ANDREIA AYRES GABARDO DA ROSA[1]
(Orientadora)
RESUMO: Neste artigo aborda-se que, a violência contra a mulher é uma realidade vivenciada no decorrer da existência humana. O problema da violência contra a mulher é um fator que, mesmo após a sociedade passar por inúmeras evoluções, continua a ser uma realidade vivenciada em pleno século XXI. No Brasil, é inegável que a mulher conseguiu várias conquistas perante à sociedade dominada pelo sexo masculino, principalmente com a criação da Lei nº 11.340/06, denominada Maria da Penha. No entanto, a mulher continua a ser vítima de violência, sobretudo dentro da própria residência, tendo como principais agressores, aqueles que foram escolhidos para protegê-la, isto é, o companheiro ou ex-marido. Os dados demonstram que os casos de violência sofrida por mulheres são preocupantes, em nosso país. Neste sentido, este artigo identifica os fatos que possibilitaram a criação da Lei Maria da Penha, bem como verifica qual a responsabilidade civil do autor de violência contra a mulher, analisando se o agressor tem a obrigação de indenizar a vítima pelos danos causados. Pautados nessa problemática, os estudos foram realizados baseados em pesquisas bibliográficas e documentais via método indutivo, tendo como referências autores renomados e em legislação específica. A pesquisa é dividida em capítulos. No primeiro, tem como foco a história sucinta da violência contra a mulher. No segundo, trata-se sobre o surgimento da lei específica de proteção à mulher, a Lei Maria da Penha. No terceiro, destaca-se a responsabilidade civil do autor frente aos danos causados à vítima. Conclui-se que o agressor é o responsável pelo ato e dano, devendo realizar a reparação à vítima, mediante o pagamento de indenização.
Palavras-chave:Violência; Mulher; Lei Maria da Penha; Responsabilidade Civil; Indenização.
ABSTRACT: In this article it is approached that, violence against women is a reality experienced in the course of human existence. The problem of violence against women is a factor that, even after society undergoes many evolutions, continues to be a reality experienced in the XXI century. In Brazil, it is undeniable that the woman achieved several achievements vis-a-vis the male-dominated society, especially with the creation of Law 11,340 / 06, named Maria da Penha. However, the woman continues to be the victim of violence, especially within her own residence, having as main aggressors, those who were chosen to protect her, that is, the companion or ex-husband. The data show that the cases of violence suffered by women are of concern in our country. In this sense, this article identifies the facts that made possible the creation of the Maria da Penha Law, as well as verifies the civil liability of the perpetrator of violence against women, analyzing whether the perpetrator has the obligation to compensate the victim for the damages caused. Based on this problem, the studies were carried out based on bibliographical and documentary research using the inductive method, with reference to renowned authors and specific legislation. The research is divided into chapters. In the first, it focuses on the succinct history of violence against women. In the second, it is about the emergence of the specific law for the protection of women, the Maria da Penha Law. In the third, the author's civil liability for damages to the victim is highlighted. It is concluded that the perpetrator is responsible for the act and damage, and must perform the reparation to the victim, through the payment of indemnification.
Keywords: Violence; Woman; Maria da Penha Law; Civil responsability; Indemnity.
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é uma realidade vivenciada no decorrer da existência humana. Segundo os estudos de Cézar (2016), a violência sofrida pela mulher acompanha a sociedade, desde os primórdios até os dias de hoje e as agressões estão ligadas à história de todos os povos, desde o homem primitivo até o homem moderno.
Observa-se que durante muitos séculos, na história da humanidade, a mulher é considerada pelo homem como ser inferior, que não merece ser tratada com respeito. A autora Pinafi (2007) destaca que nas civilizações gregas e romanas a exclusão social, jurídica e política colocavam a mulher no mesmo patamar que as crianças e escravos, ou seja, a identificação feminina enquanto sujeito político, público e sexual lhe era negada, tendo como status social a função de procriadora.
Ainda, a pesquisadora Dias (2010) acrescenta que, nas civilizações gregas, a mulher era vista como uma criatura subumana e inferior ao homem, portanto era menosprezada moral e socialmente, e não tinha direito algum. A realidade não foi mudada nem mesmo com o Cristianismo, que em tese propaga o amor entre o próximo.
Segundo Pinafi (2007, p. 02), “o cristianismo retratou a mulher como sendo pecadora e culpada pelo desterro dos homens do paraíso, devendo por isso seguir a trindade da obediência, da passividade e da submissão dos homens”. Nesse contexto histórico, a mulher continua a ser massacrada pelo homem, sendo em muitos casos queimadas vivas como bruxas.
