RESUMO: O presente trabalho, através do método de pesquisa bibliográfico e documental, parte da problemática do modelo positivo-legalista no ensino jurídico brasileiro, bem como dos impactos de sua consolidação no sistema de justiça. Observa-se no meio acadêmico que o ensino do direito é restrito a memorização de códigos e leis autônomas, grades curriculares mais enxutas e métodos repetitivos e mecanizados – que não trazem quaisquer possibilidades de desenvolvimento de um pensamento crítico e do diálogo transformador e problematizador entre alunos e professores. É certo que a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) asseguram um ensino de qualidade, em que seja disseminado o conhecimento reflexivo e a aptidão do profissional para colaborar com o desenvolvimento da sociedade brasileira. Nesse sentido, sem esgotar o tema, este artigo tem por objetivo apontar as teorias de Paulo Freire e Luís Alberto Warat como alternativas ao modelo predominante, através da aplicação do método da educação dialógica para a propagação do saber de forma democrática e reforçando a capacidade crítica do futuro jurista, sua insubmissão e sua curiosidade, na quebra do paradigma da educação bancária.
Palavras-chave: Ensino Jurídico; Direito Crítico; Positivismo Jurídico; Paulo Freire; Educação dialógica
Abstract: The present work, through the method of bibliographic and documentary research, starts from the problematic of the positive-legalist model in Brazilian legal education, as well as the impacts of its consolidation in the justice system. It is observed in the academic environment that the teaching of law is restricted to the memorization of autonomous codes and laws, leaner curricular grids and repetitive and mechanized methods - that do not bring any possibilities for the development of critical thinking and transformative and problematizing dialogue among students and teachers. It is true that the Constitution of the Federative Republic of Brazil (CRFB) and the Law on the Guidelines and Bases of National Education (LDB) ensure quality education in which reflective knowledge and the professional's ability to collaborate in the development of Brazilian society. In this sense, without exhausting the theme, this article aims to point out the theories of Paulo Freire and Luís Alberto Warat as alternatives to the predominant model, through the application of the method of dialogical education for the propagation of knowledge in a democratic way and reinforcing the critical capacity of the future jurist, his insubmission and his curiosity, in breaking the paradigm of banking education.
Keywords: Legal Education; Critical Right; Legal Positivism; Paulo Freire; Dialogical education.
SUMÁRIO: 1.Introdução; 2. O ensino jurídico no Brasil e o atual modelo de difusão do conhecimento; 2.1 Histórico das faculdade de direito no país; 2.2 A faculdade de direito hoje e os fins que pretende atingir; 3. Princípio basilares do ensino jurídico brasileiro e suas consequências: a obediência ao modelo positivo-legalista e a produção do fato jurídico 3.2 A cultura positivo legalista na educação jurídica brasileira; 3.3 A produção do conhecimento como simulacro do mundo real: programa curricular e o currículo oculto; 4. A educação dialógica (Freire) e a prática jurídica transformadora (Warat) como alternativas ao modelo de educação bancária. 5. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Muitas são as discursões e debates acerca da temática educacional e sua veiculação, tendo em vista que pesquisadores de variadas áreas têm argumentado que a educação é o caminho mais viável para a efetivação de um crescimento econômico e da justiça social de uma maneira duradoura e democrática.
A educação básica, que aborda a educação infantil e os ensinos fundamental e médio, e a educação superior são de imprescindível importância para a qualificação de profissionais competentes para arcar com as demandas, resolver os problemas e sugerir alternativas dentro do atual contexto econômico e social que se insere o Brasil.
Neste trabalho, o ponto central será a educação superior, mais especificamente o curso de graduação em direito. Em relação ao direito, a relevância de uma educação de qualidade se baseia na atuação que o profissional dessa área exercerá, agindo no asseguramento de direitos, promoção da liberdade e igualdade, resolução de conflitos e implementação de valores relacionados à justiça.
