RESUMO: Aborda-se os direitos das pessoas com deficiência, expressamente consignados na Constituição Federal de 1988 e por aparentar ali encontrar-se exaurida a salvaguarda dos direitos afetos a esta categoria de pessoas, adentra numa reflexão que tende averiguar a razão de ter sido editado um Estatuto para esta idêntica finalidade, recorrendo à análise do cenário internacional, carecendo enveredar na clássica exposição doutrinária das normas jurídicas. Conclui que as declarações elencadas na Constituição de 1988 constituíam-se mais que legítimas e hábeis à proteção desta categoria de pessoas, mormente se tracionado o espectro jurídico exprimido pelos Direitos Fundamentais.
Palavras-chave: Pessoas com Deficiência; Lei Brasileira de Inclusão; Direitos Fundamentais.
ABSTRACT: It addresses the rights of persons with disabilities, expressly enshrined in the Federal Constitution of 1988 and because it seems that the protection of the rights affecting this category of persons is exhausted, it enters into a reflection that tends to investigate the reason for having edited a Statute for this identical purpose, using the analysis of the international scenario, needing to embark on the classic doctrinal exposition of legal norms. It concludes that the declarations enunciated in the 1988 Constitution were more than legitimate and skillful to protect this category of persons, especially if the legal spectrum expressed by the Fundamental Rights was drawn.
Key words: Disabled people; Brazilian Inclusion Law; Fundamental rights.
SUMÁRIO: 1- Introdução; 2- Pessoas com Deficiência – o conceito; 3- Normatividade; 4- A motivação da edição do estatuto da pessoa com deficiência; 5- Considerações finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, as pessoas com deficiência desfrutam há bastante tempo de um cenário protecionista, contemplado expressamente no texto constitucional (datado de 05.10.1988), que está a completar 3 décadas.
Pode-se asseverar que as pessoas que se enquadram a este conceito, precisamente em apreço ao consignado atualmente no Estatuto da Pessoa com Deficiência (art. 2º.), resultante da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, não estariam a encontrar imbróglio para o exercício de seus atos rotineiros, que se deságuam no efetivo gozo de sua alteridade e cidadania.
Enfatize-se que de fato a dificuldade não se assenta na seara conceitual do ramo jurídico, eis a razão de se tencionar discorrer acerca da desnecessidade da edição de um Estatuto para elencar os direitos destas pessoas, inconteste que ainda que inexistissem menções sacramentadas na Constituição Federal vigente, fazendo alusão às pessoas com deficiência (o que não é o caso), a mera previsão remissiva aos Direitos Fundamentais estaria a sedimentar esta atuação protetiva, a abrigar todos, indistintamente, que se encontram à mercê da exclusão social, ocasionada por deficiência de longo prazo, seja de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência poderia ser singelamente dispensado, quiçá houvesse neste País uma conscientização social, acerca do genuíno significado dos Direitos Fundamentais, imprescindíveis à espécie humana, para preservação e respeito à dignidade humana.
2. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – O CONCEITO
Ansiando assinalar a relevância da identificação conceitual de quem seriam as pessoas com deficiência[1], buscou-se recorrer a demais ramos da ciência (dada a interdisciplinaridade do direito), com o fito de demonstrar que percorreu-se um longo caminho para se chegar ao termo adotado hodiernamente.
Nos dicionários de língua portuguesa o termo pessoa com deficiência não é encontrado e, com o objetivo de aprofundar e centrar a pesquisa proposta, buscou-se pelo vocábulo deficiente, face à proximidade com aquele, encontrando-se como definição, aquilo que carece de algo, que é falho, incompleto.
É o que FERNANDES define: “Deficiente – sin. imperfeito, falho, incompleto, insuficiente (2002, p. 264) [...]”,cujos sinônimos compõem ainda a obra elaborada em conjunto com os autores Celso Pedro Luft e F. Marques Guimarães (s.d., p. 130).
Igualmente neste sentido, FERREIRA conceitua, acrescendo-lhes os termos: falto e carente (1986, p. 528), sendo da mesma forma definido aquele termo por BIDERMAN (1992, p. 267), SILVEIRA BUENO (1968, p. 884) e AULETE (, 1967, p. 1070), ora excetuando-se um ou outro sinônimo.