No Brasil, com a chegada dos portugueses e da doutrinação jesuíta, o tratamento recebido pela mulher não foi diferente. Aproveitando da “submissão divina” que a mulher deveria ter em relação ao homem, dificultou-se que ela deixasse de ser violentada, tanto fisicamente, moralmente, sexualmente, enfim em todos os âmbitos.
Somente em 1985 é inaugurada a primeira Delegacia da Mulher, isto é, após 485 anos da chegada dos portugueses. Durante esses séculos e até os dias atuais, a mulher sofre em razão de costumes enraizados em nossa cultura, que propagavam a superioridade do sexo masculino. Ainda vivemos em uma sociedade machista, na qual se defendem “que mulher gosta é de apanhar”, “a mulher é violentada sexualmente, porque provoca o homem” ou ainda “em briga de marido e mulher, ninguém tem que meter a colher”, como discorre Pinafi (2007).
Com base no exposto, esta pesquisa tem o intuito de abordar os avanços alcançados ao longo dos anos no que se refere à proteção à mulher, sobretudo com a criação da Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, como Lei n.º 11.340, que visa proteger a mulher da violência doméstica e familiar.
De acordo com Bezerra (2018), a Lei Maria da Penha alterou o Código Penal, no sentido de permitir que os agressores sejam presos em flagrante ou tenham a prisão preventiva decretada. Antes da criação de referida lei, as mulheres que eram vítimas desse tipo de violência deixavam de prestar queixa contra os companheiros, porque a punição se restringia, basicamente, ao pagamento de cestas básicas.
A pena para o autor da prática de violência contra a mulher, antes da criação da Lei Maria da Penha era de no máximo um ano, após passou para três anos. Neste sentido, faz-se necessário também identificar neste artigo, os fatos que possibilitaram a criação da Lei Maria da Penha, bem como verificar qual a responsabilidade civil do autor de violência contra a mulher, analisando se o agressor tem a obrigação de indenizar a vítima pelos danos causados.
Pautados nessa problemática foram feitos estudos, com base em pesquisas bibliográficas e documentais via método indutivo, baseando-se em autores renomados e em legislação específica, onde o primeiro capítulo tem como tema a ser abordado, a história sucinta da violência contra a mulher.
Em seguida, apresenta-se o surgimento da lei específica de proteção à mulher, a Lei Maria da Penha, que vem com o objetivo de “quebrar as amarras de uma sociedade patriarcal” (NEVES, 2013, p. 03), destacando os motivos que impulsionaram a sanção da mesma e os avanços no combate à violência contra a mulher.
No terceiro capítulo, discorre-se sobre o assunto principal desta pesquisa, isto é, a responsabilidade civil do autor frente aos danos causados à vítima. Assim, destacam-se conceitos, elementos e requisitos, que apontam a responsabilidade civil pelas agressões, analisando a possibilidade de indenização por danos morais, mediante a análise de jurisprudências.
Por fim, apresentam-se as considerações finais sobre o tema abordado.
1 VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM BREVE HISTÓRICO
Segundo Oliveira (2007), após a realização de estudos e análise da história da humanidade, constata-se que o homem, em tempos primórdios, vivia próximo dos animais e com eles aprendia a lutar, a caçar e a perseguir, usando a força física como meio de sobrevivência. Nesse período, não existiam leis, normas e regulamentos, cada um seguia indistintamente seu destino. Assim, desenhos em antigas cavernas mostram homens primitivos, puxando suas mulheres pelos cabelos, fazendo assim valer o uso físico mais avantajado e forte.
Dias (2010) destaca que desde os tempos bíblicos que a mulher tem passado por gravíssimas violações em seus direitos mais elementares, como direito à vida, à liberdade e a disposição de seu corpo. Abaixo, evidenciamos a condição da mulher na Grécia Antiga.
Na Grécia Antiga havia muitas diferenças entre homens e mulheres. As mulheres não tinham direitos jurídicos, não recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas, sendo confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu), enquanto aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos, como a poligamia (PINAFI, 2007, p. 02).
A autora Puleo (2004) acrescenta que na Grécia, os mitos contavam que devido à curiosidade própria de seu sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo. Portanto, a mulher era responsável por haver desencadeado todo o tipo de desgraça, assim como, na religião se destaca a mulher como a causadora da origem do pecado, já que foi Eva que fez com que o Adão comesse do fruto proibido.
