RESUMO: Com o advento da Lei 13.467/2017, popularmente chamada de reforma trabalhista, que entrou em vigor no dia onze de novembro de 2017, diversas alterações foram feitas no texto da CLT de 1943, sendo que todas elas impactaram diretamente na vida cotidiana laboral dos empregados e empregadores. Diversos direitos que eram intrínsecos aos trabalhadores foram retirados, a exemplo as horas in itineres, a divisão das férias, o tempo da jornada de trabalho, dentre outros, com o argumento de modernização do sistema trabalhista pátrio, entretanto, várias das alterações foram lesivas para os trabalhadores. Nesse rumo, um dos dispositivos que foi acrescido com o advento da nova lei, foi o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, positivado no artigo 855, alínea “a”, visto que a CLT de 1943 era omissa nesse ponto, pois não tratava do incidente. A inclusão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica beneficiou tanto os empregados, pois não mais precisarão utilizar de forma análoga o Código de Defesa do Consumidor para requerer o dito direito na justiça especializada, bem como para os empregadores, que poderão se valer sobretudo da ampla defesa e do contraditório para inviabilizar o pleito da parte contrária, visto que anteriormente se baseando na teoria menor, diversos Juízes desconsideravam a personalidade jurídica de ofício.
Palavras-chave: Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Direito do trabalho. Direito empresarial. Sócio. Empresa. Empregado. Empregador.
ABSTRACT: With the advent of Law 13,467 / 2017, popularly called labor reform, which took effect on November 11, 2017, several changes were made to the 1943 CLT text, all of which directly impacted the daily lives of employees and their employees. employers. Several rights that were intrinsic to the workers were removed, for example the hours in itineres, the break of the holidays in three fragments, the time of the workday, among many others, with the argument of modernization of the labor system, however, several of the These changes were detrimental to the workers. In this sense, one of the provisions that was added with the advent of the new law, was the incident of disregard of legal personality, positive in article 855, sub-paragraph “a”, since the CLT of 1943 was silent on this point, because it did not deal with incident. The inclusion of the disregard of legal personality incident has benefited both employees, as their attorneys will no longer need to use the Consumer Protection Code analogously to apply for this right, as well as for employers, who will be able to rely mainly on the extensive defense and the contradictory to make the opposite party unfeasible, because previously, based on the minor theory, several Judges disregarded the legal personality of office, as highlighted by the homeland CDC.
keywords: Incident of disregard of legal personality. Labor law. Business law. Partner. Company. Employee. Employer.
SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2 – Desenvolvimento. 2.1 - Noções gerais e o conceito de direito do trabalho no ordenamento jurídico brasileiro. 3 - Os princípios do direito do trabalho brasileiro. 3.1 - Princípio da proteção e da norma mais favorável. 3.2 - Princípio da irrenunciabilidade e da continuidade. 3.3 - Princípio da primazia da realidade e da boa-fé. 3.4 - Princípio da inalterabilidade contratual lesiva. 4 - Relação de trabalho e relação de emprego. 4.1 - Conceito de empregado e empregador. 5 - A desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. 5.1 O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho. 6 – Considerações finais. 7 - Referências Bibliográficas.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é um tema que traz diversas discursões no âmbito do direito como todo, visto que a sua abrangência visa atacar o patrimônio dos sócios de uma determinada empresa, no sentido de fazer com os bens dos sócios, caso a empresa não possua mais nenhum bem, venha a sanar as dívidas.
Desta feita, pode-se entender que a desconsideração da personalidade jurídica acontece quando é responsabilizado os bens dos sócios de determinada empresa, afim de sanar débitos, seja da seara cível, consumerista, trabalhista e afins.
Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, é afastada a autonomia patrimonial da empresa, e são cobrados diretamente dos sócios as dívidas da pessoa jurídica. Portanto, no direito brasileiro não só as pessoas naturais são sujeitos de deveres e direitos, as pessoas jurídicas também são detentores de obrigações e direitos.
Assim, com o advento da Lei 13.467/2017, a reforma trabalhista, a mesma trouxe em seu escopo a possibilidade de a parte requerer a desconsideração no processo do trabalho, baseando-se no artigo 855, alínea “a” da nova CLT.
