KARINE ALVES G. MOTA[1]
(Orientadora)
RESUMO: Hodiernamente o abandono afetivo paterno tornou-se fato comum, tal fato lesiona veementemente a criança, ocasionando abalos psicológicos e emocionais, o que pode influenciar de forma negativa em seu desenvolvimento e sua personalidade. O abandono afetivo, além de ser um ato irresponsável, fere ao princípio basilar de todos os direitos, o princípio da dignidade da pessoa humana. São deveres basilares do direito de família, os deveres de proteção, cuidado, educação, respeito, dentre outros. Objetiva-se no presente trabalho mostrar os direitos decorrentes do poder familiar, quais danos podem ser causados à criança e como isso pode acarretar danos em sua fase adulta, demonstrando como o Judiciário vem tratando os pedidos de indenização por abandono afetivo. Neste artigo científico, foi utilizado o método analítico descritivo, por meio da pesquisa bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Abandono afetivo; Dignidade Humana; Efeitos jurídicos.
ABSTRACT: Hence, parental affective abandonment has become a common fact. This fact strongly harms the child, causing psychological and emotional upsets, which can negatively influence his development and personality. The abandonment of affection, besides being an irresponsible act, hurts the basic principle of all rights, the principle of the dignity of the human person. The basic duties of family law, the duties of protection, care, education, respect, among others. The objective of the present study is to show the rights deriving from family power, what damages can be caused to the child and how this can cause damages in their adult phase, demonstrating how the Judiciary has been treating the requests for compensation for affective abandonment. In this scientific article, the descriptive analytical method was used, through bibliographic research.
KEYWORDS: Affective abandonment; Humandignity; Legal effects.
1. INTRODUÇÃO
Ainda não existe nenhuma legislação vigente que trate especificamente sobre o abandono afetivo (paterno), por isso torna-se precípuo a discussão acerca de um assunto que parece estar cada vez mais recorrente nas famílias atuais, pois, a discussão gera a reflexão por parte da sociedade, dos pais, do Legislativo e Judiciário, a quem cabe em último caso dizer o direito da criança ou adolescente que sofre com o abandono afetivo.
A luz da Dignidade da Pessoa Humana, princípio basilar de todo ordenamento jurídico pátrio buscou-se o embasamento necessário a fim de introduzir o presente tema. Tal princípio traz a ideia de respeito a todos os direitos do ser humano e ao ser humano em si, antes mesmo dele obter direitos, na concepção familiar. O Direito de Família trata a Dignidade Humana como valor jurídico digno de tutela e é nesse sentido, que a Constituição Federal Brasileira privilegia a afetividade como valor jurídico, devendo ser resguardado assim como os deveres de cuidado, proteção, educação, entre outros, importantes ao desenvolvimento de todo ser humano. Ainda que as normas não tratem o amor como um dever, a afetividade é uma responsabilidade moral dos pais em apoiar efetivamente seus filhos, que deve auxiliar e nortear o ordenamento jurídico em uma nova visão sobre a responsabilidade civil afetiva.
A problemática da atual pesquisa consiste em indagar se há pacificação da doutrina e jurisprudência sobre a caracterização de dano moral decorrente de abandono afetivo. Com base no julgamento do caso Alexandre Fortes, após o Superior Tribunal de Justiça se posicionar sobre a não caracterização de dano moral decorrente de abandono afetivo, a questão ora discutida é pacífica?
Com isso, a discussão acerca do abandono afetivo paterno tem por objetivo geral a análise sobre a importância do dever de afeto, apoio, cuidado e educação para com a criança e/ou adolescente e os direitos lesionados por esse abandono. Mais especificamente, evidenciar as consequências jurídicas que a criança abandonada afetivamente pode sofrer, evidenciar o posicionamento doutrinário sobre o tema e abordar o conflito jurisprudencial na caracterização do dano moral e a devida indenização.
Neste artigo científico, foi utilizado o método analítico descritivo, por meio da pesquisa bibliográfica afim de estabelecer um paralelo do que diz a doutrina e a jurisprudência sobre o tema, utilizando como base, essencialmente, a Constituição Federal, por ser a maior Lei em vigência no País, posicionamentos jurisprudenciais, artigos e matérias relacionadas ao tema, legislação atinente ao Direito de Família e artigos e matérias relacionadas ao tema.
