1.Introdução
O Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial de exportações agrícolas, e atingiu, no ano passado, a marca de US$ 101,69 bilhões de dólares na participação total de vendas no mercado externo, o equivalente a 42% (quarenta e dois por cento) do valor global exportado no país, de acordo com o boletim divulgado pelo Ministério da Agricultura na Balança Comercial do Agronegócio em 2018[1].
Não obstante, o setor que representa mais de 5% (cinco por cento) da produção mundial de alimentos, segundo informe da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura[2] (FAO - Food and Agriculture Organization), também será o responsável, em uma década, pela oferta de quase metade dos produtos alimentícios numa escala global.
Os dados apresentados tornam irrefutável a relevância da atividade para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil, tendo em vista que tornou-se um dos líderes mundiais na produção e exportação de produtos rurais e agroindustriais.
Parte substancial deste sucesso, deve-se à implementação de políticas governamentais de desoneração fiscal, a exemplo da concessão de imunidades, isenções, alíquota zero, diferimentos, reduções de base de cálculo, créditos, depreciação, amortização, exaustão, compensação de prejuízos fiscais etc.
Contudo, na prática, os empresários e produtores rurais têm enfrentado grandes obstáculos para usufruírem dessas desonerações, em razão da resistência do Estado em concedê-las, a exemplo da dificuldade para obter o aproveitamento de créditos de ICMS, problema que atinge a maior parte dos Estados brasileiros.
Não há duvidas de que o setor demanda atenção do governo e de seus representantes, e o novo cenário político traz otimismo para o produtor, pois o momento é oportuno para aprovação de uma reforma tributária benéfica para o desenvolvimento do setor, que deve incluir a redução da carga tributária; criação de benefícios fiscais e o incentivo de políticas públicas favoráveis.
Nesse ínterim, discorreremos aqui sobre a relação do Direito Tributário com o setor agribusiness, bem como as consequências dessa relação, além de trazer os impactos da Reforma Tributária para o setor.
2.A Reforma Tributária e o agronegócio brasileiro
Conciliar a relação do agronegócio com as questões tributárias, nunca foi uma tarefa fácil, haja vista que o setor é muito visado pela maquina arrecadatória dos Estados, em função do seu crescente desempenho econômico para o país.[3]
Assim, tem-se travado muitas discussões em decorrência da difícil convivência e dialogo entre o Estado e o produtor rural (lato sensu – desde o pequeno produtor, pessoa física, até as grandes agroindústrias, pessoa jurídica).
O cenário é resultado das dificuldades impostas pelo Estado em burocratizar os procedimentos fiscais e onerar o produtor rural com elevadas cobranças de impostos, inviabilizando o crescimento do setor e consequentemente da economia brasileira.
Em observação ao principal projeto de Reforma Tributária em tramitação, (PEC 45/19)[4], é possível perceber que não há, até o momento, espaço dedicado espacialmente para sanar os problemas tributários enfrentados pelo setor agrícola e agropecuário.
Sabemos que toda reforma tributária deve priorizar uma mudança eficiente na estrutura legislativa de impostos, taxas e outras contribuições, de modo que o sistema de tributação se modernize e se torne mais isonômico, essa é, no plano ideal a razão principal da sua existência.
Nesse contexto, temos o setor agrícola como um dos cernes fomentadores da economia brasileira, assim, reduzir a carga tributária deste aumenta seu espaço para investimento, sendo fundamental para manutenção da saúde financeira do Brasil.
Diante do exposto, a desoneração através da revogação da Lei 10.256/2001[5], que regulamenta o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), cuja cobrança foi suspensa e declarada inconstitucional, em 2011, pelo STF[6], e que recentemente mudou seu posicionamento ao decretar a constitucionalidade da contribuição previdenciária[7], gerando um clima de insegurança jurídica.
Depois da discussão acerca da sua constitucionalidade, adveio a Lei nº 13.606/18, com vigência a partir de janeiro deste ano, prevendo que os produtores rurais pessoa física ou jurídica podem optar por continuar o recolhimento da contribuição previdenciária sobre a receita bruta da comercialização da produção rural (Funrural) ou optar por se submeter à contribuição incidente sobre a folha bruta de salários de seus empregados e trabalhadores avulsos (Artigo 22, I e II, da Lei 8.212/91[8]).
O tema ainda é controverso, e sua aplicabilidade bastante confusa, desencadeando muitas discussões sobre a faculdade do recolhimento, e a opção menos onerosa para o produtor.
Outro ponto que merece destaque é a não revogação do Convênio ICMS nº 100/97 (CONFAZ), que garante redução da base de cálculo do ICMS incidente sobre insumos agropecuários, que acaba de ganhar mais um ano de fôlego com a paliativa prorrogação para 30 de abril de 2020.
