RESUMO: A Lei Geral de Licitações – n° 8.666/1993, apesar de colocar a Administração Pública em posição de supremacia em relação aos particulares, também fornece a estes elementos de resguardo dos seus interesses. Somam-se a esses, outros instrumentos espalhados pela Constituição da República e pela jurisprudência pátria. O estudo e sistematização do assunto é de suma importância, pois dá aos licitantes meios de combater os arbítrios de gestores desonestos, que, muitas vezes, utilizam-se da posição superior da Administração para sufocar financeiramente aqueles que não aceitam os arranjos e conluios armados entre políticos e os empresários apaniguados, os “amigos do rei”, mormente em escala municipal. Nesse sentido, o tema é dos mais relevantes para a concretização do princípio da isonomia nas contratações públicas, bem como para a defesa da probidade administrativa.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Princípio da Isonomia. Licitações. Contratos administrativos. Salvaguardas do fornecedor.
INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 inaugurou, no Brasil, um novo paradigma em relação às licitações e aos contratos administrativos, por meio de uma série de limitações à discricionariedade dos gestores. Assim, no mar das contratações públicas, a regra é a licitação, excetuada por ilhas, onde se faz possível a contratação direta, sem licitação.
Sob outro enfoque, reforçou-se o caráter democrático e isonômico dos processos licitatórios, pois não basta licitar, mas há que se garantir a participação do maior número possível de interessados, situação que garante também outro importante objetivo, que é a busca da proposta mais vantajosa para a Administração. Para tal, é imperativo que sejam exigidos apenas os requisitos estritamente necessários para garantir a idoneidade do contratado e sua capacidade de entregar o bem ou serviço em questão.
Seguindo essa linha, veio a Lei 8.666/1993, conhecida como Lei Geral de Licitações, que apesar de passível de críticas, como tudo na vida, obedeceu bem aos parâmetros delineados pelo Poder Constituinte. Como se sabe, todavia, nem sempre, ou quase nunca, aliás, as leis se fazem cumpridas em sua integralidade de forma imediata, e muitos hábitos escusos e ilegítimos continuam a acontecer pelos intrincados ramos da Administração Pública. Isso é particularmente verdade no âmbito dos municípios, especialmente os de pequeno porte, onde a fiscalização popular e estatal não se faz presente em sua plenitude.
É consabida a famosa prática patrimonialista existente em grande parte da Administração Pública brasileira. Tão logo o sujeito logra eleger-se ou ser indicado para um dado cargo, passa a tratar a coisa pública como se extensão do seu patrimônio fosse, e negociar vantagens e benefícios com quem lhe oferece mais, favorecendo seus apadrinhados e oferecendo empreguinhos nos famosos cabides. E faz isso sentindo-se um grande filantropo. “Caridade” às custas do dinheiro do povo.
Diante desse quadro, não basta garantir que todos possam, em tese, participar e vencer as licitações, pois quando um licitante sério vence um certame a contragosto dos donos do poder, estes utilizam-se dos mais diversos artifícios para sufocá-lo: demora no pagamento, exigências ilegais na entrega, exigência de contratação nos últimos dias do ano, para dificultar a entrega e recebimento dos bens e serviços e mil outras maquinações.
Por isso, a lei também trouxe resguardos para o fornecedor, a fim de que este, após a entrega do bem, não ficasse a ver navios, sem receber a justa remuneração, por retaliações de gestores mal-intencionados. É justamente esse o escopo do presente trabalho. Vejamos.
1 CUIDADOS E IMPOSIÇÕES LEGAIS PRÉVIAS À LICITAÇÃO E À ENTREGA DO BEM OU EXECUÇÃO DO SERVIÇO
De partida, é necessário recordar que o gestor público não pode lançar editais de licitação a esmo, sem quaisquer cuidados. Tal conduta poderia culminar em situações nas quais, após adquirir o bem ou serviço, a Administração se visse sem dinheiro para quitar seu débito. Por esse motivo é que a Lei 8.666/93, dispõe da seguinte forma:
Art. 7º [...]
§ 2º As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:
I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;
II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;
III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;
IV - o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no Plano Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição Federal, quando for o caso.
[...]
Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa (Grifos nossos).
Destarte, antes de iniciar uma licitação, o gestor deve avaliar se há dotação orçamentária apta garantir-lhe o pagamento. O raciocínio não poderia ser diferente, por força do quanto disposto no artigo 167, I, da CRFB:
Art. 167. São vedados:
I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
[...]