Além dessa breve introdução ao tema, este artigo está organizado em mais três principais seções. Na primeira, intitulada de deveres decorrentes do poder familiar, foram expostos o atual conceito constitucional de família, a nova visão sistemática de família e os princípios que passam a reger os indivíduos integrantes de uma família, ambos igualmente importantes. Na segunda seção, denominada de os deveres para com o desenvolvimento dos filhos, foram evidenciados os específicos deveres de pais para com os filhos, desde os deveres físicos, como o da alimentação e cuidado, quanto os deveres voltados a um crescimento e amadurecimento saudável dessa criança, como o dever de afeto e de apoio, bem como evidenciar, como base na área psicológica, o que a falta de cumprimento desses deveres podem ocasionar na vida adulta dessa criança. Por fim, na terceira seção, nomeada como consequências jurídicas do abandono afetivo, tratou-se sobre a pacificação da doutrina no sentido de o abandono afetivo ser um ato ilícito e portanto, indenizável, contudo, não partindo do mesmo sentido a doutrina, que conflita desde os Tribunais Estaduais até nos Tribunais Superiores pelo tema.
1. DEVERES DECORRENTES DO PODER FAMILIAR
Rizzardo (2019) Inicialmente, antes de definir um conceito único de poder familiar, faz uma abordagem da concepção tradicional e da concepção atual do que seria o poder familiar. Delimitando a concepção Tradicional, definiu-a como sendo o poder conferido ao pai para dispor da vida e morte do seu filho e de todos os seus dependentes. Explicou ainda, como era um pátrio-poder, todos os princípios voltados para a relação paternal eram oriundos desse poder absoluto, uma vez que o Estado não podia limitar os poderes do pai perante sua família.
Na concepção atual, o aludido autor coloca o caráter público que foi agregado ao poder familiar. Segue o autor dizendo que o poder imperativo desaparece e o ônus é dado de forma igualitária aos pais, deixando de ser uma autoridade e passando a ser um encargo de ambos. Em outras palavras, o poder familiar passou a ser exercido pelos pais em favor do beneficiado e não em benefício próprio, pois passaram a ser sujeitos dotados de direitos e deveres com o advento do Código Civil de 1916. Ramos (2016) além de abordar as mesmas concepções, definiu o poder familiar:
Na atualidade, a concepção do poder familiar e? instrumental e democrá tica, funcionalizada para a promoção e desenvolvimento da personalidade do filho, visando a? sua educação e criação de forma participativa, com respeito a? sua individualidade e integridade biopsi?quica, e, sobretudo, pautada no afeto. Nessa moderna concepção, a responsabilidade parental sem o concomitante contato entre pais e filhos estaria esvaziada da sua principal função de promoção do desenvolvimento da personalidade do filho com amor, carinho e participação, pois e? pelo convívio que floresce o amor, que se trocam experiências, se fortalecem os vínculos parentais e se edifica a personalidade do filho. (RAMOS, 2016. pág. 43)
Com o advento desse caráter público na regulação do poder familiar, a Constituição Federal de 1988 trouxe um rol de Direitos das crianças e adolescentes, logo após a lei 8.069/90 e Código Civil de 2002, ambos, além de versarem sobre os deveres inerentes ao exercício do poder familiar, dispõe sobre a titularidade do poder familiar, quem pode exercê-lo, quais os casos em que há perda, suspensão ou extinção do poder familiar. Além de se revelar como um dever legal, suas principais características são a irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.
Na Constituição atual, os deveres estão expressos nos seguintes artigos: no art. 226, A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, no art. 227 que dispõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) e o art. 229, no qual os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
O estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que trata de toda a proteção voltadas aos menores de idade, elenca diversos deveres da família e da sociedade, entre outros, merecem destaque os seguintes artigos, no art. 3º, a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. No art. 4º, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Já no art. 5º, nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. E por fim, no art. 18-A, a criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
No mesmo entendimento, o Código Civil de 2002, além de dispor sobre a família como um todo, impõe a guarda dos direitos do nascituro, impondo aos pais o dever de alimento e saúde desde a sua concepção. Trata ainda da igualdade entre os pais e não menos importante, o dever de reconhecimento dos filhos, ainda que havidos fora do casamento. Quanto ao poder familiar, o Código Civil dispõe no art. 1.630 que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. No art. 1.631 dispõe-se que durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade, abarcando o parágrafo único que divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. Já no art. 1.632, A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.
