RESUMO: O presente artigo tem por objetivo realizar a análise das principais regras e limitações do procedimento de utilização da ata de registro de preços por órgão não participante, previsto no decreto nº 7.892/13, bem como, a partir a identificação das vantagens e desvantagens apontadas pela doutrina e pela jurisprudência, verificar se há viabilidade na proibição da “carona” no âmbito da administração pública, e em especial, no Exército, sem prejuízos graves ao cumprimento de suas missões finalísticas. O trabalho se utilizou de metodologia racional dedutiva, com base em pesquisa doutrinária e jurisprudencial do TCU.
Palavras-chave: Sistema de Registro de Preços. Carona. Exército.
ABSTRACT:The objective of this article is to analyze the main rules and limitations of the procedure for the use of the price registration protocol by not participating organs, established in Decree No. 7.892 / 13, as well as, from the identification of the advantages and disadvantages pointed out by the doctrine and jurisprudence, to verify whether there is a viability in the prohibition of the "carona" in the public administration, and especially in the Army, without serious damage to the fulfillment of its final missions. The work was based on rational deductive methodology, based on doctrinal and TCU jurisprudential research.
Keywords: “Sistema de Registro de Preços”. “Carona”. Army.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico terá por escopo identificar as principais regras e limitações das licitações que empregam o Sistema de Registro de Preços (SRP), previsto na lei 8.666/93, bem como identificar as características, vantagens e desvantagens de um de seus desdobramentos mais polêmicos: a utilização da ata de registro de preços por órgão ou entidades não participantes - prática denominada pela doutrina e pela jurisprudência como “carona”, no âmbito da administração pública federal e, particularmente, no âmbito do Exército.
Assim sendo, o presente artigo será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo observará a normatização vigente do Sistema de Registro de Preços, as particularidades da utilização da ata de registro de preços por órgão ou entidades não participantes, bem como as desvantagens, vantagens e limitações determinadas pelo TCU sobre estas. O segundo capítulo perquirirá sobre as particularidades das aquisições e contratações no Exército e a forma como a “carona” é utilizada. O terceiro capítulo trará as considerações finais acerca das consequências de uma eventual proibição da carona nas licitações deste órgão.
Para alcançar o desiderato científico proposto, será utilizada a metodologia racional dedutiva, a partir da pesquisa doutrinária e jurisprudencial do Tribunal de Contas da União na última década.
Por fim, o objeto deste trabalho cientifico voltará em verificar se há viabilidade na proibição do procedimento de adesão a atas de registro de preços no âmbito da administração pública, e em especial, no Exército, sem prejuízos graves ao cumprimento de suas missões finalísticas.
1. UTILIZAÇÃO DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS POR ÓRGÃO OU ENTIDADES NÃO PARTICIPANTES - “CARONA”
A possibilidade de adesão a atas decorre da utilização do Sistema de Registro de Preços na modalidade de concorrência ou pregão, sendo nesta mais comum.
1.1 Sistema de Registro de Preços
O Sistema de Registo de Preços (SRP), cujo conceito figura no art. 2º, I, do decreto nº 7.892/13 - “conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras” - teve origem em nosso ordenamento a partir de sua previsão no art. 15, II, da lei 8.666/93, de maneira que as compras, sempre que possível, deveriam ser processadas através desse sistema, como segue:
Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:
II - ser processadas através de sistema de registro de preços;
Outros importantes requisitos para o SRP foram previstos nos parágrafos seguintes do art. 15 da mesma lei:
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I - seleção feita mediante concorrência;
II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III - validade do registro não superior a um ano.
§ 4o A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.
§ 5o O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.
