ÊNIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO[1]
RESUMO :O presente trabalho versa sobre as políticas públicas que auxiliam a ressocialização dos jovens infratores, fazendo uma análise a partir da vulnerabilidade dos mesmo, neste trabalho foi possível compreender a importância das políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores a partir de dados oficiais e materiais já existentes, buscando atribuir significados para explicação da dinâmica das relações sociais e institucionais nesse contexto, Em um primeiro momento, faz-se um resgate histórico da evolução dos direitos e garantias das crianças e dos adolescentes, que passaram de meros objetos a sujeitos de direitos e obrigações, Em seguida, é realizada a análise do sistema socioeducativo brasileiro. Por fim, analisa-se a efetividade das políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores a partir do conceito de vulnerabilidade. Os resultados encontrados demonstram a inefetividade das políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores, o que provoca impacto direto na situação de vulnerabilidade destes indivíduos. Os resultados encontrados indicam que as políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes estão falhando significadamente.
PALAVRAS-CHAVE: Medidas Socioeducativas. Políticas Públicas. Vulnerabilidade.
ABSTRACT: The present paper deals with the public politics that underpin the resocialization of young offenders, making an analysis based on their vulnerability, in this paper it was possible to understand the importance of public policies for the resocialization of juvenile offenders from official and material data already in order to explain the dynamics of social and institutional relations in this context. At the outset, there is a historical rescue of the evolution of the rights and guarantees of children and adolescents, who have gone from mere objects to subjects of rights and After that, the analysis of the Brazilian socio-educational system is carried out. Finally, the effectiveness of public politics for the resocialization of juvenile offenders is analyzed based on the concept of vulnerability. The results show the ineffectiveness of public policies for the resocialization of juvenile offenders, which has a direct impact on the vulnerability of these individuals. The results indicate that public policies aimed at children and adolescents are failing significantly.
KEYWORDS: Measure Educational. Public Politics. Vulnerability.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho estuda as políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores, analisando a sua efetividade e a sua influência na sociedade, a partir da análise do conceito de vulnerabilidade, com vistas a discutir o papel do Estado no processo de ressocialização do adolescente infrator e sua devida reinserção social.
Políticas públicas são a soma das ações dos governos, que agem diretamente ou por meio de delegações, produzindo efeitos que influenciam as vidas dos cidadãos. O Estado assumiu, na Constituição Federal de 1988, a responsabilidade de proporcionar as condições básicas para efetivação de uma qualidade de vida digna aos seus cidadãos, por meio da implantação de políticas públicas. Logo, nota-se que o Estado possui grande responsabilidade na organização e formação da sociedade.
Dessa forma, quais seriam as influências e os riscos que a ausência ou a execução inadequada das políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores podem gerar para o agravamento dos fatores criminológicos, influindo na culpabilidade do desviante e impedindo sua adequada reinserção social?
Analisa-se a efetividade das políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores previstas pelo ordenamento jurídico brasileiro e identificar a parcela de responsabilidade do Estado no que se refere à dificuldade de reinserção social do adolescente infrator, a partir do conceito de vulnerabilidade.
Visando alcançar os objetivos propostos para este estudo, este trabalho vai se estruturar em três partes: na primeira é apresentado o percurso histórico dos direitos da criança e do adolescente no Brasil a, indicará, em cada uma delas, a evolução das doutrinas e dos dispositivos legais que trataram destes indivíduos; na sequência, o marco conceitual de vulnerabilidade, as instituições e políticas que visam a proteção integral das crianças e dos adolescentes, e a situação do sistema socioeducativo; e no terceiro momento, a efetividade das políticas públicas aplicadas para a ressocialização dos adolescentes infratores, apontando as suas consequências e a sua relação com a situação de vulnerabilidade destes indivíduos, juntamente com uma pesquisa documental para verificar a reincidência destes jovens, se de fato a ausência de políticas públicas influenciam no desvio de conduta.
Os direitos das crianças e dos adolescentes sofreram significativas transformações ao longo do tempo até chegarmos à política de proteção integral atual, que tem como base a Lei nº 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Nele estão previstos os tratamentos especiais, a fim de assegurar o seu desenvolvimento saudável e seguro.