Não menos importante é o art. 1.633, que dispõe: o filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar exclusivo da mãe; se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á tutor ao menor. Importantíssimos são os deveres trazidos pelo art. 1.634, Competindo a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I - dirigir-lhes a criação e a educação; II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Nesse ínterim, alguns doutrinadores definem alguns desses deveres, Dias (2006), por exemplo, descreve bem o dever de afeto:
O conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar os filhos sem omitir lhes o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar. [...] Assim, a convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas direito do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e reflexos no seu sadio desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida". (DIAS, 2006. p. 106).
Madaleno (2018) precisou o dever familiar de promover a dignidade humana e elencou seu nascedouro
A grande reviravolta surgida no Direito de Família com o advento da Constituição Federal foi a defesa intransigente dos componentes que formulam a inata estrutura humana, passando a prevalecer o respeito à personalização do homem e de sua família, preocupado o Estado Democrático de Direito com a defesa de cada um dos cidadãos. E a família passou a servir como espaço e instrumento de proteção à dignidade da pessoa, de tal sorte que todas as esparsas disposições pertinentes ao Direito de Família devem ser focadas sob a luz do Direito Constitucional. (MADALENO, 2018. p. 48)
No mesmo entendimento, o autor supra mencionado expôs o dever de cuidado e proteção e como esse dever nasceu
A proteção especial da criança tem sua semente na Declaração dos Direitos da Criança proclamada em 1959, quando expôs no seu segundo princípio, gozar o infante desta proteção especial, devendo ser-lhe dadas oportunidades e facilidades legais e outros meios para o seu desenvolvimento psíquico, mental, espiritual e social em um ambiente saudável e normal, e em condições de liberdade e dignidade, e reafirmado no artigo 3° da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, que todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão preferencialmente em conta o interesse superior da criança. Inquestionável que a falta de maturidade física e intelectual da criança a coloca em situação especial de integral proteção na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana ainda em fase de desenvolvimento e, estando a criança e o adolescente nesta condição especial de maior vulnerabilidade é natural que seja destinatária de um regime especial de salvaguardas, cujas garantias são necessárias para a construção de sua integral potencialidade como pessoa. Dotados de direitos especiais, têm as crianças e adolescentes, por sua exposição e fragilidade, prioridade em sua proteção, como fato natural dessa etapa de suas vidas, quer fiquem expostas por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, ou por abuso dos pais ou responsáveis. (MADALENO, 2018. p. 48)
Dada as premissas Constitucionais, legais e estatutárias, a que está mais em questão atualmente, é o dever alimentar. Mesmo com todos esse arcabouço jurídico, foi editada em 2008 a lei de alimentos, visando esta, uma maior efetivação do dever alimentício bem como a responsabilidade civil em caso de descumprimento. Rizzardo (2019) balizou o conceito do dever alimentar
Concerne a obrigação alimentar à própria vida e à subsistência das pessoas. Daí afirmar Carlos Alberto Bittar, em lição sempre perene: “Relacionada ao direito à vida e no aspecto da subsistência, a obrigação alimentar é um dos principais efeitos que decorrem da relação de parentesco. Trata-se de dever, imposto por lei aos parentes, de auxiliar-se mutualmente em necessidades derivadas de contingências desfavoráveis da existência. Fundada na moral (ideia da solidariedade familiar) e oriunda da esquematização romana (no denominado officiumpietatis), a obrigação alimentar interliga parentes necessitados e capacitados na satisfação de exigências mínimas de subsistência digna, incluindo-se, em seu contexto, não só filhos, mas também pessoas outras do círculo familiar. Integra, portanto, as relações de parentesco em geral, incluída a de filiação, havida ou não de casamento, e tanto sob o aspecto natural, ou biológico, como civil (famílias natural e substitutiva, Lei nº 8.069/90, arts. 25 e segs. e 28 e segs). (RIZZARDO, 2019. Pág. 661).
Tratando do dever de prestar alimentos, Madaleno (2018) por outro lado, destaca uma diferença importante
Entretanto, ao contrário do dever alimentar, a obrigação alimentar não está vinculada ao poder familiar, mas unicamente à relação de parentesco, como estabelece o artigo 1.696 do Código Civil, ao ordenar ser o direito à prestação de alimentos recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes.