§ 6o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado. (grifo nosso)
Destaca-se, portanto, a necessidade de prévia e ampla pesquisa de mercado para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, que em âmbito federal é orientada pela Instrução Normativa (IN) nº 5 de 2014, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, recém-alterada pela IN nº 3 de 2017 do mesmo ministério. Esta Instrução fornece os seguintes parâmetros para a pesquisa:
Art. 2º A pesquisa de preços será realizada mediante a utilização dos seguintes parâmetros:
I - Painel de Preços, disponível no endereço eletrônico
http://paineldeprecos.planejamento.gov.br;
II - contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à data da pesquisa de preços;
III - pesquisa publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenha a data e hora de acesso; ou
IV - pesquisa com os fornecedores, desde que as datas das pesquisas não se diferenciem em mais de 180 (cento e oitenta) dias.
Dentre os parâmetros apresentados, ressalta-se a orientação destinada à Administração em nível federal, para que seja dada preferência aos preços constantes do Painel de Preços ou de contratações de outros entes ou órgãos públicos, consoante o § 1º do art. 2º da IN nº 5 de 2014.
Sobre Painel de Preços, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (2017) aponta que consiste numa plataforma desenvolvida:
(...) pela Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, disponibiliza, de forma clara e de fácil leitura, dados e informações de compras públicas homologadas no Sistema de Compras do Governo Federal - COMPRASNET. Tem como objetivo auxiliar os gestores públicos nas tomadas de decisões nas execuções de processos de compras, dar transparência em relação aos preços praticados pela Administração Pública e estimular o controle social.
No que diz respeito à sua regulamentação, o SRP foi inicialmente normatizado pelo decreto nº 2.743/98, posteriormente pelo decreto nº 3.931/01, e finalmente pelo decreto nº 7.892/13 que atualmente encontra-se em vigência.
Apesar do § 3º do art. 15 da lei 8.666/93 prever o registro de preços na modalidade licitatória da concorrência, atualmente, é facultada à administração federal optar também pela modalidade do pregão, consoante art. 11 da lei 10.520/02:
Art. 11. As compras e contratações de bens e serviços comuns, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando efetuadas pelo sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, poderão adotar a modalidade de pregão, conforme regulamento específico.
A grande vantagem que o SRP trouxe sobre as demais formas de contratação, como aponta Di Pietro (2015, p. 479), foi a facilitação de contratações futuras, evitando-se que a cada vez seja realizado novo procedimento licitatório. Aponta ainda Di Pietro (2015, p. 479), com base no § 4º do art. 15 da lei 8.666:
O fato de existir o registro de preços não obriga a Administração Pública a utilizá-lo em todas as contratações; se preferir, poderá utilizar outros meios previstos na Lei de Licitações, hipótese em que será assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições com outros possíveis interessados
Outras importantes vantagens do SRP são citadas por Cavalcante (2017):
(...) desnecessidade de dotação orçamentária (necessária apenas no memento da contratação - grifo nosso), redução do volume de estoques, eliminação dos fracionamentos de despesa, tempos recordes de aquisição, redução do número de licitações, atualidade dos preços da aquisição e participação de pequenas e médias empresas. (grifo nosso)
Ainda na seara do SRP, é bastante relevante a preocupação com a transparência e a moralidade, seja através da existência de sistema de controle informatizado, COMPRASNET e Painel de Preços, seja pela possibilidade de impugnação, por qualquer cidadão, de preço registrado acima dos valores de mercado, logo, possivelmente superfaturados, tudo em consonância com os parágrafos 5º e 6º do art. 15 da lei geral de licitações.
1.2 Particularidades da utilização da ata de registro de preços por órgão ou entidades não participantes
A “carona”, nas palavras de Mazza (2017, p. 555), consiste na “utilização, por uma pessoa jurídica ou órgão público, do registro de preço realizado por outra entidade estatal”.
O procedimento está previsto no decreto nº 7.892/13 em capítulo específico, IX, bem como na lei 12.462/11 que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Não obstante sua previsão em lei e em decreto regulamentar, o instituto tem sido objeto de críticas por parte da doutrina e, notadamente, pelo Tribunal de Contas da União (TCU), como aponta Di Pietro (2015, p. 481):
A figura do “carona” tem sido objeto de críticas por parte da doutrina, tendo em vista que permite aos órgãos ou entidades da Administração Pública a contratação de bens ou serviços sem que tenham participado do procedimento da licitação, inclusive no que diz respeito aos requisitos de habilitação.
