Resumo: O propósito do artigo é analisar alguns aspectos sobre as inovações trazidas pela Lei nº 12.767/12. Primeiramente, será delimitado o conceito de concessionária de energia elétrica para efeitos de aplicação da lei. Na sequência, são analisadas importantes figuras da legislação como a intervenção, o plano de recuperação e as regras correspondentes. Por fim, adentra-se ao polêmico tema da determinação de indisponibilidade de bens dos administradores da concessionária de energia elétrica em caso de intervenção, fazendo-se uma comparação com as figuras de responsabilização na Lei das S.A. e na Lei nº 6.024/74 (que criou regime especial para a apuração e efetivação da responsabilidade dos administradores das instituições financeiras). Ao final, pondera-se a adequabilidade da rigidez do regime estabelecido pela Lei nº 12.767/12.
Palavras chave: Concessionária de Energia Elétrica; Administrador; Intervenção.
SUMÁRIO: 1) Introdução 2) A concessionária de energia elétrica 3) A intervenção na concessionária de energia elétrica 4) Plano de Recuperação 5) Indisponibilidade de bens dos administradores em caso de intervenção ou extinção da concessão 6) Conclusão.
1. Introdução
Em 21 de agosto de 2002 a ANEEL determinou intervenção cautelar administrativa na CEMAR, distribuidora de energia elétrica no Estado do Maranhão, por um prazo de 180 dias, prorrogado até fevereiro de 2004. A ANEEL justificou a intervenção na necessidade de evitar que os problemas financeiros da empresa afetassem a prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica aos consumidores do Maranhão.
Porém, nesse caso a controladora da CEMAR, a BRISK Participações Ltda., não resistiu à intervenção, e o Poder Concedente encontrou uma empresa disposta a assumir a concessão e todo seu passivo por um preço simbólico. Ou seja, não houve a necessidade de extinção da concessão e eventualmente lançamento de uma nova licitação, a imbróglio foi resolvido através de um acordo, de modo que este precedente pouco contribuiu para a verificação da efetividade da intervenção e identificação de eventuais problemas no instituto[1].
Anos depois, em fevereiro de 2012, a CELPA, concessionária de distribuição do Estado do Pará, apresentou pedido de recuperação judicial, aceito pela 13ª Vara Cível de Belém. A CELPA obteve êxito no pedido de suspensão da execução de qualquer crédito contra a empresa, inclusive aqueles que não deveriam ser englobados pela recuperação judicial, como os garantidos por cessão fiduciária. Ademais, a CELPA obteve decisão judicial determinando a revisão de tarifas.[2]
Essa situação causou grande preocupação ao Poder Concedente, que passou a temer que situação da CELPA ocorresse com as demais concessionárias do Grupo Rede. Então, foi editada a Medida Provisória no 577, de 29 de agosto de 2012, e logo seguida, em 31 de agosto, a ANEEL determinou intervenção em oito concessionárias de energia elétrica do Grupo Rede em razão de crise financeira. As empresas: Centrais Elétricas Matogrossenses (CEMAT); Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins (Celtins); Companhia Força e Luz do Oeste (CFLO), Empresa Elétrica Bragantina (EEB), Caiuá Distribuição de Energia (Caiuá), Companhia Nacional de Energia (CNEE), Empresa Energética de Mato Grosso do Sul (Enersul) e Empresa de Distribuição de Energia Vale Paranapanema (EDEVP), somaram juntas uma dívida na ordem de 6 bilhões de reais. Sozinha, a CEMAT alcançou uma dívida por volta de 2 bilhões de reais. O colapso do Grupo Rede poderia afetar até 17 milhões de habitantes.
A Medida Provisória nº 577, publicada em 30 de agosto de 2012, foi editada com o objetivo de regulamentar principalmente temas relacionados à intervenção do Poder Concedente em concessionários de energia elétrica, bem como determinadas consequências de sua extinção.
No dia seguinte à publicação da medida, a ANEEL determinou a intervenção em oito concessionária distribuidoras de energia de um grupo empresarial denominado Grupo Rede. A necessidade de intervenção nessas concessionárias teria sido, inclusive, o principal motivo para a edição da medida.
