RODRIGO FRESCHI BERTOLO
(Orientador)
RESUMO: O tema aborto é controvertido diante de todos os vários fatores que o envolvem, como por exemplo, a sociedade, religião, a família, o direito da mulher sobre seu próprio corpo, além do direito à vida do nascituro e da liberdade. O aborto não se enquadra entre os preceitos onde o Estado dentro de suas atribuições que podem fazer cessar a vida. Atualmente a descriminalização do aborto é um tema em discussão, devidos aos altos índices de abortos praticados no país. O presente artigo terá o intuito de analisar a decisão da primeira turma do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 124.306 que determinou a concessão de habeas corpus para os proprietários de uma clínica de aborto investigados pela suposta prática de crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha, afastando a prisão preventiva dos acusados. A pesquisa será realizada através de revisão bibliográfica e terá como objetivo tratar o crime de aborto, sua possível descriminalização tendo por base e fundamentação os julgados do Supremo Tribunal Federal, doutrinas e leis.
Palavras-Chave: Aborto. Direito à vida. Direitos reprodutivos. Gestação. Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT: The issue of abortion is controversial in the face of all the various factors that surround it, such as society, religion, the family, women's rights over their own bodies, and the right to life of the unborn and to freedom. Abortion does not fit between the precepts where the state within its attributions that can make life cease. Currently the decriminalization of abortion is a subject under discussion, due to the high rates of abortions practiced in the country. This article intends to analyze the decision of the first class of the Federal Supreme Court in the Habeas Corpus 124,306 that determined the granting of habeas corpus for the owners of an abortion clinic investigated by the alleged practice of abortion crime with the consent of the pregnant woman and forming a gang, removing the pre-trial detention of the accused. The research will be carried out through a bibliographic review and will aim to treat the crime of abortion, its possible decriminalization based on the grounds of the Supreme Court, doctrines and laws.
Keywords:Abortion. Right to life. Reproductive rights. Gestation. Federal Court of Justice.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ABORTO. 2.1 Conceito de aborto. 2.2 Tipos de aborto existente. 3. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DA MULHER. 4. DIREITO A VIDA DESDE A CONCEPÇÃO. 5. HABEAS CORPUS 124.306. 6. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O aborto é um tema polêmico que envolve diversos fatores, tais como religioso, jurídico, social, moral, bem como a autonomia da vontade da mulher e o direito de escolha.
O embrião é um ser humano em formação o qual carece da proteção da lei, pois o feto não é parte integrante do corpo da gestante e sim um ser independente com traços e genética única e exclusiva. (SOUZA NETO, 2017)
A discussão sobre a descriminalização do aborto está presente no meio jurídico desde os anos 60, quando houve a laicização do Estado e os protestos feministas que buscavam liberdade para a decisão da mulher de levar a gravidez à diante ou não. Vários Projetos de Lei para legalizar o aborto já foram colocados em votação, mas até o dia de hoje foram impedidos por uma democracia, de maioria religiosa (CASTRO, MICKOSZ, 2015).
A doutrina e a jurisprudência entram em confronto sobre o momento em que se dá o início da vida intrauterina para que se possa precisar em quais casos de interrupção da gravidez ocorreria ou não o delito de aborto.
No ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal têm tido em suas decisõesposicionamento favorável a descriminalização doaborto, conforme pode ser observado no julgamento do “habeas corpus nº 124.306 Rio de Janeiro” no qual foi entendido pela maioria dos ministros que se o aborto foi realizado até os três primeiros meses do período de gestação, não deve ser considerado como crime, tal decisão levantou novamente a discussão sobre a descriminalização do aborto.
Atualmente a prática de aborto é vista como uma questão de saúde pública, devido aos elevados índices de morbidade e mortalidade materna.
Ao tratar sobre aborto é necessário levar em consideração o direito a vida do embrião, bem como os direitos da mulher grávida.
O presente artigo tem o intuito de analisar a referida decisão do Habeas Corpus, bem como analisar o crime de aborto, os direitos do feto e os direitos da mulher grávida.
2. ABORTO
Neste capítulo será analisado o termo aborto, bem como as modalidades existentes.
2.1 Conceito de aborto
O Código Penal (BRASIL, 1940) não define o conceito de aborto.
Fernando Capez (2004) define aborto como sendo a interrupção da gravidez com a consequente destruição do produto da concepção, ou seja, abortar consiste em eliminar a vida intrauterina.