No conceito filosófico, MORA (2000, p. 651) explicita o aludido termo, como sendo:
Deficiente. Uma entidade é deficiente quando se acha privada de algo que lhe pertence; nesse sentido, a deficiência é equiparável à privação [...]. Os escolásticos usaram os termos defectivus, deficiens e defectibilis referindo-se a certas causas ou a certos efeitos. Santo Tomás (S. Theol. I, XLIX, 01 ob. 03 ad. 03) fala da causa defectiva sive deficiens sive defectibilis (causa deficiente). Um efeito deficiente, como o mal, só pode proceder de semelhante causa. O deficiente é o mal, e a causa do mal é o próprio mal [...].
Recorrendo ao dicionário de MILHOMENS e ALVES (2000, p. 335), no qual é encontrado o termo deficiente físico, inexistindo correspectiva definição, somente é elencado em generalidades, a competência dos entes federativos para a salvaguarda dos vários direitos destas pessoas, como a reserva de vagas para cargos e empregos públicos; assistência social para habilitação, reabilitação e integração à vida comunitária, bem como garantia de um salário mínimo de benefício mensal; promoção de criação de programas de prevenção e atendimento especializado.
Infere-se que até então não se encontrava definição precisa e acabada, acerca da nomenclatura, nem no dicionário da Língua Portuguesa e nem no de Filosofia, quiçá, no Jurídico. Por esta razão, recorreu-se à história, a qual mostra-nos diversas discussões a respeito do tema, e que resultam por enfocar, algumas delas, a falha, a imperfeição das pessoas, outras restringem-se a comentar a deficiência física, mental e sensorial que portam as pessoas, por isso enquadradas estariam à conceituação.
Outras duas formas de pensar a deficiência ainda foram verificadas: uma baseada no modelo médico (mais antiga) e a outra, baseada no modelo social (tendência atual).
A principal característica do modelo médico é a descontextualização da deficiência, enfocando-a como um incidente isolado. Infelizmente, há tempos esse modelo vinha influenciado documentos legais e ações protetivas no mundo inteiro (tal qual, no Brasil).
Relevar destacar que o modelo médico tem relação com a homogeneidade porque trata a deficiência como um problema do indivíduo (e, no máximo, de sua família) que deve se esforçar para se “normalizar” perante os olhos da sociedade (WERNECK, 2000, p. 33).
O modelo social da deficiência valoriza a diversidade e surgiu por iniciativa de pessoas com deficiência, reunidas no Social Disability Movement, na década de 60.
Esse movimento provou que a maior parte das dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiência, eram resultado da forma pela qual a sociedade lidava com as limitações de cada indivíduo.
Importante colacionar a posição trazida no Manual de Desenvolvimento Inclusivo, por Claudia Werneck (2000, p. 27):
De acordo com o modelo social, a deficiência é a soma de duas condições inseparáveis: as seqüelas existentes no corpo e as barreiras físicas, econômicas e sociais impostas pelo ambiente ao indivíduo que tem essas seqüelas. Sob esta ótica, é possível entender a deficiência como uma construção coletiva entre indivíduos (com ou sem deficiência) e a sociedade. grifo nosso
Sem dúvida, o modelo social demonstrava-se como sendo o mais adequado para se enfocar a deficiência, já que analisava o “todo”, valorizando a importância do ambiente na vida das pessoas.
Portanto, mister que se propagasse a ótica desse modelo, para que se tivesse um perfeito entendimento acerca da deficiência.
Pelo demonstrado, restou constatado que não havia um conceito perfeito e acabado, o que se fazia freqüentemente, vislumbrando alcançar-se os fins traçados pela inclusão social das minorias[2] (SÉGUIN, 2002, p. 09) era adotar a conceituação que pudesse ampliar as hipóteses de inclusão.
Diante disso, aduz-se que, independentemente da conceituação que se adotasse, o fato é que, para estas pessoas, mesmo para a prática de singelos atos diários, as mesmas necessitam de auxílio, e este auxílio não pode ser compreendido como sinônimo de beneficência, de caridade, mas sim de atuação do Estado, da sociedade, da comunidade e da família, para conceder-lhes meios concretos de inclusão social, sob todos os aspectos.
