Resumo: O presente artigo tem a intenção de demonstrar a legalidade da aplicação do instituto da audiência de custódia nos procedimentos criminais brasileiros, tendo em vista os pactos internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil e a Resolução n. 213/215 do CNJ.
Palavras chave: audiência de custódia; pactos internacionais; direitos humanos; Resolução n. 213/2015, CNJ.
Sumário: Introdução; 1. Previsão Legal. 2. Audiência de Custódia. 3. Resolução n. 213/2015 do CNJ. 4. Medidas Contrárias. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Alvo de críticas por grande parte da população e deputados que questionam a sua legalidade, a audiência de custódia está em prática no Brasil desde a expedição da Resolução n. 213, em 15 de dezembro de 2015 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A principal crítica é sobre a legitimidade do CNJ ao expedir tal recomendação, tendo em vista não ser composto por representantes da população, como os membros do legislativo.
O presente trabalho tem a intenção de demonstrar a legalidade na expedição da Resolução n. 213/2015 pelo CNJ, bem como a obrigatoriedade de aplicação pelos juízos criminais brasileiros.
1. PREVISÃO LEGAL
A audiência de custódia é prevista no art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (PIDCP), e no art. 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH – Pacto de São José da Costa Rica).
Em dezembro de 1991 o Congresso Brasileiro, por meio do Decreto Legislativo n. 226/1991, aprovou o PIDCP e depositou a Carta de Adesão na Secretaria Geral da ONU em janeiro de 1992. No mesmo ano, foi expedido o Decreto n. 592/1992, determinando sua execução.
A CADH foi aprovada pelo Congresso Brasileiro pelo Decreto Legislativo n. 27/1992. O Brasil depositou a carta de adesão em setembro de 1992 e, ainda em 1992 foi expedido pelo executivo o Decreto n. 678/1992, promulgando a CADH.
Desta forma, fica claro que além da assinatura dos Pactos, eles passaram pela aprovação do Congresso Nacional, que expediu os Decretos Legislativos n. 226/1991 e 27/1992. Posteriormente, tais Decretos foram promulgados, e passaram a ter força normativa no Brasil.
Sendo o Brasil signatário da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, está obrigado a cumprir todos os tratados internacionais que se comprometer, sem invocar qualquer direito interno para justificar seu descumprimento.
Corroborando com esse entendimento, o STF, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais n. 347, decidiu que todos os juízes devem realizar as audiências de custódia.
2. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
O texto do Código de Processo Penal (CPP) brasileiro prevê, em seu artigo 306, caput, que a prisão de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz, e em seu §1º, que o auto de prisão em flagrante será remetido ao juiz em até 24 (vinte e quatro) horas.
Não há previsão, no CPP, da apresentação física do preso à autoridade judicial.
O art. 9. 3, da CADH dispõe que qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida à presença do juiz ou outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais, sem demora, porém, não determina um prazo certo que considere razoável.
Por interpretação do art. 306, §1º, CPP, o entendimento é que a apresentação imediata do preso à autoridade judiciária deverá ocorrer no prazo máximo de 24 horas após o encaminhamento do auto de prisão em flagrante, que ocorre em 24 horas. Portanto, o prazo máximo para a apresentação do preso será de 48 horas.
A autoridade competente para realização da audiência de custódia é somente a judiciária, não existindo no ordenamento pátrio outra autoridade habilitada para exercer funções judiciais.
Caso não ocorra a apresentação do preso à autoridade judiciária no prazo de 48 horas a prisão será considerada ilegal, devendo haver a soltura da pessoa através do relaxamento da prisão.
Salientamos, contudo, que a medida é pré-processual, portanto, o relaxamento da prisão não causará qualquer nulidade ao processo.
A audiência de custódia é um eficaz instrumento para a concretização dos Direitos Humanos no Estado brasileiro. Era comum observar, antes de sua aplicação, que diversos presos provisórios só tinham contato físico com o juiz na Audiência de Instrução e Julgamento, o que podia levar meses, quiçá anos, após a prisão.
Essa demora para o contato físico entre preso e juiz levava a inúmeras prisões injustas, que auxiliavam demasiadamente para o estado de coisa inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro.
Ademais, o fato de o preso ter um contato visual com o juiz possibilita a responsabilidade do agente estatal que vier a cometer qualquer tipo de abuso físico no ato da prisão.
Da mesma forma, a audiência de custódia é capaz de evitar a ocorrência de desaparecimento forçado do preso. O precedente do Caso Velásquez Rodrigues vs Honduras, julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, considerou que a prisão de uma pessoa sem sua condução, sem demora, à presença da autoridade judicial consiste em privação arbitrária de liberdade e dificulta o controle da legalidade da prisão.