Até alcançar este tratamento especial, a legislação brasileira passou por um longo processo de desenvolvimento, foram adotadas práticas perversas contra os menores, principalmente aqueles marginalizados pela sociedade.
Essa evolução é resultado de uma penosa caminhada de lutas, este percurso até atingir o modelo atual, pode ser dividido em três etapas, cada uma com suas características, sendo elas as etapas: Penal Indiferenciada, Tutelar e Garantista. Cada um destas com formas diferentes de lidar com o menor, sejam elas por não ponderarem as consequências que seus tratamentos causariam à sociedade, seja porque entendiam ser o correto à época vivida.
A etapa tutelar se deu após a criação do primeiro Tribunal de Menores nos Estados Unidos, em 1899, iniciou-se um grande movimento, em diversos países ao redor do mundo, para que estes também criassem seus Tribunais de Menores. Como resultado deste movimento, o Estado brasileiro criou seu primeiro Juizado de Menores em 1923, e, instituiu o seu primeiro Código de Menores em 1927 aonde Estado intervia internando diversas crianças e adolescentes de forma discricionária. Segundo Sposato (2006, p.43), essa etapa se pautava no princípio da situação irregular para implantar mecanismos de controle social, e os Códigos de Menores em 1927 e 1979, serviu de base para essa etapa.[1]
Conforme Sposato (2006) Esse Código implementou medidas específicas para menores de 18 anos. Fixou a inimputabilidade para menores de 14 anos, ou seja, estes não seriam submetidos a nenhuma espécie de processo penal. Por outro lado, incidia-se a responsabilidade penal sob os adolescentes entre 14 e 18 anos, quando reconhecidos como delinquentes, entretanto, eram submetidos a um processo especial. [2]
Nesse sentido, segundo Sposato, apesar da natureza conservadora do Código, há de se admitir que ele representou um avanço no processo da conquista de visibilidade das crianças e adolescentes, pois foram instituídas assistência e tutela jurídica do Estado. Importante ressaltar, ainda, que o Códigode Menores de 1927, em seu artigo 101, vedou o trabalho infantil, e que só seria permitido aos maiores de 14 anos de idade, desde que estes tivessem concluído o ensino primário. Esta vedação pode ser vista como um avanço nos direitos e proteção dos menores.[3]
O Código de Menores de 1979 foi instituído pela Lei nº 6.697 de 1979, em um período de preocupação com o encarceramento de crianças e adolescentes juntamente com adultos que praticaram diversos tipos de atos infracionais. De acordo com Sposato (2006), em consequência deste receio, pouco antes da criação do novo Código, em 1963, foram criadas instituições para o Recolhimento Provisório de Menores (RPM). Subsequentemente, em 1964, foi criada a Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), e, posteriormente as suas ramificações estaduais e municipais, Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (FEBEM).
Diferentemente do primeiro código, o segundo nascia com o objetivo de controle social. O primeiro tratava do menor abandonado e do menor delinquente, enquanto o outro vem tratar do menor em situação irregular, que pelo simples fato de ser exposto a algum tipo de vulnerabilidade, já poderia ser objeto de medidas judiciais.
A etapa Garantista teve [4] [MG5] [MG6] seu início após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e segue até os dias atuais. De acordo com Saraiva (2013), essa etapa substituiu antiga trouxe a criança e o adolescente para uma condição de sujeitos de direitos, titulares de direitos e obrigações próprios de sua singular condição de pessoa em desenvolvimento. Todo o sistema de garantias construído pelo ordenamento jurídico passa a ser estendido à criança e ao adolescente, inclusive quando é atribuída a prática de uma conduta infracional.
A partir dessa etapa, diversos dispositivos legais foram criados visando garantir os direitos das crianças e dos adolescentes, buscando sua proteção e bem-estar. Entre estes dispositivos, destacam-se, a própria Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e o Estatuto da Juventude, que estabeleceram a previsão de várias políticas públicas voltadas às crianças e aos adolescentes.
A Constituição Federal de 1988 veio como resultado do processo de redemocratização do Brasil, após o longo período vivido de ditadura militar (1964-1985). Os ares da redemocratização começaram a introduzir modificações significativas no ordenamento jurídico brasileiro. Declara-se a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações, promove as crianças e os adolescentes à bcondição de sujeitos de direitos, entre outros avanços sociais.