Com a finalidade de provocar uma reflexão acerca do tema, o presente artigo encontra-se seccionado em dois momentos. Em um primeiro momento será feita uma análise crítica sobre o presente modelo de educação jurídica, sendo abordado a presença da ideologia Positiva-Legalista centrada na racionalidade tecno-formal. No segundo momento, serão debatidas outras vertentes do processo pedagógico, aludindo ao pensamento de Paulo Freire e Luis Alberto Warat.
A discussão sobre a educação jurídica se inicia com a ideia de que uma determinada sociedade com debilidade social e jurídica não deve se abster do profissional do direito e no seu potencial poder de agente transformador da sociedade, devendo combater o modelo de educação jurídica legalista, bancária e comum, presente nas instituições de ensino superior do Brasil.
2 O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL E O ATUAL MODELO DE DIFUSÃO DO CONHECIMENTO
Em 1988 a então vigente Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada, trazendo um rol diverso de direitos e garantias fundamentais, dentre eles, o direito a uma educação de qualidade, dispondo de forma geral:
“Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
Não obstante, em 1996 foi publicada a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, que veio com o papel de traçar normas específicas, além de direcionar os rumos dos ensinos básico, superior e profissionalizante. Acerca do ensino superior:
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
[...]
Com isso, se observa o distanciamento do ensino estritamente legalista e formal realizado dentro da sala de aula para o ensino multicultural previsto nos documentos legais referentes à educação.
2.1 Histórico das faculdades de direito no país
As faculdades de direito no Brasil surgiram em 1827 com a necessidade de criação de um ordenamento jurídico próprio, buscando a presença de intérpretes e legisladores pátrios, tentando desvencilhar-se da Universidade de Coimbra para a realização dos tais feitos. Além disso, após a independência, os estudantes de direito residentes em Coimbra passaram a ser hostilizados pelos portugueses.
As primeiras universidades buscaram principalmente a formação de intelectuais humanísticos, não meros “operadores” do direito. A educação visava fomentar a interdisciplinaridade entre as áreas da história, jornalismo, filosofia e etc. Entretanto, o ensino do direito naquela época era restrito a somente uma pequena parcela da sociedade – o ensino superior como um todo.
2.2 A faculdade de direito hoje e os fins que pretende atingir
É cediço que o direito, nos seus variados contextos históricos, reflete e sempre refletiu proposições, enunciados e interesses de grupos hegemônico, servindo para engrandecer o Liberalismo e para ratificar interesses capitalistas. Além disso, há uma maciça quantidade de aberturas de cursos de Direito, em virtude de seu baixo custo de implantação e suas promessas de um rápiduo acesso ao mercado de trabalho.
Quando questionados sobre os motivos pelos quais elegeram a carreira jurídica, a maioria dos estudantes de Direito respondem que foi por conta do vasto leque de opções a seguir, principalmente no ingresso em cargos públicos – que garantem um salário razoável e estabilidade.
Os concursos públicos, da forma como vêm sendo executados, também reforçam esse modelo positiva-legalista dentro das salas de aula, tendo em vista que não exigem do estudante um conhecimento criticista, analítico, político ou voltado para o contexto social, havendo unicamente uma cobrança de acúmulo de conhecimento e memorização de dispositivos legais, sem muito contato com a realidade social ou problemáticas globais.
Servindo então o ensino jurídico hoje, apenas para a manutenção do status quo social, a manutenção do interesse da elites, liberais e aplicação meramente profissionalizante.
3 PRINCÍPIOS BASILARES DO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO E SUAS CONSEQUENCIAS: A obediência ao modelo positivo-legalista e a produção do fato jurídico
Quando falamos em políticas e projetos nacionais para desenvolvimento da educação no Estado brasileiro, entende-se que o ensino básico e superior são de importância singular para a capacitação de futuros profissionais gabaritados para solução dos problemas de ordem social e econômica, visto que pesquisadores das mais variadas áreas e países concordam que a educação é o único meio da promoção de melhorias realmente duradouras.
