RESUMO : Quando do ato de julgar o magistrado se vale de todo seu conhecimento jurídico e também de suas impressões pessoais que são fruto da experiência . Ao julgar subtende-se que todos os sentidos foram utilizados para colher a mais correta impressão sobre o caso. Contudo, a mineração de dados chega com força para a utilização de dados que outrora sequer eram analisados pelos Tribunais e por outro lado o juiz tem o dever de fundamentar suas decisões, cuja sensibilidade estética é inerente da atividade de julgar. Surge a questão se o tribunal do futuro, as tecnologias desenvolvidas retirarão dos julgadores a sensibilidade do ato de julgar.
PALAVRA CHAVE: Estética. Fundamentação das Decisões. Mineração de Dados
ABSTRACT: When judging the magistrate uses all his legal knowledge and also his personal impressions that are the result of experience. In judging it is subtended that all the senses were used to collect the most correct impression on the case. However, the data mining comes with force for the use of data that was not even analyzed by the Courts and on the other hand the judge has the duty to base its decisions, whose aesthetic sensibility is inherent in the activity of judging. The question arises whether the court of the future, the developed technologies will withdraw from the judges the sensitivity of the act of judging.
KEYWORD: Aesthetics. Justification of decisions . Data Mining
SUMÁRIO: Introdução 1. Origem e utilização do termo “Estética”; 2. Análise do artigo 489 do Código de Processo Civil e data mining; 3. Caso Prático – Ferramenta Radar; 4. Confronto com o parágrafo 1º do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil. 5. Considerações Finais
Introdução
1. Origem e utilização do termo “Estética”
Considerando o tema: “O uso das tecnologias e os impactos nos tribunais – A nova estética da decisão”, nos direciona, de início, a análise do termo estética que, “do grego aisthesis ou aestesis, [...] [que] significa a capacidade de sentir o mundo, compreendê-lo pelos sentidos, é o exercício das sensações” (ALMEIDA, 2015, p. 134), também conhecido como filosofia do belo. Na sua origem a palavra estética indica a teoria do conhecimento sensível (estesiologia), conforme Duarte (2001 p.13) que afirma ser: “capacidade do ser humano de sentir a si próprio e ao mundo num todo integrado”.
Partindo da premissa que o ato judicial de julgar é um ato realizado pelo ser humano, Hillman (1993, p.17) leciona que aisthesis significa na origem: “inspirar ou conduzir o mundo para dentro. A aisthesis trata da relação com o mundo.”, o que para o direito faz todo sentido quando o magistrado analisa um caso, porque realmente conduz o mundo para dentro de si, externando ao final seu posicionamento.
Calamandrei in “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, às fls.359, lecionou nesse sentido:
“Justiça não quer dizer insensibilidade, que o juiz, para ser justo, nem por isso deve ser impiedoso. Justiça quer dizer compreensão, mas o caminho mais direto para compreender os homens é aproximar-se deles com o sentimento” (g.n).
Segundo Bayer (1978, p.180) Alexander Baumgartem foi o primeiro a criar uma doutrina de beleza, separando o belo e criando uma ciência para a estética. De modo que essa expressão “estética” foi introduzida no vocabulário filosófico em 1750, com esse viés de ciência a fundar a estética com o fito de estudar o belo.
Assim nada mais sugestivo para o tema a expressão “estética” porque a estesiologia se dedicada à ciência da sensibilidade e dos sentidos e nossos julgadores, o trabalho dos juízes, perpassa por uma constante sensibilidade dos elementos de prova e das declarações das partes envolvidas.
Merece gizar que o tema estética foi tratado com Sócrates, Kant, Platão, dentre outros, o que não é objetivo desse artigo analisar o pensamentos destes pensadores, mas sim, ter trazido a informação de que outros já se debruçaram sobre o tema.
Segundo Kirchof, Baumgarten não define a estética como a ciência da arte ou do belo e sim como a ciência do conhecimento sensível (KIRCHOF, 2003, p. 21). Essa sensibilidade, o conhecimento do sensível, pode ser identificada no momento da sentença judicial, onde Piero Calamandrei in “Eles, os juízes, vistos por um advogado”, trata da clareza da sentença judicial: dizer o direito a partir dos fatos. (Folhas 171) e ele continua:
“A fundamentação das sentenças é certamente uma grande garantia de justiça, quando consegue reproduzir exatamente, como num esboço topográfico, o itinerário lógico que o juiz percorreu para chegar à sua conclusão. Nesse caso, se a conclusão estiver errada, poder-se-á descobrir facilmente, através da fundamentação, em que etapa do seu caminho o juiz perdeu o rumo”. (folhas 175). (g.n.)
