Resumo: O presente trabalho busca explicar a nova modalidade de aquisição originaria de propriedade, denominada de usucapião familiar, trazendo as divergências doutrinarias, assim como os requisitos para obtenção da mesma e esclarecendo qual seria a competência judicial para tratar de tal assunto.
Palavras Chaves: usucapião, relação familiar, abandono de lar.
Resumen: El presente trabajo busca explicar la nueva modalidad de adquisición originaria de propiedad, denominada de usucapión familiar, trayendo las divergencias doctrinales, así como los requisitos para la obtención de la misma y aclarando cuál sería la competencia judicial para tratar de tal asunto.
Palabras Claves: usucapión, relación familiar, abandono de hogar.
Sumário: Introdução 1. Conceito de Usucapião 2. Espécies de Usucapião 2.1. Usucapião por Abandono de Lar 3. Divergência doutrinaria sobre a expressão “abandono de lar” 3.1. Requisitos para usucapião por abandono do lar 3.2. Competência Judiciaria 4. Conclusão 5. Referência 6.
1. Introdução
A usucapião familiar trata-se de usucapião entre ex-casais, ou seja, uma nova modalidade de aquisição de propriedade através da usucapião em face do ex-cônjuge que abandonou o lar por período superior a dois anos e que portanto não tem mais interesse no convívio familiar e tampouco coopera com a manutenção do imóvel.
Sendo assim trataremos de explicar superficialmente as modalidades de usucapião e logo após traremos as divergências doutrinarias sobre a usucapião por abandono de lar, além disso iremos analisar seus requisito e por último esclarecer qual é a competência judiciaria para tratar desse assunto.
2. Conceito Usucapião
A lei prevê que usucapião é a posse mansa e pacífica de um bem, em um período de tempo determinado, sendo que essa circunstância pode acarretar que a propriedade passe para o domínio de quem detém à propriedade, ou seja, a situação que era de fato passou a ser de direito, figurando assim a usucapião.
De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, “A usucapião é também chamada de prescrição aquisitiva (...) é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos” (GONÇALVES, 2012, p. 94).[1]
Portanto a usucapião é um modo de aquisição de propriedade que se dá pela posse prolongada da coisa, e outros requisitos legais, sendo também denominada de prescrição aquisitiva.
2.1 Espécies de Usucapião
O Código Civil Brasileiro de 2002, traz no seu Capitulo II Seção I as formas de Usucapião e os requisitos para obtê-lo.
A Usucapião do artigo 1238 do Código Civil, também chamado pela doutrina de Usucapião Extraordinário, tem como requisitos a posse ininterrupta de 15 anos, exercida de forma mansa e pacífica com ânimo de dono, que segundo o parágrafo único do mesmo artigo poderá ser reduzida para 10 anos nos casos em que o possuidor estabelecer no imóvel a sua moradia habitual ou nele tiver realizado obras e serviços de caráter produtivo.
Já o artigo 1239 traz a Usucapião Rural, que tem como requisitos a posse por 5 anos ininterruptos e sem oposição, de área rural não superior a cinquenta hectares, desde que não seja possuidor de qualquer outro imóvel, seja rural ou urbano e ainda apresenta como requisito o dever de tornar a terra produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia.
No artigo 1240 do Código Civil Brasileiro temos a chamada Usucapião Urbana, tendo como requisitos a posse sem oposição de área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados por 5 anos ininterruptos, utilizando-a como moradia sua ou de sua família, sendo vedada a posse de qualquer outro imóvel.
E por último o Código Civil Brasileiro de 2002 traz a chamada, pela doutrina, Usucapião Ordinária prevista no artigo 1242 que tem como requisitos a posse contínua, exercida de forma mansa e pacífica pelo prazo de 10 anos, o justo título e a boa-fé, reduzindo esse prazo pela metade no caso de o imóvel, "ter sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante em cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico", nos termos do artigo 1242, parágrafo único do CC.
Mas no ano de 2011 o Código Civil Brasileiro teve uma alteração significativa a qual tem gerado muitas dúvidas, revolta e um certo conforto para quem é beneficiário.
O artigo 1240 A foi incluído pela Lei nº 12.424, de 2011 que tem como requisito a posse direta, sem oposição por prazo ininterrupto de 2 anos sobre bem imóvel urbano de até 250 metros quadrados, cuja propriedade deva ter sido dividida com ex-cônjuge ou ex-companheiro e que o bem sirva de moradia para o solicitante ou sua família e desde que não possua outro bem imóvel urbano ou rural.
Portanto o novo artigo do Código Civil Brasileiro visa proteger o cônjuge, que mesmo após o divórcio, tenha permanecido no imóvel que pertencia ao casal, desde que essa posse seja por dois anos ininterruptos e sem oposição da outra parte.