Portanto, pode-se dizer que, entre as finalidades da audiência de custódia, encontram-se a limitação de desaparecimentos forçados; evitar a ocorrência do crime de tortura; e proporcionar melhor avaliação pelo magistrado da efetiva ocorrência do flagrante.
Conforme dados veiculados pelo CNJ, no ano de 2017 foram realizadas 258.485 audiências de custódia no país. Dessas audiências, 115.497 pessoas foram soltas, dando um total de 44,68% de presos liberados após a realização da audiência. Isso demonstra a importância do instituto no nosso país.
Quando o magistrado entra em contato com o preso e com o fato ele possui mais informações para decidir e isso o proporciona chances para proferir melhores decisões.
3. RESOLUÇÃO N. 213/2015 DO CNJ
O Conselho Nacional de Justiça é previsto na Constituição Federal como órgão do Poder Judiciário (art. 92, I-A), e é composto por 15 membros, do Poder Judiciário, do Ministério Público, advogados e cidadãos. Exerce o controle da atuação administrativa e financeira do judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, dentre outras atribuições (art. 103-B, CF).
Diante do descumprimento do Poder Judiciário brasileiro frente aos pactos internacionais firmados, o CNJ expediu a Resolução n. 213/2015 para dar efetividade à audiência de custódia.
Apesar da regulamentação desse importante instituto ter ocorrido de maneira administrativa pelo CNJ, e não por lei aprovada pelo Poder Legislativo, sua força normativa é latente, visto que, conforme exposto, os pactos firmados pelo Estado brasileiro possuem natureza cogente.
Dessa forma, frente à inércia do Poder Legislativo de adaptar o Código de Processo Penal aos pactos firmados, o Conselho Nacional de Justiça acabou tendo que, mesmo tardiamente (23 anos depois do Decreto n. 592/1992), buscar uma solução para garantir a aplicabilidade do instituto no país.
A Resolução regulamentou o procedimento da audiência de custódia, determinando a forma de realização de seus atos. Dentre as medidas determinou que o preso tem direito de entrevista reservada com seu advogado, ou defensor público, sem a presença dos policiais.
Estarão presentes na audiência o representante do Ministério Público e o defensor do preso. O juiz procederá conforme o art. 8º da Resolução, fazendo a inquirição do preso e dando oportunidade para as partes fazerem reperguntas. Após, decidirá nos termos do art. 310, CPC.
Ressalta-se que a audiência de custódia deve ser realizada em todo tipo de prisão, seja cautelar ou definitiva.
4. MEDIDAS CONTRÁRIAS
De encontro a todo o exposto, foi apresentada pelo deputado Eduardo Bolsonaro proposta de projeto de lei para que seja anulada a Resolução n. 213/2015 do CNJ, a qual aguarda se incluída em pauta pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados.
A medida não há de ser eficaz, visto que, conforme já exposto, o comprometimento do Brasil em realizar as audiências de custódia já foi concretizado através dos pactos firmados. Portanto, a obrigatoriedade do instituto dispensa sua implantação pelo Poder Legislativo.
Por fim, é de se frisar que o Senado aprovou, em novembro de 2016, o Projeto de Lei do Senado n. 554 de 2011, que visa alterar o §1º, do art. 306 do CPP, para acrescentar a obrigatoriedade da apresentação do preso ao juiz em audiência de custódia. O projeto foi encaminhado para a Câmara e espera-se que, em breve, seja aprovado.
CONCLUSÃO
A audiência de custódia é instituto previsto em Pactos Internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil, ratificados pelo legislativo e promulgados pelo executivo. A partir do momento que o Brasil se compromete internacionalmente, o cumprimento dos pactos é obrigatório.
O Conselho Nacional de Justiça, visando dar efetividade aos pactos firmados expediu a Resolução n. 213/2015, regulamentando a forma de execução do instituto e o tornando obrigatório em todo território nacional.
Diante de todo o exposto, fica nítida a legalidade da aplicação da Resolução n. 213/2015 do CNJ, que regulamentou o procedimento da audiência de custódia.
REFERÊNCIAS
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Graduação em Direito - UNISUL. Pós Graduação em Direito Penal e Processual Penal - UNAR. Advogada e servidora pública estadual.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Camila Battanoli. Audiência de custódia - legalidade da aplicação no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2019, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53123/audiencia-de-custodia-legalidade-da-aplicacao-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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