RESUMO: Diante da relevante função positiva desempenhada pelo Estado Social, a tributação assumiu protagonismo na promoção das políticas públicas. Assim, não só a função arrecadatória, mas também sua função de intervenção na economia adquiriu verdadeira função primordial do tributo. Dentro da extrafiscalidade, com a possibilidade de incentivar ou propor desincentivos a comportamentos, está o IPI, imposto incidente sobre produtos industrializados. O IPI, imposto de competência da União compõe fortemente a base de repartição de receitas, tal qual estabelecida constitucionalmente para o Fundo de Participação dos Estados e dos municípios. Além de servir de intervenção na economia, o IPI ainda faz a função do federalismo fiscal através da disposição de rendas aos demais entes federados. Ademais, a autonomia financeira de Estados e Municípios teve guarida constitucional, não podendo ser violada por intermédio da tributação extrafiscal. Entretanto, o STF entendeu pela constitucionalidade das isenções fiscais, independentemente da repartição de receitas.
PALAVRAS-CHAVE: Estado Social. Extrafiscalidade. Imposto sobre produtos industrializados. Pacto Federativo. Repartição de Receitas.
SUMÁRIO: 1 – INTRODUÇÃO. 2 – ESTADO SOCIAL DE DIREITO E A EXTRAFISCALIDADE APLICADA AO IPI. 3 – REPERCUSSÃO GERAL – TEMA 653 – CONSTITUCIONALIDADE DAS ISENÇÕES FISCAIS. 4 – CONCLUSÃO. 5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 – INTRODUÇÃO.
Os parâmetros para a pesquisa serão analisados de acordo com a necessidade de existência da extrafiscalidade da tributação, desde que não vulnere o Pacto Federativo e a autonomia dos Entes Federados. Os marcos históricos escolhido foram as desonerações tributárias do final da primeira e início da segunda década do século XXI, por isenção ou alíquota zero, principalmente sobre o IPI, que foi determinante para a queda repentina no repasse financeiro feito pela União, através dos Fundos Constitucionais de Transferência, aos Estados-membro e Municípios.
Ademais, será verificado que a tributação indutora deve ser limitada na medida em que puder tender a abolir a forma federativa de Estado, através da supressão da autonomia financeira do Ente, com potencial violação da cláusula pétrea do art. 60, § 4º, inc. I, da CRFB/88.
2 – ESTADO SOCIAL DE DIREITO E A EXTRAFISCALIDADE APLICADA AO IPI.
O estado, como concebido, surgiu numa tentativa de proporcionar uma vivência pacífica entre os integrantes do corpo social, através da diminuição da liberdade individual em benefício da segurança coletiva, com um órgão diferente dos indivíduos responsável por gerir a coisa pública, pertencente a todos. Na obra Do Contrato Social: princípios do direito político[1], de Rousseau, retira-se a ideia de que o contrato social se deu a partir do momento em que os indivíduos se uniram na tentativa de superar os obstáculos de convivência em seu estado natural, daí a necessidade de ser tolhida a liberdade individual absoluta em prol da garantia de segurança e uma liberdade individual regrada por um poder soberano e imparcial aos possíveis conflitos da partes, sendo este o organizador dos interesses coletivos, o próprio Estado.
De início, surgiu o Estado comandado por um monarca soberano, que se confundia com a própria figura estatal e o interesse coletivo, impondo deveres a comunidade a qual estava exercendo seu domínio. Já neste período, havia contribuição compulsória de recursos por parte dos súditos para manutenção da Monarquia e o próprio Estado, figuras até então indissociáveis.
Importante movimento de limitação do Poder Soberano veio com a Magna Carta Inglesa de 1215, assinada pelo rei João Sem-Terra por pressão dos Barões Ingleses e do Clero, forçando-o a limitar seus próprios poderes, impedindo a majoração de tributos sem a aprovação do Parlamento, trazendo a embrionária figura do que viria a ser o princípio da legalidade tributária.