Contudo, sabe-se que a revogação de apenas 12 meses, traz duvidas e inseguranças para o setor, que prevê um grande impacto negativo com a sua não prorrogação, acarretando um aumento no custo de produção da atividade rural em até 14,3% e a carga tributária em até R$ 40 bilhões, repercutindo diretamente no aumento dos valores da cesta básica, segundo informe da CNA – Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil[9].
O Convênio ICMS nº 100/97[10] traz grandes impactos para a economia do setor, deve portanto, merecer atenção e considerar a criação de Lei ou projeto que garanta este benefício de forma continua e segura.
Outrossim é a contenda sobre a revogação da Lei Complementar nº 87/1996[11], cuja origem está no artigo 155, inciso X, alínea “a”, da Constituição Federal, conhecida como Lei Kandir, prevê a isenção do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações de produtos primários, como itens agrícolas, semielaborados ou serviços.
A lei responsável pela desoneração do ICMS de competência estadual - sobre alguns produtos destinados à exportação, tem como principal finalidade dar maior competitividade ao produto brasileiro no mercado internacional, e agora está ameaçada de ser revogada e acarretar imensuráveis prejuízos a economia brasileira.
Ocorre que, os Estados exercem grande pressão para revogação da mencionada Lei complementar, sob o argumento principal de que há uma perda significativa da arrecadação, prejudicando diversos estados exportadores como Pará e Minas Gerais, diminuindo suas receita e poder de investimento.
Em números concretos, a revogação da Lei gera um déficit de US$ 43 bilhões, além do aumento substancial no índice de desemprego, tendo em vista que a cada US$ 100,00 exportados pelo Brasil, US$ 14,00 corresponde à produção de soja, segundo informação divulgada pela Aprosoja[12].
Na tentativa de sanar o desequilíbrio econômico, foi proposto um projeto, ainda em tramitação, para compensar os Estados, respeitando alguns critérios pré-fixados, através de um repasse realizado pela União, com a finalidade de contrapesar os Estados pela não incidência do ICMS sobre a exportação de produtor primários.
O projeto ainda não foi aprovado pelas Casas Legislativas[13], portanto, ainda há preocupação quanto a possibilidade da sua revogação, devendo ser combatido e discutido com muita cautela, uma vez que acarreta impactos diretos para a rentabilidade do produtor e consequentemente para a economia brasileira no mercado interno e externo.
Deste modo, imprescindível a manutenção do referido beneficio que mitiga o custo de produção para o produtor, tornando os produtos brasileiros mais competitivos no mercado externo. Por isso, deve ser considerada por eventual Reforma Tributária, para garantir, não só a estabilidade econômica interna do país, mas também sua posição e credibilidade no mercado exterior.
Por fim, é valoroso trazer medidas e alternativas para simplificar e tornar eficiente o processo de aproveitamento dos créditos acumulados de ICMS, decorrentes das operações imunes de exportações, mencionadas anteriormente.
Na prática, para garantir a exclusão total desse acúmulo de imposto no processo produtivo voltado à exportação, a carga de ICMS que vem embutida em insumos comprados no mercado interno ao longo da cadeia de produção se transforma em crédito para as empresas exportadoras.
Ou seja, as exportações geram direito à manutenção e aproveitamento de creditos de ICMS pago na aquisição dos insumos (matérias primas; produtos intermediários; matérias de embalagem), destinados à industrialização ou mercadorias adquiridas para revenda[14].
Nestes termos, o exportador pode realizar a compensação, vide artigo 25, LC 87/96:
Para efeito de aplicação do disposto no art. 24, os débitos e créditos devem ser apurados em cada estabelecimento, compensando-se os saldos credores e devedores entre os estabelecimentos do mesmo sujeito passivo localizados no Estado. (Redação dada pela LCP nº 102, de 11.7.2000)[15]
Desse modo, o exportador pode abater de débitos com os estados, e se for o caso, pode ainda transferi-los para outros estabelecimentos do grupo ou a terceiros.
A ideia do aproveitamento dos créditos é excelente, contudo, não funciona em termos práticos, pois as legislações estaduais impedem que os créditos acumulados sejam utilizados para a compensação de débitos. Essas limitações contribuem para um cenário no qual uma a cada três empresas (ou 32,9%) que utiliza o ressarcimento de créditos de ICMS simplesmente não consegue receber o benefício.[16]
A pesquisa demonstra que a limitação à compensação de créditos de ICMS ocorre, sobretudo, no que diz respeito a dívidas decorrentes de substituição tributária (quando a empresa é responsável por recolher o ICMS devido em toda a cadeia), importação (quando há incidência de ICMS sobre a entrada de mercadorias importadas) e diferencial de alíquota (devido nas operações que destinem bens e serviços a outro Estado dentro do País).
