RESUMO: O presente artigo trata acerca da aplicação do princípio da boa-fé na gestão pública, uma vez que este princípio possui repercussão no que se refere ao controle dos atos administrativos. Neste sentido, o objetivo é tratar da questão do princípio da boa fé como alternativa para o controle dos atos administrativos realizados pela administração pública. Para o desenvolvimento do artigo utilizou como base metodologia as pesquisas bibliográficas e também legislação existente sobre o assunto. Conclui-se que o Princípio da Boa Fé exerce um papel de grande importância no controle dos Atos Públicos realizado pela Administração Pública. Observou-se ainda que o princípio da boa-fé tem relação com o princípio da segurança jurídica, onde os dois devem caminhar junto, uma vez que tanto o princípio da segurança jurídica como o princípio da boa-fé buscam beneficiar o cidadão e encontra-se amparado no artigo 37 da Constituição Federal de 1988 e encontra-se ligado à confiança que uma pessoa possui em um ordenamento que sempre sofre mutações.
Palavras-chave: Administração Pública. Princípio da Boa Fé. Direito Administrativo.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema O princípio da boa-fé no direito administrativo brasileiro. Neste sentido será abordada no decorrer do trabalho a importância deste princípio para o cidadão brasileiro na garantia de seus direitos enquanto cidadão realizado pela administração pública.
O princípio da boa-fé no direito administrativo brasileiro é como se fosse uma mola mestra da ordem jurídica. Assume papel fundamental quando se fala na legalidade, confiança e agilidade, uma vez que liga as exigências da vida moderna dando maior estabilidade as situações jurídicas, principalmente naquelas que apresentam vícios de ilegalidade. Silva (1996, p. 24) afirma que “o principio da boa-fé é geralmente caracterizada como uma das vigas mestras do Estado de Direito. É ela, ao lado da legalidade, um dos subprincípios integradores do próprio conceito de Estado de Direito”.
Neste sentido, a problemática deste estudo é: o cidadão brasileiro pode ter segurança e ainda confiar nos atos e decisões públicas no que refere seus direitos e também nas posições jurídicas emanadas da administração, distanciando-se a ideia de que são modificadas por motivos circunstanciais?
Para responder o questionamento deste estudo apontam-se as palavras de Barroso (2002, p. 49) “as pedras fundamentais em se assenta toda a organização política do Estado Democrático de Direito são a dignidade humana e o respeito aos direitos individuais e sociais dos cidadãos, conforme destacado no preambulo e no artigo primeiro da Constituição Federal de 1988”.
Assim, o princípio da boa-fé caracteriza-se como sendo uma mola mestra para o desenvolvimento da administração pública e ainda para o direito administrativo, possibilitando que a gestão pública seja realizada com maior rigor e também possam atender os anseios da sociedade.
DESENVOLVIMENTO
O princípio da boa-fé encontra-se positivado no ordenamento jurídico brasileiro, e está expressamente previsto no Código Civil de 2003, nos artigos 113, 187 e 422. Existe ainda a previsão da boa-fé no Código de Defesa do Consumidor, de 1990, nos artigos 4º, inciso III e 51, inciso IV. Possui uma inegável importância no Direito Civil, no que se refere ao campo contratual. E possui uma grande força normativa fora do campo privado, como é o caso do direito administrativo. A esse respeito Godoy (2004, p. 100),
De toda sorte, expandiu-se a boa-fé objetiva como uma exigência de eticização das relações jurídicas, a ponto, inclusive de espraiar seu campo de abrangência a outras áreas do direito privado, que não só a do contrato, e mesmo a outra áreas do direito, como por exemplo, a do direito público.
Devido o reconhecimento da Constituição Federal sobre o valor da boa-fé, pautada na transparência, confiança, lealdade e cooperação, uma vez que a Carta Magna traz preocupação com a justiça material, desenvolvendo assim a dignidade da pessoa humana, favorecendo assim para a construção de uma sociedade justa, livre e solidária em relação aos seus objetivos fundamentais.
De acordo com Souza (2012, p. 8),
Cumpre ressaltar que, parte da doutrina, com enfoque no Direito Administrativo, entende a boa-fé como subprincípio da moralidade administrativa. Na compreensão de que é veicula pelo princípio da moralidade do art. 37 da Constituição Federal de 1988, posição que veio, a seu entender, ser ratificada pela Lei do Processo Administrativo. Assim, o princípio da confiança ou da boa-fé nas relações administrativas é manifesto resultado de junção dos princípios da moralidade e da segurança nas relações jurídicas.
Nota-se na citação acima que o princípio da boa-fé no âmbito do direito administrativo possui uma grande defesa da Constituição Federal, onde possibilita que os agentes públicos, ou seja, a administração pública seja fiscalizada através deste princípio, possibilitando assim que o “povo” tenha seus direitos garantidos, através da prestação de serviço da administração pública.
Assim, o princípio da boa-fé favorece a sociedade, uma vez que o Direito Administrativo necessita de controles junto aos entes públicos para controlar e fiscalizar a administração pública através da prestação de serviços prestados pelos agentes públicos.