São características inerentes ao dever alimentício, entre outros, o direito personalíssimo do alimentando, a transmissibilidade da obrigação de prestar os alimentos aos herdeiros do devedor, a condicionalidade do dever em forma do binômio necessidade x possibilidade, imprescritibilidade do dever alimentar, irrepetibilidade dos valores pagos ou em duplicidade, impenhorabilidade dos valores devidos e irrenunciabilidade desse direito vital a dignidade humana.
2. OS DEVERES PARA COM O DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS
O conceito de família, ao longo dos anos, vem passando por várias mudanças significativas e importantes, partindo de uma ideia patriarcal e indo para um conceito voltado ao vínculo familiar formado pela afetividade. A família deve oferecer, além de abrigo, alimento e convivência coletiva, os ensinamentos morais e éticos que formarão a base do indivíduo para a vida adulta. Sampaio (2017) evidencia de forma brilhante que as lições aprendidas no seio familiar moldarão ainda a sua personalidade, sua forma de agir, suas crenças, seus sonhos, a forma de tratamento para com os demais membros da sociedade, mostrando a importância do papel do pai e da mãe, líderes do núcleo familiar, na construção do caráter de cada um. A função dos pais é de natureza fundamental, auxiliando no desenvolvimento biológico, psíquico e emocional de seus descendentes através do zelo, do cuidado, do afeto e de garantir que o novo indivíduo possua um ambiente favorável para o seu crescimento, promovendo sua subsistência, educação, saúde, moradia e proteção até que este seja capaz de promover sua individualidade e sobreviver sozinho.
Tais conceitos e interpretações se tornaram evidentes após a Constituição cidadã do Brasil, que já em 1988 trouxe em seu texto, o poder familiar, os deveres dos pais, da sociedade e da escola na preservação e desenvolvimento da família, tornando-se mais forte com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual foi desenvolvido para a proteção dos filhos menores e um importante instrumento no reconhecimento da vulnerabilidade desses autores.
Nas palavras da Psicóloga Padre (2009) o afeto é um princípio da autoestima, sendo a família, a responsável pela compensação afetiva e afirmação de identidade, afirmando
A falta de afeto dos pais pode gerar nos filhos quando maiores comportamentos de rebeldia e agressividade. Quando os pais demonstram afeto, isso influencia o desenvolvimento intelectual, considerado pelos componentes cognitivo e afetivo, que define a auto-estima e motiva a pessoa a aprender. (PADRE, 2009)
A importância do afeto é evidenciada ainda por Sampaio (2017) ao explanar que a privação de carinho e cuidado paterno, diante do menor em desenvolvimento, prejudica a criação de sua personalidade bem como traz, transtornos psicológicos irreparáveis, dentre eles a depressão, fobias, ansiedade generalizada, pouca expressividade, entre outras. Esses desequilíbrios traumáticos são danos psíquicos causados pela consequência da negligência de um responsável familiar perante o menor.
O dever de cuidado é importante, destacando Waldow (2006), porque cuidar de uma pessoa em sentido maior é ajudá-la a crescer e se realizar. Não se resumindo a um sentimento isolado ou relacionamento temporário, nem mesmo um cuidar de alguém, eventualmente, o cuidado envolve desenvolvimento e crescimento em confiança mútua, provocando uma profunda e qualificativa transformação no relacionamento. É ajudar o outro crescer e se realizar. Para a autora, o cuidado, além de ser um elemento essencial no acolhimento da criança, deve estar presente nas influencias ambientais, sociais e culturais dos acolhidos. No mesmo sentido, Gillian (2006), concluiu que o dever de cuidado se manifesta de forma ética, definindo como ética do cuidado a ação concentrada mais no caráter do indivíduo do que no seu comportamento, ou seja, para a autora o cuidado é importante pois se demonstra como um traço de caráter de alguém que se importa e se preocupa com suas relações.
Em pesquisa realizada por Alves, Alencar e Ortega (2012), foram estudadas crianças de 6 e 9 anos com o objetivo de investigar a influência do amor em suas relações. Como resultado da pesquisa, a partir dessa relevância dos relacionamentos pais e filhos, de ações com amor e ações de amor para com outrem, observou-se que nós refletimos sobre a influência da família e da escola na estimulação dessas vivências e com isso, incentivamos práticas mais virtuosas. Puderam verificar ainda, como resultado, que as crianças consideram importantes, especialmente, no amor por determinada pessoa, as ações com amor e ações de amor para com as outras pessoas.
