Resumo: O presente estudo tem como preocupação central enfrentar a questão da existência de danos extrapatrimoniais ocasionados pela mora na entrega de unidades imobiliárias adquiridas na planta. A introdução expõe a problemática, cada vez mais comum no setor imobiliário brasileiro. Em seguida, expõe-se como o Superior Tribunal de Justiça tem-se posicionado a respeito do tema. Por fim, a conclusão permite que o leitor obtenha, de forma sintética, as orientações de ordem prática de que necessita.
PALAVRAS-CHAVE: Atraso na entrega de imóvel. Danos morais. Violação a Direitos de Personalidade. Jurisprudência. Superior Tribunal de Justiça.
O financiamento de imóvel na planta tem sido uma das opções mais comuns para as famílias brasileiras em busca da casa própria. Essa opção se popularizou porquanto, a despeito de contar com o ônus de ter de se aguardar a construção do imóvel, há o significativo bônus da oferta de preços consideravelmente mais baixos em relação aos imóveis prontos.
O referido contratempo da espera pelo recebimento do imóvel comprado na planta, não raras vezes, agrava-se pelo atraso na entrega da unidade imobiliária pela construtora.
Tal situação de demora tem dado origem a uma multiplicidade de ações judiciais buscando a responsabilidade civil do incorporador/construtor. Nessas demandas, para além do pedido de lucros cessantes pela impossibilidade de fruição do imóvel, tem sido comuns os pedidos de reparação por danos morais – sob alegação de violação ao direito fundamental à moradia e de frustração da expectativa legítima de melhorar a qualidade de vida com a mudança para a casa própria.
Essa demora do vendedor em entregar o imóvel ao consumidor adquirente nem sempre se dá em razão de pura desídia ou má gestão empresarial. É relativamente comum que o prazo de entrega não possa ser cumprido em razão de circunstâncias que, em que pese façam parte do risco assumido pelo empresário da construção civil, podem ser caracterizadas como “anômalas” – a exemplo da escassez de mão de obra ou de materiais, do excesso de chuvas previstas para o período, a necessidade de adaptar o projeto a alguma limitação urbanística ou ambiental, dentre outros.
Em razão dessas peculiaridades que caracterizam a atividade de construção civil, as construtoras passaram a prever, em seus contratos firmados com os adquirentes, um prazo de elastério, conhecido no meio imobiliário por “prazo de tolerância”. Trata-se da possibilidade de, diante de situações de anormalidade, postergar - por tempo limitado - a entrega do imóvel[1].
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento já consolidado no sentido de que a referida cláusula de tolerância, respeitado um limite temporal máximo de 180 (cento e oitenta) dias, pode ser validamente prevista nos contratos.
Confira-se o precedente abaixo, constante do Informativo nº 617 do STJ:
No contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção (“imóvel na planta”), além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, uma cláusula prevendo a possibilidade de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra por um prazo que varia entre 90 e 180 dias. Isso é chamado de “cláusula de tolerância.
Não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, desde que o prazo máximo de prorrogação seja de até 180 dias.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 (Info 612).
Se a construtora entregar o imóvel ao comprador dentro do prazo de tolerância, desde que este esteja expressamente previsto no contrato, não haverá qualquer dano material ou moral a indenizar.
Mas o que ocorre se a construtora ultrapassar o prazo de tolerância? Haverá necessidade de reparação de danos materiais? E de danos morais?
Descumprido o prazo para além do tempo de tolerância, não há dúvida de que a construtora em mora descumpriu o contrato e estará sujeita à responsabilidade civil.
A essa situação de responsabilidade por inadimplemento contratual aplicam-se, inclusive, as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, sempre que o adquirente estiver comprando o imóvel na planta como destinatário final, ou ainda quando, em que pese vá utilizá-lo em sua atividade produtiva ou empresarial, esteja caracterizada uma situação de vulnerabilidade técnica, econômica ou informacional, no cotejo da situação do comprador com a da construtora[2].
Tal responsabilidade civil, sem dúvida nenhuma, compreende os danos materiais. Mais especificamente: o atraso na entrega do imóvel compele a construtora a pagar ao comprador os lucros cessantes que o imóvel poderia ter rendido, a título de aluguel, caso houvesse sido entregue na data aprazada (computando-se a tolerância).
Os lucros cessantes presumidos em decorrência do atraso na entrega de imóvel fazem parte de entendimento há muito pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se precedente que bem ilustra a afirmação:
Esta Corte Superior já firmou entendimento de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes, havendo presunção de prejuízo do promitente-comprador.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1121461/AM. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão. Julgado em 24/04/2018.
Com relação aos danos morais, contudo, a situação é diversa. Não se pode falar em presunção de que são devidos (danos morais in re ipsa) pelo simples fato do atraso.
Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou, há muito, no sentido de que o mero descumprimento do contrato, por si só, não gera indenização por danos morais. Tal posicionamento também tem sido aplicado para o caso de descumprimento de contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta. Confira-se:
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o mero descumprimento contratual, caso em que a promitente vendedora deixa de entregar o imóvel no prazo contratual injustificadamente, não acarreta, por si só, danos morais.
(STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1684398/SP. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 20/03/2018).
Com isso não se quer dizer que a demora na entrega do imóvel jamais possa acarretar a responsabilidade da construtora por danos morais[3]. Apenas se assevera que o simples atraso, por si só, não é suficiente para tanto.