Com o advento da cultura judaico-cristã tal situação pouco se alterou. O Cristianismo retratou a mulher como sendo pecadora e culpada pelo desterro dos homens do paraíso, devendo por isso seguir a trindade da obediência, da passividade e da submissão aos homens, — seres de grande iluminação capazes de dominar os instintos irrefreáveis das mulheres — como formas de obter sua salvação. Assim a religião judaico-cristã foi delineando as condutas e a ‘natureza’ das mulheres e incutindo uma consciência de culpa que permitiu a manutenção da relação de subserviência e dependência. Mas não foi só a religião que normatizou o sexo feminino, a medicina também exerceu seu poder, apregoando até o século XVI a existência de apenas um corpo canônico e este corpo era macho. Por essa visão a vagina é vista como um pênis interno, os lábios como o prepúcio, o útero como o escroto e os ovários como os testículos (PINAFI, 2007, p. 03).
A autora Tânia Pinafi (2007, p. 03) ainda destaca que “o modelo de sexo único prevaleceu durante muito tempo por ser o homem — ser humano nascido com o sexo biológico masculino, ou seja, pênis — o alvo e construtor do conhecimento humano”. Em contrapartida, a mulher era considerada um ser vazio, sem a capacidade de construir conhecimentos.
Segundo Dias (2010), na Idade Média, a mulher desempenhava o papel de mãe e esposa. Sua função precípua era de obedecer ao marido e gerar filhos, sendo restrita a direitos, como afirma a citação abaixo.
A rigidez dos deveres relativos dos dois sexos não é e nem pode ser a mesma. Quando a mulher se queixa a respeito da injusta desigualdade que o homem impõe, não tem razão; essa desigualdade não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão; cabe a quem a natureza encarregou do cuidado com os filhos a responsabilidade disso perante o outro (ROUSSEAU citado por EGGERT, 2003, p. 03).
De acordo com Pinafi (2007), no século XVIII, com a Revolução Francesa começou a mudar a concepção de que as mulheres eram apenas um ser destinado à procriação, ao cuidado dos filhos e marido, já que elas “participaram ativamente do processo revolucionário ao lado dos homens, por acreditarem que os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade seriam estendidos a sua categoria” (PINAFI, 2007, p. 04).
Eggert (2003) analisa que com a consolidação do sistema capitalista, no século XIX, aconteceram profundas mudanças na sociedade como um todo, principalmente, porque o seu modo de produção afetou o trabalho feminino, favorecendo que a mulher trabalhasse nas fábricas, saindo do lar (espaço privado) para a esfera pública. Assim, as mulheres passam a lutar para provar que não são inferiores ao homem, sendo capazes de realizar as mesmas tarefas, de adquirir e produzir conhecimentos, portanto merecendo respeito.
Realizando estudos sobre a trajetória da violência contra a mulher, percebe-se que ainda há muitas lutas a serem travadas na superação da concepção da superioridade masculina. Verifica-se que desde o princípio foi dado à mulher o título de “causadora de todos os males”, portanto a mesma deveria ser castigada pelo homem, aceitando que todas as agressões e restrições sofridas resultam de ações praticadas pelo sexo feminino no passado, que prejudicaram e amaldiçoaram a humanidade.
Várias são as espécies de violência contra a mulher. E a história relata-nos que a violência doméstica tem suas raízes alicerçadas de forma a definir o papel da mulher no âmbito familiar e consequentemente social. Visa resguardar o homem de forma a não lhe trazer inquietação, garantindo-se assim o poder masculino em uma sociedade patriarcal, cujos valores são passados de pai para filho (DIAS, 2010, p. 02).
No Brasil, o tratamento recebido pela mulher não foi diferente, retratando a luta por igualdade. Na década de 70, surgem os primeiros movimentos organizados e politicamente engajados em defesa dos direitos da mulher contra o sistema social opressor — o machismo. Pinafi (2007) retrata que a política sexista reinante até então, deixava impunes muitos assassinatos de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra.
Como exemplo, temos em 1976, o brutal assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street (Doca) que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um revólver contra o rosto e crânio de Ângela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em ‘legítima defesa da honra’. A grande repercussão dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres em torno do lema: ‘quem ama não mata’ (PINAFI, 2007, p. 04).
Infelizmente, casos como o citado acima são praticados até hoje. Todavia, observa-se avanços na legislação para a punição dos agressores, graças a luta dos movimentos de mulheres, que vem conquistando vitórias na defesa e proteção da mulher, prova disso foi a criação das Delegacias de Defesa da Mulher, em 1985, sendo uma iniciativa pioneira do Brasil, que mais tarde foi adotada por outros países da América Latina.
A violência contra a mulher voltou a pauta no cenário internacional em 1993 com a Declaração de Viena. Nela foram considerados os vários graus e manifestações de violência, incluindo as resultantes de preconceito cultural e tráfico de pessoas. Um grande avanço desta declaração foi a revogação da violência privada como criminalidade comum, considerando assim, que a violência contra a mulher infringe os Direitos Humanos e é realizada principalmente na esfera privada. Um ano depois, em 06 de junho, a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará. Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1995 (PINAFI, 2007, p. 08).