Dessa forma, com a nova redação da CLT, não se faz mais necessário o empregado em um litígio trabalhista recorrer de forma análoga ao Código de Defesa do Consumidor para pleitear a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista a inadimplência da empresa integrante da lide.
Para entender a problematização do tema deste artigo, inicialmente no que se refere a desconsideração da personalidade jurídica, com o advento da Lei 13.467/2017, é necessário entender a definição de direito do trabalho, que nada mais é que o ramo do Direito que é composto de normas que regulam as relações entre os empregados e os empregadores.
Sabe-se que o trabalho é umas das atividades mais antigas da humanidade, visto que a história possui diversos laudos que comprovam que o homem utilizava de diversos meios, como às próprias mãos para sobreviver, construir as suas ferramentas e principalmente para se alimentar. Assim, surgia o trabalho, bem como a mão de obra, que no decorrer dos anos se transformou e desenvolveu, onde diversos tipos de trabalhos foram aperfeiçoados, com o intuito de disseminar as negociações e o comércio capital.
O autor José Cairo Júnior (2016, p. 44) dispõe que direito do trabalho é o ramo do Direito composto por regras e princípios, sistematicamente ordenados, que regulam a relação de trabalho subordinada entre empregado e empregadores, acompanhado de sanções para a hipótese de descumprimento dos seus comandos.
Já o autor De Plácido e Silva (2013, p. 479), destaca que a denominação da expressão direito do trabalho é dada ao conjunto de leis em que se estatuem as normas reguladoras das relações individuais e coletivas de trabalho.
Atualmente no Brasil, as relações entre empregados e empregadores são tratadas em específico pela Consolidação das Leis do Trabalho, que é um conjunto textual de artigos que propiciam os direitos e os deveres dos empregados e dos empregadores. Vale ressaltar ainda, que atualmente são utilizados outros normativos jurídicos, a exemplo jurisprudências, súmulas e orientações jurisprudências, dentre outras formas de resguardarem os direitos e deveres entre empregado, empregadores e até mesmo os sindicatos.
Dessa forma, pode-se entender que a existência do direito do trabalho se dá com uma única e exclusiva necessidade, de proteção dos direitos trabalhistas dos empregadores, bem como dos empregados, visto que na maioria das situações, essa relação é extremamente conturbada.
Existem alguns doutrinadores que dispõem que o direito do trabalho existe somente para a proteção dos direitos dos empregados, visto que são considerados a parte menos favorecida, ou seja, hipossuficiente da relação.
Vale ressaltar, que essa visão diferenciada que o direito do trabalho propõe para a sociedade é totalmente aceitável, visto que historicamente os principais danos da relação empregatícia são advindos dos atos culposos ou dolosos dos empregadores, como exemplo os inúmeros acidentes de trabalho que acontecem nas empresas.
Portanto, é dever do Direito do Trabalho respaldar esses empregados de possíveis ilegalidades cometidas no decorrer do seu contrato de trabalho.
Como todos os ramos do Direito são moldados por princípios, e o direito do trabalho não fica de lado nessa questão, visto da sua relevância para a vida social.
De Plácido e Silva (2013, p. 1097) em sua obra expõe que a terminologia princípio é também a expressão que designa a espécie de norma jurídica cujo conteúdo é genérico, contrapondo-se à regra ou ao preceito, que é a norma mais individualizada.
Portanto, os princípios pressupõem as bases das leis de um determinado ordenamento, tendo por composição estruturas e características específicas de preceitos fundamentais para a prática e sistematização de um correto ordenamento jurídico.
O princípio da proteção tem como base a utilização dos normativos mais vantajosos para o empregado, tendo em vista que o mesmo é a parte mais hipossuficiente da relação empregatícia.
O autor Ricardo Resende (2014, p. 24) preconiza que o chamado princípio protetor ou tutelar, consiste na utilização da norma e da condição mais favoráveis ao trabalhador, de forma a tentar compensar juridicamente a condição de hipossuficiente do empregado.
Já o princípio da norma mais favorável preconiza que, a partir do momento em que magistrado possua duas normas que se colidam em um determinado caso concreto, o mesmo deverá optar pela norma mais favorável para o empregado.