Com isso, podia-se afirmar que era insuficiente a classificação das deficiências, restringindo-as, como sendo: físicas, sensoriais ou mentais, já que a definição de pessoa com deficiência, traçada por ARAÚJO (2003, p. 23-24), contemplava outras categorias de deficiências, veja:
[...] o que define a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.
Sequencialmente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Estado brasileiro, juntamente com o seu Protocolo Facultativo, em 09 de julho de 2008, veio fazer alusão em seu Artigo 1, nominado Propósito, em seu segundo parágrafo, à nomenclatura que estamos abordando:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Tal assertiva dá azo à compreensão do tema, em conformidade com o que vínhamos expondo linhas acima, e é nesta conjectura de pensamento que se viabiliza o entendimento, restando o mesmo consolidado, face o disposto na alínea ‘e’ do Preâmbulo da aludida Convenção, que preconiza ‘in verbis’:
Artigo 1
Propósito
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Resultante de clamor social, aliado à intenção de se posicionar perante o panorama jurídico internacional, foi aprovado o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº. 13.146/2015), em 06 de julho de 2015 (com vacatio legis de 180 dias), cujo Projeto de Lei era datado já de 2000 e se encontrava em trâmite no Congresso Nacional, portanto, quando da ratificação do Protocolo Facultativo, anteriormente mencionado.
Para arrematar definitivamente a celeuma acerca da definição do termo: pessoas com deficiência, no art. 2º. o Estatuto (também conhecido como Lei Brasileira de Inclusão) prevê que:
Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
A contar da data da entrada em vigor do Estatuto, no sistema jurídico brasileiro, espancaram-se todas as dúvidas e sacramentou-se como sendo esta a definição jurídica de pessoa com deficiência.
3. NORMATIVIDADE
Normas jurídicas são estruturas fundamentais do Direito, nas quais são gravados preceitos e valores que vão compor a ordem jurídica.
A norma jurídica é responsável por regular a conduta do indivíduo e fixar enunciados sobre a organização da sociedade e do Estado, impondo aos que a ela infringem, as penalidades previstas, e isso se dá em prol da busca do bem maior do Direito, que é a Justiça (KELSEN, 2000, passim).
A finalidade de cada norma jurídica não pode ser outra, senão a imposição ao jurisdicionado, do seu cumprimento, já que tem como objetivo, regular a forma de atuação do indivíduo na sociedade, com o fito de estabelecer melhores condições de convivência, daí o intuito de se voltar precipuamente à coletividade.
REALE em sua clássica obra, Lições preliminares de Direito (2002, p. 93) ao fazer alusão a KELSEN, consigna ser a norma jurídica redutível a uma proposição hipotética, em que se prevê um fato (F) ao qual se liga uma consequência, sendo demonstrado por: “Se F é, deve ser C”; ou seja, toda regra de direito teria previsão genérica de um fato, com a indicação de que, toda vez que um comportamento corresponder a um enunciado, “deverá” advir uma consequência, esta é a teoria Kelseniana, sendo que aludida consequência corresponde invariavelmente a uma sanção, que por sua vez compõe o ordenamento jurídico, como sendo pena.
Entretanto, excepciona REALE (2002, p. 94):
Entendemos, porém, que essa estrutura lógica corresponde apenas a certas categorias de normas jurídicas, como, por exemplo, às destinadas a reger os comportamentos sociais, mas não se estende a todas as espécies de normas como, por exemplo, às de organização, às dirigidas aos órgãos do Estado ou às que fixam atribuições, na ordem pública ou privada. Nestas espécies de normas nada é dito de forma condicional ou hipotética, mas sim categórica, excluindo qualquer condição.
BOBBIO (2001, p. 72) contribui para nos auxiliar a compreender o alcance da norma jurídica quando assevera ser a norma uma proposição e prossegue afirmando que “A tese que sustentamos é que as normas jurídicas pertencem à categoria geral das proposições prescritivas.”
Independentemente da origem da norma jurídica, o seu desiderato é o da coação para o cumprimento dos termos que consigna, já que como pondera BOBBIO (2001, p. 72) a problemática consiste em saber qual o status da norma jurídica, se as proposições advém de um Código, de uma Constituição ou outra espécie normativa.