Esse esboço topográfico, esse itinerário, é fruto da sensibilidade (estética) inerente da nobre atividade de julgar, de modo que surge a seguinte questão: O uso das tecnologias retirarão dos julgadores a sensibilidade do ato de julgar?
2. Análise do artigo 489 do Código de Processo Civil e data mining
Preliminarmente, necessário fazermos uma leitura do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil, o qual elenca os elementos essenciais de uma sentença:
“I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a sua do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem.” (g.n.)
Podemos constatar que o Novo Código de Processo Civil, não trouxe qualquer inovação quanto aos elementos de uma sentença, visto que mantidos o relatório, os fundamentos e o dispositivo.
Por outro lado, insta verificarmos no contexto do tema desse artigo, se o uso das tecnologias retirarão dos juízes a sensibilidade de julgar, se o que consta no parágrafo 1º do artigo 489, pode sofrer ingerência das novas experiências tecnológicas, experiências estas identificadas como avanços para o tribunal do futuro, in verbis:
“§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.” (g.n.)
Algumas considerações sobre os incisos acima merecem destaque, porquanto surge a preocupação se o data mining é capaz de cumprir para com as exigências legais acima expostas e tornar o judiciário mais eficiente, sem alterarmos a estética, a sensibilidade das decisões que é uma questão puramente humana.
A definição de Data Mining encontramos em Usama Fayyad (Fayyad et al. 1996):
"...o processo não - trivial de identificar, em dados, padrões válidos, novos, potencialmente úteis e ultimamente compreensíveis" (g.n.)
É sabido que o data mining é apenas um dos passos dados no processo de mineração de dados (KDD –knowledge Discovery in Databases) e visa descobrir conexões escondidas e prever tendências futuras de uma longa história, onde, por exemplo, já é possível prever índices de sucesso no ganho de causas, partindo da recorrência dos temas levados aos tribunais.
E também não podemos deixar de gizar que a base da mineração de dados compreende três disciplinas científicas entrelaçadas que existem há tempos: estatística (o estudo numérico das relações entre dados), inteligência artificial (inteligência exibida por softwares e/ou máquinas, que se assemelha à humana) e machine learning (algoritmos que podem aprender com dados para realizar previsões).
Assim, a tecnologia de mineração de dados continua evoluindo para acompanhar o potencial ilimitado do big data, porquanto os Tribunais estão acumulando um grande volume de dados, tanto estruturados como não estruturados, e o Tribunal do Futuro se volta à organização destes dados, onde não é importante a quantidade de dados, mas o que será feito com estes dados, para que por meio desta estruturação, ocorram insights que levarão a melhores ações e decisões.
O que corrobora a definição, em Hand et al. ,que: "Mineração de Dados é a análise de grandes conjuntos de dados a fim de encontrar relacionamentos inesperados e de resumir os dados de uma forma que eles sejam tanto úteis quanto compreensíveis ao dono dos dados". (g.n.)
3. Caso Prático – Ferramenta Radar
A utilidade e a compreensão dos dados, bem como, o encontro de relacionamentos inesperados (insights) se resumem de forma prática, na sessão inédita da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que julgou, com apenas um click no computador, um total de 280 processos, conforme acesso ao site do TJMG.
Em menos de um segundo, todos os processos foram julgados, tendo a sessão sido presidida pela desembargadora Ângela Rodrigues, que acionou a plataforma digital que continha os votos dos integrantes da Câmara e o 1º vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Afrânio Vilela, afirmou:
“Belo Horizonte foi palco de uma das sessões mais importante do Poder Judiciário de todos os tempos. Trata-se de um grande salto em direção ao futuro” (g.n.)
Segundo consta, esse julgamento somente foi concluído, de forma célere, devido à ferramenta Radar, que identificou e separou recursos com idênticos pedidos, o que corrobora com o que falamos acima, sobre a necessidade de saber o que fazer com a quantidade de dados, os quais foram estruturados e com estes dados, os relatores elaboram o voto padrão a partir de teses fixadas pelos Tribunais Superiores e pelo próprio Tribunal de Justiça mineiro.
Para o presidente do TJMG, desembargador Nelson Missias de Morais, os avanços na tecnologia de informação, fazem parte do planejamento estratégico do Tribunal e são prioridade da atual gestão, com o objetivo de tornar os julgamentos mais céleres, beneficiando o cidadão:
“Até meados do próximo ano, todos os processos em Minas já estarão tramitando por meio eletrônico, tornando mais ágeis as decisões e proporcionando enorme economia de recursos para o Tribunal” (g.n.).
Conforme pesquisado, o desenvolvimento se deu pela utilização da tecnologia da informação e vertentes da inteligência artificial, onde foi possível criar a ferramenta Radar, que identifica e separa recursos com pedidos similares.