Além disso, o retardamento da execução contratual é hipótese excepcional. Havendo recursos, deve a Administração manter a execução do contrato, de acordo com o teor do art. 8º, parágrafo único da Lei 8.666/1993:
Art. 8º [...]
Parágrafo único. É proibido o retardamento imotivado da execução de obra ou serviço, ou de suas parcelas, se existente previsão orçamentária para sua execução total, salvo insuficiência financeira ou comprovado motivo de ordem técnica, justificados em despacho circunstanciado da autoridade a que se refere o art. 26 desta Lei.
Com efeito, mais adiante, referido diploma reforça tal disposição, ao estatuir, no aludido art. 26, que o retardamento da execução contratual deve ser comunicada, “dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos”.
Nessa toada, relevante se faz destacar a lição de Ronny Charles Lopes de Torres[1]:
Da leitura do parágrafo único, verifica-se que é proibida a atitude do gestor que, assumindo novo mandato, omite-se na continuidade da execução das obras em andamento, apenas por terem sido iniciadas por seu antecessor, quando adversário político.
De fato, omitir-se na continuidade de uma obra, sem justificativa plausível, apenas por disputa política, constitui-se em ato de improbidade administrativa que causa dano ao erário, pois o Ente público já despendeu verbas no empreendimento e, simplesmente, abandoná-lo caracteriza-se como uma forma de desperdício e descaso. Interessante acrescentar que a paralização da obra costuma ocorrer por rixa não só com o antecessor político, mas também com o contratado, uma forma de perseguição.
Embora desconheça-se julgados em que tal questão tenha sido posta, adota-se aqui a opinião de que o art. 8º, paragrafo único, cumulado com o art. 26 da Lei Geral de Licitações - LGL - exclui qualquer discricionariedade por parte do gestor sobre a continuidade das obras públicas, gerando, por conseguinte, direito líquido e certo da empresa contratada de que o contrato administrativo seja dado cumprimento. Nesse contexto, comprovada a existência das verbas destinadas à execução da obra, caberia àquela o manejo de mandado de segurança.
Por outro lado, sendo suspensa imotivadamente a execução por ordem da Administração por mais de 120 (cento e vinte) dias, o particular pode optar pela rescisão do contrato, como se lê no art. 78, XIV, da LGL.
2 PRAZOS E ETAPAS DO PAGAMENTO
Uma vez entregue o produto ou serviço, a Administração deve efetuar o pagamento, nos termos da proposta vencedora. Consoante teor do artigo 40, XIV, alínea “a”, da Lei Geral de Licitações isso deverá ocorrer no prazo máximo de 30 (trinta) dias a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela.
Essa regra admite exceção, conforme dicção do art. 5º, §3º do mesmo diploma legal, que prevê o prazo de 5 (cinco) dias a partir da apresentação da fatura, nos casos de pagamentos decorrentes de despesas cujos valores não ultrapassem o limite de que trata o inciso II do art. 24 (dispensa de licitação para bens e serviços que não sejam de engenharia ou obras).
A despesa pública, contudo, é dividida em etapas bem definidas, conforme dispõe a Lei 4320/1964. A primeira fase é a do empenho, que é instrumentalizado pelo documento chamado nota de empenho:
Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição.
[...]
Art. 61. Para cada empenho será extraído um documento denominado "nota de empenho" que indicará o nome do credor, a representação e a importância da despesa bem como a dedução desta do saldo da dotação própria.
Consoante remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a “nota de empenho emitida por agente público é título executivo extrajudicial por ser dotada dos requisitos da liquidez, certeza e exigibilidade”[2].
É, também, importante que seja dito que, segundo o Tribunal de Contas da União, o momento limite para a realização do empenho e a consequente lavratura da nota de empenho é a assinatura do contrato administrativo. Em outras palavras, o empenho deve ser prévio ou contemporâneo à celebração do contrato[3]. Para o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, trata-se de uma garantia de que, ao assinar o contrato, o fornecedor terá meios legais de receber o seu crédito[4].
Após a emissão da nota de empenho, realiza-se a etapa da liquidação:
Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.
Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.
§ 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
Liquidada a despesa, emite-se a ordem de pagamento, consoante art. 64 da Lei 4.320/1964, para, só então, efetuar-se o pagamento, na forma do art. 65.
Contudo, a interpretação sistemática da legislação nos revela que todo este procedimento deve ser concluído nos prazos aludidos pelos arts. 5º, §3º e 40, XIV, “a”, da LGL (vide item 1) e o desrespeito a eles possibilita ao contratado a execução da nota de empenho, como título constitutivo que é.