Tendo em vista as diversas situações que o Direito oferece para os seus operadores, é inevitável que o ordenamento jurídico possua distintas formas de julgamento para um mesmo caso concreto, visto da sua magnitude e historicidade.
Dessa mesma forma o princípio do in dubio pro operário preconiza a satisfação do empregado, a partir do momento em que o julgador esteja na dúvida sobre o processo judicial.
Os autores Alex Sander Branchier e Juliana Daher Delfino Tesolin (2006, p. 159) versam que caso em um procedimento judicial subsistam dúvidas, o Juiz deve optar pelo julgamento da causa em favor do empregado.
Pode-se perceber dessa maneira, que o direito do trabalho visa a sua extremidade à proteção dos direitos dos trabalhadores, visto da sua fragilidade perante o capitalismo e frente aos empregadores.
No que se refere a este princípio, o mesmo dispõe no sentido de que o trabalhador não pode dispor dos direitos subjetivos que lhe cabem. Caso o trabalhador rejeite o seu direito, a exemplo do recebimento de salários, em vista de uma imposição do empregador, este fato é nulo.
Desta feita, o artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho brasileiras expõem o tema:
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação. (BRASIL, 1943).
O doutrinador José Cairo Júnior (2016, p. 101) dispõe que fica tolhida a possibilidade de o empregado despojar-se do direito subjetivo trabalhista do qual é titular e que pode ser exercido em face do empregador.
É notório que esse princípio é um dos mais relevantes na seara do Direito do Trabalho, visto que impede que o empregador obrigue que os seus empregados aceitem propostas e situações que lesem os mesmos.
Já o princípio da continuidade possui por base que todos os contratos de trabalho possuam como tempo o prazo indeterminado, ressalvadas as dispõem em lei.
Assim disserta em sua obra o autor José Cairo Júnior (2016, p. 102) que o contrato de trabalho, ordinariamente é celebrado por tempo indeterminado. Só em casos excepcionais admite-se o ajuste de um contrato de trabalho a termo.
Da mesma maneira Ricardo Resende (2014, p. 31) expõe que no âmbito do Direito do Trabalho, presume-se que os contratos tenham sido pactuados por prazo indeterminado, somente se admitindo excepcionalmente os contratos por prazo determinado.
Portanto, pode-se entender que constitui uma presunção favorável do empregado a continuidade do contrato de trabalho, entre ele e o empregador, visto do dito princípio.
Em síntese o dito princípio versa que a realidade dos fatos, do caso concreto deve prevalecer sobre documentos, valores, parcelas, dentre outros, visto da comum má-fé do empregador para com o empregado.
Nesse sentido o autor Ricardo Resende (2014, p. 30) dispõe que este princípio segundo o qual os fatos, para o Direito do Trabalho, serão sempre mais relevantes que os ajustes formais, isto é, prima-se pelo que realmente aconteceu no mundo dos fatos em detrimento daquilo que restou formalizado no mundo do direito.
Assim, dispõe também Maurício Godinho Delgado:
No Direito do Trabalho deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifesta pelas partes na respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva). Desse modo, o conteúdo do contrato não se circunscreve ao transposto no correspondente instrumento escrito, incorporando amplamente todos os matizes lançados pelo cotidiano da prestação de serviços. O princípio do contrato realidade autoriza, assim, por exemplo, a descaracterização de uma pactuada relação civil de prestação de serviços, desde que no cumprimento do contrato despontem, concretamente, todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação). (DELGADO, 2015, p. 211).
É fato que a boa-fé deveria presumir qualquer tipo de situação no mundo real, visto da sua importância nas relações interpessoais. Nas relações empregatícias, o princípio da boa-fé deveria ser o principal aspecto da relação, visto da sua importância para ambas às partes.
Para o autor Jose Cairo Junior (2016, p. 104), o princípio da boa-fé norteia não somente o Direito do Trabalho, mas todo e qualquer Direito que se dedique, principalmente à regulação das obrigações, sejam elas derivadas dos negócios jurídicos, do ato ilícito ou do abuso de direito.
Dessa forma, pode-se entender que deve haver uma reciprocidade mútua entre as partes da relação empregatícia, no que se refere aos bons costumes e boa-fé, pois inexiste uma boa relação de trabalho, tendo como pressuposto à desconfiança e a má-fé.