Os temas destes processos trataram da legitimidade do Ministério Público para pleitear remédios e tratamento para beneficiários individualizados (Súmula 766 do STJ) e efeitos jurídicos do contrato temporário firmado em desconformidade com o art. 37, IX, da Constituição Federal (Súmula 916 do STF).
É de muita relevância conhecer qual tema de processo que foi utilizado pelo Radar, porquanto não estamos falando em processos em fase de conhecimento, análise de provas, testemunhos, depoimentos pessoais das partes, ou seja, trata-se de feitos já julgados em primeira instância, havendo um posicionamento solidificado pelo Tribunal e Tribunais Superiores sobre os referidos temas.
Ainda, conforme informado no site, merece destaque que a ferramenta separa os recursos, é montado um padrão de voto que contempla matéria já decidida pelos Tribunais Superiores, ou pelo Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), processo que trata de um assunto abordado em inúmeros outros processos. Assim, depois que o incidente é julgado, a mesma decisão deve ser aplicada a todas as outras ações judiciais do mesmo teor.
Este padrão de voto, em hipótese alguma retirou do julgador o ato de julgar, visto que o voto foi preparado pelos Desembargadores, e ainda, foi verificado que o julgador tem a possibilidade de fazer alterações e imprimir seu traço pessoal ao texto e com estas alterações/correções, a máquina identifica os recursos iguais e procede o julgamento em conjunto em questões de segundos.
Conforme informado pela assessoria de imprensa do próprio tribunal, são 5,5 milhões de processos indexados nessa plataforma e o magistrado poderá verificar casos repetitivos no acervo da comarca e agrupá-los e julgá-los conjuntamente por meio de uma decisão paradigma.
4. Confronto com o parágrafo 1º do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil
Com esta experiência tecnológica e prática, voltemos a análise dos incisos I –VI do parágrafo 1º do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil, para fins de verificarmos pela dicção do próprio artigo se é possível que uma máquina cumpra o comando legal.
O inciso I exige a explicação por parte do julgador de como ele fez a interpretação da norma jurídica aplicável ao caso concreto e a correlação entre elas e os fatos da causa, o inciso II veda a utilização de conceitos vagos e indeterminados, porquanto conceitos vagos pode abarcar uma gama de outras situações concretas e não sendo a do próprio caso em si.
Já o inciso III, veda que o julgador profira decisão padrão: “Estando presentes os pressupostos Legais...”, deve justificar de forma clara e precisa sua decisão e o inciso IV exige que todos os argumentos deduzidos no processo devem ser enfrentados e confrontados com o caso, legislação e a conclusão do julgado. Principalmente quando o Juiz somente utiliza de provas de justifiquem sua conclusão, desprezando as demais pela simples seleção sem qualquer critério lógico.
No inciso V, o julgador deve demonstrar a semelhança do caso sub judice ao precedente ou súmula a ser utilizada e no inciso VI, o magistrado não pode deixar de seguir a súmula, jurisprudência o precedente invocado pela parte, se não demonstrar a distinção ou superação por não querer se utilizar dela em seu argumento.
5. Considerações finais
A fundamentação mais acurada, que apareceu com o Novo CPC, somente reforça o Princípio da Fundamentação, que já existia, e para o tema “Nova estética da Decisão”, nos apresenta o quadro de que novas tecnologias em hipótese alguma deverão surgir para substituir os julgadores.
Pelo contrário, ao enxergar as novas tecnologias como uma nova ferramenta de trabalho, os julgadores terão melhores condições de pesquisas, acesso a banco de dados e utilização destas informações de forma mais eficiente, contribuindo para a efetividade do direito. Por outro lado, se a nova tecnologia vier pensada com o intuito de retirar do julgador o ato de julgar, evidentemente, estaremos a lançar por terra os princípios da segurança jurídica e da fundamentação, o que acredito não ser esse o objetivo das novas tecnologias voltadas ao direito.
Referências
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FAYYAD, Usama; Piatetski-Shapiro, Gregory; Smyth, Padhraic (1996) The KDD Process for Extracting Useful Knowledge from Volumes of Data. In: Communications of the ACM, pp.27-34, Nov.1996.
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KIRCHOF, E. R. Estética e semiótica: de Baumgarten e Kant a Umberto Eco. Porto alegre: EDIPUCRS, 2003.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BONELI, Daniela Tamaio Lopes. O uso das tecnologias e os impactos nos tribunais: a nova estética da decisão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jul 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53162/o-uso-das-tecnologias-e-os-impactos-nos-tribunais-a-nova-esttica-da-deciso. Acesso em: 23 dez 2024.
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