Caso a Administração se negue a emitir a própria nota de empenho, o mandado de segurança exsurge como via adequada para forçar a emissão do documento, desde que prove documentalmente a entrega do produto ou execução do serviço ou obra, por meio do termo circunstanciado de recebimento ou recibo, posto que trata-se de ato vinculado, ensejador de direito líquido e certo.
3 DIREITO À RESCISÃO E EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO
Apesar das considerações tecidas acima, no caso de obras e serviços de execução continuada, caso a Administração não efetue os pagamentos devidos, o particular contratado não pode suspender a execução antes de decorridos de 90 (noventa), inteligência do art. 78, LV, da LGL.
Nas lições de Celso Antônio Bandeia de Mello, trata-se da exeptio non adimpleti contractus, ou exceção do contrato não cumprido. Segundo o mestre, sua aplicação, passou a ser possível apenas com o advento do aludido diploma legal, pois antes entendia-se pela sua inaplicabilidade[5]. De toda forma, o instituto, pleno no âmbito no direito privado, tem sua aplicação restrita no terreno dos contratos administrativos.
Segundo o referido dispositivo, diante de tal atraso, cabe, ainda, ao particular, requerer que o contrato seja rescindido, caso a sua continuidade não mais lhe interesse. Ressalte-se que não se trata de hipótese de rescisão unilateral, que apenas é dada à Administração Pública, motivo pelo qual o particular deve requerê-lo judicialmente (art. 79, III), ou, na melhor das hipóteses, solicitar à própria Administração amigavelmente (art. 79, II).
4 A ORDEM CRONOLÓGICA DOS PAGAMENTOS
Outro instrumento de proteção ao particular contratado pela Administração encontra-se positivado na redação do caput do art. 5º da LGL:
Art. 5º Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada (grifo nosso).
Comentando esse dispositivo, Ronny Charles Lopes de Torres salienta que o desrespeito à ordem cronológica dos pagamentos é prática que ainda ocorre, embora seja das mais nefastas, já que gera nichos de corrupção[6].
Continuando, o autor assim discorre, fechando seu raciocínio[7]:
Assim, identificada a quebra ilegítima da ordem cronológica de pagamentos, deve-se, inclusive, admitir o liminar bloqueio dos pagamentos referentes a obrigações posteriores, até a quitação da despesa cronologicamente anterior. O desrespeito, pelo gestor, da ordem cronológica de pagamentos, exigida pelo legislador, é ato manifestamente ilegal, passível de ataque através de mandado de segurança ou outra medida processual pertinente.
Contudo, mais adiante, encontra-se a ressalva de que o mandado de segurança não se presta à cobrança dos valores, mas apenas a garantir o devido cumprimento da ordem cronológica[8].
Ressalte-se que não se trata, aqui, da ordem cronológica imposta aos pagamentos de precatórios, mas sim dos pagamentos feitos administrativamente, pelos próprios órgãos e entidades públicas.
5 O PAGAMENTO DE DÍVIDAS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA DECORRENTES DE SENTENÇA JUDICIAL
A despeito de todas as considerações acima, um problema prático ainda persiste: a sistemática dos precatórios, por sua intrínseca morosidade, quebra o ímpeto da maior parte dos fornecedores, principalmente se o volume de dinheiro devido pela administração é elevado e a empresa não tem capital de giro suficiente para manter sua saúde financeira sem o pagamento.
É complicado entrar numa guerra judicial, sabendo que, mesmo em caso de êxito, os louros da vitória só virão em dois, cinco, sete, dez anos. Nessa situação, ainda há um estímulo muito grande para que o sujeito entre no jogo dos donos do poder e das máfias que ainda se escondem pelos meandros da Administração Pública.
Em geral, esse problema é uma tranca ainda não aberta, um nó a ser desfeito, pois a necessidade de respeito à programação orçamentária, a escassez de recursos públicos e a falta de vontade política não permitiram uma solução alternativa, em larga escala, ao regime de precatórios. Acerca desse regime, é cirúrgica a lição de Matheus Carvalho. Assevera o autor que[9]:
A penhora não surtiria os efeitos necessários, inclusive, pelo fato de que o orçamento público é garantia da execução contra o Estado, uma vez que os débitos judiciais serão inscritos e pagos com respeito à ordem cronológica de precatórios prevista no art. 100 da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, o ente estatal é solvente e não depende da constrição judicial dos seus bens para garantir seus débitos.
O lado bom é que, em relação aos pagamentos de pequeno valor (conceito detalhado mais adiante), tem-se previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e na Lei n° 12. 153/2009 (Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública) um procedimento que dá ao fornecedor meios efetivos de ação contra os arbítrios estatais, especialmente quando a Máquina Pública está nas mãos de gestores mal-intencionados. Vejamos, primeiramente a Constituição:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
[...]