Vale salientar ainda as palavras de Souza (2012, p. 9), quando diz que,
Independentemente do assento constitucional que é dado ao princípio da boa-fé, salienta-se que a Lei nº 7.784/99, deu expressão, no plano infraconstitucional e no tocante ao direito administrativo, ao princípio da boa-fé. Fê-lo em duas oportunidades: arts. 2º, parágrafo único, IV, ao determinar a observância, nos processos administrativos, do critério de atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé, e o art. 4º, inciso II, ao dispor que são deveres do administrador, perante a administração, proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé. O primeiro refere-se à boa-fé da Administração Pública; o segundo, do administrado.
Neste sentido, a Lei nº 9.784/99 positivou a boa-fé, a nível infraconstitucional, partindo assim como um dever para a Administração Pública e também para as pessoas privadas que inter-relacionam com a administração pública. Dallari e Ferraz (2002, p. 81), afirma que “a consideração da boa ou má-fé, tanto do particular que se relaciona como a Administração Pública quanto do agente público que se relaciona com o administrado, é também essencial à Administração Pública, configurando um princípio também de direito administrativo”.
Moreira (2007, p. 75), considera que o princípio da boa-fé,
Além de vincular o aludido princípio à moralidade administrativa, pois o compreende como dever do comportamento leal e honesto, não bastando o mero cumpridor impensado e automático da letra da lei, enuncia quinze consequências do princípio da boa-fé. Dentre elas, algumas, a nosso juízo, mais relevantes, a saber: proibição ao venire contra factum proprium (conduta contraditória, dissonante do anteriormente assumido, à qual se havia adaptado a outra parte e que tinha gerado legítimas expectativas); dever do favor acti (dever de conservação dos atos administrativos, explorando-se ao máximo a convalidação); lealdade no fator tempo (proibição ao exercício prematuro de direito ou dever, ao retardamento desleal do ato e à fixação de prazos inadequados); dever de sinceridade objetiva (não só dizer o que é verdade, mas não omitir qualquer fato ou conduta relevante ao caso concreto, tampouco se valer de argumentos genéricos e confusos).
Desta forma, o princípio da boa-fé não regulamenta apenas as condutas administrativas, mas também as decisões, bem como os exercícios dos resultados do processo administrativo, e ainda, deve a administração pública impor aos particulares com quem se relaciona.
A boa-fé, portanto, impõe a supressão de surpresas, ardis ou armadilhas. A conduta administrativa deve guiar-se pela estabilidade, transparência e previsibilidade. Não se permite qualquer possibilidade de engodo – seja ele direto ou indireto, visando à satisfação de interesse secundário da Administração. Nem tampouco poderá ser prestigiada juridicamente a conduta processual de má-fé dos particulares. Ambas as partes (ou interessados) no processo devem orientar seu comportamento, tendo e extraprocessual, em atenção à boa-fé. Caso comprovada a má-fé, o ato (ou o pedido) será nulo, por violação à moralidade administrativa (MOREIRA, 2007, p. 88).
Assim, o princípio da boa-fé possibilita que deve haver relação de confiança, onde o gestor público deve levar em conta as relações existentes entre os particulares para que também seja aplicado o princípio da boa-fé fazendo com que a administração pública seja realizada de forma transparente, para que o direito administrativo possa realizar tomar sua conduta em relação aos atos da administração pública.
O princípio da segurança jurídica juntamente com o princípio da boa-fé é considerado como um dos mais importantes no que se refere à atividade humana. A esse respeito Valim (2010, p 28),
O princípio da segurança jurídica ou da estabilidade das relações jurídicas e o princípio da boa-fé impedem a desconstituição injustificada de atos ou situações jurídicas, mesmo que tenha ocorrido alguma inconformidade com o texto legal durante sua constituição. Muitas vezes o desfazimento do ato ou da situação jurídica por ele criada pode ser mais prejudicial do que sua manutenção, especialmente quanto a repercussões na ordem social. Por isso, não há razão para invalidar ato que tenha atingido sua finalidade, sem causar dano algum, seja ao interesse público, seja os direitos de terceiros.
Assim, a importância da segurança jurídica visa proteger as expectativas do cidadão, ou seja, o gestor público deve valer-se de práticas passadas e dos precedentes da administração pública, que possibilitou e criou expectativas nos cidadãos, onde a administração pública irá buscar alternativas para que os atos e processos sobre seu poder seja tomado através de decisões específicas, consistentes, possibilitando segurança e boa-fé.
O Estado é instrumento da sociedade e sua existência só tem sentido se estiver a serviço de todos e de cada um. Por isso, justifica-se a confiança que legitimamente os membros da sociedade nele depositam, não se admitindo que os agentes públicos possam desempenhar suas funções traindo essa confiança (MOREIRA NETO, 2006, p. 285).
Assim, a conjugação do princípio da segurança jurídica e o da boa-fé é possibilitar aos cidadãos confiança que o gestor público irá desempenhar seu trabalho de forma a atender todos os anseios da sociedade na administração pública. Conforme disserta Mello (2008, p. 124-125) “o direito brasileiro propõe-se a ensejar certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social e a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do homem: a da segurança em si mesma”.