Entende-se que a Convenção de Belém do Pará, como ficou conhecida a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra Mulher, conceitua a violência contra as mulheres, reconhecendo-a como uma violação aos direitos humanos, e estabelece deveres aos Estados signatários, com o propósito de criar condições reais de rompimento com o ciclo de violência identificado contra mulheres em escala mundial.
Atualmente a violência contra a mulher tem sido denominada como “violência de gênero” esta expressão significa que não são as diferenças biológicas entre os homens e mulheres que determina o emprego da violência contra a mulher, significa que sob os papéis sociais impostos a homens e mulheres, reforçados por culturas patriarcais, se estabelecem as relações de violência entre os sexos (DIAS, 2010, p. 09).
Para Dias (2010), a violência contra a mulher, considerada de gênero é uma das formas mais graves de discriminação em razão do sexo, manifestando-se de diferentes formas, como o estupro, a prostituição forçada, o assédio sexual nas ruas ou local de trabalho e a violência nas relações do casal, também conhecida como violência doméstica ou familiar.
Compreender o fenômeno da violência contra a mulher é reconhecer a discriminação histórica da mulher, que tem aprofundado as relações de desigualdade econômicas sociais e políticas entre os sexos, nas quais a mulher ocupa uma posição de inferioridade em relação ao homem. Ressalvando que a falta de igualdade é que torna a mulher vulnerável à violência e em especial a violência no âmbito doméstico e das relações intrafamiliares, que acarretam sérias e graves consequências não só para o seu desenvolvimento pessoal integral e pleno, comprometendo o exercício da cidadania e dos direitos humanos, mas também para o desenvolvimento econômico e social do país. O custo dessa violência reflete-se em dados concretos. No mundo, um em cada cinco dias de falta ao trabalho é decorrente de violência sofrida por mulheres em suas casas, a cada cinco anos a mulher perde um ano de vida saudável se ela sofre violência (OLIVEIRA, 2007, p. 04).
Segundo Dias (2010), no Brasil, 76% dos crimes contra a mulher acontecem dentro de casa e o agressor é o próprio marido ou companheiro. A violência doméstica custa para o país 10,5% do seu PIB, ou seja, 84 (oitenta e quatro) bilhões de dólares.
É no cenário de lutas em combate a violência contra a mulher que surge a lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha, a qual será tratada a seguir.
2 LEI MARIA DA PENHA: HISTÓRIA E CARACTERÍSTICAS
Conforme a Secretaria de Políticas para as Mulheres (2012), a criação da lei Maria da Penha foi marcada por uma história de sofrimento, coragem e determinação, sendo considerada uma importante conquista no combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres. O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Fernandes, que sobreviveu a duas tentativas de homicídio, por parte do ex-marido.
Em 1983, seu esposo tentou matá-la com um tiro de espingarda. Apesar de ter escapado da morte, ficou paraplégica. Quando, finalmente, saiu do hospital, sofreu nova tentativa de assassinato, pois o marido tentou eletrocutá-la e afogá-la. Após tantas agressões, Maria da Penha criou coragem para denunciar seu agressor, se deparando com uma situação que muitas mulheres enfrentavam e enfrentam nesses casos, isto é, incredulidade por parte da Justiça brasileira. Por sua parte, a defesa do agressor sempre alegava irregularidades no processo e o suspeito aguardava o julgamento em liberdade. Em 1994, Maria da Penha lança o livro “Sobrevivi...posso contar”, no qual narra as violências sofridas por ela e pelas três filhas. Com muita coragem e em busca de justiça, Maria da Penha acionou o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), já que o agressor continuava em liberdade e sem punição. O episódio chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos e foi considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica. O Estado brasileiro foi condenado por omissão e negligência pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (BRASIL, 2012, p. 03).
Desta maneira, o Brasil teve que se comprometer em reformular suas leis e políticas em relação à violência doméstica. Como enfatiza Dias (2010), depois de 19 (dezenove) anos do julgamento, Marco ficou preso apenas por dois anos, em regime fechado. É claro que é uma sentença branda, frente às agressões sofridas pela vítima. Todavia, foi um avanço no campo jurídico e em 07 de Agosto de 2006, a Lei Maria da Penha foi sancionada pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, entrando em vigor no dia 22 de setembro de 2006, a lei nº 11.340.