No intuito de minimizar os problemas apontados nos decretos anteriores, o decreto nº 7.892/13 foi instituído com a intenção de “solucionar as várias celeumas em torno do tema(...), estabelecendo novos critérios para limitar a adesão às atas de registro de preços por órgãos ou entidades não participantes”, ressaltam Dorella e Soares (2013, p.37). As autoras apontam ainda outras inovações no SRP, a destacar:
(...) fixar prazo de validade da ata de registro de preços não superior a doze meses, incluídas eventuais prorrogações; vedar acréscimos nos quantitativos fixados na ata de registro de preços; prever cadastro de reserva de fornecedores, no caso de exclusão do primeiro colocado da ata; não exigir a indicação da dotação orçamentária no procedimento licitatório para registro de preços, a qual passa a ser exigida apenas na formalização do contrato, diferentemente do que preceitua a Lei n. 8.666/93 (grifo nosso).
A utilização do procedimento da carona não se dá de forma arbitrária. Há que se observar regras e limites estabelecidos no decreto nº 7.892/13, art. 22 e seus parágrafos. Do “caput” já é possível constar que constitui fundamental requisito para a utilização de ata por órgão não participante (“órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços” - art. 2º, V, mesmo decreto) a demonstração justificada da vantagem pela adoção da mesma, durante sua vigência, e mediante a anuência do órgão gerenciador:
Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador (grifo nosso).
Os órgãos ou entidades não participantes que desejarem utilizar a ata de registro de preços de certame, que não tenham integrado inicialmente, deverão consultar o órgão gerenciador sobre a possibilidade da adesão. Ademais, é necessário que o fornecedor beneficiário da ata homologada, consoante as condições nela estabelecidas, aceite realizar o fornecimento decorrente da adesão, contanto que não prejudique o fornecimento ao órgão gerenciador e aos demais participantes, como depreende-se dos parágrafos 1º e 2º:
§ 1º Os órgãos e entidades que não participaram do registro de preços, quando desejarem fazer uso da ata de registro de preços, deverão consultar o órgão gerenciador da ata para manifestação sobre a possibilidade de adesão.
§ 2º Caberá ao fornecedor beneficiário da ata de registro de preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento decorrente de adesão, desde que não prejudique as obrigações presentes e futuras decorrentes da ata, assumidas com o órgão gerenciador e órgãos participantes.
Uma vez concedida a autorização do órgão gerenciador ao não participante, este deverá efetivar a aquisição ou contratação em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata. Incumbirá, também, ao não participante os atos relativos à cobrança do cumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelo fornecedor, inclusive a aplicação de eventuais penalidades decorrentes de inadimplemento contratual, observado o contraditório e a ampla defesa, informando as ocorrências ao órgão gerenciador, consoante prescrito nos parágrafos 6º e 7º:
§ 6º Após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata.
§ 7º Compete ao órgão não participante os atos relativos à cobrança do cumprimento pelo fornecedor das obrigações contratualmente assumidas e a aplicação, observada a ampla defesa e o contraditório, de eventuais penalidades decorrentes do descumprimento de cláusulas contratuais, em relação às suas próprias contratações, informando as ocorrências ao órgão gerenciador.
Com o objetivo de atender as correntes recomendações do TCU e críticas da doutrina quanto a possibilidade de adesão ilimitada a atas em vigor, resultantes do entendimento administrativo acerca do § 3º do art. 8º do decreto n° 3.931/01 em que “cada órgão do governo poderia ‘aderir’ à ata de registro de preço e contratar, individualmente, até ‘cem por cento dos quantitativos’ licitados, propiciando uso imoderado do instituto, uma vez que inexistia limites a tais contratações” como aponta Maués (2014, p.2), foram elaboradas as limitações dos parágrafos 3º e 4º do decreto n° 7.892/13.
Redação anterior, § 3º do art. 8º do decreto n° 3.931/01:
Art. 8.º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.
(…)
§ 3.º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.