Outro movimento de relevo ocorreu no final do século XVII, com a Revolução Francesa de 1789, em sua primeira fase, os revolucionários pleitearam o que viria a ser a primeira dimensão dos direitos fundamentais, o direito à liberdade individual, numa noção de Estado abstencionista, com prestações negativas. Passada a primeira etapa, com as distorções surgidas pelas abstenções do Estado, surgi os anseios por igualdade material entre os cidadãos, numa eficácia horizontal dos direitos fundamentais, oponíveis não só quanto ao Estado, mas também na relação entre indivíduos, daí a necessidade de prestações positivas pelo ente estatal.
Nessa toada, o Estado passa a necessitar de cada vez mais recursos para fazer frente as despesas com a prestação de utilidades a coletividade, principalmente com a eclosão do Estado Social de Direito (Welfare State), maximizado nas Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919, surgindo de modo mais direto o dever fundamental de pagar tributos para fazer jus aos gastos públicos com prestações positivas.
Com esse viés, o sistema tributário se consolida com respeito ao princípio da legalidade, já que o contribuinte só pagará o tributo que ele houver concordado em arcar com os custos, pois necessariamente a sua criação e, de regra, a alteração das alíquotas majorando-o devem ser precedidas de aprovação por lei, votada pelos representantes do povo democraticamente eleitos, reunidos no parlamento. Advém disto a legitimidade da cobrança fiscal, alicerçada na lei, para angariar receitas classificadas no orçamento como derivadas, por serem oriundos do patrimônio privado, para possibilitar os gatos públicos com matérias do interesse comum tutelado pelo Estado, no âmbito das prestações positivas exigidas pelo Estado contemporâneo como forma de construir uma igualdade material de oportunidades para os cidadãos administrados.
No esteio do Estado prestacionista, responsável por promover uma gama de serviços e utilidades para a comunidade, delineia-se o dever fundamental de pagar tributos, para fazer frente aos gastos públicos com as prestações positivas postas à disposição da sociedade, como principal forma de obtenção de receita pública derivada. Assim, o particular fica obrigado a pagar o tributo sempre que incorrer no fato gerador da exação, definido por lei, podendo usufruir das comodidades advindas do investimento da recita pública advinda da arrecadação tributária.
Na prática, parcela do patrimônio do particular é destacada para integrar o patrimônio público, através da cobrança tributária. Na vertente d definição de tributo, constante do art. 3º do CTN, tem-se como uma exação: 1) instituída por lei; 2) em pecúnia, em moeda, ou cujo valor nela se possa exprimir, como a dação em pagamento de bem imóvel; 3) compulsoriamente cobrada; 4) que não constitua sanção por ato ilícito; e 5) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
O tributo deverá ser instituído em lei por respeito ao princípio da legalidade tributária estrita, como forma de limitação ao então poder soberano do monarca. Será pago em pecúnia, moeda ou cujo valor nela se possa exprimir por vedar o pagamento através de prestação de serviços ou dação de bens móveis, já que significaria burla ao princípio constitucional da licitação; pode ser feita a extinção do crédito tributário ainda por dação de bens imóveis, conforme disposto expressamente no CTN, art. 156, inc. XI. É de cobrança compulsória, ocorrido o fato gerador não há discricionariedade de atuação do Fisco na cobrança tributária. Não poderá constituir sanção pelo cometimento de ato ilícito, para isso existem as multas punitivas, sendo importante destacar que se na prática de atividades ilícitas, como auferir renda através do jogo do bicho, haverá a incidência dos tributos na espécie, em atenção ao princípio pecúnia non olet. Por fim, a cobrança do tributo tem natureza vinculada, ocorrido o fato gerador os agentes do Fisco devem cobrar a exação tributário do contribuinte ou seu responsável.