No que tange os direitos da criança e do adolescente, a Constituição traz, em seu texto, dispositivos importantes para que seja possibilitada a instituição da política de proteção integral do adolescente, em face da situação irregular. Podemos destacar os artigos 203, 204, 227 e 228.
O artigo 203 garante o amparo às crianças e adolescentes carentes através da assistência social, independentemente de contribuição à seguridade social. Complementarmente, o artigo 204 determina que essa assistência deverá seguir duas diretrizes fundamentais: a descentralização político-administrativa, e a participação popular mediante organizações representativas.
Por sua vez, o artigo 227, de maneira geral, institui diversas garantias visando a proteção integral e o bem-estar dos adolescentes, e, torna o Estado, a família e a sociedade em entes solidariamente responsáveis por assegurar-lhes, entre outros, o direito à vida, à saúde e à dignidade.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL[7] .,1988)
Por fim, o artigo 228 estabelece que os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, sendo, apenas, sujeitos às normas de legislação especial.
Nota-se que as políticas públicas voltadas aos adolescentes infratores receberam atenção especial após a Constituição Federal de 1988, proporcionando grandes mudanças e avanços de direitos para a proteção destes. Isto se deu pelo reconhecimento de que as políticas públicas possuem grande importância e geram grande impacto na sociedade, principalmente dos jovens, sendo essencial a implantação de medidas para sua proteção. (BRASIL. Constituição 1988)
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que revogou o Código de Menores, foi instituído pela Lei nº 8.069/90, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Este período foi marcado por importantes avanços de direitos sociais dos cidadãos, e não foi diferente em relação aos direitos das crianças e dos adolescentes.
De acordo com Saraiva (2013), o Eca se pauta no princípio de que todas as crianças e adolescentes usufruem aos mesmo direito e obrigações. A preocupação do Estado, a partir da Constituição e do ECA, não é mais de castigar, mas sim com a geração de condições eficazes que previnam o ato infracional e a reincidência, proporcionando a proteção do adolescente e da própria sociedade.
Em seu Título II, nos artigos 7º, 15 e 19 preveem, respectivamente, que a criança e o adolescente têm: direito a proteção à vida e à saúde, a partir da efetivação de políticas sociais públicas que possibilitem o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso; direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais; e, direito a ser criado e educado no seio familiar e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
O estatuto ainda dispõe de uma Parte Especial, onde são previstas às crianças e aos adolescentes, entre outras coisas: o acesso à justiça e às garantias processuais; medidas de proteção; medidas socioeducativas; e, a atuação de entidades de atendimento aos menores, como o Conselho Tutelar e o Ministério Público.
O Estatuto da Juventude foi instituído pela Lei nº 12.852, de 05 de agosto de 2013 que de acordo com seu artigo 1º, o Estatuto dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude. O instituto pode ser encarado como o mecanismo de proteção integral dos jovens.
O Estatuto ainda dispõe do SINAJUVE, que serve de instrumento para organizar o planejamento, a implementação e o acompanhamento das ações que constituem as políticas públicas de juventude. Atribuirá responsabilidades à Federação, aos Estados e aos Municípios para implementação de políticas públicas para a juventude, visando garantir maior efetividade das ações governamentais destinadas aos jovens.
Segundo o Portal da Juventude (2014), o Estatuto da Juventude vem detalhar as especificidades das garantias que precisam ser afirmadas para a juventude, dentro daquelas já previstas pela própria CF/88. Determina expressamente os direitos dos jovens que deverão ser garantidos pelo Estado.
Em outras palavras, o Estatuto da Juventude pode ser visto como mais um instituto que visa a proteção integral dos jovens, evidenciando ainda mais o sistema garantista do Estado brasileiro.
Partindo da análise do percurso histórico dos direitos da criança e do adolescente, pudemos observar que o Estado brasileiro, no sistema atual, busca criar e executar políticas públicas que visam a proteção integral destes indivíduos, evitando que eles se encontrem em situação de vulnerabilidade social.