De pronto, aspectos formais da referida regulamentação começaram a ser criticados, como a ausência de real urgência para elaboração da Medida Provisória. Note-se que, conforme previsto no art. 62 da Constituição Federal, é um instrumento que tem força de lei e pode ser utilizado pelo presidente da República em caso de relevância e urgência. No caso da Medida Provisória nº 577, a justificativa da urgência baseou-se no fato de haver concessionária de energia elétrica sob intervenção judicial prestes a ter sua falência decretada sem que houvesse legislação que regulasse os efeitos deste fato. Ademais, alegou-se a necessidade de afastamento da possibilidade de concessionárias de energia elétrica ingressarem com pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, pois a intervenção seria a forma mais adequada de recuperar a empresa, evitando que casos de falência voltassem a acontecer.
Assim, as críticas se baseiam no fato de que Lei nº 8987/95 já regulava – ainda que de forma mais genérica – o tema, e que, nos próprios contratos de concessão, como regra, havia endereçamento destes assuntos.
Outro aspecto que causou polêmica foi o suposto desrespeito ao parágrafo 1º, inciso II do art. 62 da Constituição Federal.[3] De toda forma, alguns meses depois a Medida Provisória foi aprovada no congresso com algumas alterações e convertida na Lei nº 12.767/12 (publicada no dia 28 de dezembro de 2012).
A referida lei voltou a ser pauta quando, a partir de 2015, o prazo de uma série de concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica começou a expirar. Nesse momento foi editada a Lei nº 12.783/2013, que disciplinou condições de prorrogação de uma série de concessões. Em termos gerais, foram estabelecidas determinadas condições que, caso aceitas, permitiriam a prorrogação das concessões pelo período de 30 anos. Em caso de não aceitação das condições, estaria extinta a concessão, aplicando-se os termos regulados pela Lei nº 12.767/12.
Assim, será abordado neste artigo o conceito de concessionária de energia elétrica, aspectos sobre a intervenção estipulada na Lei nº 12.767/12, e finalmente será realizada uma comparação com a forma de apuração de responsabilidade dos administradores, e aplicação de respectivas sanções, na Lei das S.A., na Lei 6.024/74 e na Lei nº 12.767/12.
2. A concessionária de energia elétrica
O preâmbulo da Lei nº 12.767/12 determina que a mesma “Dispõe sobre a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica. ” Portanto, cabe primeiramente definir o escopo que a lei pretende alcançar.
O artigo 21, inciso XII, item b da Constituição Federal elenca os serviços de energia elétrica como públicos. São eles: os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água. As demais atividades relacionadas à energia elétrica devem ser consideradas privadas, como, por exemplo, a comercialização de energia, e não necessitam de outorga para serem desenvolvidas e poderão ser exercidas com base no princípio da livre iniciativa.
A prestação de serviços públicos, conforme previsto no art. 175 da Constituição Federal, só pode ser delegada a entes privados por meio de licitação - nas modalidades de outorga de concessão ou permissão -, que deve atender ainda o previsto no art. 15 da Lei nº 8.987/95. O Contrato de concessão ou permissão regulará os direitos e deveres das partes. Assim, o art. 19 da Lei nº 12.767/12 dispõe que ela se aplica não só às concessões, como também às permissões, excluindo as hipóteses de Autorização[4].
Portanto, a empresa que não for titular de permissão ou concessão não pode sofrer a intervenção, ainda que esteja submetida às normas da ANEEL (por exemplo as comercializadoras de energia elétrica).
No art. 1º, a Lei nº 12.767/12 faz mais uma delimitação de incidência, ao indicar que os casos de extinção da concessão que justificam sua aplicação são a caducidade, a falência ou extinção da empresa concessionária, ou, ainda, em caso de falecimento ou incapacidade do titular em caso de empresa individual. Ou seja, demais casos de extinção da concessão não ensejam a aplicação da referida lei.
A caducidade se dá quando há descumprimento do contrato de concessão por parte do concessionário, sendo uma faculdade do Poder Concedente determinar o encerramento do contrato, sendo certo que para tanto deve ser instaurado processo administrativo para tanto. Já a extinção em caso de falência ou extinção da empresa concessionária é mandatória e automática (não sendo necessária a tramitação de processo administrativo), uma vez que não é possível o seguimento do contrato com uma empresa que já não possui capacidade financeira para seguir cumprindo suas obrigações.