Dessa forma, o dever fundamental de pagar tributos alicerça-se na ideia de que todos os cidadãos são responsáveis pela manutenção dos serviços públicos, prestados a todos sem discriminação. A partir do momento que um contribuinte deixa de arrecadar sua parcela para o fim comum público, outro terá de fazê-lo, onerando de sobremaneira os demais contribuintes, por isso o combate à sonegação e ao planejamento ilícito tributário devem ser constantes, tendo em vista qualificar a justiça fiscal, o sentimento de pertencimento e a real capacidade contributiva de cada indivíduo.
A esse objetivo arrecadatório dos tributos dar-se o nome de função fiscal, a fiscalidade tributária, função primordial de carrear recursos aos cofres públicos. No entanto, cabe ressaltar, principalmente quando o Estado é chamado a atuar positivamente na economia, de modo a induzir comportamentos desejados para o benefício da coletividade, que o tributo poderá ter natureza extrafiscal, deixando a função arrecadatória relegada a segundo plano, sendo o principal intento a produção de certas atividades.
Em termos de extrafiscalidade tributária, nas pedagógicas palavras de Amaral[2]:
Como visto, a EXTRAFISCALIDADE consiste na utilização da tributação com finalidades EXTRA (“além de”) FISCAIS (“arrecadatórias”), quais sejam: indução ou inibição de comportamentos. E isso ocorre pela adoção de dois mecanismos distintos, cuja eficácia ainda está para ser testada: oneração e desoneração tributária.
A cobrança de tributos é uma forma do Estado agir de maneira a intervir indiretamente na economia, através da indução de determinadas condutas direcionadas a produzir o interesse público. Através destes mecanismos, a autoridade governamental pode fomentar o exercício de uma atividade, encorajando ou desencorajando determinadas atitudes.
Na hipótese dos impostos aduaneiros, como o imposto de importação e de exportação, o aumento da alíquota sobre a importação de produtos estrangeiros similares aos nacionais é benéfico a indústria nacional, por poder concorrer com preços similares ou até mesmo inferiores aos produtos industrializados, fomentando a atividade industrial nacional, a geração de empregos diretos e indiretos e o incremento da arrecadação tributária, tanto pelo aumento da alíquota do imposto de importação quanto por aumento das negociações com os produtos nacionais. Lado outro, para evitar o desabastecimento de determinados produtos no âmbito nacional, pode-se aumentar a alíquota do imposto de exportação, desestimulando a exportação de produtos pelo aumento da carga tributária, com estimulo indireto ao abastecimento do mercado consumidor nacional, todos em atenção ao interesse público.
No Brasil, principalmente a partir da crise mundial de 2008, utilizou-se do instituto da isenção ou mesmo da alíquota zero do IPI para determinados setores da economia, como a linha branca de eletrodomésticos e os automóveis, tendo por objetivos baratear a produção, colocar ao consumidor um preço final do produto industrializado mais acessível, manter os empregos na indústria, estabilizar a produtividade e ainda manter a arrecadação através da negociação de mais produtos, mesmo com a desoneração fiscal.
Tal medida pode ser melhor entendida quando se estuda a Curva de Laffer. Artur Laffer, economista americano e integrante da equipe econômica do então presidente Ronald Reagan na década de 1980, propôs um gráfico em que relacionava na vertical a arrecadação tributária e na horizontal a alíquota do tributo, formando uma curva que tem no seu ponto mais alto o lugar onde a alíquota não poderá ser majorada, sob pena de diminuição da arrecadação. Interessante notar que quando a alíquota do tributa for igual a zero ou a 100% da renda tributável, o resultado será o mesmo: arrecadação zero. Explica-se, no primeiro caso, por ser zero a alíquota, não haverá qualquer valor a ser pago a título de tributos; por outro lado, se a alíquota for de 100%, sobre o valor total da renda, não haverá o que se tributar, já que haverá um desestímulo a aquisição de renda, tendo em vista que não haverá qualquer comodidade ao particular. Nesse sentido, busca-se o ápice da Curva de Laffer, ponto onde a alíquota fixada dará a maior arrecadação possível.