Em vigor desde o dia 22 de setembro de 2006, a Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”, ganhou este nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica cearense que foi casada com o professor universitário Marco Antônio Herredia Viveros, que tentou assassiná-la por duas vezes. A lei veio com a missão de proporcionar instrumentos adequados para enfrentar um problema que aflige grande parte das mulheres no Brasil e no mundo, que é a violência doméstica. A violência, analisada sob múltiplos aspectos e exercida por várias formas, é a expressão cultural da dominação machista cuja repercussão transcende o espaço doméstico, alcançando a sociedade como um todo e cujas consequências se fazem sentir no desenvolvimento social e econômico de cada país. O novo texto legal foi o resultado de um longo processo de discussão a partir de proposta elaborada por um consórcio de ONGs (ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, CLADEM/IPÊ e THEMIS). Esta proposta foi discutida e reformulada por um grupo de trabalho interministerial, coordenado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, e enviada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. Por meio da relatoria do projeto de lei foram realizadas audiências públicas em assembleias legislativas das cinco regiões do país, ao longo de 2005, que contaram com intensa participação de entidades da sociedade civil e resultaram em um substitutivo acordado entre a relatoria, o consórcio de ONGs e o executivo federal que terminaria aprovado por unanimidade no Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República. Conforme se observa, a Carta Magna demonstra, de forma expressa, a necessidade de políticas públicas no sentido de coibir e erradicar a violência doméstica (FERNANDES & RESENDE, 2015, p. 03).
Como afirma Bezerra (2018), a lei nº 11.340/06 serve para todas as pessoas que se identificam com o sexo feminino, não necessariamente mulheres, podendo ser heterossexuais e homossexuais, ou seja, que as pessoas transexuais também estão incluídas. Para ocorrer a punição do agressor, a vítima precisa vivenciar uma situação de vulnerabilidade, em relação ao autor, sendo que o mesmo não precisa ser necessariamente o marido ou companheiro, podendo ser um parente ou uma pessoa do seu convívio.
A Lei que dispõe sobre as diversas formas de violência (violência física, sexual, psicológica, moral, patrimonial) não cria nenhum tipo penal novo; apenas dá tratamento distinto das demais infrações penais existentes, com a necessária adequação processual penal. Ressalta-se que o parágrafo único do art. 5º da lei menciona a mulher independente da orientação sexual (...), abrangendo lésbicas, travestis, transexuais e transgêneros dentro do ambiente familiar ou de convívio. Determina a nova lei que a mulher somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz. Antes, era possível que ela desistisse da denúncia na própria delegacia. E, ao contrário do que acontecia, não mais poderá entregar pessoalmente as intimações judiciais ao seu próprio agressor. A nova lei proibiu expressamente a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, bem como as penas de fornecimento de cestas básicas ou outras de prestações pecuniárias (art. 17). No art. 27 da lei mencionada, encontramos a previsão expressa de que a mulher deva estar acompanhada de um advogado em todos os atos processuais. (...). A nova lei aumentou a pena máxima de um para três anos, retirando assim dos Juizados Especiais a competência para julgar os crimes de violência doméstica, inovando ao determinar a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que, enquanto não existirem, deverão ser substituídos pelas varas criminais. Alterando o Código Penal, com agravamento da pena no art. 129 (lesão corporal), acrescida, ainda, de 1/3 nos casos de mulher portadora de deficiência [...] (FERNANDES & RESENDE, 2015, p. 47).
Romero (2011) analisa que a lei Maria da Penha não contempla apenas os casos de agressão física, mas também estão previstas as situações de violência psicológica, como afastamento dos amigos e familiares, ofensas, destruição de objetos, documentos, difamação e calúnia. Os principais pontos são: “a prisão do suspeito de agressão; a violência doméstica passar a ser um agravante para aumentar a pena; não é possível mais substituir a pena por doação de cesta básica ou multas; ordem de afastamento do agressor à vítima” (ROMERO, 2011, p. 05). Outro fator relevante é a assistência econômica, no caso da vítima ser dependente do agressor.
Daí o grande mérito da Lei Maria da Penha que veio assegurar maior proteção a uma parcela da população visivelmente mais frágil quando o assunto é a violência [...] ao repudiar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório concernente à violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha constitui conquista histórica na afirmação dos direitos humanos das mulheres. Sua plena implementação surge como imperativo de justiça e respeito das vítimas desta grave violação que ameaça o destino e rouba a vida de tantas mulheres brasileiras. A Lei Maria da Penha, portanto, veio para tornar realidade tais medidas protetivas a favor da mulher, punindo penalmente os agressores. Porém o que resta saber é sobre a possibilidade de, juntamente com a ação penal, ajuizar ação de responsabilidade civil diante a tais atos (CÉZAR, 2016, p. 05).