Por fim, a Lei nº 12.767/12 é aplicável aos casos de intervenção e oferece regulamentação detalhada sobre o tema, afastando inclusive o regramento genérico oferecido pela Lei de Concessões, conforme adiante esmiuçado.
3. A intervenção na concessionária de energia elétrica
A Lei nº 8987/95 traz em seu art. 32 a possibilidade de intervenção do poder concedente na concessão para adequação na prestação do serviço e cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais aplicáveis. Tal procedimento deve ser feito através de decreto, que deve estabelecer o prazo da intervenção (de até um ano, podendo ser prorrogado por mais dois anos), seus objetivos e limites.
Cabe observar que a decisão política de realizar a intervenção não é simples, uma vez que assumir o controle de uma concessão que está enfrentando problemas é difícil e traz uma grande responsabilidade. Se uma empresa privada teve dificuldades na gestão, de modo que levou à concessão a uma situação crítica, mais difícil pode ser para a máquina pública conseguir reverter esse tipo de cenário. Portanto, a intervenção tende a ser decretada quando a situação já de extrema gravidade, e o serviço já parou de ser prestado ou está prestes a parar de ser.
Resta ainda a difícil missão de encontrar um sujeito experiente, capacitado e disposto a arriscar sua reputação ao assumir tão difícil tarefa, colocando-se ainda sob o risco de ser responsabilizado, civil, administrativamente e criminalmente por seus atos na qualidade de interventor.
É certo que as causas que determinaram a intervenção devem ser devidamente justificadas e é resguardado ao concessionário o direito de ampla defesa, podendo a intervenção ser declarada nula e o serviço devolvido ao concessionário, que fará jus ainda ao recebimento de indenização.
Decretada a intervenção, conforme se verifica no art. 7º da referida lei, fica suspenso o mandato dos administradores e do conselho fiscal.
Essa medida tem como fundamento o afastamento daqueles que geriram a empresa de um modo que a levou a apresentar falhas operativas e/ou financeiras e permitir que um terceiro tenha a chance de resolver as falhas identificadas. Mas as implicações da intervenção para os administradores serão melhor abordadas no capítulo subsequente.
Diante da suspensão do mandato dos administradores e conselho fiscal, passa o interventor a ter plenos poderes de gestão e prerrogativa exclusiva de convocar assembleia geral. Nesse sentido, o art. 8º estabelece:
Art. 8o Ao assumir suas funções, o interventor na concessão de serviço público de energia elétrica deverá:
I - arrecadar, mediante termo próprio, todos os livros da concessionária e os documentos de interesse da administração; e
II - levantar o balanço geral e o inventário de todos os livros, documentos, dinheiro e demais bens da concessionária, ainda que em poder de terceiros, a qualquer título.
Parágrafo único. O termo de arrecadação, o balanço geral e o inventário deverão ser assinados também pelos administradores em exercício no dia anterior à intervenção, os quais poderão apresentar, em separado, declarações e observações que julgarem a bem dos seus interesses.
Em decorrência das obrigações assumidas, o interventor passa a ter o dever de prestar contas à ANEEL e ser responsável civil, administrativa e criminalmente por seus atos.
Ao final do prazo de intervenção o Poder Concedente deverá decidir se irá retomar para o Estado a execução daquele serviço, se irá realizar um novo procedimento licitatório para transferi-lo a um terceiro ou se devolverá a obrigação ao antigo concessionário.
4. Plano de Recuperação
Uma das obrigações dos administradores em caso de intervenção é a apresentação, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da decretação da intervenção, de um plano de recuperação. Observa Fábio Ulhôa Coelho que, tendo a lei proibido a utilização do instituto da Recuperação Judicial pela concessionária de energia elétrica, criou-se esta figura paralela[5].
O plano referido na lei será apresentado à ANEEL e deverá tratar: da discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a serem empregados; demonstração de sua viabilidade econômico-financeira; proposta de regime excepcional de sanções regulatórias para o período de recuperação e IV - prazo necessário para o alcance dos objetivos, que não poderá ultrapassar o termo final da concessão.