Nucci (2015, p. 762) conceitua aborto como sendo a cessação da gravidez, cujo início se dá com a nidação, antes do termo normal, causando a morte do feto ou embrião.
O dicionário conceitua o aborto como a Interrupção voluntária ou provocada de uma gravidez; o próprio feto expelido ou retirado antes do tempo normal.
2.2 Tipos de aborto existentes
O aborto pode ser realizado de forma natural, criminosa, acidental, e também de forma legal ou permitida.
O aborto natural não é considerado crime, por que ocorre quando há uma interrupção espontânea da gravidez, sem a participação de outrem.
O aborto acidental também não é crime, e ocorre em razão de algum acidente, como por exemplo, uma queda, acidente de carro, traumatismos, etc.
O aborto legal ou permitido se subdivide em: terapêutico ou necessário; aborto sentimental ou humanitário; aborto eugênico, eugenésico ou embriopático; e aborto de feto anencéfalo.
O Código Penal no artigo 128 permite o cometimento do aborto, sendo estas as únicas modalidades legalmente conferidas, podendo cessar a gravidez, provocando a morte do feto ou embrião.
Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
O Aborto terapêutico ou necessário possui como fundamento o estado de necessidade, ou seja, a gravidez é interrompida por recomendação médica com finalidade de salvar a vida da gestante. O estado de necessidade é uma das excludentes de ilicitudes trazidas pelo Código Penal (BRASIL, 1940), nos termos dos artigos 23 e 24. O estado de necessidade é entendido como o sacrifício de um interesse jurídico protegido, para salvar de perigo inevitável o direito do próprio agente.
O aborto sentimental ou humanitário ocorre no caso de a mulher ser vítima de estupro e engravidar do estuprador, e por essa razão, a mulher é autorizada legalmente a interromper a gravidez, se esta for sua vontade.
O aborto eugênico não foi recepcionado pelo Código Penal, o mesmo trata-se da interrupção da gravidezcausando a morte do feto ou embrião para evitar que a criança nasça com graves defeitos genéticos.
O aborto de anencéfalo, foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal através de ADPF - Arguição de Descumprimento ao Preceito Fundamental no ano de 2012, uma vez que a anencefalia é definida como uma má-formação do cérebro e do córtex do bebê, e não há expectativa de vida aos mesmos, pois não existe vida extrauterina sem cérebro, e dessa forma, mesmo que o feto esteja biologicamente vivo, estando ele sem cérebro é juridicamente morto.
O aborto criminoso é aquele vedado pelo ordenamento jurídico.
O Código Penal (BRASIL, 1940) dispõe em seus artigos 124 à 127 as condutas típicas de abortamento, o qual nota-se que o objeto jurídico tutelado é a vida da pessoa humana, e quando se tratar de aborto provocado por terceiro há dois objetos jurídicos defendidos, o direito à vida do feto, e a incolumidade física e psíquica da gestante.
No artigo 124 do Código Penal (BRASIL, 1940) está definido o crime de aborto provocado pela gestante ou aborto realizado com seu consentimento.
Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:
Pena - detenção de um a três anos.
Este artigo contém duas figuras, quais sejam, o aborto provocado pela própria gestante, que é chamado de autoaborto e o consentimento da gestante para que outrem lhe provoque o aborto.
No que se refere ao consentimento, o crime é duplo, respondendo a gestante, pelo consentimento dado a outrem para o cometimento do crime, pela prática do artigo 124, e ao terceiro que pratica os atos materiais do aborto, que incorre nas penas do artigo 126 do Código Penal.
No autoaborto o sujeito ativo sempre será a gestante, admitindo a participação de outrem, sendo realizado através de incentivos verbalmente para que possa ingerir medicamentos e o sujeito passivo será o feto ou embrião, o produto da concepção.
O artigo 125 do Código Penal, dispõe sobre a conduta praticada que se classifica como aborto provocado por terceiro.
Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Esta modalidade é considerada a mais grave do crime de aborto, por caracterizar a hipótese em que não há qualquer tipo de autorização para realizar o aborto por parte da gestante, ocorrendo por meio de agressão ou introdução de substância abortiva na bebida, ou quando há uma autorização da gestante, mas esta não tem valor jurídico, motivos elencados no artigo 126do Código Penal.
Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido com emprego de fraude, grave ameaça ou violência.