Redação atual, parágrafos 3º e 4º do decreto n° 7.892/13:
§ 3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes.
§ 4º O instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem.
Realizando a limitação do quantitativo possível da adesão a 100% do quantitativo previsto no edital e registrado em ata para determinado item, bem como a limitação do quantitativo global a ser disponibilizado para possíveis “caronas”, restrito ao quíntuplo do quantitativo registrado para o mesmo item, tentou-se evitar situações absurdas como as apontadas, por exemplo, no Acórdão 1.487 de 2007 do TCU, como segue:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante das razões expostas pelo Relator, em:
9.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que:
9.2.2. adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto n.º 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão;
(...)
22. Ainda segundo o § 3º do citado artigo (8º do Decreto n.º 3.931/01), as aquisições ou contratações adicionais a que se refere o art. 8º não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços, definidos no momento em que o órgão gerenciador consolida as informações relativas à estimativa individual e total de consumo para os órgãos que se manifestam previamente para participar do registro de preços (Art. 3º, § 2º, inciso II)(grifo nosso) .
23. Tal dispositivo da Lei, nos leva a outro questionamento. Ao permitir que cada entidade que solicite adesão à ata utilize 100% do quantitativo inicialmente registrado, na prática, o órgão gerenciador faz com que o valor da contratação se multiplique diversas vezes. No caso do pregão em análise, 62 entidades aderiram à ata de registro de preços. O valor estimado de contratações era de 32 milhões de reais. Se cada entidade pode utilizar, individualmente, 100% desse valor estimado, as contratações feitas junto à empresa vencedora do certame poderiam alcançar o valor de R$ 1.984.000.000 (um bilhão, novecentos e oitenta e quatro milhões de reais), (grifo nosso).
Insta apontar, por sua vez, a relevância dos parágrafos 8º e 9º do art. 22 do decreto n° 7.892/13, que trazem a vedação aos órgãos e entidades da administração federal de aderirem a atas de registro de preços gerenciadas por órgãos ou entidades estaduais, distritais ou municipais. De outro modo, é facultado a estes a adesão a atas de registro de preços da administração pública federal. Veja-se a regra vigente:
§ 8º É vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual.
§ 9º É facultada aos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais a adesão a ata de registro de preços da Administração Pública Federal.
1.3 Críticas desfavoráveis à “carona”
Previamente aos apontamentos acerca das críticas desfavoráveis ao instituto, é necessário que se verifique o momento em que elas foram feitas, se antes ou depois da instituição do decreto n° 7.892/13, haja vista tal regulamento ter se prestado a solucionar parte delas.
1.3.1 Ilegalidade, frustração à licitação e o não atendimento a regra da vinculação ao edital
Esta crítica é feita dentre outros por Di Pietro (2015, p.480) quando afirma que está seria uma hipótese de contratação direta, admitida pelo regulamento, mas sem fundamento pela lei 8.666/93.
Crítica também presente no Acórdão 2.692/12 do TCU :
Evidencia-se, então, que a figura do 'carona' corresponde ao aproveitamento dos efeitos de uma licitação anterior, para que uma entidade administrativa promova contratação sem prévia licitação. Configura-se uma situação similar à da dispensa de licitação, fundada na exclusiva discricionariedade administrativa. Essa solução é incompatível com a regra imposta no art. 37, inc. XXI, da CF/88. Na verdade, produziu-se a instituição por meio de decreto de mais uma hipótese de dispensa de licitação. O problema imediato reside em que a Constituição estabelece que somente a lei pode criar as hipóteses de dispensa de licitação.
O desatendimento a regra da vinculação ao edital é levantada por Di Pietro (2015, p. 480) sob o argumento de que “na medida em que os fornecedores poderão ser contratados por órgão não participantes da licitação”.
1.3.2 Não atendimento a normas de habilitação
O não atendimento a normas de habilitação é apontado por Di Pietro (2015, p. 481) pelo fato de que:
(...)os fornecedores poderão ser contratados sem terem demonstrado idoneidade para a contratação com órgãos não participantes da licitação; o volume de contratação pode ser de tal ordem que o fornecedor não tenha idoneidade para a contratação, quando somada à efetuada pelos órgãos participantes da licitação.