Em se tratando do ensino do direto, esse papel assume maior relevância, já que os operadores/atores jurídicos desempenharão atividade central na garantia de direitos, solução de conflitos, combate à violência, promoção da liberdade e igualdade, dentre outros – o que corrobora com a necessidade de uma educação de qualidade.
No entanto, dentro Faculdades/Universidades jurídicas, o que se percebe é uma flagrante lacuna relacionada à base de conhecimento adquirida pelo aluno. É que, por muitas vezes, a fragilidade do ensino nos níveis anteriores (com pouca carga filosófica e sociológica), desconectado da realidade social, almejando apenas a conquista de uma vaga no nível superior, leva os professores a adotarem práticas ortodoxas de transmissão do conhecimento, o que tem consequências catastróficas na formação do novo jurista.
Além disso, a construção do campo educacional brasileiro surge com deficiências que perpassam as fronteiras nacionais, o que nos fez adotar, em especial, o modo de saber português, que estava pronto para ser implantado irrefletidamente – é dizer, sem adaptação ao ambiente brasileiro, singular por natureza.
3.1 A Cultura Positivo-legalista na Educação Jurídica Brasileira
Historicamente, o exercício do direito como regulador da vida social – numa clara visão classista – ficava a cargo de uma elite dominante que exercia tal papel julgando ou defendendo aqueles que por algum motivo tinham se envolvido em condutas socialmente reprováveis.
Assim, a cultura educacional do nosso país sempre teve como objetivo atender as necessidades da burguesia, atendo-se às demandas do mercado, em completa dissonância com a formação crítica e o âmbito histórico que, sublinhamos, é fundamental à formação. Essa tendência permanece desde a criação das primeiras faculdades de direito no Brasil (Olinda e São Paulo, em meados da década de 30 do século XIX), adotando-se o modelo positivo-tecnicista de ensino.
Partindo dessa premissa, tem-se que a educação em Direito deveria romper com a valoração da norma, atendo-se à noção de segurança e certeza como forma de previsibilidade das consequências jurídicas das condutas no mundo da vida. Nesta baila, o direito limita-se ao que é declarado pelo Poder Legislativo e pela reprodução da norma pelo Poder Judiciário, devendo então o intérprete do direito manter-se passivo.
O positivismo se opõe a suposições e especulações. No campo jurídico, o positivismo vai contra às explicações metafísicas do direito, associadas ou à divindade ou à razão, como àquelas apegadas a “juízos morais particulares”, vinculadas à justiça do caso concreto, que fariam o balanço entre os interesses sociais e particulares.
Nessa perspectiva, Norberto Bobbio acaba afirmando que todo o direito fica reduzido ao direito positivo. O direito acaba se resumindo a um sistema de normas e poderes proveniente de atos de vontade identificados socialmente, sem qualquer vinculação a uma ordem ou autoridade externa ou superior à manifestação de vontade da sociedade. O Direito natural é excluído da categoria de direito: o direito positivo é direito, o direito natural não é direito.
Tais interpretações adentraram nos currículos e salas de aula, forjando um determinado modelo de educação jurídica. Diante da repulsa ao jusnaturalismo; da interpretação criadora (e criativa); da confiança numa suposta certeza jurídica, capaz de promover segurança; da expulsão dos valores da ciência jurídica e o apego à lei, produzida pelo Estado, o conteúdo e a prática da educação jurídica recebem formatação específica.
3.2 A produção do conhecimento como simulacro do mundo real: programa curricular e o “currículo oculto”
Característica marcante da pedagogia nacional, a formação profissional (nomenclatura que, por si só, já indica muita coisa) do estudante é permeada pela influência do sistema econômico no desenvolvimento da mente do alunado no decorrer da Universidade – de modo que a própria grade curricular é permeada por disciplinas de cunho estritamente material (Direito Civil, Processual Civil, Empresarial), limitando a expertise em áreas da vida que são, em quase sua totalidade, incapazes de promover a mudança social que é tão aguardada pelas gerações anteriores e a parcela da população que sempre esteve às margens do poder econômico e político.