§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
§ 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social (grifo nosso).
[...]
Em complementação a tal previsão, o ADCT estatuiu que:
Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:
I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;
II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios.
Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100 (grifo nosso).
Como se pode ver, a Carta Maior e seu ADCT quiseram imprimir maior celeridade aos pagamentos a serem efetuados pela Fazenda Pública, no que tange aos débitos de menor valia. Trata-se do reconhecimento, pelo Constituinte, de que não há razoabilidade numa situação em que o credor de um pequeno montante tenha de esperar anos a fio para ver satisfeito seu débito.
Seguindo a linha de raciocínio acima, a Lei n° 12. 153/2009, em seu art. 13, assim dispõe:
Art. 13. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado:
I – no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da entrega da requisição do juiz à autoridade citada para a causa, independentemente de precatório, na hipótese do § 3o do art. 100 da Constituição Federal; ou
II – mediante precatório, caso o montante da condenação exceda o valor definido como obrigação de pequeno valor.
§ 1º Desatendida a requisição judicial, o juiz, imediatamente, determinará o sequestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão, dispensada a audiência da Fazenda Pública.
§ 2º As obrigações definidas como de pequeno valor a serem pagas independentemente de precatório terão como limite o que for estabelecido na lei do respectivo ente da Federação.
§ 3º Até que se dê a publicação das leis de que trata o § 2o, os valores serão:
I – 40 (quarenta) salários mínimos, quanto aos Estados e ao Distrito Federal;
II – 30 (trinta) salários mínimos, quanto aos Municípios.
§ 4º São vedados o fracionamento, a repartição ou a quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no inciso I do caput e, em parte, mediante expedição de precatório, bem como a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.
§ 5º Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido para pagamento independentemente do precatório, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultada à parte exequente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório.
§ 6º O saque do valor depositado poderá ser feito pela parte autora, pessoalmente, em qualquer agência do banco depositário, independentemente de alvará.
§ 7º O saque por meio de procurador somente poderá ser feito na agência destinatária do depósito, mediante procuração específica, com firma reconhecida, da qual constem o valor originalmente depositado e sua procedência.
É nítido que o referido dispositivo legal, na sua maior parte, repetiu as disposições constitucionais, mas trouxe duas inovações deveras interessantes, a saber: o bloqueio de numerário para cumprimento da sentença, nos casos de obrigações de pagar quantia certa de pequeno valor e a possibilidade de saque dos valores pelo credor independentemente de Alvará.
O bloqueio de verbas públicas para pagamento de requisições de pequeno valor - RPV constitui fortíssimo instrumento, capaz de concretizar a satisfação dos créditos de eventuais fornecedores perante a Administração, somado ao rito da execução de título executivo extrajudicial contra a Fazenda Pública, que segue o quanto previsto pelo Código de Processo Civil:
Art. 910. Na execução fundada em título extrajudicial, a Fazenda Pública será citada para opor embargos em 30 (trinta) dias.
§ 1º Não opostos embargos ou transitada em julgado a decisão que os rejeitar, expedir-se-á precatório ou requisição de pequeno valor em favor do exequente, observando-se o disposto no art. 100 da Constituição Federal.
O bloqueio das verbas públicas para pagamento de RPV vem sendo bastante albergado pelo Judiciário. A título de ilustração, veja-se interessante julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná[10]:
AGRAVO (CPC, ART. 557, § 1º) DECISÃO DO RELATOR QUE NEGA SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE EXPEDIÇÃO DE REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR (RPV) EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA TIP CONTRA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL - INOCORRÊNCIA DE PAGAMENTO NO PRAZO ESTIPULADO - SEQUESTRO DE NUMERÁRIO SUFICIENTE AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO POSSIBILIDADE - DECISÃO MONOCRÁTICA CONFIRMADA - RECURSO DESPROVIDO. "Transcorrido o prazo estipulado para o Município pagar obrigação de pequeno valor e se mantendo ele inerte, o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da obrigação é medida que se impõe". (Ag.603.737-6/01 Rabello Filho TJPR). A Emenda Constitucional nº 62/2009 não se aplica aos débitos ou requisições de pequeno valor (Grifo nosso).
Ainda no que tange ao bloqueio de verbas públicas, cabe destacar a lição de Coutinho e Rodor, que lembram que no caso dos precatórios, o sequestro apenas seria possível na hipótese de preterição da ordem cronológica de pagamentos, mas a partir da EC 62/2009, a não alocação de verbas para a satisfação dos débitos judiciais também passou a autorizar tal medida[11].