1.3.3 Ineficiência, falta de planejamento e antieconomicidade
Segundo Melo (2009, p.279), a prática da carona atenta contra o princípio da eficiência uma vez que “prestigia a inércia e o comodismo administrativo, haja vista que os órgãos poderão esconder a ausência de planejamento nas contratações buscando sempre a adesão às Atas de Registro de Preços de outros órgãos”.
No Acórdão 1.212 de 2013 do TCU, a “carona” é apontada como um desvirtuamento do SRP em decorrência de falta de planejamento, como apontado no próprio enunciado:
A adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do Sistema de Registro de Preços (SRP), que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública.
A ofensa ao princípio da proposta mais vantajosa e da economicidade estaria configurada na visão de Cavalcante (2017, p.9) uma vez que ocorreria aumento no quantitativo originalmente previsto, o qual não viria acompanhado de uma eventual redução do valor unitário. A autora argumenta ainda que “caso o órgão não participante tivesse feito parte inicialmente do procedimento licitatório (...) o cômputo dos quantitativos referentes à sua estimativa de consumo ensejaria certeira diminuição no custo da aquisição”.
1.3.4 Desrespeito ao princípio da isonomia
Aponta Cavalcante (2017, p.9) que haveria desrespeito ao princípio da isonomia na medida em que “a prática indiretamente criaria uma espécie de regalia para que a empresa licitante vencedora pudesse firmar inúmeras contratações das quais não estava, a priori, comprometida”.
1.4 Críticas favoráveis à “carona”
Em contraponto às críticas supramencionadas, seguem as críticas positivas sobre o procedimento.
1.4.1 Eficiência da Administração
A principal finalidade e objetivo da “carona” é ser um instituto eficiente para as contratações da Administração em diversos aspectos. Os primeiros deles são identificados por Fernandes (2007): “desnecessidade de repetição de um processo oneroso, lento e desgastante quando já alcançada a proposta mais vantajosa”. Além da vantagem da redução de custos com o processo licitatório, há celeridade e praticidade em detrimento de adoção de práticas do contexto da Administração Pública Burocrática, como ressalta Vivas (2013, p.14.452).
Com o desenvolvimento de plataformas como o Painel de Preços o administrador público tem larga possibilidade de realizar contratações vantajosas para atingir sua missão finalística, haja vista ser possível à consulta instantânea de dos preços obtidos nos certames federais para um objeto específico, atendendo desta forma à determinação do art. 43, IV, da lei 8.666/93. Como segue:
Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;
1.4.2 Alternativa às modalidades de contratação direta por dispensa ou por inexigibilidade de licitação
Fernandes (2007) observa que na prática muitos órgãos estão deixando de contratar por dispensa ou inexigibilidade de licitação para utilizarem do instituto da “carona”, contratando, portanto, objetos que já passaram pela depuração do procedimento licitatório.
1.4.3 Alternativa de contratação quando o processo licitatório é frustrado
A “carona”, em muitos casos, se torna uma alternativa viável quando o processo licitatório é frustrado, seja por não haver fornecedores interessados em todos, ou parcela, dos itens necessários à Administração, ou por inadimplência contratual do próprio fornecedor, ou por restrição habilitatória superveniente.
1.4.4 Possibilidade de aferição do desempenho do contratado
Consoante observação de Fernandes (2007):
quando o carona adere a uma Ata de Registro de Preços, em vigor, normalmente já tem do órgão gerenciador – órgão que realizou a licitação para o Sistema de Registro de Preços – informações adequadas sobre o desempenho do contratado na execução do ajuste.(grifo nosso)
1.5 Recomendações relevantes do TCU acerca da “carona”
Acórdão 2.769 de 2011, enunciado: “Não pode haver o aproveitamento de registro de preços por instituição pública quando as especificações do objeto forem exclusivas para a instituição que realiza a contratação”.