Conforme o autor Ricardo Resende (2014, p. 32) o dito princípio foi inspirado no princípio civilista de que os contratos devem ser cumpridos (pacta sunt servanda), portanto, o principio assume contornos específicos a fim de adequar-se ao sistema de proteção justrabalhista.
Portanto, a inalterabilidade contratual lesiva buscou morada no Direito Civil, no sentido de que o que é pactuado entre as partes, deve ser cumprido, portanto, o contrato faz lei entre as partes, conforme versa a expressão em latim pacta sunt servanda[1].
Dessa forma, a atual Consolidação das Leis trabalhistas do Brasil dispõe em seus artigos 444 e 468, conforme se segue:
Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia. (BRASIL, 1943).
Portanto, em um universo tão competitivo que são os ambientes de trabalho, a lei limita o poder de alteração por parte do empregador aos contratos de trabalho dos seus empregados, no sentido de que a alteração poderá ser lesiva demais à parte mais hipossuficiente da relação de emprego, que é o empregado.
No Direito do trabalho brasileiro, as relações entre empregados e empregadores são tratadas no texto da Consolidação das Leis do Trabalho, que discrimina as condições entre estas partes.
Dessa mesma forma, acontece a exemplo no direito do trabalho da Argentina, em que pese a Ley de Contrato de Trabajo, onde são disciplinadas as ditas relações.
Na doutrina predominante no direito brasileiro, os autores dispõem na medida em que a relação de trabalho se confunde com a relação de emprego, visto do seu objetivo final que é a mão de obra versus o salário do empregado.
Assim, se caracteriza pela relação de emprego a prestação de um determinado trabalho prestado por uma pessoa física, e a relação de trabalho se dá pelo resultado da interação entre os pressupostos da onerosidade, habitualidade, subordinação, prestação de serviço por pessoa física e pessoalidade, características essas que serão tratadas a seguir.
O conceito de empregado no Direito do Trabalho brasileiro está exposto na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 3º que versa:
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual. (BRASIL, 1943).
As doutrinas brasileiras são uníssonas no sentido de que o conceito de empregado está ligado a prestação de serviço de uma pessoa física, a outrem, sendo que essa poderá ser tanto uma pessoa física ou pessoa jurídica, no intuito de que a prestação dos serviços seja mediante salário.
Dessa forma entende o autor Ricardo Resende (2014, p. 104) que empregado é a pessoa física (pessoa natural) que presta serviços a outrem, serviços estes caracterizados pela pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação e alteridade.
Tendo, portanto, atendidos as características acima citadas, a pessoa física considerar-se-á empregado, bem como trabalhador.
Da mesma forma que a CLT versa sobre o conceito de empregado, a mesma também dispõe sobre o conceito de empregador, conforme pode ser analisado em seu artigo segundo. Assim, o empregador é aquele que mediante a prestação de serviços habituais, subordinados, prestados por pessoa física, de forma pessoal, efetua o pagamento dos salários aos seus empregados.
No sentido da definição da terminologia de empregador, pode-se perceber que no direito brasileiro, a mesma se confunde com a figura da empresa, entretanto, é perceptível que no momento da sua definição, o legislador se equivocou nesta definição, pois tem não é toda pessoa que possui um empregado, necessariamente tem ou é uma empresa, como exemplo disso, pode-se inserir os empregadores que empregar as trabalhadoras domésticas, nos termos da Lei 150/2015.
Define-se então como empregador a pessoa, independente sendo ela física ou jurídica, que contrata uma pessoa física para que a mesma preste os serviços determinados no contrato de trabalho, e em contrapartida, ajusta determinada remunerado a esta pessoa física.
A origem histórica da desconsideração da personalidade jurídica é controversa na doutrina, pois tanto os ingleses como os norte-americanos indagam a propriedade da teoria. Alguns doutrinadores destacam que a desconsideração possui como start os Estados Unidos, nos anos de 1890, em um caso que na doutrina ficou conhecido como Bank of Unites versus Devaux, porém a esmagadora parcela da doutrina destaca que a teoria se iniciou na Inglaterra, no caso Salomon v. Salomon & Co.