3. Usucapião por Abandono de Lar
3.1 Divergência doutrinaria sobre a expressão “abandono de lar”
Desde a inclusão do artigo 1240 A do CC a divergência entre os doutrinados está no significado de “abandono de lar”, existindo assim duas correntes.
A primeira corrente é da Doutora Maria Berenice Dias, segunda a doutrinadora tal expressão, “abandono de lar”, estaria ressuscitando o artigo 1573, inciso IV do Código Civil que, ao tratar da separação judicial, diz que o abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo, poderia caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida.
O artigo 1573 do CC., restringia vários direitos, principalmente para quem era mais vulnerável, na época as mulheres, pois impedia que a pessoa se afastasse do lar já que poderia perder vários direitos inclusive sobre o imóvel.
Sendo assim, se o intuito da nova lei fosse a de se comparar ao antigo 1573 do CC teríamos aqui uma inconstitucionalidade já que a Emenda Constitucional 66/2010 deixa claro que não importa quem deu causa ao divórcio, pois o motivo da ruptura do vínculo não importa ao judiciário.
Já para a segunda corrente, a expressão “abandono de lar”, nada tem a ver com a já inaplicada expressão presente na separação judicial.
Ricardo Henrique Pereira, interpreta o abandono de lar da seguinte forma: “Colimando a pretensão social ao expurgo da culpa do direito de família e a mens legis voltada à Justiça Social, temos que o abandono de lar deve ser analisado sobre a vertente da função social da posse e não quanto à moralidade da culpa pela dissolução do vínculo conjugal. Ou seja, não é de se analisar se o abandono de fato caracterizou culpa, ou se, ao evadir-se, foi legítimo ou até mesmo urgente. Buscará apenas qual dos dois permaneceu dando destinação residencial ao imóvel e pronto, independente da legitimidade da posse e do abandono.”[2]
Sendo assim entende-se que a segunda corrente é mais correta, pois o abandono, pelo proprietário, do bem imóvel é requisito para usucapião, visto que a finalidade da usucapião é tutelar a segurança das relações que se prolongam no tempo, não sendo assim meio de sanção para àquele que perde a propriedade.
Diante disso, o abandono deve ser considerado como a inércia de se praticar os atos de proprietário, ou seja, não usar ou gozar do bem.
3.2 Requisitos para usucapião por abandono do lar
Como já mencionado, para que se tenha direito à usucapião por abandono de lar, é necessário que o indivíduo: 1- mantenha-se na posse direta do imóvel, 2- posse não inferior a dois anos, 3- sem qualquer tipo de interrupção, 4- imóvel urbano com no máximo 250m², (a lei não menciona imóvel rural), 5- direito exclusivo do ex-cônjuge ou ex-companheiro, (não há que se falar em direito de descendentes), 6- não possuir outro bem imóvel.
A inercia na reinvindicação do imóvel pelo ex-cônjuge, por período igual ou maior que dois anos, é um dos principais requisitos para o deferimento da usucapião, pois verificasse, nesse caso, a falta de interesse na manutenção do imóvel e até mesmo do convívio familiar.
Não há que se falar em inercia do ex-cônjuge caso este tenha proposto ação judicial ou até mesmo esteja promovendo a manutenção do imóvel ou tenha de qualquer forma reivindicado a posse, venda ou partilha do bem, devendo sempre haver a comprovação do seu interesse sobre o imóvel, através de testemunhas, notificação extrajudicial ou qualquer outro meio.
Em se verificando a falta de interesse do ex-cônjuge sobre o imóvel surge o direito a usucapião por abandono de lar. Tal instituto visa proteger quem permaneceu no imóvel e assumiu todas as despesas, além disso evita que a pessoa seja refém das vontades de quem abandonou o lar.
4. Competência Judiciaria
Tendo em vista que a usucapião por abandono de lar só pode ser aplicada diante do reconhecimento da relação familiar, entende-se que a competência para julgar tal ação é das varas de família.