Acórdão 1.202 de 2014, enunciado:
A adesão a ata de registro de preços (carona) está condicionada à comprovação da adequação do objeto registrado às reais necessidades do órgão ou da entidade aderente e à vantagem do preço registrado em relação aos preços praticados no mercado onde serão adquiridos os bens ou serviços.
Acórdãos 757 e 1.297, ambos de 2015, no mesmo teor:
O órgão gerenciador do registro de preços deve justificar eventual previsão editalícia de adesão à ata por órgãos ou entidades não participantes ("caronas") dos procedimentos iniciais. A adesão prevista no art. 22 do Decreto 7.892/2013 é uma possibilidade anômala e excepcional, e não uma obrigatoriedade a constar necessariamente em todos os editais e contratos regidos pelo Sistema de Registro de Preços.
Acórdão 2.842 de 2016, enunciado:
A utilização do sistema de registro de preços deve estar adstrita às hipóteses autorizadoras, sendo a adesão medida excepcional. Tanto a utilização como a adesão devem estar fundamentadas e não podem decorrer de mero costume ou liberalidade.
2. PARTICULARIDADES DAS AQUISIÇÕES E CONTRATAÇÕES NO EXÉRCITO
Não obstante o Exército integrar a administração pública federal como tantos outros órgãos é necessário elencar suas particularidades de atuação, haja vista a implicação dos reflexos destas em suas contratações. A começar pela missão constitucional atribuída às Forças Armas:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Depreende-se, portanto, que as missões designadas às Forças Armadas, são as de maior gravidade, dentre as elencadas na Carta, em razão de cenários críticos como guerra externa, guerra civil, crises institucionais entre poderes, descumprimento generalizado da lei entre outras situações caóticas. Outra característica da profissão militar está prevista no art. 5º do Estatuto dos Militares, lei 6.880/80: “A carreira militar é caracterizada por atividade continuada e inteiramente devotada às finalidades precípuas das Forças Armadas, denominada atividade militar.”.
Assim, concorrente ao preparo da tropa terrestre para as missões de defesa, não menos importante é o desenvolvimento das atividades meio, tarefas administrativas, dentre elas as contratações, que dão suporte vital às atividades fins.
É nesse contexto que a “carona” figura com bastante relevância, por permitir a contratação de maneira célere nas situações que fogem à previsibilidade e que não figuram como hipótese de contratação direta, seja por dispensa ou inexigibilidade de licitação, em especial, as hipóteses dos incisos III e IV, do art. 24 da lei 8.666/93 (guerra externa, grave perturbação da ordem, emergência ou calamidade pública).
Exemplos dessas situações são os diversos pedidos de apoio e colaboração de outros órgãos ou entes públicos, tal como apoio no controle de endemias, apoio médico em locais de difícil acesso, operações de garantia da lei de da ordem junto à força policial local, operações inopinadas de controle das fronteiras, e tantos outros pedidos que são recebidos sem o tempo hábil para o planejamento e a execução de processo licitatório adequado.
Outro ponto crítico pertinente à administração das centenas de unidades operacionais da Força é a alta rotatividade de seus quadros. A previsão de transferência (remoção) ex officio para oficiais inicia-se a partir de dois anos na mesma localidade e para as praças a partir de três anos.
Além da alta rotatividade, somam-se a frequente insuficiência de pessoal, a crescente demanda administrativa cada vez mais complexa, e a impossibilidade de formar adequadamente o quadro de pessoal para execução destas funções. Todos esses são fatores que desfavorecem marcantemente os processos licitatórios, cuja experiência, habilidade jurídica e administrativa são indispensáveis para perseguição ao interesse público em condições vantajosas nos limites da legalidade.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em interessante estudo sobre a descentralização dos créditos orçamentários nos anos de 2012, 2013 e 2014 para o 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado, unidade operacional do Exército, Da Silva (2015, p.51) conclui que “não foi possível definir qualquer sazonalidade de descentralizações ou regularidade de valores” e que “não há como prever os períodos onde ocorrerão as descentralizações dos créditos orçamentários para o exercício financeiro seguinte, uma vez que o comportamento dessas foi totalmente diferente em todo o período de análise”. Demonstra, também, Da Silva (2015, p.51) que houve variação entre a quantidade de descentralizações e entre os valores recebidos por cada grupo de despesas ao longo de cada ano e durante o período total analisado, três anos.