Nesta modalidade, o crime é classificado como comum, pois qualquer pessoa
pode ser sujeito ativo na conduta, tanto médicos como terceiros, sendo possível a participação, como outro que presta a assistência para realização da curetagem.
Nesse seguimento, o tema principal deste artigo começa a ser desenvolvido, uma vez que é comum a associação clandestinade várias pessoas com o intuito de formar uma clínica de aborto para atendimento de mulheres gestantes com o fim de interromper a gestação por meio de pagamentos consideráveis, o que ocorreu com o caso julgado do HC 124.360/RJ dando procedência e considerando a prática do crime controvertido com a Constituição Federal da República de 1988.
Os que colaboram respondem por crime de quadrilha, tipificado no artigo 288 do Código Penal, além dos crimes de aborto que tenham provocado ou para os quais hajam colaborado, em concurso material, no entanto as mulheres grávidas que realizaram aborto em tal clínica não integram a quadrilha, respondendo apenas pelo consentimento para o aborto prestado em seu caso concreto.
Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
É importante destacar que quando se tratar do aborto consentido pela gestante, é imprescindível que haja o consentimento desta para que seja classificado como a conduta tipificada pelo artigo 126 do Código Penal, sendo necessário que tal autorização perdure até o momento do ato.
O aborto em todas as suas figuras típicas é crime material, de resultado naturalístico, exteriorizado, perceptível aos sentidos, de modo que, se exige o exame de corpo de delito. (CIARDO, 2015).
3. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS DA MULHER
Os direitos sexuais e reprodutivos são parte integrante dos direitos humanos e, basicamente, abrangem o exercício da vivência da sexualidade sem constrangimento, da maternidade voluntária e da contracepção autodecidida.
Os direitos sexuais são os direitos que garante que toda e qualquer pessoa pode viver sua vida sexual com prazer e livre de discriminação.
Os Direitos reprodutivos são constituídos por princípios e normas de direitos humanos que garantem o exercício individual, livre e responsável da sexualidade e reprodução humana. É, portanto, o direito subjetivo de toda pessoa decidir sobre o número de filhos e os intervalos entre seus nascimentos, e ter acesso aos meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza.
A natureza dos Direitos Reprodutivos envolve assegurar direitos relativos à autonomia e autodeterminação das funções reprodutivas, que correspondem às liberdades e aos direitos individuais. E direitos de dimensão social, como aqueles relativos à saúde, educação, segurança, que têm como finalidade proporcionar as condições e os meios necessários para a prática livre, saudável e segura das funções reprodutivas e da sexualidade.
Portanto, a concepção dos Direitos Reprodutivos não se limita à simples proteção da procriação humana, como preservação da espécie, mas envolve a realização conjunta dos direitos individuais e sociais referidos, por meio de leis e políticas públicas que estabeleçam a equidade nas relações pessoais e sociais neste âmbito. No que se refere ao conceito de direitos sexuais e reprodutivos surge uma das primeiras divergências inerentes a discussão, pois o conceito de Direitos Reprodutivos, apesar das oposições existentes, encontra-se legitimado.
Já o conceito de Direitos Sexuais ainda não tem o reconhecimento na sua extensão ideal. Em geral, esses direitos sexuais são reconhecidos nas leis e políticas públicas correlacionados aos Direitos Reprodutivos, utilizando-se a expressão “Direitos Sexuais e Reprodutivos”, mas não isoladamente.
Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres sofreram com um histórico de negação de direitos, pois ainda hoje elas lutam para que possam ter plena liberdade sexual e reprodutivas, daí a questão da criminalização do aborto que nega as mulheres o direito da autonomia sobre o seu próprio corpo. Porém, o feto gerado também possui direitos e é necessário lutar por eles.
Os direitos reprodutivos englobamalguns direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos, em outros documentos consensuais. Tais direitos se fudam no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre ter ou não filhos, a quantidade, bem como de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de usufruir do melhor padrão de saúde sexual e reprodutiva.