Considerando a citação acima, busca-se verificar se o agressor pode ser responsabilizado civilmente pelos danos causados à vítima, ou seja, se há a possibilidade do autor responder uma ação penal, juntamente com a ação de responsabilidade civil diante da violência praticada contra a mulher, indenizando a vítima.
3 RESPONSABILIDADE CIVIL X MARIA DA PENHA
Para Cézar (2016), percebe-se que um dos assuntos mais comentados no meio jurídico é a violência doméstica, em especial contra a mulher, analisando que mesmo após a criação da Lei Maria da Penha, milhares de brasileiras, muitas vezes sem mesmo saber o motivo das agressões, são vítimas dentro de suas próprias casas.
O autor acima destaca ainda que o fator mais intrigante é que, em plena revolução feminina, na qual nossas mulheres cada vez mais conquistam seu espaço, continuam a sofrer com vários tipos de agressões.
Muito já foi escrito a respeito da condição vivida pela mulher dentro do ambiente familiar. As discussões encontram fundamento na estrutura patriarcal da sociedade, que por muito tempo subordinou a mulher às imposições do marido ou companheiro, que muitas vezes a recebia com o propósito de firmar sua descendência e a ele se dedicar inteiramente. Aos poucos, porém, ao longo das transformações e avanços na história, a mulher foi conquistando direitos. Adquiriu o direito ao voto e a igualdade constitucional por intermédio da Carta Magna publicada em 1988. Adquiriu também proteção no âmbito trabalhista, por meio da Consolidação das Leis do Trabalho. Conquistou o direito a ocupar cargos públicos e vêm se destacando cada vez mais nas questões políticas, econômicas e sociais. No entanto, apesar dos avanços, a mulher ainda encontra dificuldades em firmar sua posição, especialmente porque a submissão que viveu ainda faz com que muitos homens a subjuguem, tornando-a vítima fácil de abusos e agressões (FERNANDES & RESENDE, 2015, p. 04).
Nesse contexto, analisa-se se o agressor também deve ser responsabilizado civilmente, pagando indenização à vítima por danos morais. Historicamente, o marco inicial da responsabilidade civil data no ano de 286 antes de Cristo, sem caráter criminal, admitindo o direito que alguém se obrigue com outro sem ter havido qualquer manifestação de vontade negocial ou prévia relação jurídica, como afirma Machado (2017).
Segundo Cézar (2016), na Grécia Antiga, por exemplo, era comum a responsabilização das coisas, das plantas e dos animais. Para isso, existiam tribunais que os julgavam quando esses fossem causadores de morte de seres humanos. Em decorrência de tais julgamentos, animais eram mutilados, plantas eram cortadas.
Lôbo (1999) aponta que antes da Idade Moderna, o proprietário do animal passava-se a ser réu, mas se admitia a punição do animal segundo as regras de talião, inclusive com mutilações. Com a expansão da industrialização e evolução do cristianismo, percebeu-se que a responsabilidade civil objetiva passou a ter outra conotação. Essa compõe as várias espécies oriundas de ato ilícito, ou seja, de exercícios de direitos tutelados pela ordem jurídica. Depreende-se, então, que o dever de indenizar, nesses casos, independe de contrariedade a direito ou existência de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou caso fortuito, ou força maior (CÉSAR, 2016, p. 10).
De acordo com Leite & Heuseler (2014), a responsabilidade civil deriva de transgressão de uma norma jurídica preexistente, impondo, ao causador do dano, a consequente obrigação de indenizar a vítima, podem ser classificadas em com culpa, subjetiva e a objetiva.
A responsabilidade civil com culpa é entendida, sob o olhar do referido doutrinador, como requisito sem a qual não há ilícito nem se poderá imputar responsabilidade a alguém pelo dano. Já a responsabilidade civil transubjetiva provém da obrigação de reparar um direito atribuído a determinada pessoa, em virtude de danos provocados por outras pessoas, animais ou coisas. Assim, fica-se evidente que o próprio sujeito responderá não pelos seus atos, mas por fatos de outros ou de coisas. A doutrina modera entende que não se pode deixar o dano sem reparação. Por último, a responsabilidade civil objetiva, outrora arguida que situa-se hipóteses variadas que vão desde a consideração residual de culpa, até a total desconsideração da culpa, ainda quando o causador do dano for a própria vítima (CÉSAR, 2016, p. 11).