Segundo Katzman (1999 apud MONTEIRO, 2011, p. 33) a vulnerabilidade é compreendida como o desajuste entre ativos e a estrutura de oportunidades, oriundos da habilidade dos atores sociais de aproveitar oportunidades nos demais contextos socioeconômicos e melhorar sua situação, impedindo a deterioração em três campos: os recursos pessoais, os recursos de direitos e os recursos em relações sociais.
Neste sentido, Katzman (1999 apud MONTEIRO, 2011) apresentam-se dois pressupostos necessários para a compreensão da vulnerabilidade social, são eles: o risco de ser ferido ou prejudicado diante à mudança ou prolongamento de situações indesejáveis; e a capacidade que os grupos sociais possuem para responder às mudanças e desafios que o meio social impõe. Deve ser compreendida através da relação constante entre o externo (contexto social) e o interno (características dos indivíduos ou comunidade).[9]
Estado que deve atuar de forma mais considerável, pois cabe a ele promover políticas sociais, como habitação, escolas e creches, e políticas econômicas, como créditos e mercado de trabalho. As oportunidades para ressocialização devem ser oferecidas tanto pelo estado, quando pelo mercado de trabalho e pela sociedade.
O Estado brasileiro, através do seu ordenamento jurídico, prevê políticas publicas às crianças e adolescentes de direitos e garantias, sejam elas infratoras ou não, no intuito de evitar que estes indivíduos se encontrem ou permaneçam em situação de vulnerabilidade social. A seguir, podemos identificar algumas destas políticas e instituições, que são importantes para o funcionamento do sistema socioeducativo.
A criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, já era prevista pelo artigo 88 do ECA, e acabou sendo instituído pela Lei nº 8.242/91.De acordo com o portal da Secretaria de Direitos Humanos (online), Este conselho é composto por 28 (vinte e oito) conselheiros titulares e outros 28 (vinte e oito) suplentes, eleitos a cada 2 (dois) anos. Destes, 14 (quatorze) são representantes indicados pelo Poder Executivo e 14 (quatorze) são representantes de entidades não-governamentais (sociedade civil) de atuação na defesa dos direitos das crianças e adolescentes.[10]
Através do portal da Secretaria dos Direitos Humanos é possível identificar as diversas pautas do CONANDA, entre elas podemos citar o combate à violência e à exploração sexual praticada contra crianças e adolescentes; a prevenção e a erradicação do trabalho infantil, além da proteção do adolescente trabalhador; a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes indígenas e quilombolas, além daqueles que possuem deficiência; a criação de parâmetros de funcionamento e ação para as diversas partes integrantes do Sistema de Garantia de Direitos; e, o acompanhamento de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional referentes aos direitos das crianças e dos adolescentes.
Segundo [11] o portalda Secretaria de Direitos Humanos (online), as principais, entre as várias competências do conselho são buscar a integração e a articulação dos conselhos estaduais, distrital e municipais e conselhos tutelares, além dos diversos conselhos setoriais, órgãos estaduais e municipais e entidades não-governamentais; acompanhar a remodelação institucional, propondo alterações nas estruturas públicas e privadas; apresentar subsídios e acompanhar a elaboração de legislação pertinente ao tema; promover a cooperação com organismos governamentais e não-governamentais; e, convocar, a cada 2 (dois) anos, a Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.[12]
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) é um conjunto ordenado de regras, medidas e critérios, que foi formulado com o objetivo de transformar como era executado as medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratique ato infracional, em uma ação integrada dos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, e dos três entes federados (União, Estados e Municípios), na garantia dos direitos e da dignidade dos jovens que cumprem essas medidas.
O SINASE foi instituído pela Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012 e regido também pela Resolução 119/2006, vindo para fortalecer o ECA, ao determinar diretrizes específicas para a execução das medidas socioeducativas aplicadas pelas instituições e pelos profissionais que atuam nesta área.
Este sistema estabelece, ainda, normas para padronizar os procedimentos jurídicos que envolvam menores de idade, abrangendo desde a apuração do ato infracional até a aplicação das medidas socioeducativas. Um dos instrumentos estabelecido pela Lei do SINASE foi o Plano Individual de Atendimento (PIA), que foi instituído por seu artigo 52:
Art. 52. O cumprimento das medidas socioeducativas, em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, dependerá de Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente.
