes federados.
A Resolução nº7 do CNJ constitui o marco da vedação ao nepotismo no ordenamento jurídico brasileiro, regulamentando a proibição de contratação baseada no parentesco no Judiciário.
Posteriormente, o CNMP editou a Resolução nº1 com o mesmo conteúdo proibitivo no âmbito desta instituição.
Ocorre que, pelo fato desta matéria ter sido editada por meio de resolução, houve, primordialmente, resistência no seu cumprimento, levando a discussão ao STF que determinou que os condicionamentos impostos pela Resolução nº7 do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas impostas pela CF/1988, deduzidas dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade, colaciona-se, abaixo, a ementa deste paradigmático julgado:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO 7, DE 18-10-2005, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE “DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução 7/2005 do CNJ não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela CF/1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. (...) 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo “direção” nos incisos II, III, IV, V do art. 2º do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça.
[STF, ADC 12, rel. min. Ayres Britto, P, j. 20-8-2008, DJE 237 de 18-12-2008.] (GRIFO NOSSO)
Acerca deste supracitado julgado, o Ministro Carlos Ayres Britto, relator da ADC 12, deferiu o pedido liminar em 16.02.2006, defendendo que:
“Noutro giro, os condicionamentos impostos pela Resolução em foco não atentam contra a liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança (incisos II e V do art. 37). Isto porque a interpretação dos mencionados incisos não pode se desapegar dos princípios que se veiculam pelo caput do mesmo art. 37. Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade.
É dizer: o que já era ADC 12 / DF constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado. Não se trata, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgânicos do Estado, sob a equivocada proposição de que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam inteiramente libertos de peias jurídicas para prover seus cargos em comissão e funções de confiança, naquelas situações em que os respectivos ocupantes não hajam ingressado na atividade estatal por meio de concurso público.”
Diante da importância do precedente e dos fundamentos contidos no voto da Ministra Cármen Lúcia, colacionamos abaixo trechos deste que demonstram que o nepotismo desembarcou em terras brasileiras com as primeiras navegações, persistindo até os tempos atuais, vejamos:
“O traçado histórico brasileiro expõe a utilização dos espaços públicos pelos interesses privados, do que decorre, em grande parte - e que já haveria de ter sido extirpada há muito - a manutenção de atuações nepotistas no País.
Há duas passagens desta história muito lembradas e que mereceriam aqui citação especial: a primeira, a de que ao final da Carta endereçada por Pedro Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, dando notícia do descobrimento, já se continha pleito que não poderia ser desconhecido:
E pois que Senhor He certo que asy neeste careguo que leuo como em outra qualquer coussa que de vosso serucio for uosa alteza há de seer de mym mujto seruída, aela peci que por me fazer singular mercee made viyr dajha de Sam thomee Jorge dosoiro meu jenro, o que dela receberey em mujta mercee. Beijo as maãos de vossa alteza. Deste porto seguro da vossa jilha de vera cruz oje sesta feita primeiro dia de mayo de 1500."
Dissertando sobre este tema, afirmava então que "No Brasil, tudo começou, pois, nesta passagem. O nepotismo desembarcou em terras brasileiras com as primeiras navegações aqui chegadas. E esta bandeira não parou mais de ser desfraldada (talvez mais certo fosse dizer 'desfraldada')"(Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 159). “
Nessa toada, de maneira magistral, a eminente Ministra conclui no seu voto que:
“Tudo a demonstrar que os fundamentos constitucionais não permitem o parentesco como fonte ou critério de admissão no serviço público, sequer em cargo dito de confiança, que confiança aí se põe na qualificação do candidato e não na qualidade do nome por ele ostentado.
Sabemos todos que a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa, que se qualifica como valor constitucional impregnado de substrato ético e erigido à condição de vetor fundamental no processo de poder, condicionando, de modo estrito, o exercício, pelo Estado e por seus agentes, da autoridade que lhes foi outorgada pelo ordenamento normativo. Esse postulado, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos, nos quais se funda a própria ordem positiva do Estado.
É por essa razão que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle de todos os atos do poder público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles se situem.”
Ademais outro precedente representativo no que tange ao nepotismo é de que a vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática, vejamos:
I — Embora restrita ao âmbito do Judiciário a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II — A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. III — Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF/1988.[STF, RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008.]