Segundo Lôbo citado por Figueiredo (2017), com a redução do papel da culpa, a responsabilidade civil passou a assentar-se nos seguintes pressupostos fundamentais: o dano, a contrariedade do direito, a imputabilidade e o nexo de causalidade. Já o autor a seguir discorre que analisando a responsabilidade civil é preciso observar que,
Toda a teoria da responsabilidade civil do direito brasileiro se ergue sobre três pilares essenciais: o ato, o dano e o nexo de casualidade entre o ato e o dano. Assim como na matemática 1+1+1= 3, no direito ato+dano+nexo de casualidade= obrigação de indenizar, se na equação, a falta de algum dos fatores impede que o resultado seja o 3, na configuração da responsabilidade civil a falta de qualquer dos elementos impede que o resultado seja obrigação de indenizar (CARVALHO, 2015, p. 06).
Como aponta Lôbo citado por Cézar (2016), os danos podem ser de natureza material, moral ou patrimonial que o direito tutela, ou seja, pode ser ao corpo humano, à posse, à propriedade, ao bem incorpóreo e/ou aos direitos de personalidade. É nessa vertente que o dano pode se constituir, a exemplo de uma mulher que é vítima de violência doméstica.
A violência doméstica faz com que a mulher sinta-se desvalorizada, desprotegida, humilhada, já que a agressão ocorre dentro do seu próprio “lar”, local em que desempenha assiduamente seu trabalho doméstico e, em muitos dos casos, não tem a quem recorrer ou socorrer, ou ainda, depende do agressor financeiramente.
Violência Psicológica é a agressão, tão ou mais grave que a física. O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado, infeliz e diminuído, denominado a vis compulsiva.
A violência Moral, em linhas gerais, é entendida como qualquer conduta que consista em calúnia - art. 138 CPB (imputar à vítima a prática de determinado fato criminoso sabidamente falso); difamação - art. 139 do CPB (imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso); injúria - art. 140 do CPB (atribuir à vítima qualidades negativas) normalmente se dá concomitante à violência psicológica.
Finalmente, para que se possa caracterizar completamente a violência doméstica, é necessário que sejam agregados alguns requisitos à sua denominação, quais sejam: âmbito doméstico, âmbito familiar e relações de afeto ((FERNANDES & RESENDE, 2015, p. 49-50).
Considerando a pesquisa de Andrade (2013), que retrata que são mais de onze homicídios femininos por dia, sendo que 73% ocorrem dentro das suas próprias residências, bem como, que 92% desses homicídios são cometidos por companheiros, cônjuges, namorados ou ex” e ainda os dados destacados por Franco (2019, p. 02) que apontam que de fevereiro de 2018 a fevereiro de 2019, “1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, sendo que 42% ocorreram no ambiente doméstico”, bem como, que segundo a última autora, mais da metade das mulheres (52%) não denunciou o agressor ou procurou ajuda, após sofrer uma violência, defende-se que o agressor deve ser responsabilizado pelo ato e dano causado à vítima, tendo o dever de indenizar. Vejamos as jurisprudências abaixo.
Doc. LEGJUR 103.1674.7569.5000
TJRJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Violência doméstica. Família. União estável. Concubinato. Ação indenizatória por danos morais onde a autora alega que vivia em união estável com o réu quando, em 14/10/2005, num ato de violência, veio a ser brutalmente agredida pelo companheiro. Verba fixada em R$ 5.000,00. CF/88, art. 5º, V e X. CCB/2002, art. 186.
«Afirma que o réu lhe desferiu chutes e cabeçadas, causando-lhe sérios ferimentos. Compulsando atentamente os autos percebe-se que o réu já se viu envolvido em outro processo na esfera dos Juizados Especiais Criminais, circunstância que inclusive impediu nova proposta de acordo pelo Ministério Público. A violência doméstica é hoje tratada com maior rigor pela legislação, principalmente após a promulgação da Lei 11.340/2006,conhecida como Lei Maria da Penha. A verba indenizatória fixada pelo sentenciante monocrático foi corretamente dimensionada. Tal verba, por não ser demasiadamente módica, tem a finalidade de lembrar ao réu que ações impulsivas e impensadas podem lhe render consequências financeiras desagradáveis.