Há situações particulares nas quais se pode detectar uma anormal violação dos direitos da personalidade do adquirente, decorrente do atraso. As peculiaridades dessas situações concretas anormais devem ser provadas, caso a caso.
Veja-se a afirmação certeira do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a qual sintetiza a posição da Corte sobre o tema:
O simples inadimplemento contratual, consubstanciado no atraso na entrega do imóvel, não é capaz por si só de gerar dano moral indenizável, devendo haver, no caso concreto, consequências fáticas que repercutam na esfera de dignidade da vítima.
STJ. 3ª Turma. REsp 1654843/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/02/2018.
Dito isso, o leitor deve se perguntar: “bom, e quais seriam essas situações concretas em que a demora é capaz de abalar moralmente o adquirente?”.
Não se poderia, evidentemente, esgotar todas as possíveis situações da vida em que o atraso na entrega do imóvel geraria um abalo moral indenizável, dado que as situações do cotidiano são demasiadamente ricas e incalculáveis para serem previstas à exaustão.
Para se dar um norte concreto ao leitor, contudo, traz-se dois exemplos retirados da jurisprudência próprio STJ.
No primeiro desses exemplos, o atraso atingiu a monta intolerável de 3 (três) anos. Sendo assim, para além de mero atraso, o Tribunal entendeu que o prolongamento da privação do imóvel para moradia própria por três longos anos foi de tal maneira grave que atingiu os direitos de personalidade do comprador:
Conforme a jurisprudência pacífica do STJ, o atraso expressivo na entrega de empreendimento imobiliário - como no caso dos autos, 3 (três) anos - pode configurar dano ao patrimônio moral do contratante, circunstância que enseja a reparação.
STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1679556/SE. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Julgado em 10/04/2018.
No segundo exemplo, em que pese o atraso não tenha sido tão prolongado quanto no primeiro, a situação concreta de que os compradores, noivos, tiveram de adiar o casamento com data já marcada, ultrapassou o mero dissabor, configurando dano moral indenizável:
O fato de os recorridos terem adiado casamento - com data já marcada, e não apenas idealizada -, o que redundou na necessidade de impressão de novos convites, de escolha de novo local para a cerimônia, bem como de alteração de diversos contratos de prestação de serviços inerentes à cerimônia e à celebração, ultrapassa o simples descumprimento contratual, demonstrando fato que vai além do mero dissabor dos compradores, já que faz prevalecer os sentimentos de injustiça e de impotência diante da situação, assim como os de angústia e sofrimento.
A frustação com a empreitada mostra-se inegável, de modo que o evento não pode ser caracterizado como mero aborrecimento, evidenciando, de forma inegável, prejuízo de ordem moral aos recorridos.
(STJ. 3ª Turma. REsp 1662322/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em 10/10/2017).
O que se pode perceber, portanto é que a regra é a negativa de reparação por dano moral em razão de atrasos de pequena monta. Já para os casos de atrasos severamente prolongados, ou ainda situações muito peculiares em que se alia o atraso a um tratamento de menosprezo ao consumidor, ferindo-lhe os direitos de personalidade, aí sim o pedido indenizatório por danos extrapatrimoniais tem lugar.
3. CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi exposto, a síntese conclusiva que se retira do entendimento do Superior Tribunal de Justiça para os casos de atraso na entrega de obra é a seguinte, apresentada em tópicos:
a) Aceita-se o prazo de tolerância, desde que previsto expressamente no contrato e desde que não ultrapasse o limite razoável de 180 (cento e oitenta) dias;
b) O atraso na entrega para além do prazo de tolerância enseja a indenização por danos materiais, quais sejam: lucros cessantes, consubstanciados no aluguel que o imóvel poderia estar rendendo, e que são presumidos (dispensam prova).
c) Quanto aos danos morais, a regra geral é que não são devidos pelo simples atraso. Entretanto, caso esse atraso seja muito prolongado, ou então quando se prove uma situação concreta de excepcional gravidade, pode sim haver a condenação da construtora à reparação de danos de ordem extrapatrimonial.
Referências BIBLIOGRÁFICAS
PEREIRA. Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Atualizado por Gustavo Tepedino. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
TARTUCE, Flavio. Direito Civil: volume único. 8ª ed. São Paulo: Método, 2018.
FARIAS e ROSENVALD, Cristiano Chaves de e Nelson. Curso de direito civil. Obrigações. 11ªed. Salvador: Juspodium, 2017.
[1] PEREIRA. Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Atualizado por Gustavo Tepedino. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 252.
[2] Aplicação da teoria finalista mitigada (ou aprofundada) para a determinação do alcance do conceito jurídico de “consumidor” previsto no CDC. Precedentes no STJ: AgInt no REsp 1250347/RS; AgRg no AREsp 646.466/ES; AgRg no REsp 1321083/PR, dentre muitos outros.
[3] TARTUCE, Flavio. Direito Civil: volume único. 8ª ed. São Paulo: Método, 2018. p. 503.
Advogado. Graduado com Láurea pela UFRGS e Pós-Graduado em Processo Civil pela Rede LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AITA, Rodrigo Antola. O atraso na entrega de imóvel e o (des)cabimento de dano moral à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul 2019, 21:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53134/o-atraso-na-entrega-de-imovel-e-o-des-cabimento-de-dano-moral-a-luz-da-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 22 dez 2024.
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