No Estado excessivamente liberal do ponto de vista econômico entendia-se que a mão invisível do mercado seria o bastante para regular a economia, fazendo despiciente a atuação estatal como órgão regulador ou indutor da atividade econômica. Com a crise do sistema liberal, pelas distorções geradas, ausência de segurança jurídica e apreço pelo domínio do capital, formando mono e oligopólios, volta-se a incentivar a atuação do Estado na Ordem Economica como forma de garantir o interesse da coletividade.
Dentre as formas de intervenção na economia, na clássica obra do jurista Eros Grau[3], temos a divisão entre a intervenção direta e indireta. Esta ramifica-se ainda como formas de indução ou direção; já aquela distingue-se entre a absorção ou a participação. A participação seria quando o Estado age em concomitância com o particular, exercendo a atividade econômica não exclusiva, de outro lado, a absorção seria quando o Estado atua em regime de monopólio, concentrando toda a atividade produtora daquele serviço exclusivo. Na intervenção indireta, o Estado pode agir por direção quando determina ou impõe as condutas dos agentes econômicos ou indução quando o Estado estimula, através de benefícios ou malefícios, que os agentes econômicos adotem determinada conduta, sempre em observância ao interesse público.
Atualmente, o Estado exerce uma forte função regulatória, incentivando ou desencorajando certas atitudes dos particulares, com a majoração ou desoneração da carga tributária de acordo com o que for melhor para a coletividade. Nos dizeres de Paulo Amaral[4]: “A tributação regulatória, por sua vez, é uma das formas de intervenção estatal na economia, ou seja: é uma das formas de regulação econômica.”. A tributação, como forma de intervir na Ordem Econômica e induzir certos comportamentos tem função de relevo neste novo Estado Regulador.
A utilização extrafiscal da tributação, como forma indutora da economia, foi utilizada entre os anos de 2009 a 2013 pela União, quando desonerou a incidência do IPI sobre o setor dos automóveis. Com os dados colhidos pelo IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, não houve redução no valor da arrecadação tributária da União no período de 2009 a 2013, em que pese tenha havido uma diminuição do montante arrecadado a título de IPI, com o aumento das vendas e da produção, houve um incremento no que diz respeito a outros tributos relacionados a venda de automóveis, como o PIS e a COFINS, incidentes sobre o faturamento ou receita bruta das sociedades empresárias, compensando a perda arrecadatória na desoneração do IPI e aumentando a arrecadação final.
O Brasil já teve sua experiência como um Estado Unitário, principalmente no Século XIX, quando o poder estava centralizado nas mãos do soberano, sem autonomia as unidades administrativas. A partir da transição entre os Séculos XIX e XX, passamos a vivenciar uma Federação como forma de Estado, garantindo-se aos Estados-membro autonomia em três frentes: financeira, administrativa e política. Na CRFB/88, a forma federativa de Estado possui natureza de cláusula pétrea, vedando-se a tramitação de emenda constitucional ou qualquer proposta que tenda a aboli-la, nos termos do art. 60, §4º, inc. I.
De fato, no Estado Federal percebe-se uma maior descentralização política, com repartição constitucional das competências, estabelecida por uma Constituição rígida, que veda o direito de secessão. Somente o Estado Federal mantém sou soberania, sendo destinado as entidades federadas a autonomia, cabendo ao ente central a intervenção nos entes federados sempre nos casos e termos previstos na Constituição. Os Estados-membros organizam-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios e parâmetros da Constituição Federal de 1988, nos termos do art. 25 da CRFB/88. No Poder Legislativo Central, os estados-membros serão representados pelo Senado Federal, composto de 3 senadores para cada Estado e para o Distrito Federal, como forma de manter uma representação paritária a Corte Legislativa. Além disso, possuímos um órgão cuja principal atribuição a guarda da Constituição, sendo um dos interpretes do Texto Magno, o Supremo Tribunal Federal.