O efetivo exercício dos direitos sexuais e reprodutivos demanda políticas públicas que assegurem a saúde sexual e reprodutiva e que têm na Atenção Primária em Saúde (APS) uma das suas grandes áreas de atuação. Portanto, a exigência de que o Estado garanta esses direitos está intimamente articulada ao trabalho dos profissionais de saúde, de modo que, dependendo de seu posicionamento no atendimento à clientela, tal garantia pode ser comprometida. (LEMOS, 2014)
O direito à saúde está previsto na Constituição Federal, sendo obrigação do Estado prover os serviços para sua promoção, proteção e recuperação. O direito das mulheres à saúde deve ser compreendido de forma integral, ou seja, considerando as mulheres não apenas em suas funções reprodutivas, mas também como indivíduos autônomos que merecem desfrutar de pleno acesso aos serviços de saúde, sendo estes relacionados ou não à maternidade.
4. DIREITO A VIDA DESDE A CONCEPÇÃO
A vida tem um conceito muito amplo e possui formas de entendimento complexos onde se pode admitir várias definições. A vida é um estado caracterizado pela capacidade de apresentar metabolismos, desenvolvimento, reação, estímulos e reprodução. (ALVES, 2015)
A Constituição Federal de 1998 em seu artigo 5º, caput garante o direito à vidacriminalizando o abortopara proteger a vida do feto.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Maria Helena Diniz (2014) explica que a vida humana está acima de qualquer lei e é incólume a atos dos Poderes Públicos, e deve ser protegida contra quem quer que seja.
Moraes (2014, p.34) aduz que:
O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos.
Desde modo, conclui-se que o direito à vida é um requisito essencial aos outros direitos, já que sem ele não há objetivo para as normas legais.
Leciona Prado (2008, p. 105):
O direito à vida, constitucionalmente assegurado (art. 5° caput, CF), é inviolável, e todos, sem distinção, são seus titulares. Logo, e evidente que o conceito de vida, para que possa ser compreendido em sua plenitude, abarca não somente a vida humana independente, mas também a vida humana dependente (intrauterina).
Esta garantia não cabe apenas aqueles que nasceram vivos, mas também aos nascituros.
O direito a vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade.
O nascimento com vida é o marco inicial da personalidade. Todavia, respeitam-se os direitos do nascituro, desde a concepção, pois desde esse momento
já começa a formação de um novo ser humano.
O artigo 2º do Código Civil (BRASIL, 2002) dispõe que:
Artigo 2: a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
É de extrema importância estabelecer as garantias do nascituro e proteger sua personalidade, ainda mais porque devido aos avanços tecnológicos, e da genética, é fundamental proteger a figura do embrião.
O conceito de nascituro aparece no momento em que ocorreu a fertilização entre um espermatozoide com o óvulo. Vale ressaltar que neste momento ainda não cabe a afirmação que o nascituro possui personalidade jurídica, como previsto no item acima. Dessa forma, cabe afirmar a inspiração do Código Civil Brasileiro na Teoria Natalista, a qual garante, em regra seus direitos, no momento de seu nascimento.
O embrião é de quando se está em fase de diferenciação orgânica, da segunda à sétima semana depois da fecundação, etapa conhecida como período embrionário. Origina-se do embrioblasto, estrutura multicelular que, em conjunto com o e a blastocele, constitui o blastocisto recém-implantado no endométrio.
O feto representa a fase do desenvolvimento intrauterino que segue à fase embrionária até o nascimento, e que acontece após o segundo ou terceiro mês de fecundação. Seus órgãos já são formados, e apresenta características distintas da espécie humana. A transição entre o estágio embrionário e o estágio fetal opera-se em torno da oitava semana após a fecundação, ou da sétima após a implantação. Tais definições não são completamente fechadas, sendo, inclusive, muitas vezes confundidas no meio jurídico, o que leva a interpretações diversas, mas é a partir destes termos que se pode compreender as teorias desenvolvidas acerca do início da personalidade consequentemente, de proteção jurídica. (AGUIAR, 2016)
A teoria da concepção preceitua que o início da vida ocorre no momento da fertilização do óvulo, nascendo assim, a personalidade do indivíduo, durante sua concepção. Diferentemente do embrião, o nascituro possui proteção jurídica, sendo que o nosso ordenamento veda expressamente qualquer ato contra à vida do nascituro, tipificando assim o ato de abortar, independente da fase da gravidez, protegendo assim, a integridade física e moral, nos termos dos artigos 124 e seguintes do Código Penal.
Sendo assim o direito à vida também é assegurado ao nascituro.
Conforme já dito, o direito à vida é um pré-requisito a existência, para que todos os indivíduos possam exercer seus direitos, por essa razão, ao nascituro também se engloba este direito, pois sendo uma vida de fato, também têm seus direitos resguardados e definidos em lei. Se o feto nascer com vida todos os direitos inerentes aos já nascidos lhe serão atribuídos.