A principal justificativa para a escolha do exemplo de amor mais importante foi devido à consequência positiva para si próprio que o exemplo proporcionaria. Tal pesquisa se mostra relevante pois a criança que se sente amada consegue se relacionar melhor com o si mesmo e com o outro, não se sentindo abandonado afetivamente, em outras palavras, quando os pais ajudam os filhos na busca da solução dos problemas, do respeito ao outro, na identificação da responsabilização dos seus atos, no aprendizado com o fracasso e da comemoração com a vitória, respeitando a opinião do filho, desde pequeno, faz com que ele cresça se sentindo amado e completo afetivamente.
Em conformidade com o expresso no art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Sousa (2012) afirma que é sábia essa norma por pensar que os pais são os principais educadores de seus filhos e isso se dá porque existe uma relação natural entre paternidade e educação. Disciplinando que a paternidade consiste em transmitir a vida a um novo ser, definiu a educação como uma ajuda a cada filho a crescer como pessoa, o que implica em proporcionar-lhes meios para adquirir e desenvolver as virtudes, tais como a sinceridade, a generosidade, a obediência, honestidade, lealdade, amizade, bondade, solidariedade, dentre muitas outras. Para a supramencionada autora
Dentro da família, os pais são os maiores responsáveis pelos seus filhos e sempre respondem por seus herdeiros, pelo menos até atingirem a maioridade. Todavia, no período anterior à maioridade, os filhos já passam por diversas experiências e responsabilidades, principalmente no período escolar. Neste período, a participação constante dos pais e o acompanhamento intensivo do ensino de seu filho são imprescindíveis para que a educação atinja os objetivos. A família e a escola têm um papel muito importante no desenvolvimento mental, psicomotor, social e afetivo do ser humano. Se a criança recebe uma boa educação obviamente será bem sucedida e vai servir de apoio à sua criatividade e ao seu comportamento produtivo quando adulto, nesse contexto a família é a influência mais poderosa para o desenvolvimento da personalidade e do caráter do cidadão.(SOUSA, 2012. p.11)
Já em relação a ótica jurídica, Madaleno (2018) aborda a dignidade da pessoa humana como um dever a ser assegurado pelo Estado na forma dos Direitos Fundamentais. Por ser tal princípio fundante da República, é um objetivo do Estado a construção uma sociedade livre, justa e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, elucidando que a família passou a servir como espaço e instrumento de proteção à dignidade da pessoa, de tal sorte que todas as esparsas disposições pertinentes ao Direito de Família devem ser focadas sob a luz do Direito Constitucional.
O direito de Família, segundo a doutrina majoritária, tem a sua estrutura de base no princípio absoluto da dignidade humana e com isso, promove uma ligação com todas as outras normas, como por exemplo, os direitos humanos e os direitos da criança e do adolescente, configurando-se com um único sistema que objetiva assegurar na comunhão plena de vida e não só dos cônjuges ou dos unidos de forma estável, que cada integrante da sociedade familiar seja tratado como individualmente importante. No atual ordenamento pátrio é natural que as crianças e adolescente sejam destinatárias de um regime especial de salvaguardas, dada a sua incapacidade de viverem e se proverem sozinhos, pois as garantias são necessárias para a construção da integral proteção e cuidado como pessoa vulnerável que são. Para Madaleno (2018), a importância desses deveres e sua proteção no campo legal é de especial guarda pois
A vulnerabilidade dos infantes é decorrência natural da dependência que eles têm dos adultos, pois podem ser pacientes das mais variadas formas de agressão, assim como vítimas de uma violência corporal ou sexual, ou de abandono físico, psicológico, afetivo ou material. Qualquer ofensa à integridade física ou psíquica do infante converte a sua vida em um emaranhado de consequências devastadoras. Por isso que ao menor abalo à sua integridade física, psicológica ou financeira, a ameaça precisa ser pronta e prioritariamente neutralizada, e essa proteção depende da atividade dos adultos e de seus responsáveis diretos, pais, tutores e representantes, para que os menores cresçam sem temores, sem percalços e conquistem no devido tempo seus próprios mecanismos de defesa e de sobrevivência, e desse modo possam gerar paulatinamente a sua independência, em conformidade com os seus níveis de autodeterminação, que vão mudando de acordo com o avanço de sua idade, e assim desenvolver sua personalidade, adquirir confiança, autoestima, e se colocar a salvo das sequelas causadas pela insensibilidade dos adultos. (MADALENO,2018. p. 56)
Todas essas condutas voltadas à proteção da criança refletem o princípio da solidariedade familiar, que nas palavras de Maria Berenice Dias (2006. p. 56), pode ser traduzido como um dever de socorro espiritual e de assistência material, atribuindo primeiramente à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado, e assim sucede por ser a família o núcleo primeiro de proteção, não devendo a sociedade se esquivar dessa obrigação e tampouco o Estado, mesmo porque vale lembrar ser a família a base da sociedade, merecendo a proteção do Estado. Seria impensável pudessem os cidadãos em formação ser relegados ao abandono e jogados à própria sorte, não permeasse como direito fundamental o princípio da solidariedade.
3. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DECORRENTES DO ABANDONO AFETIVO FAMILIAR
Tendo em vista que o primeiro contato, com o mundo externo da criança, são os pais, esses são os maiores responsáveis por todo o cuidado, alimentação e proteção do menor até que ele tenha condições de viver confortavelmente sozinho. Quando todos os deveres decorrentes do poder familiar não são cumpridos há, tanto um prejuízo psicológico e ético para o menor, quanto um prejuízo legal, no qual responderão os pais pelos danos causados aos filhos. No Brasil não há uma legislação específica sobre a indenização voltada a ruptura do âmbito familiar, mas que também não há uma proibição, destacando Venosa (2018) que o dano moral decorrente de uma falta positiva dos pais na vida dos filhos é evidente, mas que a indenização nunca restabelecerá o tempo ou o amor perdido, concluindo assim, pela dificuldade em se definir um quantum indenizatório reparador dada as relações familiares complexas.
A primeira ação de indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo no Brasil ficou conhecida como o caso Alexandre Fortes, no qual o pai de Alexandre foi condenado, pela Justiça Mineira, a pagar 200 salários mínimos ao filho por não ter lhe dado carinho, apoio moral e atenção, ainda que feitas inúmeras tentativas de reaproximação por parte do filho. O Superior Tribunal de Justiça à época, no julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 757.411 - MG (2005/0085464-3), reformou a sentença por entender que não se deve obrigar os pais a amarem os seus filhos. Entretanto, posteriormente, o Tribunal Superior se posicionou de forma que amar é faculdade, contudo o cuidar é dever, em conformidade com o art. 1.634 do Código Civil e art. 229 da Carta Magna. Atualmente, o próprio Superior Tribunal de Justiça tem entendimento discordante quanto a possiblidade de indenização nos casos de abandono afetivo.
Conforme o REsp 1087561 / RS, julgado pela 4º turma em 13/06/2017, o Ministro Raul Araújo relatou que o descumprimento da obrigação pelo pai, que, apesar de dispor de recursos, deixa de prestar assistência material ao filho, não proporcionando a este condições dignas de sobrevivência e causando danos à sua integridade física, moral, intelectual e psicológica, configura ilícito civil, nos termos do art. 186 do Código Civil de 2002, sendo assim, estabelecida a correlação entre a omissão voluntária e injustificada do pai quanto ao amparo material e os danos morais ao filho dali decorrentes, é possível a condenação ao pagamento de reparação por danos morais, com fulcro também no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. De outra forma, no julgamento do REsp 1579021 / RS, julgado também pela 4º turma em 19/10/2017, a Ministra Maria Isabel Gallotti relatou que o dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade, não configura dano moral indenizável. Contudo é assente no Superior Tribunal de Justiça que, não é possível falar em abandono afetivo antes do reconhecimento da paternidade e se esta for conhecida desde sempre, o prazo prescricional da pretensão reparatória de abandono afetivo começa afluir a partir da maioridade do autor.