Depreende-se, portanto que que as restrições contidas em atos normativos, como as Resoluções do CNJ e do CNMP não necessitam estarem contidas em lei formal, ao argumento de que as mesmas já estão positivadas e impostas pela Constituição de 1988, desdobramento lógico dos princípios republicanos da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade.
Dessa forma, à legalidade formal não está dando eficácia à vedação, tendo em vista que o nepotismo no Poder Público está obstado à juridicidade e do comando diretamente veiculado pela CF/88.
Ainda na ação em análise, o Ministro Gilmar Mendes se manifestou, em seu voto, na ADC 12, no sentido de que a “moralidade não é elemento do ato administrativo, como ressalta GORDILLO, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente. A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra.”
Diante da conjuntura analisada, do STF editou a Súmula Vinculante 13 que possui o seguinte enunciado:
Súmula Vinculante 13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.
Depreende-se, de sua análise, que a relação de parentesco não pode decorrer entre a autoridade nomeante e o nomeado, se este for designado para cargo em comissão ou função gratificada.
Ademais, não pode ocorrer entre servidor que ocupa cargo de direção, chefia ou assessoramento com a nomeação de outro servidor, parente seu, que ocupe cargo em comissão ou função gratificada, dentro da mesma pessoa jurídica, em qualquer dos Poderes dos entes federados.
Ressalta-se que a diferença entre cargo em comissão e função de confiança e que este somente pode ser designado a quem tem cargo efetivo, enquanto aquele pode ser exercido por qualquer pessoa, desde que preenchidos os requisitos mínimos do cargo público, sendo reservado um limite legal mínimo para servidores efetivos.
Acerca do tema, convém destacar, os critérios estabelecidos pelo Ministro DiasToffoli para identificar a configuração do nepotismo, colaciona-se abaixo:
O Min. Dias Toffoli definiu quatro critérios objetivos nos quais haverá nepotismo. Veja:
a) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada;
b) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante;
c) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada e
d) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.
(STF. 2ª Turma. Rcl 18564, Relator p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 23/02/2016).
Percebe-se, também, que existem hipóteses em que não se aplica o entendimento da Súmula Vinculante nº 13, quais sejam: i) nomeação em concurso público de dois parentes; ii) o entendimento tradicional do STF de que a referida súmula não se aplica aos cargos políticos, apenas para os cargos administrativos.
3. ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A INCIDÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE Nº13 AOS AGENTES POLÍTICOS
Insta salientar que a jurisprudência nesse ponto ainda não é uniforme, existindo o entendimento tradicional, bem como outras duas correntes que estão em ascensão, sendo a configuração ou não do nepotismo aferida caso a caso.
Destaca-se, nesse sentido, trechos do voto do Ministro Marco Aurélio, citado pelo Ministro Celso de Melo na Reclamação nº 27014:
Bem vistas as coisas, o fato é que a redação do verbete não prevê a exceção mencionada, e esta, se vier a ser reconhecida, dependerá da avaliação colegiada da situação concreta descrita nos autos, não cabendo ao relator antecipar-se em conclusão contrária ao previsto na redação da súmula, ainda mais quando baseada em julgamento proferido em medida liminar. Registro, ainda, que a apreciação indiciária dos fatos relatados, própria do juízo cautelar, leva a conclusão desfavorável ao reclamado. É que não há, em passagem alguma das informações prestadas pelo município, qualquer justificativa de natureza profissional, curricular ou técnica para a nomeação do parente ao cargo de secretário municipal de educação. Tudo indica, portanto, que a nomeação impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que, por acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para integrar o secretariado municipal.” (Grifo nosso).
A primeira corrente é estanque no sentido de entender que a súmula não se aplica para os cargos políticos. O STF, tradicionalmente, encampa esta tese como regra, excecionando a situação de idoneidade moral, ausência de qualificação técnica e fraude, veja-se a ementa da Reclamação nº 28.024 e do RE 579.951:
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE 13. 1. O Supremo Tribunal Federal tem afastado a aplicação da Súmula Vinculante 13 a cargos públicos de natureza política, ressalvados os casos de inequívoca falta de razoabilidade, por manifesta ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral. Precedentes. 2. Não há nos autos qualquer elemento que demonstre a ausência de razoabilidade da nomeação. 3. Agravo interno a que se nega provimento.