Os meios de recuperação a serem apresentados devem estar dentro do que seria possível ser feito pela ANEEL, conforme art. 14[6], não se aplicando a gama de opções prevista na Lei nº 11.101/05. No mesmo sentido, a concessionária não será beneficiada com a suspensão da exigibilidade das obrigações com terceiros assumidas até o início da recuperação ou da novação das dívidas mediante a aprovação do plano pela assembleia de credores, ainda que esses instrumentos se mostrem essenciais para a recuperação da empresa. A única dívida existente ou potencial que poderá ser negociada é aquela decorrente de sanção regulatória. Sobre as sanções existentes, a ANEEL só passou a poder dispor das mesmas com a lei.
Caso o plano seja aprovado pela ANEEL, cessará a intervenção, devendo a concessionária apresentar no prazo de 180 dias a certidão de regularidade fiscal com a Fazenda Federal e o FGTS e enviar trimestralmente um relatório sobre o cumprimento do plano até que o mesmo seja integralmente concluído. O descumprimento dessas obrigações poderá acarretar na caducidade da concessão, devendo ser respeitado o disposto no parágrafo 2º do art. 38 da Lei 8767/95, que determina a necessidade de instauração de processo administrativo para que seja declarada a caducidade, garantido o direito à ampla defesa.
5. Indisponibilidade de bens dos administradores em caso de intervenção ou extinção da concessão
Importante aspecto da Lei nº 12.767 diz respeito ao regime de aplicável aos administradores da concessionária de energia elétrica, que em seu art. 16 determina que os bens dos administradores em exercício, bem como daqueles que ocuparam cargos de administração nos 12 (doze) meses anteriores sejam imediatamente bloqueados, de modo que ficam impedidos de aliená-los ou onerá-los até a verificação de suas responsabilidades em inquérito instaurado pela ANEEL.
A esse respeito, José Calasans Júnior observa que:
“Quanto à indisponibilidade dos bens dos administradores afastados, a medida mostra-se justificável, considerando que esses bens poderão vir a ser apreendidos para responder pelos danos eventualmente causados ao poder concedente, e ao próprio fisco, em decorrência das irregularidades praticadas na execução da concessão.” [7]
É certo que o referido bloqueio não tem o condão de atingir bens inalienáveis ou impenhoráveis. A lei faz ainda mais uma ressalva para bens objeto de contrato de alienação, de promessa de compra e venda e de cessão de direito levado a registro público até 12 (doze) meses antes da data de declaração da intervenção.
As regras para a verificação de conformidade da conduta dos administradores da concessionária de energia elétrica são diferentes daquelas previstas na Lei das S.A., e se assemelham às previstas na Lei nº 6024/74 – que dispõe sobre a intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Passamos então a tecer breves considerações sobre cada um desses regramentos:
a) Lei das S.A.
A Lei nº 6.404/76 estabelece que em caso de suspeita de dano causado à companhia pelo administrador, a apuração do fato será feita pela assembleia geral. O órgão deverá verificar se houve alguma conduta ou deliberação e diretor ou conselheiro que representasse descumprimento de um dever legal. Para avaliar a questão, a assembleia geral poderá levantar dados, apurar documentos, e durante a investigação poderá suspender a função do administrador investigado.
Caso um determinado administrador tenha ciência do não cumprimento de deveres por seu antecessor ou por outro administrador (a quem compete determinada obrigação), e deixe de comunicar tal fato à assembleia geral, se tornará solidariamente responsável.[8]
Se a assembleia geral for ordinária, a responsabilização do administrador pode ser decidida independentemente de constar em pauta, porém se a assembleia geral for extraordinária, a matéria deve estar prevista na pauta, ou então o ato praticado pelo administrador deverá estar diretamente ligado a um dos temas da pauta (art. 159, parágrafo 1º da lei das S.A).
Se a assembleia geral, por maioria de votos, entender pela responsabilização do administrador, deverão ser iniciados os tramites necessários para o ingresso com ação judicial destinada a buscar a indenização correspondente (obrigação da diretoria, sob pena de descumprimento do dever legal de diligência), bem como estará o administrador impedido de exercer sua função, devendo a própria assembleia geral ou o conselho de administração providenciar a substituição (art. 159, parágrafo 2º da Lei das S.A).
Se os representantes legais da sociedade deixarem de entrar com a ação de responsabilidade em um prazo de três meses, então qualquer acionista poderá ingressar com a referida demanda judicial, independentemente da quantidade de ações que possua.