Com relação à normatividade concernente às proposições legislativas que abordam os direitos das pessoas com deficiência, atualmente fora conclamado num único instrumento normativo, o Estatuto da Pessoa com Deficiência: a vigência do Estatuto demarca a história do País, a contar de 06 de janeiro de 2016, não obstante a sua trajetória teve como marco inicial, 09 de outubro de 2000, inicialmente denominado Estatuto do Portador de Necessidades Especiais (assim intitulado no PL 3638/2000), de iniciativa do então deputado federal, Paulo Paim, que visava o compêndio, a regulamentação e o aprimoramento de todas as leis, decretos e portarias voltadas para o atendimento da pessoa com deficiência.
Em fevereiro de 2003, foi amplamente reestruturado e reeditado o Projeto, no Senado Federal, de onde recebeu a denominação de Estatuto da Pessoa Portadora de Deficiência (PLS 06).
Ato contínuo, naquele mesmo ano, no mês de outubro, foi novamente alterado e recebeu a contribuição de técnicos, professores, familiares, profissionais da área e pessoas com deficiência que, incluíram questões relevantes para o segmento, sendo constituído como o Estatuto da Pessoa com Deficiência (PLS 429).
Ao longo do ano de 2003, uma verdadeira articulação foi arquitetada nas cinco regiões do País, realizando-se oitocentos encontros, com a participação de mais de 15 mil pessoas, sendo constituídos 86 grupos pela Internet e realizada uma teleconferência nacional, com a participação de dezesseis assembleias legislativas estaduais que coordenaram os trabalhos.
No mesmo ano, diversas propostas, oriundas de pessoas de todo o País foram inseridas ao estatuto, pautando o documento em pontos considerados fundamentais para o benefício deste segmento.
Composto por 127 artigos, o Estatuto tem como destaque os tópicos que estabelece terem as pessoas com deficiência, acesso a um salário mínimo; adotou-se uma nomenclatura, garantindo um termo internacional e denominou-se Estatuto da Pessoa com Deficiência; Fixa-se a acessibilidade universal como eixo central; pontua a reserva de vagas em empresas públicas e privadas e cargos em comissão; regulamenta a profissão de intérprete de LIBRAS e oficializa a Língua Brasileira de Sinais; determina a criminalização do preconceito e direito à justiça (Disponível em https://undime.org.br/noticia/historico-do-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia. Acesso em: 28 set.2018).
4. A MOTIVAÇÃO DA EDIÇÃO DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Desditosamente, ainda que se pretenda render louvores aos idealizadores do Estatuto, bem como, a todos aqueles que direta ou indiretamente prestaram colaboração à sua composição normativa, o fato é que, se o Estatuto veio dispor sobre Direitos Fundamentais, Habilitação e Reabilitação, direito à saúde, à educação, à moradia, à assistência e previdência social, além dos temas citados no tópico anterior deste artigo, é irrefutável que todos estes temas já que se encontravam conclamados expressamente em um sem número de normas jurídicas, vigentes neste País (algumas delas há várias décadas).
Ora, a própria Constituição Federal traz declarações acerca destes direitos e assevera que estes direitos devem ser concedidos a todos, significando todos em seu sentido amplo: todas as pessoas e por evidentes razões, as pessoas com deficiência, estão ali abarcadas.
Na realidade, apenas a previsão que alude aos Direitos Fundamentais deveria ser suficiente, eis que seu significado compreende todas as nuances protetivas, dado que seu foco é a salvaguarda da dignidade da pessoa humana.
E uma vez que na Constituição brasileira, os direitos fundamentais sempre estiveram presentes, sim, porque nas duas primeiras Constituições brasileiras (1824 e 1891) foram estabelecidas liberdades públicas, tidas como limitações ao Poder.
Na Constituição de 1934 foi acrescida, na Ordem Econômica, os direitos sociais, em seu Título IV.
A Constituição de 1891, em seu Art. 78 previa a questão dos direitos fundamentais, o mesmo se fez presente nas Constituições de 1934, em seu Art. 114; na de 1937, em seu Art. 123; na de 1946, em seu Art. 144; na de 1967, em seu Art. 150, § 35 e na Emenda nº 01, de 1969, em seu Art. 153, § 36.