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL RECORRIDO : A L S DOS S ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL EMENTA RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA DISPENSÁVEL. DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça – sob a influência dos princípios da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), da igualdade (CF, art. 5º, I) e da vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos e das liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), e em razão da determinação de que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (art. 226, § 8º) – tem avançado na maximização dos princípios e das regras do novo subsistema jurídico introduzido em nosso ordenamento com a Lei n. 11.340/2006, vencendo a timidez hermenêutica no reproche à violência doméstica e familiar contra a mulher, como deixam claro os verbetes sumulares n. 542, 588, 589 e 600. 2. Refutar, com veemência, a violência contra as mulheres implica defender sua liberdade (para amar, pensar, trabalhar, se expressar), criar mecanismos para seu fortalecimento, ampliar o raio de sua proteção jurídica e otimizar todos os instrumentos normativos que de algum modo compensem ou atenuem o sofrimento e os malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher. 3. A evolução legislativa ocorrida na última década em nosso sistema jurídico evidencia uma tendência, também verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e legitimação da vítima, p 4. Entre diversas outras inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008, nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior, contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano – o material e o moral –, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na denúncia ou na queixa. 5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando se cuida de danos morais experimentados pela mulher vítima de violência doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de que a fixação, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, independe de indicação de um valor líquido e certo pelo postulante da reparação de danos, podendo o quantum ser fixado minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo com seu prudente arbítrio. 6. No âmbito da reparação dos danos morais – visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza –, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único – o criminal – possa decidir sobre um montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada. 7. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao valor da mulher como pessoa. 8. Também justifica a não exigência de produção de prova dos danos morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos. 9. O que se há de exigir como prova, mediante o respeito ao devido processo penal, de que são expressão o contraditório e a ampla defesa, é a própria imputação criminosa – sob a regra, derivada da presunção de inocência, de que o onus probandi é integralmente do órgão de acusação –, porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados. 10. Recurso especial provido para restabelecer a indenização mínima fixada em favor pelo Juízo de primeiro grau, a título de danos morais à vítima da violência doméstica. TESE EXTRAÍDA DO RESP: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória.
Como observou-se acima nos dois processos citados, nos casos de violência doméstica, o agressor é responsabilizado pelo ato e dano, sendo sentenciado a indenizar as vítimas.
Considera-se importante destacar a tese do TSJ, publicada na Revista do Consultor Jurídico, em 05 de março de 2018, sob o título “Prova de dano moral é dispensável em caso de violência doméstica”, que defende que nos casos de violência contra a mulher ocorridos em contexto doméstico e familiar, é possível fixar valor mínimo de indenização por dano moral, quando houver pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que sem especificação do valor. Essa indenização pode ser fixada pelo juízo criminal e não depende de instrução probatória específica sobre a ocorrência do dano moral, pois se trata de dano presumido.
A tese foi estabelecida pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ao julgar recursos especiais repetitivos (Tema 983), que discutiam a possibilidade da reparação de natureza cível por meio de sentença condenatória nos casos de violência doméstica. A decisão, tomada de forma unânime, passa agora a orientar os tribunais de todo o país no julgamento de casos semelhantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após as pesquisas, verificou-se que a violência doméstica contra a mulher é uma problemática que se arrasta há muitos séculos e que precisa ser erradicada em nossa sociedade, tendo em vista que a mesma evoluiu e, nesse processo evolutivo, o sexo feminino conquistou vários direitos perante a legislação.
É evidente a importância da pesquisa acadêmica no campo da responsabilidade civil, com vistas a destacar a necessidade de responsabilizar o agressor, seja na área penal como na civil, para que o mesmo entenda que a violência doméstica contra a mulher acarretará também prejuízos financeiros.
A lei nº 11.340/06 é uma conquista importante, mas o índice de violência contra a mulher continua elevado. Portanto, responsabilizar o agressor pelos danos causados à vítima através de indenização é um meio de favorecer a diminuição de casos de agressões, porque, infelizmente, muitos só aprendem “sofrendo no bolso”. Em muitos casos, não tem medo da cadeia, já que a pena é branda, mas o desfalque no patrimônio financeiro pode surgir efeito satisfatório.
Como vimos, a solicitação da indenização precisa ser formalizada pelo Ministério Público ou pela vítima. Muitas mulheres não possuem o conhecimento, que podem ser indenizadas nos casos de violência doméstica e deixam de exigir a reparação do dano. Assim, é fundamental a produção de pesquisas nessa área de conhecimento do direito.
Por fim, entende-se que o agressor é o responsável pelo ato e dano, devendo realizar a reparação à vítima, mediante o pagamento de indenização. O valor da mesma é definido pelo Poder Judiciário, através da análise de cada caso.
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[1] Mestre em Psicologia (UFSC). Especialista em Saúde da Família(UFSC) e em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes (USP). Atualmente é professora de Psicologia Forense e Psicologia Social no curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo, psicóloga responsável pelo Núcleo de Atenção Psicopedagógica que compõe o Núcleo de Apoio ao Discente desta instituição. Psicóloga. Email: [email protected]
Acadêmica do Curso de Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAGALHAES, Hunandylla Fernandes. Lei Maria da Penha: responsabilidade civil do autor nos casos de violência contra a mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2019, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53004/lei-maria-da-penha-responsabilidade-civil-do-autor-nos-casos-de-violencia-contra-a-mulher. Acesso em: 23 dez 2024.
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