Para concluir, insta destacar a possibilidade de saque dos valores depositados sem a necessidade de alvará, conforme §6º do art. 13 da Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública. Embora pareça de somenos importância, lembre-se que, muitas vezes, a depender das condições locais do Judiciário, a parte pode aguardar um tempo considerável pela feitura de um alvará. Além disso, o procedimento interno nos bancos, para checagem do referido documento, pode tomar uma manhã ou uma tarde inteiras. Sob esse enfoque, a previsão foi de grande ajuda.
CONCLUSÃO
Diante do quadro legal, jurisprudencial e doutrinário exposto, conclui-se que há, sim, alguns meios pelos quais os fornecedores de produtos e serviços podem garantir o recebimento de seus pagamentos, sem esperar uma vida inteira e sem ter que apelar para o apadrinhamento político. Passemos a um resumo de tais meios.
De partida, o Constituinte e o Legislador já proibiram o início de qualquer licitação sem a previsão expressa de recursos para o seu pagamento, sob pena de incorrer o gestor em improbidade administrativa e crime de responsabilidade, conforme o caso.
Além disso, a depender da situação, em cinco dias úteis a contar da apresentação da fatura ou em trinta dias a contar da entrega, caso não haja pagamento, já é possível manejar execução de título extrajudicial contra o ente inadimplente.
Caso o ente realize pagamentos oriundos de uma mesma dotação orçamentária fora da ordem cronológica, há a possibilidade de mandado de segurança visando impedir mais pagamentos fora de ordem.
Nos casos de débitos de pequeno valor, caso o ente não realize o pagamento em até sessenta dias a contar da expedição da RPV, é possível que se proceda ao sequestro de numerário suficiente para saldar a dívida.
Mesmo nos casos em que o valor deva ser pago mediante precatórios, caso haja desrespeito à ordem cronológica de pagamentos ou o ente não destine valores a esta finalidade em seu orçamento, é possível, também, o bloqueio das verbas públicas.
Em nenhum caso é cômodo a um credor depender de tantas providências, mas também no setor privado, há que se reconhecer que muitas execuções são conturbadas e há ocultação ou mesmo dilapidação proposital de patrimônio. Todavia, trata-se um risco natural que todo empreendedor corre. Nem tudo na vida é um mar de rosas e o que importa para o direito é oferecer meios de ação ao interessado, que deve empreender esforços para alcançar seu direito. Como diz o velho brocardo, o direito não socorre aos que dormem.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo, 2º ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
COUTINHO, Alessandro Dantas; RODOR, Ronald Krüger. Manual de Direito Administrativo, 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações comentadas, 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2019.
[1] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações comentadas, 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 155-156.
[2] STJ, 2ª Turma, REsp 894726/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJe 29/10/2009. No mesmo sentido: REsp 1072083/PR, REsp 801632/AC, REsp 793969/RJ e REsp 704382/AC, dentre outros.
[3] TCU, Acórdão nº 1.404/2011, 1ª Câmara, Rel. Min. Ubiratan Aguiar, DOU de 11.03.2011.
[4] TCM-BA, Parecer n° 01605-17, Processo nº 05716-17, datado de 02.08.2017.
[5] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 630.
[6] TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de Licitações comentadas, 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 114.
[7] Ibidem, p. 115.
[8] Ibidem, p. 115.
[9] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo, 2º ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 1085.
[10] TJPR, 2ª Camara Cível, Agravo 815055-4/01, Rel. Des. Cunha Ribas, j. 08/11/2011, DJe 24/11/2011.
[11] COUTINHO, Alessandro Dantas; RODOR, Ronald Krüger. Manual de Direito Administrativo, 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 1044.
Graduado em Direito e especialista em Direito Público pela Faculdade Paraíso do Ceará, FAP-CE. Advocacia focada em Licitações e Contratos Públicos, Improbidade Administrativa, Direito Administrativo em geral, Direito Previdenciário e Direito Penal. Sócio do escritório Leite & Silva Advogados. Procurador Municipal em Milagres-CE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Arthur Alexandre Leite e. Resguardos financeiros do fornecedor de produtos e serviços perante a Administração Pública: aspectos legais e jurisprudenciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2019, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53249/resguardos-financeiros-do-fornecedor-de-produtos-e-servios-perante-a-administrao-pblica-aspectos-legais-e-jurisprudenciais. Acesso em: 23 dez 2024.
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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