Parágrafo único. O PIA deverá contemplar a participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o dever de contribuir com o processo ressocializador do adolescente, sendo esses passíveis de responsabilização administrativa, nos termos do art. 249 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), civil e criminal. [13]
Através do SINASE a responsabilização do adolescente infrator em consequência dos seus atos deve ser responsabilizado, estimulando a sua reparação quando possível; a inclusão social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais, mediante cumprimento do PIA, aonde determina que suas medidas de sejam as de meio aberto, semiliberdade ou com restrição de liberdade.
A implementação do SINASE teve como objetivo primordial o desenvolvimento de uma ação socioeducativa com caráter preventivo, baseadas nos princípios dos direitos humanos.
O Ministro[14] da corte suprema argentina, Eugenio Raul Zaffaroni, desenvolveu uma tese denominada Teoria da Culpabilidade por Vulnerabilidade, em que defende que a culpabilidade dos indivíduos em conflito com a Lei deve ser ponderada, também, pela sua situação de vulnerabilidade social. A culpabilidade pode ser definida como um dos elementos constitutivos do conceito analítico de crime.
Segundo Sposato (2006), é o aspecto que estabelece a conexão necessária entre a ação e o sujeito. Para que seja caracterizado o ato infracional, é necessário que sejam identificados os elementos que integram a culpabilidade, como a reprovabilidade da conduta e a consciência da ilicitude. É a partir da verificação da culpabilidade que se legitimará a aplicação de uma medida mais adequada ao caso concreto com base na análise da culpa daquele indivíduo.
A teoria da culpabilidade por vulnerabilidade, de Zaffaroni, defende que a redução da culpabilidade deve ser estabelecida para aqueles sujeitos que tem maior possibilidade de sofre punição no âmbito penal, pois se considera que o Estado contribuiu de alguma forma para esta prática.[15] Entende-se que o Estado possui deveres para com os cidadãos, entre elas, o de concretizar materialmente as garantias individuais constitucionalmente dispostas. Ao assumir governar uma sociedade, assume também a obrigação de prestar assistências aos seus cidadãos, tais como educação, saúde, lazer e segurança pública. Quando o Estado falha em assistir o indivíduo vulnerado, principalmente em escala educacional, este deverá ter sua pena reduzida, pois o descaso estatal privou-lhe de oportunidades.[16] (Zaffaroni, 2003)
É de se lembrar que a vulnerabilidade considera as diferenças de maneira abrangente, não só o pobre, como a criança vítima das diversas formas de violência, abandono, entre outros. Enfim, o destituído de proteção familiar e com orientação cultural distorcida, por isso a importância de se adequar a pena às condições pessoais do agente.
Segundo Zaffaroni (2003), a partir do status social e características pessoais do indivíduo, o sistema penal apresenta diferentes graus de periculosidade para este. O aprisionamento elevado de algumas minorias, como imigrantes, desempregados, habitantes de bairros marginais, homens jovens, entre outros, são todos dados verificáveis. A periculosidade do sistema penal se reparte baseado na vulnerabilidade das pessoas.
O estado de vulnerabilidade é um fato que se traduz com certo grau de probabilidade, que depende do status social do indivíduo, podendo ser perfeitamente identificado. Ressalte-se, entretanto, que esta análise não deve ser realizada apenas a partir da classe social, mas de toda uma situação envolvida. A partir dela, se constata o estado de vulnerabilidade do sujeito e o esforço que este impõe para alcançar a situação concreta em que foi atingido pelo poder punitivo, realizando, então, a tradução valorativa. Portanto, quanto maior for o grau de vulnerabilidade dos indivíduos, menor será o esforço para que este pratique um ato punível criminalmente.
[17] O Estado e a sociedade não podem ser responsabilizados pela escolha de vida das pessoas, até porque a mais absoluta prestação de qualidade no serviço estatal e o apoio familiar adequado, não são garantia de idoneidade e abstenção de delinquência do indivíduo. Entretanto, havendo a falha na prestação de seus deveres, o Estado poderá ponderar a aplicação da pena, reconhecendo e buscando compensar a vulnerabilidade que suas falhas resultaram.