Então, quando o art. 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC 12, porque o próprio Capítulo VII é Da Administração Pública enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como por exemplo, os de Secretário Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do art. 37. Somente os cargos e funções singelamente administrativos — é como penso — são alcançados pela imperiosidade do art. 37, com seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir do âmbito da nossa decisão anterior os secretários municipais, que correspondem a secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e ministros de Estado, no âmbito federal.
[RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, voto do min. Ayres Britto, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008.].
Por sua vez, uma segunda corrente se perfilha que é possível a nomeação de cônjuges e parentes, desde que possuam aptidão técnica.
Trata-se, pois, de uma posição que entende que, em regra, a nomeação para cargos políticos é vedada. Porém, caso o nomeado apresente qualificação técnica compatível, sua nomeação será admitida.
A crítica que se realiza a esta corrente se amolda diante do subjetivismo que permeia a análise do critério da aptidão técnica, fazendo com que a norma pudesse ser fraudada e desviada da finalidade que foi editada.
Por fim, existe uma terceira corrente, defendida por vários Ministérios Públicos, que a aplicação da súmula deve ser aplicada aos cargos políticos, sem exceções, diante da juridicidade do comando constitucional e do princípio da indisponibilidade do interesse público e do princípio da prevalência deste sobre o interesse particular.
Repisa-se, portanto, que a vedação ao nepotismo não é mera recomendação, mas sim um mandamento constitucional, ante à inafastável e natural predileção pelos consanguíneos em detrimento de terceiros, aviltando os princípios constitucionais basilares do regime jurídico constitucional administrativo.
Um exemplo de atuação prática e atual desta corrente é a política de “tolerância zero” adotada pelo MP-BA de proibir a nomeação de parentes mesmo para cargos políticos, conforme notícia abaixo colacionada, veiculada pelo Ministério Público do Estado da Bahia, vejamos alguns trechos:
Ministério Público edita nota técnica de “tolerância zero” ao nepotismo.
O combate à prática do nepotismo subiu mais um degrau como prioridade máxima da atuação do Ministério Público estadual na estratégia de enfrentamento à corrupção. Uma nota técnica produzida pelo Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção à Moralidade Administrativa (Caopam) foi encaminhada em setembro a todos os promotores de Justiça da área, a fim de reforçar a ação sistemática contra o nepotismo no estado. Apesar de não ser impositiva, a nota subsidia os promotores de Justiça a partir de um entendimento uniforme.
A partir de uma compreensão mais rigorosa, a nota prioriza uma atuação ministerial que considere nepotismo quaisquer nomeações de parentes de prefeitos até o terceiro grau para cargos políticos, a exemplo de secretários municipais. É a chamada “tolerância zero” ao nepotismo. A orientação técnica se baseia no entendimento mais recente dos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio de Melo do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em decisões monocráticas proferidas em 2017, foram mais taxativos ao analisar o preenchimento de cargos políticos por familiares à luz da Súmula Vinculante nº 13, na qual a Corte aponta as situações que configuram nepotismo.
Segundo o coordenador do Caopam, promotor de Justiça Luciano Taques, estas decisões partiram da compreensão de que a Súmula considera como nepotismo a pura e simples nomeação de cônjuge, companheiro, parente ou afim, até terceiro grau, para cargo político. “A caracterização direta do nepotismo independe, nesses casos, da avaliação de qualquer outra circunstância, além da relação familiar ou afetiva. Ou seja: uma vez constatada essa relação, está caracterizado o nepotismo”, explica a nota.
O promotor destaca que o STF nunca excluiu a possibilidade da nomeação de parentes para cargos políticos ser considerada prática de nepotismo, mas antes a Corte sempre a condicionava à presença de situações específicas. “É certo que o STF possui firme jurisprudência admitindo a caracterização de nepotismo no preenchimento de cargos políticos, uma vez constatada a presença de alguns dos seguintes requisitos: fraude à lei, nepotismo cruzado, falta de qualificação técnica, inidoneidade moral, troca de favores e evidente inaptidão do nomeado para o exercício do cargo”, discrimina a nota. Segundo Luciano Taques, basta um destes requisitos para configurar a prática irregular. [...]