Somado ao aspecto visível da produção do conhecimento jurídico (materializado nessa grade curricular citada), existem também as práticas subliminares, sutis, observadas na maneira como normas e valores sociais são transmitidos no contexto das escolas, que socializam os discentes à aceitarem um conjunto de regras, crenças e disposições fundamentais para o funcionamento da sociedade mais ampla, num verdadeiro treinamento do futuro jurista para que sustente, no futuro, compromissos e habilidades exigidas pelo mercado. Essa tendência implícita, exterior ao próprio ensino mecânico, denomina-se de currículo oculto.
O modelo de educação positivo-tecnicista-legalista, para que seja aplicado com máxima eficácia pelo operador (e aqui, faz-se uso do caráter unicamente mecânico do sujeito, sem a análise crítica de seu conhecimento e de sua conduta, em contraste com o ator jurídico) quando de sua atuação em sociedade, deve procurar o alinhamento do conhecimento meramente legal com as práticas internalizadas no curso de Direito, de forma a concretizar as pautas de funcionamento da sociedade capitalista.
Luís Alberto Warat indica que este fenômeno é decorrente do "Senso Comum Teórico dos Juristas", entendido como um conglomerado de opiniões, crenças, ficções, fetiches, hábitos expressivos e estereótipos que governam e disciplinam anonimamente a produção da subjetividade dos operadores da lei e do saber do direito, compensando-os de suas carências, que influenciam tanto o processo decisório como o processo de ensino do Direito.
Nesta senda, o saber jurídico é envolto pela noção de hegemonia da classe dominante quando ela tenta colocar-se também como ideologia dominante: ou seja, o atual modelo de ensino jurídico propõe o conformismo, a obediência e o individualismo com o sistema de funcionamento político-econômico-social. Deste modo, é evidente a função legitimadora do ensino jurídico praticado no Brasil, afastado de qualquer compromisso com os reais problemas que historicamente assolam a população.
A partir desse raciocínio, é fácil observar a origem de decisões aberrantes, totalmente ausentes de contextualização com a realidade social – em virtude ou do conteúdo que é passado nas escolas de direito e do ideário acadêmico reprodutor do status quo, que aplica o direito patrimonial em detrimento dos direitos sociais, mantendo a posição hegemônica original de classe dos sujeitos que buscam o auxílio do Poder Judiciário.
O ensino piora de qualidade pela larga aplicação do positivismo jurídico e do senso comum teórico, que, instrumentalizados resultam em uma esterilidade reflexiva capaz de sufocar as possibilidades interpretativas. Este discurso dogmático, se propondo a ser neutro, disfarça satisfatoriamente o “fumus ideológico que, de forma inexorável está por detrás de cada interpretação da lei, de cada sentença, enfim, década discurso acerca do Direito” (STRECK, 2007, 69).
A compreensão mais abalizada de modo a quebrar esse paradigma seria a detida análise dos fatos para, somente em momento posterior, avaliar as políticas necessárias à efetivação de direitos, possibilitando que a atuação do profissional vincule-se à transformação social, estruturando soluções que abordem os graves problemas da vida comum.
Contudo, a principal questão é que o atual ensino jurídico, em seu presente formato e direcionamento, não prepara profissionais capazes de refletir essa questão, tornando-os ineficazes em atuar sobre ela. Consequentemente, temos um déficit de atuação nas áreas que conectam os temas Direito e políticas públicas, em suas várias dimensões, trazendo consigo uma falência na concretização eficaz dos direitos fundamentais, sobretudo os de caráter social.
Parte disso encontra alicerce nas novas preocupações expostas pela cátedra, direcionadas aos exames de avaliação de desempenho (ENADE) ou de integração nos quadros profissionais (OAB e Concursos Públicos), que, visando atingir melhores resultados nesse sistema à parte, promovem o ensino raso, técnico e com aplicação específica “do direito para as questões”. Existe assim o estudo não mais da ciência, mas dos métodos avaliativos, criando largo espaço para o direito “mastigado”, “resumido”, bizús e Cursos Preparatórios prontos para abarcar a demanda pelo cargo público, em detrimento da própria função social do jurista.