O Estado tem a obrigação de prover um desenvolvimento digno e sadio ao nascituro e a mãe tem direito a realização do atendimento pré e perinatal, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).
O direito à vida é superior aos demais direitos dos homens, e sendo de indiscutível importância, atinge o nascituro mesmo nesta condição suspensiva de direitos.
Portanto, o aborto é uma prática que fere a Constituição Federal por afligir a inviolabilidade do direito a vida, sendo necessária a conscientização das pessoas, para que percebam que o nascituro tem o direito de ter sua vida preservada independente da situação.
5. HABEAS CORPUS 124.306
O Habeas Corpus 124.306/RJ foi impetrado pela defesa de dois pacientes que, segundo a denúncia, mantinham uma clínica de aborto e foram presos em flagrante. O Juízo da 4ª Vara Criminal de Duque de Caxias/ RJ concedeu a liberdade provisória aos acusados de suposta prática dos crimes previstos nos artigos 126 e 128 do Código Penal – respectivamente, tipo penal do aborto e formação de quadrilha.
Todavia, a 4ª Câmara Criminal proveu recurso interposto pelo Ministério Público, para que fosse decretada a prisão preventiva dos pacientes, sob o fundamento de garantia da ordem pública e necessidade de assegurar a aplicação da lei. Em razão disso, interpôs a defesa um recurso diante do Superior Tribunal de Justiça, que não foi conhecido pela Corte.
Com base no deslinde processual descrito acima, a defesa recorreu ao instrumento de Habeas Corpus proposto diante da Suprema Corte, no intuito de revogar o pedido de prisão preventiva, sob as alegações de que não se observava na presente situação os requisitos mínimos necessários para a decretação de prisão preventiva.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 29/11/2016 descriminalizar o aborto no primeiro trimestre da gravidez.
Segundo voto do ministro Luís Roberto Barroso, o colegiado entendeu que são inconstitucionais os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto. O entendimento, no entanto, vale apenas para um caso concreto julgado pelo grupo naquela data.
A decisão da Turma foi tomada com base no voto do ministro Luís Roberto Barroso. Para o ministro, a criminalização do aborto nos três primeiros meses da gestação viola os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, o direito à autonomia de fazer suas escolhas e o direito à integridade física e psíquica.
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA SUA DECRETAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO TIPO PENAL DO ABORTO NO CASO DE INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GESTAÇÃO NO PRIMEIRO TRIMESTRE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O habeas corpus não é cabível na hipótese. Todavia, é o caso de concessão da ordem de ofício, para o fim de desconstituir a prisão preventiva, com base em duas ordens de fundamentos. 2. Em primeiro lugar, não estão presentes os requisitos que legitimam a prisão cautelar, a saber: risco para a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal (CPP, art. 312). Os acusados são primários e com bons antecedentes, têm trabalho e residência fixa, têm comparecido aos atos de instrução e cumprirão pena em regime aberto, na hipótese de condenação. 3. Em segundo lugar, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. A criminalização, nessa hipótese, viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade. 4. A criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentais: os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada; a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e no seu psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria. 5. A tudo isto se acrescenta o impacto da criminalização sobre as mulheres pobres. É que o tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos. 6. A tipificação penal viola, também, o princípio da proporcionalidade por motivos que se cumulam: (i) ela constitui medida de duvidosa adequação para proteger o bem jurídico que pretende tutelar (vida do nascituro), por não produzir impacto relevante sobre o número de abortos praticados no país, apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro; (ii) é possível que o Estado evite a ocorrência de abortos por meios mais eficazes e menos lesivos do que a criminalização, tais como educação sexual, distribuição de contraceptivos e amparo à mulher que deseja ter o filho, mas se encontra em condições adversas; (iii) a medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios. 7. Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália. 8. Deferimento da ordem de ofício, para afastar a prisão preventiva dos pacientes, estendendo-se a decisão aos corréus.
O julgado versa sobre a concessão de habeas corpus para os proprietários de uma clínica de aborto pela suposta prática deste crime com o consentimento da gestante e formação de quadrilha (artigos 126 e 288 do Código Penal), acarretando, a decisão, no afastamento da prisão preventiva dos acusados.