Até setembro deste ano, foram instaurados procedimentos em pelo menos 32 municípios que resultaram em quatro ações civis públicas, 37 recomendações e cinco Termos. Em quatro municípios, as recomendações ou os TACs foram prontamente atendidos pelos prefeitos que mandaram exonerar os servidores irregulares e, por isso, os procedimentos foram arquivados. As ações ainda não foram julgadas, mas em um caso, a Justiça já concedeu liminar determinando a exoneração. No restante, o MP acompanha o andamento por meio de procedimento administrativo e, caso as recomendações não sejam atendidas e os acordos cumpridos, ações deverão ser ajuizadas. [...]
Segundo o coordenador do Caopam, promotor de Justiça Luciano Taques, a ajuda da população é crucial para que sejam identificados casos de nepotismo nos municípios, já que nem sempre os gestores informam com precisão e transparência a lista de parentes deles exercendo cargos políticos, comissionados, funções de confiança ou contratados temporariamente de forma irregular. Eventuais irregularidades podem ser denunciadas ao Caopam, por meio do telefone (71) 3103-6653, ou às Promotorias de Justiça de cada cidade, ou enviado e-mail para [email protected].
(Ministério Público da Bahia. https://www.mpba.mp.br/noticia/39973). (Grifo nosso).
Defende-se aqui, uma abordagem principiológica do tema, sob o amparo normativo da aplicação do princípio da impessoalidade, da eficiência e da moralidade, e consequentemente, da incidência do entendimento da súmula aos agentes políticos parentes das autoridades nomeantes, ao argumento de que:
i) Princípio da impessoalidade: ao gerir a coisa pública, o administrador não deve se guiar pelos interesses privados, pautando-se, sempre, pela busca do interesse público, devendo a administração e nomeação dos cargos políticos de maneira abstrata, impessoal e genérica, ainda que a nomeação seja de um cargo político;
ii) Princípio da eficiência: a regra é sempre a busca pelo melhor custo benefício na contratação dos servidores, sejam agentes administrativos e políticos, devendo -se a regra ser a vedação de nomeação de agentes políticos, admitindo-se, excepcionalmente, sua nomeação, desde que cabalmente motivado este ato de nomeação, inclusive, em respeito ao princípio da moralidade;
iii) Princípio da moralidade: exige a observância de valores éticos, morais e da boa-fé objetiva pelos administradores e autoridades nomeantes, em detrimento de pensamentos subjetivos e pessoais.
Nessa senda, leciona CARVALHO (2017, página 821) que como último requisito para nomeação nas carreiras públicas, deve-se exigir, em respeito ao princípio da moralidade e da impessoalidade das nomeações, que o agente não possua vínculo familiar com o nomeante. Trata-se de, segundo o aludido autor, do requisito negativo de acesso e que deve ser tratado com muito cuidado.
Diante da patente necessidade de resguardo do interesse público, a terceira corrente é a que melhor tutela esse interesse coletivo, devendo incidir a aplicação do princípio do in dubio pro societate, bem como diante da densidade axiológica e elevada carga normativa dos princípios esculpidos no caput do artigo 37 da CF/88.
A busca da melhor tutela do interesse público perpassa pela guarida da moralidade administrativa. No que atine esse tema, Bulos (2014, página 1.017), entende que:
O princípio da moralidade administrativa é a pauta jurídica mais importante dos Estados constitucionais que elegem a democracia como corolário fundamental da vida em sociedade.
Se esse princípio fosse levado às suas últimas consequências, metade do que está escrito na Constituição de 1988 não precisaria vir nela consignado. Exemplificando, a prática do nepotismo, em todas as esferas de poder, seria, de pronto, extirpada, sem maiores esforços políticos, muito menos legislativos. Nem haveria a necessidade de ser editada a Súmula Vinculante n. 13 do STF, que proibiu as práticas nepotistas.
Nesse diapasão, ressalta-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a nomeação de parentes nos parâmetros vedados pela Súmula Vinculante n, 13, além de configurar ato ilícito, pode ser caracterizado como ato de improbidade administrativa.