Exemplos relacionados à reintegrações de posse com uso extremo de violência, o uso da teoria do direito penal do inimigo, a mitigação do princípio da presunção de inocência (em especial no cumprimento de pena após condenação em segunda instância) e ausência de fundamentação das decisões são reflexos dessa (de)formação promovida nas Faculdades.
É esse comportamento que o Direito Crítico busca evitar, passando a usar teorias relacionadas à pedagogia (jurídica) para superação do cenário social vinculado à manutenção do status quo, valendo-se de práticas inovadoras como alternativas capazes de promover a transformação que deveria ser o foco do ator jurídico. Como expoentes, apontamos o modelo de educação dialógica de Paulo Freire e a prática jurídica transformadora de Luís Alberto Warat, como será visto a seguir.
4 A EDUCAÇÃO DIALÓGICA (FREIRE) E A PRÁTICA JURÍDICA TRANSFORMADORA (WARAT) COMO ALTERNATIVAS AO MODELO DE EDUCAÇÃO BANCÁRIA
O presente trabalho, como fora visto alhures, enfrentou a análise da ideologia positivista-legalista no ensino jurídico brasileiro, apontando algumas consequências conceituais e pragmáticas da sua doutrina. Tal acepção perpassa pelo que Paulo Freire (2001) entende por modelo de Educação Bancária, em detrimento do que é colocado pelo pedagogo como central no processo de aprendizagem: o diálogo.
Aproveitando as lições de Paulo Freire na obra Pedagogia do Oprimido, escrita em 1968, observa-se que a cultura educacional pautada na ação antidialógica é uma forma de colonização das mentalidades e subalternização dos saberes. Para tanto, faz-se necessária a conquista por parte dos dominadores e se funda na ação destes, que preferem manter a desunião dos oprimidos, os quais, divididos, ficam enfraquecidos e tornam-se facilmente dirigidos e manipulados.
No contexto do ensino jurídico no Brasil, percebe-se que, enquanto a prática bancária, implica numa espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade.
Essa metodologia, primordialmente expositiva, que entende os estudantes enquanto vasos receptores de conhecimento ao invés de sujeitos ativos de seu ensino. O diálogo, concebido como forma de alteração da educação bancária opressora, cria uma verdadeira educação dialógica, deve ser visto como capaz de formar indivíduos mais atuantes, conscientes, livres e, consequentemente, mais humanos – tornando o ser ator e sujeito do seu processo histórico. Evidentemente essa capacidade problematizadora do diálogo, não está incluída no método expositivo.
Segundo o entendimento freireano de que a inter-relação de sujeitos sociais engendra um potencial político-pedagógico de emersão de consciências, a relação dialógica entre professor e aluno propicia o desenvolvimento de uma consciência coletiva dos sujeitos jurídicos, além de possibilitar o crescimento de um sentimento coletivo forte para disputa de espaços no plano social.
No caso do direito, não é suficiente, ao contrário da prática universitária quase totalmente consolidada, o simples treinamento técnico do estudante; é necessário formar. E, no dizer de Freire, “formar é muito mais que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas” e “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 1996).
No mesmo sentir, a percepção do direito sob a lente positivo-legalista acabou por se constituir naquilo que já fora citado no capítulo anterior: o sentido comum teórico dos juristas, fruto da teoria de Luis Alberto Warat, constituído por determinadas práticas situadas na base de todos os discursos científicos jurídicos, interiorizando, ideologicamente, convenções linguísticas acerca do direito. Essa esterilidade jurídica encontra as academias através da dogmática, que, tal como uma escolástica do direito, reproduz a ausência de possibilidade de construção dos discursos alternativos ao ideário vigente.