No que se refere ao caso Bank of Unites versus Devaux, a doutrinadora Thereza Christina Nahas disserta sobre o caso:
A aplicação do instituto do disregard é largamente utilizada pelos tribunais alemães, americanos, argentinos e ingleses. Dois casos com repercussões mundiais que iniciaram o estudo do tema foram Bank of United States v. Deveaux, onde o Juiz Marshall manteve a jurisdição das cortes federais sobre as corporations (Constituição Americana, artigo 3º, seção 2ª, que reserva a tais órgãos judiciais as lides entre cidadãos de diferentes Estados). Ao fixar a competência acabou por desconsiderar a personalidade jurídica, sob o fundamento de que não se trata de sociedade, mas sim de sócios contendores. (NAHAS, 2004, p. 148).
No caso citado, Salomon vs Salomon & Co. Ltd., o seu empresário Aaron Salomon fundou a pessoa jurídica junto com sua esposa e seus cinco filhos. A pessoa jurídica era composta de 20.007 ações, das quais 20.001 eram de Salomon e o restante da família. Ele integralizou o capital com seu próprio fundo de comércio e virou credor privilegiado da própria empresa, fraudando os credores quirografários.
Assim, baseando-se nos dois casos históricos supracitados, e de acordo com a doutrina atual, pode-se entender que a desconsideração da personalidade jurídica acontece quando é responsabilizado os bens dos sócios de determinada empresa, afim de sanar débitos, seja da seara cível, consumerista, trabalhista e afins.
Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, é afastada a autonomia patrimonial da empresa, e são cobrados diretamente dos sócios as dívidas da pessoa jurídica. Portanto, no direito brasileiro não só as pessoas naturais são sujeitos de deveres e direitos, as pessoas jurídicas também são detentores de obrigações e direitos.
Atualmente do direito brasileiro, são diversos os normativos jurídicos que possuem a previsão do dito incidente, como exemplo o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Crimes Ambientes, a Consolidação da Leis Trabalho, o Código Civil e outros. Entretanto, se faz importante destacar que cada lei prevê requisitos específicos para a atuação no caso concreto.
Como exemplo desse fato, o atual Código de Processo Civil, em seu artigo 133 disserta sobre o assunto:
Artigo 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. (BRASIL, 2015).
Mas imperioso destacar de forma anterior ao incidente de desconsideração, é que a regra geral é que o patrimônio da pessoa física não se confunde com o patrimônio da pessoa jurídica, ou seja, o tanto a empresa, como o seu sócio possui de forma independente os seus patrimônios, sendo assim autônomos e independentes entre si.
Dessa forma, as dívidas contraidas pela pessoa jurídica, normalmente são adimplidas pela própria pessoa jurídica. Assim, caso a pessoa jurídica não cumpra com as suas obrigações, será o patrimônio da mesma que será atingido para adimplir a obrigação.
Portanto, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica está elencado no ordenamento jurídico pátrio, justamente para trazer a boa-fé às relações jurídicas travadas pelas mesmas, porém na figura sócios que são os responsáveis pelos empreendimentos, coibindo assim abuso da pessoa jurídica.
5.1 O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no direito do trabalho
Com o advento da Lei 13.467/2017, chamada popularmente de reforma trabalhista, foram alterados diversos artigos da antiga CLT de 1943, sendo essa a consolidação de normas trabalhistas era do governo de Getúlio Vargas.
É fato que a presente lei mudou totalmente o cenário do direito do trabalho brasileiro, visto que trouxe diversas alterações nos direitos que antes eram inerentes aos empregados, a exemplo a horas in itineres[2], a prevalência do legislado sobre o negociado, e diversos outros direitos que antes eram certos dos empregados, e com a promulgação da lei se tornaram ilegítimos.
Entretanto, a dita lei também inovou em alguns aspectos, a exemplo o dispositivo do artigo 855, que se refere a desconsideração da personalidade jurídica, em seu artigo 855, alínea “a” que diz:
Artigo 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil. (BRASIL, 2017).
Dessa forma, a lei incluiu no corpo da CLT a desconsideração da personalidade jurídica, se baseando no Código de Processo Civil de 2015 que também inovou na matéria.