Interessante instrumento de manutenção das autonomias administrativa, financeira e política das unidades federadas é a repartição de receitas do Estado Federal para os entes federados. No Brasil, há uma certa concentração de competência tributária no âmbito do órgão central, a União, criando-se mecanismos de repartição do montante de receita tributária altamente concentrada.
Nessa toada, cria-se o sistema de repartição de receitas tributárias, sendo obrigada a repartir parte do valor arrecadado em alguns tributos com os demais entes federados. O art. 159 da CRFB/88 estabelece a repartição, como Estados-membros e Municípios, de valores arrecadados com IPI, IR ou CIDE-combustíveis.
No que se refere ao Imposto sobre Produtos Industrializados, é exceção a legalidade tributária e a anterioridade anual, respeitando a anterioridade nonagesimal. Significa dizer que o IPI poderá ter suas alíquotas alteradas por decreto do Presidente da República, podendo produzir efeitos no mesmo ano fiscal da alteração, desde que respeitado o prazo de 90 dias para a entrada em vigor. Sendo um imposto de natureza extrafiscal, o IPI é utilizado como forma de intervenção do Estado na economia, como forma de incentivar a produção industrial, tendo se utilizado deste expediente, de 2008 a 2013, como forma de reduzir custos na produção de automóveis e da linha branca de eletrodomésticos, mantendo-se os empregos e a economia aquecida, diante da crise global, que também nos atinge.
O efeito colateral desta desoneração do IPI, que tem 59% de sua arrecadação destinada a repartição constitucional para os demais entes federados, sendo 10% direcionado aos estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das exportações de produtos industrializados, e o restante repartido entre os fundos de participação dos Estados e Municípios e para financiar programas do setor produtivo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nos termos do art. 159 da CRFB/88, é a queda na receita tributária repassada aos demais entes federados pela União, através dos Fundos de Participação. Como é notório, mais da metade da arrecadação do Imposto sobre produto industrializado é constitucionalmente destinado aos demais entes federados, como forma de repasse aos fundos constitucionais, sendo boa parte de suas receitas, garantidores da autonomia financeira dos entes federados.
Portanto, a alteração de alíquotas ou a desoneração do IPI, amparada no caráter extrafiscal do tributo deveria limitar-se ao ponto em que não fira o Pacto Federativo, vulnerando a autonomia financeira e administrativa dos Estados, Distrito Federal e Munícipios. Bem por isso, em que pese à competência tributária para instituir, majorar ou reduzir as alíquotas do IPI seja da União, por ser um imposto que tem sua arrecadação repartida com os demais entes federados, como forma de garantir-lhes a autonomia financeira e administrativa, deve-se agir com prudência na concessão de benefícios fiscais, sob pena de atentar contra a própria Federação, cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4º, inc. I, CRFB/88.
3 – REPERCUSSÃO GERAL – TEMA 653 – CONSTITUCIONALIDADE DAS ISENÇÕES FISCAIS.