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio de uma equipe multidisciplinar, realizou investigação social em 320 estabelecimentos de internação existentes no Brasil entre julho de 2010 e outubro de 2011, com a intenção de analisar as condições de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei nas estruturas de internação.
Buscou-se, a partir dessa investigação social, analisar a efetividade na garantia dos direitos dos adolescentes socialmente vulneráveis no Brasil, pois, entende-se que a realização de diagnósticos sobre a gestão e execução das medidas socioeducativas, pode possibilitar o desenvolvimento de políticas melhor orientadas de aprimoramento do sistema como um todo.
Segundo a pesquisa[18] , Panorama Nacional: A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação, os dados foram levantados por meio de preenchimento de questionários de múltipla escolha durante as visitas e entrevistas de 1.898 adolescentes internos, além da coleta de dados de 14.613 processos judiciais de execução de medidas socioeducativas de restrição de liberdade em tramitação nos 26 estados da Federação e no Distrito Federal. A partir destes dados, então, poderemos observar a efetividade das políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores, e dimensionar as suas consequências.
Em A Execução das Medidas Socioeducativas de Internação, analisou [19] o nível de escolaridade dos adolescentes entrevistados, e revelou que 8% deles não são sequer alfabetizados. Em que pese este dado parecer razoável, deve-se ressaltar que o ECA prevê que as entidades que desenvolvem os programas de internação têm o dever de promover a escolarização e a profissionalização dos adolescentes privados de liberdade. É de se notar, ainda, a disparidade entre as regiões. Enquanto o percentual de analfabetos no Nordeste [20] chega a incríveis 20%, as regiões sul e centro-oeste apresentam apenas 1%.
Foi constatado ainda, que independente da alfabetização, 57% dos jovens declaram que não frequentavam mais a escola antes de ingressarem no estabelecimento de internação. Estes dados apontam que o sistema educativo brasileiro não está sendo efetivo, está falhando em manter as crianças e os adolescentes na escola.
Além do nível de escolaridade, também se buscou saber a relação dos adolescentes internos com o uso de substâncias psicoativas. Dos jovens entrevistados, averiguou-se que aproximadamente 75% deles faziam uso de drogas ilícitas, destaques para a maconha, a cocaína e o crack, índice que chega até os 80,3% na região centro-oeste.[21]
O perfil dos adolescentes em conflito com a lei, revelado pela pesquisa realizada pelo CNJ, indica uma série de problemas que atingem estes indivíduos, como a defasagem escolar e a relação com as drogas. Fica nítido que as políticas públicas para proteção integral das crianças e dos adolescentes estão falhando, uma vez que os números apresentados demonstraram que os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de restrição de liberdade já se encontravam em situação de vulnerabilidade antes mesmo de serem internados.
No que se preze todas as garantias previstas pela CF/88 e pelo ECA, a situação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação não coincide com as garantias previstas.Visto que não havendo a devida efetividade das políticas públicas para os adolescentes antes deles entrarem no sistema socioeducativo, então não irão conseguir aplicá-las adequadamente durante a internação deles, sendo que a maioria dos estabelecimentos de internação encontra-se sobrecarregado.
O cenário revela um estado de violência em estabelecimento que violam os direitos dos adolescentes. Nos dados coletados pelo CNJ foram apresentados, também, os índices de reincidência entre os adolescentes entrevistados em cumprimento de medida de internação. Constatou-se que 43,3% deles já haviam sido internados ao menos uma outra vez. Todas as regiões apresentaram altos índices de reincidência, sendo o menor da região norte com 38,4.[22]
Na pesquisa,[23] cotejando a gravidade do primeiro ato infracional, praticado antes da primeira internação, e as subsequentes, verifica-se um aumento na gravidade das ocorrências e ainda uma maior letalidade nas infrações. Enquantoos atos infracionais praticados na primeira internação tiveram apenas 1% com resultado de morte, os da segunda internação resultaram morte em 23% deles.
Há um enorme abismo entre as perspectivas da Lei e a realidade social cotidiana vivida por crianças e adolescentes no Brasil. O cumprimento adequado das disposições da CF/88 e do ECA,[24] traria benefícios a toda a sociedade. O reconhecimento desta necessidade é unânime, mas fazer com que isso aconteça está sendo o grande desafio encontrado pelo Estado, família e sociedade.