Nos julgamentos dos Tribunais estaduais, Tartuce (2018, p. 909-914) de igual modo, traz e evidencia que há conflito nesses casos, como no Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação 0006195-03.2014.8.26.0360, julgada em 2016 pela Relatora Des. J. B. Paula Lima, a qual relatou que há necessidade de prova da efetiva conduta omissiva do pai em relação à filha, do abalo psicológico e do nexo de causalidade para a caracterização do dano moral, não sendo suficiente a alegação genérica não amparada em elementos de prova. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível 1.0647.15.013215-5/001 e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível 0048476-69.2017.8.21.7000, ambas julgada em 2017, houve indeferimento do pedido de dano moral por não haver nenhuma possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do CC, que pressupõe prática de ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como dano passível de reparação e a pretensão de indenização pelos danos sofridos em razão da ausência do pai não procede, haja vista que para a configuração do dano moral faz-se necessário prática de ato ilícito, devendo haver beligerância entre os genitores, respectivamente.
De outro modo, Tartuce (2018) se posiciona alegando que não deve haver divergência alguma na caracterização do ato ilícito por abandono afetivo, dado que o desrespeito ao dever de convivência é muito claro, pois o Código Civil impõe como atributos do poder familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. Segue o autor dizendo que o art. 229 da Constituição Federal é cristalino ao estabelecer que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, sendo assim, violado esse dever e sendo causado o dano, estar-se-á configurado o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o art. 186 do Código Civil em vigor.
Foram aprovados enunciados pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, que dispõe sobre o abandono afetivo, como o Enunciado 08, que dispõe: “O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado” e o Enunciado 10, dispondo que: “É cabível o reconhecimento do abandono afetivo em relação aos ascendentes idosos”. Com isso, tratou-se tanto da indenização por abandono afetivo, quanto o abandono afetivo chamado de “inverso”, em que os pais, devido ao abandono dos filhos, devem ser indenizados.
Posto isso, é visível que o abandono afetivo gera dano moral indenizável, por se tratar de um dano que repercute até o fim da vida de alguém. Ainda que haja um conflito de requisitos necessários a configuração de um dever indenizatório por parte dos genitores ou de um genitor, um ser humano que não foi provido emocionalmente, que não obteve a sua dignidade humana e os ensinamentos e experiências necessárias ao seu crescimento e amadurecimento, tem o direito de ser ressarcido por tal abandono. Não porque o dinheiro restaurará o afeto perdido ao longo do tempo, mas para que o causador do dano arque com seus atos negligentes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o contexto, o poder familiar, por ser um dever irrenunciável, inalienável e imprescritível, é um dever familiar que deve ser cumprido por quem a lei determina, ou seja, os pais e toda a família. Tais deveres são importantes porque determinam, entre outras coisas, um crescimento saudável físico e emocionalmente saudável, além de fortalecer a criança até que ela possa viver bem e independentemente sozinha.
Quando não há o devido cumprimento do dever de alimentar, cuidar e proteger aos filhos, os efeitos são desastrosos, primeiramente porque na falta de afetividade, as crianças crescem vulneráveis e não sentem crença em si próprias, segundamente, porque resulta em sentimentos de abandono e desprezo que impactam por toda a sua vida.
O campo doutrinário é pacifico sobre a violação moral que ocorre nos casos de abandono afetivo, entretanto, a jurisprudência têm conflitado sobre os requisitos necessários para que seja caracterizado esse dano, em outras palavras, se esse dano é presumido ou não. Com base na psicologia, após uma análise dos danos, são emitidos laudos que atestam o grau de dano emocional de alguém, devendo seguir nesse sentido, os que entendem não haver dano, devendo esses Tribunais decidir de forma técnica.
Por ser tão importante a proteção e salvaguarda dos direitos inerentes a criança e ao adolescentes, pessoas em formação psicossocial, o Estado tutela e pune quem não cumpre os deveres inerentes ao poder familiar, punindo por exemplo, o abandono afetivo familiar, indenizando a vítima pelo seu dano moral e em alguns casos, a perda de uma chance de convivência. É importante ressaltar que jamais será reparado um sentimento de abandono ou de falta de afeto com o valor indenizatório, contudo, a reparação imposta serve para demonstrar que o cuidado e o afeto aos filhos não são opcionais, são uma obrigação legal e Constitucional.
5. REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Dayelle Fonseca. O comum e habitual abandono afetivo paterno: os conflitos jurisprudenciais na caracterização do dano moral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53058/o-comum-e-habitual-abandono-afetivo-paterno-os-conflitos-jurisprudenciais-na-caracterizacao-do-dano-moral. Acesso em: 23 dez 2024.
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