Se o próprio governo central enfrenta sérias dificuldades em seu planejamento e execução orçamentária ante as variáveis econômicas e previsões de receita tributária que podem se confirmar ou não, o que dizer dos órgãos que compõe a “ponta da lança”, na base hierárquica da administração, e tentam da melhor forma possível cumprir com o interesse público?
Não se pretende esvaziar, contudo, a importância do planejamento, princípio fundamental da Administração Federal que consta há longa data no decreto-lei nº 200/67 em seu art. 6º, I. Não obstante, acredita-se ser possível a manutenção do instituto da “carona” para aquelas situações que acabam por fugir ao planejamento, tais como as indicadas nos itens 1.4.2 e 1.4.3. Inviabilizar a “carona”
Ademais, percebe-se que um dos pilares principais nas críticas à “carona” subsiste em vícios de forma, tais como o excesso de regulamentação pelo decreto nº 7.892/13, e os argumentos de frustração à licitação, não atendimento a regra da vinculação ao edital e normas de habilitação. As críticas quanto a falta de eficiência, desestímulo ao planejamento, antieconomicidade e tratamento não isonômico, perdem parcela de importância em razão do regramento detalhado que vem sendo aplicado ao instituto ao longo de dezesseis anos, seja por parte do Poder Executivo pela instituição do decreto supracitado, seja por parte do próprio Poder Legislativo, que ratificou a “carona” no art. 32, §1º da lei do RDC, seja por parte do TCU que vem adicionando uma série de regras objetivando a minimização de riscos de desvios.
É mister ter em mente, o que menciona Fernandes (2007), que o processo licitatório não é um fim em si mesmo, que ele em si, não tem o condão de tornar o processo de seleção imune a irregularidades, além de ser um procedimento oneroso que muitas vezes tem seu custo de desenvolvimento maior que a vantagem conquistada.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, foi possível constatar que as críticas doutrinárias e jurisprudenciais decorrentes tanto da implantação do Sistema de Registro de Preços, quanto da “carona”, se prestaram a fortalecer ambos os institutos corrigindo vícios passíveis de causar dano ao erário, como a adesão ilimitada por exemplo.
Resta apontar ainda que a vedação à “carona” unicamente por algum vício formal consistiria em pesado retrocesso sob o ponto de vista de uma administração menos burocrática e mais eficiente, na medida em que o instituto figura como ferramenta subsidiária ao alcance do gestor público diante da imprevisibilidade. A proibição do instituto, em especial, pelas unidades operacionais do Exército poderia inviabilizar ou prejudicar sobremaneira o cumprimento de suas atividades finalísticas, aliadas as dificuldades comuns do cotidiano castrense.
Por fim, voltando-se os olhos ao futuro, percebe-se que a modernização e a atuação dos meios de controle; a disponibilização a toda sociedade de instrumento que efetivamente assegure a transparência e a possibilidade de impugnação de eventuais irregularidades na contratação pública; que a atualização adequada das regras licitatórias; garantem, sob o prisma da razoabilidade, a manutenção da “carona” no ordenamento brasileiro.
REFERÊNCIAS
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Pós-graduado em Direito Administrativo da rede de ensino LFG/Anhanguera. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá. Oficial do Exército pela Academia Militar da Agulhas Negras - AMAN. Pós-graduado em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais – EsAO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LARA, Marcelo Bicalho. A inviabilidade da vedação à adesão a atas por órgãos não participantes nos pregões SRP no âmbito do Exército Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53240/a-inviabilidade-da-vedao-adeso-a-atas-por-rgos-no-participantes-nos-preges-srp-no-mbito-do-exrcito. Acesso em: 23 dez 2024.
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