A falha na integração destas políticas públicas compromete o sistema e a possibilidade de oferecer tratamento adequado aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Não basta estar na Lei, para a verdadeira realização das políticas é necessário que elas sejam oferecidas com qualidade, de outra maneira não passarão de meras intenções. O bom desempenho da ressocialização dos jovens infratores se dá através do oferecimento de todas as políticas públicas integradas e com qualidade.
Quando se trata de ressocialização, a observância das garantias legais deve ir além. A efetividade das medidas socioeducativas só será satisfatória se houver a adequada assistência dos adolescentes pelo órgão executor. O objetivo é possibilitar o desenvolvimento dos adolescentes de maneira que estes superem as condições sociais e pessoais que os levaram a entrar em conflito com a Lei. Portanto, é necessário investir na reconstrução da autoestima, da responsabilidade por ações cometidas, e na construção de caminhos de autonomia destes adolescentes, evidenciando a importância de cada um deles para a sociedade e estimulando a capacidade de cuidar de si mesmo e do ambiente onde se encontram.
Alcançar a qualificação dos agentes públicos e a integração do sistema poderia amenizar o viés[25] autoritário e centralizado que é notado no disciplinamento do interno. Além do mais há a constante necessidade de vigilância pelo Estado e toda a comunidade,bem como a intenção de acolhimento do adolescente infrator, evitando- se a transformação do adolescente de objeto de vigilância e para sujeito de direitos.
O percurso histórico dos direitos da criança e do adolescente revelou que estes indivíduos já foram vítimas de práticas perversas e impetuosas, especialmente aqueles marginalizados pela sociedade, com medidas de caráter essencialmente punitivo. Apenas após a promulgação da Constituição Federal de 1988 que foi adotado o princípio da proteção integral, reconhecendo as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, que necessitam de maior assistência do Estado e da sociedade, devido a sua condição peculiar de desenvolvimento que proporciona maiores riscos de desenvolverem comportamentos irregulares.
A vulnerabilidade, como situação de risco em que os indivíduos estar suscetível aos danos causados pela sociedade. Acredita-se que seu controle depende de uma estrutura de oportunidades e de bem-estar que o Estado, em conjunto com a sociedade, oferece aos indivíduos. A construção dessa estrutura está relacionada diretamente com a criação de políticas públicas e sua real efetividade.
Ao analisar a efetividade das políticas no Brasil, constatou-se que elas até existem na teoria, mas que não estão possuindo efetividade devido às falhas na estrutura, na qualificação dos agentes públicos e na atuação integrada do sistema. Esta última falha, talvez apareça como o maior problema, pois mesmo que algumas ações sejam desenvolvidas adequadamente, a falha de outras compromete todo o sistema.
Torna-se, então, um ciclo vicioso. O ciclo tem início com a inefetividade das políticas públicas, fazendo com que um maior número de adolescentes se encontre em situação de vulnerabilidade. Em razão desta vulnerabilidade e por falta de medidas adequadas, os adolescentes afetados se tornam mais propensos à práticas de delito.
Enfim, além do reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos e a previsão de garantias para sua proteção integral, é necessário que o Estado e a sociedade em geral reconheçam que isso não é tudo. Sem o desenvolvimento de políticas públicas efetivas, com reais responsabilidades dos agentes públicos, as garantias conquistadas pelas crianças e adolescentes não passarão de normas no papel.
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Especialista em Ciências Criminais e Pós Graduado em Direito e Processo Administrativo. Graduado em Direito e ainda em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo, todos os cursos na Universidade Federal do Tocantins. Professor titular de Direito Processual Penal na Faculdade Serra do Carmo, Delegado da Polícia Civil do Tocantins, escritor e organizador de obras jurídicas.
Graduanda do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CERQUEIRA, Marina Oliveira de Souza. Políticas públicas para a ressocialização dos adolescentes infratores analisando o conceito de vulnerabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53061/politicas-publicas-para-a-ressocializacao-dos-adolescentes-infratores-analisando-o-conceito-de-vulnerabilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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