Para o ministro, o bem jurídico protegido que é a vida potencial do feto, é “evidentemente relevante”, mas o mesmo acredita que a criminalização do aborto antes do primeiro trimestre de gestação é uma violação aos diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. (SOUZA NETO, 2014)
Os bens jurídicos violadosapontadossão a autonomia da mulher, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, o direito à integridade física e psíquica, a igualdade de gênero, bem como a discriminação social existente e o impacto desproporcional da criminalização sobre as mulheres pobres. (SOUZA NETO, 2014)
Ainda de acordo com o ministro a criminalização do aborto viola o princípio da proporcionalidade por não proteger devidamente a vida do feto ou impactar o número de abortos praticados no país. “Apenas impedindo que sejam feitos de modo seguro”, disse. “A medida é desproporcional em sentido estrito, por gerar custos sociais (problemas de saúde pública e mortes) superiores aos seus benefícios.” (SOUZA NETO, 2014)
Tal decisão gerou discussões diversas entre juristas, cientistas, cidadãos acerca da sua legitimidade, causando perplexidade em determinar quando se inicia a vida, função que não cabe ao judiciário, ultrapassando os limites do poder, motivo pelo qual foi considerada, pela grande maioria, uma decisão ativista, inconstitucional, contrariando os mais diversos direitos e garantias fundamentais inerentes ao ser humano. (SOUZA NETO, 2014)
A referida decisão se tornou parâmetro para outros recursos em casos semelhantes àquele.
Abaixo segue transcrito uma jurisprudência de um embargo de declaração julgado pela Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO VOTO CONDUTOR DA MAIORIA NO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO A RESPEITO DA TIPICIDADE DOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTS. 124 E 126 DO CÓDIGO PENAL. Hipótese em que, muito embora o voto não tenha tratado de especificar expressamente que os fatos narrados se constituem típicos em razão da prova da materialidade dos tipos penais descritos nos arts. 124 e 126 do Código Penal, trouxe justificativa suficiente capaz de indicar a ocorrência dos delitos. Assim, por corolário lógico, somente por restar convencida da tipicidade é que foi lançado um juízo pronunciatório. Não posso concordar com o encerramento prematuro da presente ação penal com o decreto de absolvição sumária, diante da prova produzida nos autos, a envolver a complexidade de acusação que envolve a expulsão de feto com vida do útero materno, conforme registrado na peça acusatória, admitida, por maioria, por ocasião do julgamento da Apelação. Prevalece nessa fase o princípio do in dubio pro societate. O julgamento do HC n. 124.306 ocorreu de forma incidental pelo e. Supremo Tribunal Federal e não gerou, ao menos em tese, efeito vinculante; ademais, não há qualquer decisão expressa sobre a inconstitucionalidade dos arts. 124 ou 126 do Código Penal, não podendo os tribunaisinferiores simplesmente afastarem a aplicação de uma norma penal sem que tenha precedido a decisão de discussão no Tribunal Pleno, em sede de controle da constitucionalidade, que somente neste caso, produziria reflexos sobre todos. Logo, como configuram crimes a prática de aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento e o aborto provocado por terceiro com o consentimento da pessoa grávida, não há como se acolher a tese defensiva a partir de um julgado isolado do e. STF. RECURSO ACOLHIDO PARA SANAR AS OMISSÕES, SEM, CONTUDO, ALTERAR O RESULTADO DA APELAÇÃO. (Embargos de Declaração Nº 70080022221, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 18/12/2018).(TJ-RS - ED: 70080022221 RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Data de Julgamento: 18/12/2018, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/02/2019)
No caso, o juiz não levou em consideração o voto do ministro Barroso, para julgar da mesma forma, uma vez que argumentou que a decisão do Habeas Corpus, não gerou efeito vinculante; ou seja, aquela fuma decisão única e exclusiva que não anulou os artigos 124 ou 126 do Código Penal, mesmo com a alegação de inconstitucionalidade e, portanto não deve ser adotada nos demais casos.
6. CONCLUSÃO
O início da vida humana não deve ser apresentado como uma questão predominantemente religiosa, pois é, sobretudo, um tema científico, biológico e genético. A fecundação da célula germinativa feminina (óvulo) pela célula germinativa masculina (espermatozoide) dá início a um processo constitutivo da pessoa humana. O desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso como um todo começa em 3 semanas, com a diferenciação celular que forma a placa neural ao longo do dorso do embrião.