Assim é o entendimento do doutrinador Cristiano Farias: “Trata-se, inclusive, de regra de competência absoluta, não admitindo prorrogação pelo interesse das partes e podendo ser conhecida de ofício pelo magistrado ou suscitada pelo Ministério Público, quanto participar do processo como custos juris (fiscal da ordem jurídica). Isso porque a causa de pedir da usucapião decorrente do abandono de lar é uma relação familiar, justificando a fixação da competência em razão da matéria.” (FARIAS, pg. 138, 2013)[3]
No mesmo sentido temos o entendimento da Juiza Maria Aglaé, Titular da 15ª Vara de Família da capital do Rio de Janeiro: “A solução mais indicada deverá ser aquela existente nas Varas de Família. É por isso que temos a especialização da justiça. O foco do juízo de família tem algumas peculiaridades diferentes do juízo cível. A partilha do imóvel comum, a doação da parte de um dos cônjuges ou de ambos para os filhos, o uso da totalidade do imóvel por determinado período até que os filhos cresçam, enfim, diversas são as soluções que sempre se apresentaram nas Varas de Família.”[4]
Além disso julgados recentes tem entendido que o mais adequado seria o julgamento da usucapião por abandono de lar nas varas de família:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE USUCAPIÃO POR ABANDONO DO LAR CONJUGAL. COMPETÊNCIA. A ação de usucapião com base em alegação de abandono do lar conjugal envolve ex-cônjuges. Nela debate-se abandono conjugal e existência de bem comum. Em face dessas circunstâncias, entende-se que a competência para processar e julgar tal demanda é do juízo especializado de família. Essa conclusão vale especialmente para o caso concreto, já que a ação de usucapião é conexa (por identidade de objetos) à outra ação declaratória de qualidade sucessória e de exclusão de bens da herança que tramita perante o juízo de família. JULGARAM PROCEDENTE O CONFLITO. (Conflito de Competência Nº 70063771927, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Pedro de Oliveira Eckert, Julgado em 23/04/2015).[5]
Sendo assim não resta dúvidas sobre a competência das varas de família para tratar da usucapião por abandono de lar, visto que por serem especializadas teriam mais eficiência em suas decisões.
5. Conclusão
Verificamos que a usucapião por abandono de lar traça requisitos bem específicos para sua concessão como; um lapso temporal razoável para que o cônjuge que saiu de casa possa reivindicar seus direitos, mas também garante que a usucapião é exclusivamente em benefício do cônjuge que permaneceu no imóvel.
Além disso, estabelece que o imóvel não pode ser superior a 250 metros quadrados e quem preiteia a usucapião não pode possuir outro bem imóvel, seja rural ou urbano, e mais, não permite uma segunda usucapião por abandono de lar, evitando assim o enriquecimento ilícito de quem propõe a ação.
Diante disso, firmamos aqui o entendimento de que a usucapião por abandono de lar é justa, visto que proporciona um prazo razoável para que aquele que abandonou o lar possa requerer o que lhe é de direito.
Proporcionando também que o cônjuge que permaneceu no imóvel possa ter o direito de dispor na integralidade do bem, sem ter que depender de uma assinatura ou até mesmo da vontade do outro.
Evitando assim as constantes lembranças das magoas que normalmente a separação acarreta, além de afastar tais emoções da relação jurídica, evitando assim um desgaste maior.
6. Referência
AMORIM, Ricardo Henriques Pereira. Primeiras Impressões Sobre a Usucapião Especial Urbana Familiar e suas Implicações no Direito de Família. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Usucapi%C3%A3o%20abandono%20do%20lar%2001_09_2011.pdf. Acesso em 22 de setembro de 2018.
DIAS, Maria Berenice. Usucapião e abandono do lar: a volta da culpa?. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/usucapi%E3o_e_abandono_do_lar.pdf. Acesso em 22 de setembro de 2018.
FARIAS, Cristiano Chaves. Escritos de Direito e Processo das Famílias – Novidades e Polêmicas, 2ª Série. Editora JusPODIVM, Bahia, 2013.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2012.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS - Conflito de Competência : CC 70063771927 RS. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/183960539/conflito-de-competencia-cc-70063771927-rs. Acesso em: 22 de setembro de 2018.
VILARDO. Maria Aglaé Tedesco. Usucapião especial e abandono de lar – usucapião entre ex-casal. Revista Brasileira de Direito de Família e Sucessões. IBDFam. VL 27, ano 2012. Disponível em: http://direitosdasfamilias.blogspot.com/2016/05/usucapiao-especial-e-abandono-de-lar.html. Acesso em 22 de setembro de 2018.
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 2012.
[2] AMORIM, Ricardo Henriques Pereira. Primeiras Impressões Sobre a Usucapião Especial Urbana Familiar e suas Implicações no Direito de Família. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Usucapi%C3%A3o%20abandono%20do%20lar%2001_09_2011.pdf.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves. Escritos de Direito e Processo das Famílias – Novidades e Polêmicas, 2ª Série. Editora JusPODIVM, Bahia, 2013.
[4] VILARDO. Maria Aglaé Tedesco. Usucapião especial e abandono de lar – usucapião entre ex-casal. Revista Brasileira de Direito de Família e Sucessões. IBDFam. VL 27, ano 2012. Disponível em: http://direitosdasfamilias.blogspot.com/2016/05/usucapiao-especial-e-abandono-de-lar.html. Acesso em 22 de setembro de 2018.
[5] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS - Conflito de Competência : CC 70063771927 RS. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/183960539/conflito-de-competencia-cc-70063771927-rs. Acesso em: 22 de setembro de 2018.
Advogada, Pós-Graduada em Direito Processual Penal pela Faculdade Fael e Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Mar del Plata Argentina.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SPAGNOL, Bruna. Usucapião por abandono de lar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53087/usucapiao-por-abandono-de-lar. Acesso em: 23 dez 2024.
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