Na etapa que engloba a Constituição de 1988, pode-se estabelecer cotejo com o direito constitucional positivo que a precedeu, fazendo-se notáveis as inovações pertinentes aos direitos fundamentais.
Aliás, tais inovações fizeram-se presentes mesmo na elaboração do projeto da Constituição, que através da subscrição por eleitores, foram trazidas emendas ao texto, estabelecendo reflexões acerca de temas voltados aos direitos econômicos, sociais e culturais.
A Constituição Federal de 1988, trouxe em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos:
· Direitos e deveres individuais e coletivos: são os direitos e deveres ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade, tais como à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade. Estão previstos no Art. 5º e seus incisos;
· direitos sociais: o Estado Social de Direito deve garantir as liberdades positivas aos indivíduos. Esses direitos são referentes à educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Sua finalidade é a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, concretizando assim, a igualdade social. Estão elencados a partir do Art. 6º;
· direitos de nacionalidade: nacionalidade, significa o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo com que este indivíduo se torne um componente do povo, capacitando-o a exigir sua proteção e em contra partida, o Estado sujeita-o a cumprir deveres impostos a todos; constam dos Arts. 12 e 13;
· direitos políticos: permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos, exercer sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado, constante dos Arts. 14, 15 e 16;
· direitos relacionados à existência, organização e à participação em partidos políticos: garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos como instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado Democrático de Direito. Está elencado no Art. 17.
§ 1º do Art. 5º conferiu aplicabilidade imediata aos direitos e garantias fundamentais e o § 4º do Art. 60, petrificou-as:
Art. 5º: [...].
§ 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Art. 60: A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
IV – os direitos e garantias fundamentais.
Diversos decretos ocuparam-se em conceituar: pessoa portadora de deficiência, numa e noutra circunstância, com o intuito de fixar quem seria o beneficiário dos direitos que estariam assegurados na Constituição Federal e em muitas outras normas infraconstitucionais, delimitando por meio de requisitos, a fim de nortear a sociedade, quanto ao citado enquadramento.
Com o objetivo de se estabelecer um cotejo, adstrindo-se a alguns destes direitos, vejamos: O direito de acesso ao mercado de trabalho, por este grupo de pessoas, já se encontrava consignado nos Arts. 6º, 7º, inc. XXXI; 37, inc. VIII da Constituição Federal, salvaguardado ainda, pela Lei nº 7.853/89, em seus Arts. 2º, inc. III, alíneas ‘a’ a ‘d’; 8º, inc. II; Lei nº 8.112/90; Lei nº 9.213/91; Lei nº 8.213/91; Convenção da OIT nº 159, de 1983, ratificada pelo Brasil, através do Decreto Legislativo nº 51, de 28 de agosto de 1999; Recomendações nºs. 99 e 168 da OIT; e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, Art. XXIII.
Já, o direito à educação, vem sendo assegurado pelos Arts. 208, inc. III e 227, § 1º, inc. II da Constituição Federal, bem como pela Lei nº 7.853/89, em seus Arts. 2º, parágrafo único, inc. I, alíneas ‘a’ a ‘f’ e 8º, inc. I; Decreto nº 3.298/99, em seu Art. 24; Portaria nº 1.679, de 02 de dezembro de 1999 do Ministério da Educação e Cultura; a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96, em seus Arts. 58 e 59; Lei nº 8.069/90, o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus Arts. 53, inc. I; 54, inc. III, § 1º; e pela Declaração de Salamanca.
Enquanto o direito à saúde, consta de expresso permissivo nos Arts. 6º, 196 e 227, § 1º, inc. II da Constituição Federal, e da mesma forma na Lei nº 7.853/89, em seus Arts. 2º, inc. II, alíneas ‘a’ a ‘f’; 8º, inc. IV; Decreto nº 3.298/99, em seu Art. 19, parágrafo único; e no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus Arts. 8º, 10, inc. III; 11, §§ 1º e 2º e 14.
Por sua vez, o direito à assistência e previdência social, determinado no Art. 203, inc. V da Constituição Federal; nas Leis nos 8.213/91 e 8.742/93, bem como no Decreto nº 1.744/95.
Normas jurídicas já se dispunha de muitas e não é porque se condensou num único instrumento normativo que se extirpou o problema da ausência de inclusão social destas pessoas.