O posicionamento da 1ª Turma do STF, da não ocorrência de crime no aborto quando este for realizado até o 3º mês, por não haver sistema nervoso completamente formado, o que impossibilitaria a vida fora do útero, é um argumento que não condiz com a explicação genética, além de que o ordenamento jurídico brasileiro protege o feto de forma progressiva e o direito à vida é um direito primordial sem o qual nenhum outro direito terá valia.
A morte de mulheres devido ao aborto, que certamente é um problema, não deve ser considerada um problema de saúde pública, e sim um problema que ocorre pela falta de políticas públicas em favor da mulher, especialmente na área de atendimento da sua saúde integral e social, particularmente durante a gestação e parto, visando a preservação da vida e da saúde tanto da mulher quanto da criança.
A legalização do aborto não diminui os problemas causados a mulher sejam eles físicos ou psicológicos que elas trarão consigo.
A legalidade do aborto segundo o código penal é dividido em dois tipos: aborto necessário, quando resguarda a vida da mulher que está em risco; aborto sentimental ou humanitário legalizado para vitimas de estupro para resguardar a saúde psicológica da vitima.
Os casos em que a pratica do aborto não deve ser considerado crime, já estão devidamente previstos legalmente e não devem ser modificadas, uma vez que o crime de aborto não se enquadra entre os preceitos onde o Estado dentro de suas atribuições pode fazer cessar a vida.
REFERÊNCIAS
[1] AGUIAR, Guilherme Menezes. Direito do nascituro. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/48678/direito-do-nascituro/5>. Acesso em: 15 Abr. 2019.
[2] ALVES, Jessika. Direito à vida – aborto. Disponível em: <https://jessickaalves.jusbrasil.com.br/artigos/184767170/direito-a-vida-aborto>. Acesso em: 10 Jan. 2019.
[3] BRASIL. Código Penal.Decreto Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 13 Mar. 2019.
[4] BRASIL. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 24 Jan. 2019.
[5] BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 24 Jan. 2019.
[6] CAPEZ, Fernando. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004.p 108.
[7] CASTRO, Isis; MICKOSZ, Luiz Afonso Deliberador. Direito à vida X aborto. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/45006/direito-a-vida-x-aborto>. Acesso em: 10 Abr. 2019.
[8] CIARDO, Fernanda. Do Aborto - Artigo 124 a 128 do Código Penal. Disponível em: <https://ferciardo.jusbrasil.com.br/artigos/177420435/do-aborto-artigo-124-a-128-do-codigo-penal>. Acesso em: 15 Abr. 2019.
[9] CROCE, Delton. Manual de medicina legal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
[10] Dicionário online de português. Aborto. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/aborto/>. Acesso em: 26 Mar. 2019.
[11] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 9. ed. rev. Aum. e. atual. de acordo com Código de Ética Médica. São Paulo: Saraiva, 2014.
[12] LEMOS, Adriana. Direitos sexuais e reprodutivos: percepção dos profissionais da atenção primária em saúde. Disponível em: <https://www.scielosp.org/article/sdeb/2014.v38n101/244-253/>. Acesso em: 12 Abr. 2019.
[13] MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. parte especial. vol. 2 7.ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.
[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. rev. atual. e ampl.15.ed Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[15] SILVA, Juliana Simão da; MIRANDA, Fernando Silveira de Melo Plentz. Dos direitos do nascituro. Disponível em: <http://docs.uninove.br/arte/fac/publicacoes/pdfs/juliana_drt_20111.pdf>. Acesso em: 12 Mai. 2019.
[16] SOUZA NETO, Wilson de Castro. Aborto uma afronta ao direito à vida. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,aborto-uma-afronta-ao-direito-a-vida,590156.html>. Acesso em: 22 Nov. 2018.
[17] ______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 124.306. Impetrante: Jair Leite Pereira. Impetrado: Superior Tribunal De Justiça. Pacientes: Edilson Dos Santos e Rosemere Aparecida Ferreira. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, 09 de ago. de 2016. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.pdf>. Acesso em: 10 Jan. 2019.
Bacharelanda no curso de Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIRES, Naiara Garcia. Aborto: um estudo sobre a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 124.306 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52972/aborto-um-estudo-sobre-a-decisao-da-primeira-turma-do-supremo-tribunal-federal-no-habeas-corpus-124-306. Acesso em: 23 dez 2024.
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