Os princípios da Segurança Jurídica e da Boa-Fé se justificam pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será possível de contestação pela própria administração pública (DI PIETRO, 2007, p. 85).
A Constituição Federal de 1988 possibilitou que o Princípio da segurança jurídica e o da boa-fé fossem considerados como direitos e garantias fundamentais, principalmente ao analisar o artigo 5º, XXXVI, traz em seu bojo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Mesmo que a segurança jurídica não se encontra explicita na carta magna, é princípio constitucional e encontra-se disciplinado dentre os direitos e garantias fundamentais (CANOTILHO, 1993).
Devido a sua localização no texto constitucional, é possível verificar que existe impossibilidade de exclusão do ordenamento jurídico brasileiro, pois o art. 60 da Constituição da República veda qualquer deliberação à proposta de emenda constitucional cujo objetivo seja abolir os direitos e garantias individuais, e ainda, a compreensão da segurança jurídica como princípio impõe que a estabilidade das relações seja considerada como um das balizas para tudo o que tenha ligação com o direito, ou seja, tanto as ações estatais, quanto as relações entre os indivíduos, devem analisar a segurança jurídica (PALU, 2004, p. 73).
Neste sentido, o cidadão não espera apenas do Estado à segurança a vida, segurança patrimonial, entre outros, mas o cidadão espera segurança jurídica, uma vez que a segurança jurídica é o mínimo que o Estado pode oferecer aos seus liderados, controlando atos e relações jurídicas eficazes e válidas.
No que se refere à confiança para com o cidadão para com o ente público deve esta respaldado no princípio da boa-fé, conforme descreve Couto e Silva (2005, p. 48),
A regra do art. 54 da Lei n° 9.784/99, por traduzir, no plano da legislação ordinária, o princípio constitucional da segurança jurídica, entendida como proteção à confiança, tem como pressuposto a boa fé dos destinatários. A decadência do direito da Administração à anulação não se consuma se houver má fé dos destinatários. Não está em questão a má fé da Administração Pública ou da autoridade administrativa. Assim, mesmo existente esta, se os destinatários do ato administrativo estavam de boa fé e houve o transcurso do prazo quinquenal sem que o Poder Público houvesse providenciado na anulação do ato administrativo ilegal, configuram-se todos os requisitos para a incidência e aplicação do at. 54, perecendo, pela decadência, o direito à anulação.
Assim, é possível observar que o princípio da boa-fé juntamente com o princípio da segurança jurídica possibilita maior segurança para os cidadãos para com o ente público, ou seja, para com a administração pública, contribuindo para uma gestão mais clara, objetiva, dentro dos padrões da legalidade, da segurança, da agilidade, da confiança, entre outros.
CONCLUSÃO
Após o desenvolvimento deste trabalho ficou claro que é indiscutível que a administração pública deve ser pautada pela observância do princípio da boa-fé uma vez que este princípio possibilita os parâmetros dos valores positivos bem como da legitimação material e ainda da medida da legalidade.
O princípio da boa-fé possibilita que o ente público seja administrado com maior transparência e ainda sintetiza normas e possibilita que os atos públicos sejam realizados dentro dos parâmetros da legalidade, da segurança, de forma concreta, possibilitando assim melhor convívio social entre o entre público e os cidadãos, conforme descreve Souza (2012, p. 12),
Tendo em vista que a boa-fé regula toda a atividade administrativa, como princípio informador da Administração Pública, é indubitável que a autotutela da Administração sofre influxos da boa-fé, pois impõe várias condicionantes para a invalidação dos atos administrativos. Este sentido se revela na vedação à aplicação retroativa de nova interpretação, de forma que não possam vir a anular os atos anteriores, sob o pretexto de que foram praticados com base em errônea interpretação; a fixação de prazos para anulação dos atos administrativos; a modulação dos efeitos dos atos administrativos inválidos, por meio do qual o ato é anulado, porém, sem aplicação dos efeitos retroativos à data em que foram praticados.
Neste sentido, é possível concluir que o princípio da boa-fé contribui de forma significativa e abrangente no ente público, fazendo com que os cidadãos tenham mais confiança e que os agentes públicos possam realizar o trabalho dentro dos parâmetros da legalidade, presteza, segurança, de forma ágil e eficaz.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Livraria Almedina, 1993.
COUTO E SILVA, Almiro do. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do Processo Administrativo da União (Lei n° 9.784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Número 2 – abril/maio/junho de 2005, 48.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2007.
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato. São Paulo: Saraiva, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira De. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.
PALU, Oswaldo Luiz. Controle de atos de Governo pela Jurisdicão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004
SOUZA, Márcio Luís Dutra de. O princípio da boa-fé na administração pública e sua repercussão na invalidação administrativa. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012.
VALIM, Rafael Ramires Araújo. O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2010.
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica De Minas Gerais e Pós-Graduação em várias áreas do Direito pela Universidade Cândido Mendes
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAOLIELLO, Márcia Carvalho de Lacerda. O princípio da boa-fé e a Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53269/o-princpio-da-boa-f-e-a-administrao-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
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