Porém, se a assembleia entender que o administrador não cometeu qualquer irregularidade, ele poderá continuar a exercer suas funções. Se tiver sido suspenso, a assembleia decidirá sobre a revogação da suspensão. É certo que a assembleia tem poderes para destituir a qualquer tempo um administrador independente de motivação.
Nesse caso, se um acionista ou acionistas que detenham ações em percentual de pelo menos 5% do capital social da empresa, então eles poderão propor demanda judicial de responsabilização do acionista (art. 159, parágrafo 4º da Lei das S.A.). Porém, o administrador poderá seguir exercendo sua função, exceto se for formulado pedido na ação judicial nesse sentido e o mesmo for acolhido.
Em ambos os casos mencionados em que o acionista pode ingressar com a ação de responsabilização (norma excepcional de legitimação ativa), o titular do direito permanece sendo a própria sociedade, devendo a mesma, em caso de êxito, reembolsar os custos assumidos pelo acionista para propositura de demanda.
Na regra geral da Lei das S.A. não há previsão de indisponibilidade de bens destinada a assegurar a execução em caso de apuração de efetiva responsabilidade.
Vale ressaltar aqui o disposto no art. 158, parágrafo 1º da Lei das S.A., no sentido de que a responsabilidade entre os administradores é em regra solidária, porém, caso uma decisão não se dê por unanimidade, e essa informação reste registrada em ata, o sócio divergente não poderá ser responsabilizado por aquela decisão. Dessa forma, caso os atos apontados como motivadores da intervenção não tenham sido aprovados por algum dos sócios, este não poderá sofrer as restrições previstas na lei.
b) Instituições financeiras
A Lei nº 6024/74 criou regime especial para a apuração e efetivação da responsabilidade dos administradores das instituições financeiras. Há entendimento no sentido de que a referida lei também teria determinado um modelo especial quanto a natureza e extensão desta responsabilidade, sendo ela objetiva. Porém, uma análise pormenorizada da Lei nº 6024/74, aponta no sentido de que a responsabilidade dos administradores segue sendo a objetiva. Veja-se que não há previsões como inversão do ônus da prova ou responsabilização independente de culpa, mas apenas uma metodologia diversa de apuração e efetivação da responsabilidade.[9]
Certo é que a Lei das S.A. segue sendo aplicada subsidiariamente aos administradores de instituições financeiras, e a melhor interpretação do art. 40 da Lei nº 6024/74, obtida através de uma análise sistemática englobando as normas gerais de direito societário, é no sentido de que o administrador da instituição financeira só será responsabilizado solidariamente pelos atos de má administração que tenham gerado uma obrigação prejudicial à empresa. Note-se que na verdade a lei coloca de uma forma distinta o que já dizia a lei das S.A.
A respeito da apuração e efetivação da responsabilidade, a lei de fato inova em relação à Lei das S.A., uma vez que estabelece que a investigação será feita através de Inquérito promovido pelo Banco Central, sendo cabíveis uma série de medidas que visam resguardar a satisfação do direito de ressarcimento, como a indisponibilidade de bens, o arresto, sequestro e a legitimidade do Ministério Público para ingressar com ação de responsabilidade.
c) Concessionária de Energia Elétrica
A Lei nº 12.767/12 prevê a instauração de dois processos administrativos: um para a determinação da intervenção, já referido acima, no qual devem ser apresentados os motivos para tanto e outro, com o objetivo de apurar a responsabilidade dos administradores em relação ao cumprimento de seus deveres na qualidade de administradores de uma sociedade anônima (inquérito), tais quais: diligência, lealdade e informação. Deste segundo processo trataremos agora.
A Lei nº 12.767/12 contém uma série de lacunas na regulação do regime especial aplicável ao administrador da concessionária de energia elétrica. Assim, Fábio Ulhôa entende que cabe a aplicação subsidiária da Lei nº 6.024/76 (conforme previsto no art. 4º da LINDB)[10].
Em relação à apuração, a ANEEL deve iniciar o inquérito imediatamente após a decretação da intervenção, e o mesmo deve ser concluído em até 120 (cento e vinte) dias (prorrogáveis por igual período). Para condução da investigação a ANEEL pode examinar arquivos, solicitar informações à empresa, ao Ministério Público ou ao Poder Judiciário, analisar a contabilidade e documentos de terceiros com os quais a empresa tenha relação jurídica (art. 414, parágrafo 2º da Lei nº 6.024).