Warat complementa ao indicar que o Senso Comum Teórico dos Juristas é que rege implicitamente a produção, circulação e consumo das verdades nas diferentes práticas do Direito. Este conceito indica a dimensão ideológica das "verdades jurídicas". Ao redor desse senso comum, obtém-se apenas o debate periférico, mediante a elaboração de respostas que não ultrapassam o a interpretação prefixada (técnica, dentro do sistema, amarrada e burocrática - positivo-legalista), levando ao empobrecimento do saber e da qualidade do direito produzido à sociedade, incapaz de resolver os problemas da vida – complexa por natureza.
Nessa toada, o ensino do direito não deve significar uma domesticação dos futuros juristas, mas, longe disso, deve ser uma prática libertária para aumentar as possibilidades de compreensão do jurídico.
Superando esse quadro, Warat explica que estudar direito deve ser sentir o direito. Na aula “busca-se a realização coletiva de um imaginário carnavalizado, onde todos possam despertar para o saber do acasalamento da política com o prazer, da subversão com a alegria, das verdades com a poesia e finalmente da democracia com a polifonia das significações”.
Ao professor cabe, portanto, provocar, inquietar, despertar o aluno para a curiosidade, a pesquisa, o aprendizado. Sendo assim, numa educação progressista como queria Freire, não está no professor uma suposta informação de que o estudante precise; está no professor o dispositivo que fará o estudante encontrar não só as informações, como, para além disso, a sabedoria, desde sempre crítica, da realidade associada ao direito.
Sendo assim, como afirma Warat, faz-se necessário um ensino jurídico que se reconheça como uma prática política dos direitos humanos (WARAT: 1997) por entender o papel do Direito enquanto instrumento capaz de agir na realidade político-social-econômica. Para tanto, aponta a articulação, e a modificação do próprio o espaço formal do Direito, partindo para uma criação transformadora, pois não há lógica construtiva no atual modelo de ensino burocrático. Propõe, no caso uma forma aberta em relação ao processo de aprendizagem, no que ele mesmo chama de “imaginação carnavalizada”, pois todos protagonizam a compreensão de seus vínculos com a vida, não havendo a separação entre a voz do professor e dos alunos – ou seja, para fora do método disciplinar e controlador gerenciado pelas relações de poder das amarras do sistema jurídico-capitalista.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fazendo reflexões acerca da educação jurídica brasileira, percebe-se que o mesmo abriga diversas características do positivismo-legalista: a rejeição do direito natural, a atuação exclusivamente declaratória do juiz e sobreposição da lei sobre as demais fontes do direito.
Do mesmo modo, foi possível fazer a crítica da educação jurídica baseando-se no paradigma acima mencionado, analisando práticas rotineiras nas salas de aula, que reduzem o estudante a mero objeto a ser treinado de acordo com os quesitos qualitativos dados pelo professor.
Depois, algumas práticas e conceitos foram debatidos a partir da pedagogia de autonomia e libertação presente da teoria freireana, tanto quanto o surrealismo transformador waratiano. O objetivo foi de projetar propostas para a educação jurídica no Brasil, débil pela pretensão do domínio do direito que se mostra restrito às normas e distante da realidade.
O modelo de educação jurídica que se almeja é aquela que forneça para o despertar da justiça social e a constatação das diferenças encontradas na realidade dos sujeitos. Entretanto, somente enquanto a relação de aprendizagem não se basear na simples transmissão de informações que visam ser disponibilizadas por uns e armazenadas por outros, é que se far-se-á possível a conversão de uma educação tecnicista e formadora de “operadores” numa educação de priorize a autonomia do indivíduo.
REFERÊNCIAS
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WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. São Paulo: Saraiva, 2006.
Graduanda do Curso de Direito pela Universidade Federal do Maranhão.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Maria Laura Pereira da. O ensino jurídico e o positivismo-legalista: a difusão do conhecimento jurídico no Brasil e superação da educação bancária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53072/o-ensino-juridico-e-o-positivismo-legalista-a-difusao-do-conhecimento-juridico-no-brasil-e-superacao-da-educacao-bancaria. Acesso em: 23 dez 2024.
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