De uma análise mais detida, remanesce a inferição enternecedora de que praticamente nada resolveu, apenas registrou-se que o Brasil atentou-se ao teor da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, a ponto de editar uma autêntica coletânea, versando sobre a temática.
Nada mais que isso, porque o cenário da inexistência de medidas para efetivação destes direitos (que há muito sedimenta-se como sendo o cerne do escárnio enfrentado por esta categoria de pessoas) permanece inalterado.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em considerando que nossa Constituição ocupou-se em elencar expressamente a declaração assecuratória de direitos das mais diversificadas espécies, com o intento de proteger o pleno exercício da cidadania, por parte das pessoas com deficiência, poderia-se cogitar que a mencionada categoria de pessoas já estaria devidamente contemplada no rol protetivo da mais importante legislação do País. Enfatize-se mais: isto já desde 1988, a considerar-se em âmbito constitucional.
Apesar de terem sido editadas dezenas de legislações infraconstitucionais, tendo todas como foco, conceder meios de viabilizar a fruição dos Direitos Fundamentais das pessoas com deficiência, poderia-se afirmar então, que legislação já se tinha o bastante, aliás como indicado anteriormente, não são poucos os casos em que dependendo do tema, há muito mais de três normas jurídicas disciplinando o mesmo assunto. Por certo que a problemática não corresponde à inexistência de previsão legal, mas de efetivação.
Embora seja cediço que advindo de resultados obtidos por meio de movimentos que mobilizaram Nações, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, aprovado em 06 de julho de 2015, tendo iniciado sua vigência em 06 de janeiro do ano subsequente, sustenta muito maior significância para o cenário internacional, que para o ordenamento jurídico interno.
Analisando-se sob uma óptica que enfatize aspectos práticos, é inolvidável concluir que a intitulada Lei Brasileira de Inclusão nada mais veio significar que um condensamento de normas jurídicas, que já tratavam das questões afetas aos direitos das pessoas com deficiência. Por outro lado, de igual sentir, também não se pode olvidar que a Lei Brasileira de Inclusão trouxe (de maneira muito didática) a definição de diversos termos técnicos (inclusive a própria definição pessoa com deficiência, no art. 2º.), o que facilita sobremaneira o manuseio, estudo e consulta do ordenamento correlato ao tema.
Apesar de tudo isso, não há no texto da Lei Brasileira de Inclusão, qualquer indicação, singela que seja, que pontue os caminhos a serem percorridos para possibilitar a efetivação dos direitos das pessoas com deficiência.
Ressente-se a sociedade porque ainda se mantém a famigerada incógnita.
As inúmeras declarações constitucionais, que permeiam respeitar a dignidade das pessoas com deficiência, enfocando a transmutação do alcance jurídico dos Direitos Fundamentais, ao longo da vigência da Constituição vigente, na realidade foram reafirmadas num Estatuto, ou seja, corresponde apenas a uma modificação normativa na seara do direito interno; enquanto que, como afirmado alhures, por ter resultado de movimentos e de intenções traçadas na Declaração Internacional dos Diretos das Pessoas com Deficiência, sob a nuance do Direito Internacional, da proteção que extravaza as divisas do nosso Estado Federal sim, significou um grandioso avanço e posicionou-se no arcabouço jurídico de maneira destacada.
Indiscutível que a efetivação subsiste como sendo senão a única adversidade sobressalente, a mais representativa para esta categoria de pessoas e não foi, lastimavelmente com a edição da Lei Brasileira de Inclusão, que se trouxe a solução para o problema historicamente enfrentado para que se consiga fazer acontecer estes direitos proclamados há tanto tempo, por meio de tantas e diversificadas normas jurídicas, isto porque pode-se afirmar que como tantos outros, esta é uma questão de resistência social, a discriminação e o separatismo destas pessoas deixou há muito tempo de ser temática a se resolver exclusivamente no campo jurídico.
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Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino - ITE - Bauru/SP. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional de Sorocaba/SP. Professora da Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de Itapeva/SP. Procuradora Jurídica Municipal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSTELATO, Telma Aparecida. A (des)necessidade do estatuto da pessoa com deficiência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2019, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53163/a-des-necessidade-do-estatuto-da-pessoa-com-deficincia. Acesso em: 23 dez 2024.
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