No âmbito doutrinário, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves coadunam ser possível enquadrar o nepotismo como ato de improbidade administrativa:
Identificada a ocorrência do nepotismo, prática de todo reprovável aos olhos da população, devem ser objeto de apuração as causas da nomeação, as aptidões do nomeado, a razoabilidade da remuneração recebida e a consecução do interesse público. A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a prática de atos de improbidade. (2004, p. 448)
Noutra banda, Carvalho Filho (2017, página 51) defende que, de qualquer modo, devem ser evitadas tais nomeações, se possível: independentemente da natureza política dos cargos, sempre vai pairar uma suspeita de favorecimento ilegítimo.
4. CONCLUSÃO
Consoante foi demonstrado, o nepotismo está entrelaçado com a história do descobrimento do Brasil, em que os espaços públicos eram dominados pelos interesses pessoais.
Essa prática, que se distancia dos parâmetros éticos e jurídicos, bem como avilta a boa-fé objetiva e a eficiência no serviço público, diante de uma Administração dialógica, perdura até os dias atuais, exigindo que a jurisprudência seja revista, seja com o propósito de uma maior efetivação da vedação ao nepotismo cruzado, como também para ampliação da incidência da súmula vinculante nº 13 aos nomeados à cargos políticos.
Nessa senda, no que atine a aplicação da súmula vinculante número 13 aos agentes políticos, o entendimento ainda prevalente é de que esta não se aplica a nomeação desses cargos. Em relação ao tema, como vimos, foi exposta as três teorias existentes acerca desta problemática.
Ocorre que a súmula vinculante número 13 encontra respaldo no princípio da moralidade administrativa, não devendo este ser limitado pelo seu próprio desdobramento, por ter uma abrangência maior.
Conclui-se, portanto, que a corrente, defendida por vários Ministérios Públicos, de que a aplicação da súmula deve ser aplicada aos cargos políticos, sem exceções, diante da juridicidade do comando constitucional, do princípio da indisponibilidade do interesse público e do princípio da prevalência deste sobre o interesse particular é a mais compatível com os comandos da Constituição Cidadã de 1988, devendo ocorrer uma revisão do entendimento com o fito de melhor resguardar i interesse público, seja primário ou secundário.
Repisa-se, portanto, que a vedação ao nepotismo não é mera recomendação, mas sim um mandamento constitucional, ante à inafastável e natural predileção pelos consanguíneos em detrimento de terceiros, aviltando os princípios constitucionais basilares do regime jurídico constitucional administrativo.
Diante da existência de qualquer espécie de corrupção e de predileções pessoais indo de encontro ao resguardo da moralidade administrativa e do erário público, deve existir uma atuação prática de “tolerância zero”, ao argumento da efetivação do comando emanado da força normativa da Constituição.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo e Vicente Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 25. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional - 8. cd. rcv. e atrn.11 - São Paulo: Saraiva, 2014. P.1017
CARVALHO, Matheus. Manual De Direito Administrativo/ Matheus Carvalho - 4. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual De Direito Administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/campanhas/356-geral/13253-o-que-e-nepotismo.
Acesso em 15 Abril de 2019.
Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional - 9. ed. rev. ampl. eatual. - Salvador. JusPOOIVM, 2017.
GARCIA, Emerson. Portal Jurídico: O Nepotismo. Revista Jurídica Consulex. Ano VIII – Nº 170 – 15 de fevereiro de 2004.
Moraes, Alexandre. Manual de Direito constitucional. - 34. ed. - São Paulo: Atlas, 2018.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=557587. Acesso: 05 de Maio de 2019.
__________. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menusumario.asp?sumula=1227. Acesso: 05 de Maio de 2019.
WIKIPEDIA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Nepotismo Acesso: 05 de Maio de 2019.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, João Alexandre Targino da. (In) aplicabilidade da Súmula Vinculante nº 13 aos agentes políticos: do entendimento tradicional a um panorama principiológico pro futuro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52937/in-aplicabilidade-da-sumula-vinculante-no-13-aos-agentes-politicos-do-entendimento-tradicional-a-um-panorama-principiologico-pro-futuro. Acesso em: 23 dez 2024.
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