O conjunto de condições para a utilização dos créditos acumulados para compensação com débitos próprios, assim como para transferir os saldos acumulados a terceiros evidenciam a resistência do estado em permitir que as empresas gozem do seu direito.
As limitações variam de estado para estado, como alguns que exigem autorização do Fisco para permitir a transferência, ou impõem limites mensais aos valores a serem transferidos e até mesmo vedam os contribuintes que possuem débitos com exigibilidade suspensa (quando a dívida está impedida de cobrança por motivos como parcelamento ou processo judicial) a recorrer às transferências, por exemplo.
As empresas alegam a dificuldade para compensar os créditos, alem da diminuição da sua competitividade no mercado, segundo a Confederação Nacional da Industria (CNI).[17]
Todos os cenários restritivos, violam frontalmente Lei Kandir, como já decidiu o STJ (Superior Tribunal de Justiça) em diversas oportunidades[18]. O STJ tem entendimento consolidado no sentido de que as normas que dispõem sobre a utilização dos créditos acumulados são autoaplicáveis, razão pela qual não seriam passíveis de qualquer tipo de limitação pelos estados.[19]
3. Considerações finais
Diante do contexto, e com cenário político favorável, imprescindível incluir na reforma tributária a garantia do aproveitamento de creditos acumulados, reduzindo a discricionariedade dos estados, e assegurar um procedimento uniforme, simplificado e célere.
Não há duvidas de que existem inúmeros problemas para serem incluídos na pauta de uma eventual reforma tributária, entretanto, os temas aqui elencados, são de maior urgência e prioridade para alavancar a economia do país, e portanto, merece dedicação e cautela dos governantes, parlamentares e operadores do direito.
NOTAS:
[1] Informe do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento link: http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/documentos/camaras-setoriais/equideocultura/2018
[2] Informe da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura link: http://www.fao.org/brasil/noticias/pt/?page=31
[3] TAMARINDO. UBIRAJARA e PIGATTO.GESSUIR - Tributação do Agronegócio – Uma análise geral dos Principais Tributos Incidentes. Editora JH MIZUNO, Leme/SP.
[4] Reforma Tributária. Link: https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ECONOMIA/576932-CCJ-APROVA-PROPOSTA-DE-REFORMA-TRIBUTARIA,-QUE-AGORA-SEGUE-PARA-COMISSAO-ESPECIAL.html
[5] Lei nº 10.256/2001, link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10256.htm
[6] STF, julgamento e suspensão do : http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=339464
[7]STF: Julgamento da constitucionalidade do FUNRURAL,link: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=339602
[8] Lei nº 13.606/18, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13606.htm
[9] Informe da CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. https://www.cnabrasil.org.br/
[10] Convênio CONFAZ, link: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/1997/CV100_97
[11] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm
[12] https://aprosojabrasil.com.br/
[13] SENADO FEDERAL - Link:https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/05/15/comissao-fixa-em-r-39-bi-a-compensacao-anual-a-estados-por-prejuizos-da-lei-kandir
[14]TAMARINDO. UBIRAJARA e PIGATTO.GESSUIR - Tributação do Agronegócio – Uma análise geral dos Principais Tributos Incidentes. Editora JH MIZUNO, Leme/SP.
[15]LEI COMPLEMENTAR 87 de 13 de Setembro de 1996. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm
[16] Pesquisa "Desafios à Competitividade das Exportações Brasileiras" - Confederação Nacional da Indústria (CNI) - Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/jc_contabilidade/2019/02/670489-estados-exportadores-limitam-compensacao-de-creditos-de-icms.html)
[17] KIMBERLEY WINHESKI/ARTE/JC - Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/cadernos/jc_contabilidade/2019/02/670489-estados-exportadores-limitam-compensacao-de-creditos-de-icms.html)
[18] RECURSO ESPECIAL Nº 1.505.296 - SP (2014/0324753-5), link: https://www.ibet.com.br/ibet-antigo/wp-content/uploads/2016/03/RE-sp-1.505.296-SP.pdf
[19] TAMARINDO. UBIRAJARA e PIGATTO.GESSUIR - Tributação do Agronegócio – Uma análise geral dos Principais Tributos Incidentes. Editora JH MIZUNO, Leme/SP.
Advogada do Escritório Ângelo Pitombo Advocacia Tributária, pós graduada em Dir. Tributário, especialista em Tributação no Agronegócio pela FGV-SP, membro dos Comitês de Tributário; Liderança e Juventude e Sustentabilidade da Sociedade Rural Brasileira (SRB).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PITOMBO, Marcela de Oliveira. Os desafios da Reforma Tributária para o agronegócio brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2019, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53204/os-desafios-da-reforma-tributria-para-o-agronegcio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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