A partir do julgamento do RE nº 705.423/SE, o STF consolidou entendimento pela constitucionalidade nas desonerações de IPI e do IR, sem vislumbrar qualquer violação ao pacto federativo ou a repartição constitucional de receitas:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO. FEDERALISMO FISCAL. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS – FPM. TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS. COMPETÊNCIA PELA FONTE OU PRODUTO. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. AUTONOMIA FINANCEIRA. PRODUTO DA ARRECADAÇÃO. CÁLCULO. DEDUÇÃO OU EXCLUSÃO DAS RENÚNCIAS, INCENTIVOS E ISENÇÕES FISCAIS. IMPOSTO DE RENDA - IR. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. ART. 150, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. Não se haure da autonomia financeira dos Municípios direito subjetivo de índole constitucional com aptidão para infirmar o livre exercício da competência tributária da União, inclusive em relação aos incentivos e renúncias fiscais, desde que observados os parâmetros de controle constitucionais, legislativos e jurisprudenciais atinentes à desoneração. 2. A expressão “produto da arrecadação” prevista no art. 158, I, da Constituição da República, não permite interpretação constitucional de modo a incluir na base de cálculo do FPM os benefícios e incentivos fiscais devidamente realizados pela União em relação a tributos federais, à luz do conceito técnico de arrecadação e dos estágios da receita pública. 3. A demanda distingue-se do Tema 42 da sistemática da repercussão geral, cujo recurso-paradigma é RE-RG 572.762, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 18.06.2008, DJe 05.09.2008. Isto porque no julgamento pretérito centrou-se na natureza compulsória ou voluntária das transferências intergovernamentais, ao passo que o cerne do debate neste Tema reside na diferenciação entre participação direta e indireta na arrecadação tributária do Estado Fiscal por parte de ente federativo. Precedentes. Doutrina. 4. Fixação de tese jurídica ao Tema 653 da sistemática da repercussão geral: “É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades.” 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF – RE 705423, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 23/11/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-020 DIVULG 02-02-2018 PUBLIC 05-02-2018)
4 – CONCLUSÃO.
Nos termos do julgado do STF, foi proposta uma resposta a seguinte pergunta: “Logo, cumpre-se perquirir o seguinte: é constitucional a redução do produto da arrecadação que lastreia o FPM e respectivas quotas devidas às Municipalidades, em razão da concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos aos Impostos de Renda e Sobre Produtos Industrializados por parte da União?” (RE nº 705.423/SE).
A resposta foi afirmativa, com o debate da celeuma dos termos constitucionais competência tributária da União e a autonomia financeira dos Municípios, indicando que:
“Por conseguinte, firmo convicção no sentido de que não se haure da autonomia financeira dos Municípios direito subjetivo de índole constitucional com aptidão para infirmar o exercício da competência tributária da União, inclusive em relação aos incentivos e renúncias fiscais, desde que observados os parâmetros de controle constitucionais, legislativos e jurisprudenciais atinentes à desoneração.
Verifica-se, a propósito, que a repartição de receitas correntes tributárias no Sistema Tributário Nacional conjuga duas espécies de financiamento dos governos locais: uma pelo critério da fonte (cobrança de tributos de competência própria) e outra pelo produto, o qual se traduz em participação no bolo tributário de competência do governo central. Nessa segunda hipótese, não há direito a uma participação referente a uma arrecadação potencial máxima em que se incluiria os incentivos e as renúncias fiscais, sob pena de subversão da decisão do Poder Constituinte em momento constitucional no que diz respeito ao modelo de federalismo fiscal. (...)
Diante dessas razões, firma-se convicção no sentido de que é constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades.”
Por fim, restou sedimentada no Tema 653 da sistemática da repercussão geral que: “É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades.”
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
AMARAL, Paulo Adyr Dias do. Finanças Públicas e Sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2016.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2013.
CASALTA NABAIS, José. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2004.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
GOUVÊA, Marcus de Freitas. Questões relevantes acerca da extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
MACHADO, Hugo de Britto. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros Editora, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocência Mártires. Curso de direito constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2015.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. São Paulo: Martin Claret, 2008.
SCHOUERI, Luiz Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção na economia. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
NOTAS:
[1] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. São Paulo: Martin Claret, 2008.
[2] AMARAL, Paulo Adyr Dias do. Finanças Públicas e Sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p20.
[3] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Malheiros, 3ª ed. 2001.
[4] AMARAL, Paulo Adyr Dias do. Finanças Públicas e Sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, pag. 12.
Procurador da Fazenda Nacional. Pós-graduado em Direito Tributário e em Direito Processual Civil. Bacharel em direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE FéRRER DE ALBUQUERQUE JúNIOR, . Federalismo fiscal, extrafiscalidade aplicada ao IPI e a Repercussão Geral Nº 653 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jul 2019, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53193/federalismo-fiscal-extrafiscalidade-aplicada-ao-ipi-e-a-repercusso-geral-n-653. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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