Aqui cabe um parêntese para comentar a solidariedade da responsabilidade do administrador da concessionária de energia elétrica. A Lei nº 12.767/12 estabeleceu em seu art. 11 que os administradores da concessionária de energia elétrica respondem por sus atos e omissões na forma da Lei das S.A. Mas o dispositivo acaba por ser contraditório, quando no parágrafo primeiro estabelece que os administradores respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pela concessionária durante sua gestão quando agir com culpa, dolo, em violação da lei ou do estatuto.
Fábio Ulhôa Coelho faz uma crítica no sentido de que o serviço de energia elétrica é tão importante quanto uma série de outros serviços públicos, como o saneamento básico, telecomunicações, aeroportos etc. Além disso, todos esses serviços teriam potencial muito menor de atingir a sociedade como um todo do que no caso das instituições financeiras. Assim, não teria lógica em se criar um regime especial apenas para as concessionárias de energia elétrica, e, ainda, um modelo tão similar ao aplicável às instituições financeiras.
Por isso, entende que a lei é inconstitucional por ferir o princípio da isonomia e da igualdade.[11]
Ao final da investigação os indivíduos que administraram a concessionário nos 12 anos anteriores serão notificados para apresentar eventuais alegações ou esclarecimentos no prazo de 5 (cinco) dias (art. 41, parágrafo 3º da Lei nº 6.024/76). Transcorrido este prazo, será elaborado relatório descrevendo a situação da empresa, a razão da intervenção, a relação dos indiciados e de seus respectivos bens e o valor (real ou estimado) dos prejuízos eventualmente causados. O relatório deve ser concluir se algum dos administradores dever ser responsabilizado ou o processo será arquivado.
Este relatório será apreciado e votado pela diretoria da ANEEL. Se aprovada a sugestão de arquivamento, estará encerrado o processo administrativo e se aprovada a sugestão de responsabilização de um ou mais administradores, o relatório deverá ser enviado ao Ministério Público para que tome as medidas necessárias para assegurar a efetividade da responsabilização e iniciar a ação judicial cabível (art. 45 e 46 da Lei nº 6024/76).
Caso o relatório não seja aprovado, ele será devolvido para a ANEEL para que sejam corrigidas as deficiências identificadas.
Após a aprovação do relatório que tenha concluído pela não responsabilização do administrador, o bloqueio de bens poderá ser levantado. Também, passado o prazo de 30 dias para o Ministério Público ingressar com a ação judicial, e o prazo subsequente de 15 dias para que outro credor inicie o referido processo, sem que tenha sido proposta qualquer demanda, o bloqueio poderá ser levantado.
No caso do Grupo Rede, em janeiro de 2014 a ANEEL anuiu com a transferência de controle societário indireto das concessionárias do Grupo Rede, detido por Jorge Queiroz de Moraes Junior, para a Energisa S.A. O relatório final elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT- Intervenção), relativo ao Inquérito Administrativo de Comprovação das Causas Determinantes e da Apuração de Responsabilidades na Intervenção em Distribuidoras do Grupo Rede concluiu pela comprovação das causas determinantes da intervenção e recomendou o indiciamento de quatro administradores do Grupo Rede, por participação nos eventos que culminaram com a intervenção. Também foi recomendado manter o bloqueio administrativo dos bens e direitos dos indiciados e desbloquear os dos demais envolvidos. A última recomendação foi de encaminhar cópia do relatório e da auditoria realizada pela PriceWatherhouseCoopers Contadores Públicos para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Banco Central, a Polícia Federal e o Ministério Público. Em 2015 a ANEEL desbloqueou os bens dos administradores do Grupo rede.
6. Conclusão
A Lei nº 12.767/12 foi criada com o objetivo de estabelecer um regime especial de responsabilização dos administradores das concessionárias de energia elétrica, considerando que a crise nessas empresas pode gerar impactos negativos à coletividade. Dessa forma, criou regramento semelhante ao aplicável às instituições financeiras no tocante à apuração e efetivação da responsabilidade dos administradores.
Porém, a gravidade dos impactos potencialmente causados pela crise em uma concessionária de energia elétrica pode ser tão grave quanto a falha na prestação de diversos outros serviços públicos. Ademais, tais impactos não serão tão graves quanto o da crise em uma instituição financeira, que pode prejudicar a economia de um país como um todo.
Dessa forma, há que se questionar inclusive a constitucionalidade de lei, uma vez que desrespeita princípios como o da isonomia e da igualdade.
Bibliografia:
COELHO, Fábio Ulhôa. A Responsabilidade dos Administradores de Concessionária de Energia Elétrica. Revista Brasileira de Direito Comercial n 3- Fev-Mar/2015.
JUNIOR, José Calasans. Direito da Energia Elétrica: estudos e pareceres. 1ª edição. Rio de Janeiro: Synergia, 2013.
REBELLO, Ana Cláudia Gonçalves. Efeitos Jurídicos da Extinção da Concessão de Serviços Públicos sobre Contratos com Terceiros in Temas relevantes no direito de energia elétrica – Tomo II/Fábio Amorim da Rocha, coordenador. Rio de Janeiro: Synergia, 2014.
REQUIÃO, Rubens. Direito Comercial. 28. ed.São Paulo: Saraiva, 2011. 2 v.
RIBEIRO, Maurício Portugal. Alteração nas regras relativas à intervenção nas concessões no setor elétrico. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI181375,31047-Alteracao+nas+regras+relativas+a+intervencao+nas+concessoes+no+setor. Acesso em: 22 de março de 2018.
[1] RIBEIRO, Maurício Portugal. Alteração nas regras relativas à intervenção nas concessões no setor elétrico. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI181375,31047-Alteracao+nas+regras+relativas+a+intervencao+nas+concessoes+no+setor. Acesso em: 22 de março de 2018.
[2] JUNIOR, José Calasans. Direito da Energia Elétrica: estudos e pareceres. 1ª edição. Rio de Janeiro: Synergia, 2013, p. 76.
[3] Em entrevista dada à época ao repórter Pedro Peduzzi, da Agência Brasil, Hermes Marcelo Huck, advogado do Grupo Rede afirmou: “Essa MP é inaceitável; é uma verdadeira assombração. Minha grande preocupação é a segurança jurídica, que em vários momentos é afetada pela medida. Sequestro de bens não pode ser objeto de MP. E isso acaba transmitindo insegurança jurídica. Atinge também o direito de propriedade, ao permitir que a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] ou o interventor venda, transfira, alugue ou faça cisões nas empresas sob intervenção”
[4] Diante da precariedade da autorização, a ANEEL pode revoga-la a qualquer momento se identificar alguma irregularidade na prestação do serviço.
[5] COELHO, Fábio Ulhoa. A Responsabilidade dos Administradores de Concessionária de Energia Elétrica. Revista Brasileira de Direito Comercial n 3- Fev-Mar/2015, p. 20.
[6] Há entendimento no sentido de que essas últimas medidas, sustenta-se que só são aplicáveis a empresas direta ou indiretamente controlada pela União, uma vez que não há previsão legal que autorize a União ou qualquer outro ente federativo a promover qualquer dessas alterações em uma sociedade privada. Essa faculdade é exclusiva de seu controlador.
[7] JUNIOR, José Calasans. Direito da Energia Elétrica: estudos e pareceres. 1ª edição. Rio de Janeiro: Synergia, 2013. p. 78.
[8] REQUIÃO, Rubens. Direito Comercial. 28. ed.São Paulo: Saraiva, 2011. 2 v., p. 277.
[9] COELHO, Fábio Ulhoa. A Responsabilidade dos Administradores de Concessionária de Energia Elétrica. Revista Brasileira de Direito Comercial n 3- Fev-Mar/2015, p. 25.
[10] COELHO, Fábio Ulhoa. A Responsabilidade dos Administradores de Concessionária de Energia Elétrica. Revista Brasileira de Direito Comercial n 3- Fev-Mar/2015, p. 27.
[11] COELHO, Fábio Ulhoa. A Responsabilidade dos Administradores de Concessionária de Energia Elétrica. Revista Brasileira de Direito Comercial n 3- Fev-Mar/2015, p. 31.
Mestranda em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós graduada em Direito Privado Patrimonial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AZEVEDO, Carolina dos Pilares da Mota. Comentários sobre a Lei nº 12.767/12 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52945/comentarios-sobre-a-lei-no-12-767-12. Acesso em: 23 dez 2024.
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