Portanto, a base legal se encontra no artigo 855 “a” da CLT, e possui o mesmo conceito que é tratado na seara cível do direito brasileiro, que é a responsabilização dos bens dos sócios para adimplir com os débitos trabalhistas da empresa.
A doutrina trabalhista não era unanime quando a este incidente, no sentido de que se era alto aplicável ou não, pois o judiciário entendia que a desconsideração deveria ser no sentido amplo, ou seja, tanto a má administração da empresa, ou a má-fé por parte do empregador, consequentemente acarretaria a responsabilidade dos bens dos sócios daquela empresa.
Assim, é importante destacar que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida a qualquer tempo no processo do trabalho, e a mesma suspende o processo, entretanto, não impede a utilização das chamadas tutelas provisórias de urgência, quais sejam a tutela antecipada, e a tutela cautelar.
Imperioso destacar que a CLT de 1943 era omissa quanto ao tema da desconsideração da personalidade jurídica, a mesma não tratava sobre essa situação no caso concreto, então, os operadores do direito utilizavam por analogia o Código de Defesa do Consumidor, em que pese o seu artigo 28 que destaca:
Artigo 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. (BRASIL, 1990).
Outro fator de grande importância é que com o advento da desconsideração nos processos trabalhistas, o incidente não será concretizado, sem que haja produção de provas, bem como a utilização da ampla defesa e do contraditório, tornando assim de forma eficiente a possível legitimação dos bens sócios, tendo eles a oportunidade de se defender na lide.
Assim, se torna totalmente legítimo e sem qualquer discussão a legalidade da desconsideração da personalidade jurídica na justiça do trabalho, visto que a nova lei positivou em seu artigo 855, alínea “a” o dado dispositivo.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De forma histórica, sabe-se que o trabalho é umas das atividades mais antigas da humanidade, visto que a história possui diversos laudos que comprovam que o homem utilizava de diversos meios, como exemplo às próprias mãos para sobreviver, bem como construir as suas ferramentas e principalmente para se alimentar. Com o passar dos séculos, houveram diversas melhoras no contexto laboral, entretanto no que se refere aos acidentes o trabalho, os empregadores deixam ainda a desejar.
A Consolidação da Leis do Trabalho, bem como a doutrina majoritária do Brasil, elenca uma série de princípios que norteiam a relação empregado e empregador, e grande parte destes princípios possui como base a proteção à vida, saúde física e psíquica dos empregados, sendo esse critério perfeitamente acertado pela dita Consolidação, em virtude da omissão na grande maioria dos casos pelos empregadores. Assim, as relações entre empregados e empregadores são tratadas em específico pela Consolidação das Leis do Trabalho, que é um conjunto de textual que de artigos que propiciam os direitos e os deveres dos empregados e dos empregadores, sendo que incumbe ao empregador respeitar tudo o que ora é exposto nesta Consolidação, principalmente quando se refere da proteção em todos os níveis dos seus empregados.
Essa mesma Consolidação que por anos se manteve impacta, no ano de 2017 foi alterada com o advento da Lei 13.467/2017, que ficou conhecida como a reforma trabalhista. Essa mesma reforma trouxe ao cenário brasileiro diversas alterações, sendo que todas alteraram profundamente a relação de emprego entre o empresário e o trabalhador.
Uma dessas alterações foi a inserção da desconsideração da personalidade jurídica, que antes não era prevista na CLT de 1943, e que agora está esculpida no artigo 855, alínea “a”, que destaca a possibilidade da desconsideração no processo do processo.
Vale ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica nada mais que responsabilizar os bens dos sócios de determinada empresa, afim de sanar débitos, seja da seara cível, consumerista, trabalhista e afins que a empresa se incumbiu de adimplir, mas por fatos diversos não foi possível.
Portanto, a nova lei trabalhista possui em seu bojo o dispositivo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
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NOTAS:
[1] A expressão Pacta Sunt Servanda é um termo em latim que possui por definição que os acordos, bem como os contratos firmados entre as partes, possuem o condão de legitimidade, portanto, devem ser cumpridos, bem como respeitados em sua integralidade.
[2] De acordo com o artigo 58, §2º da CLT destaca que o tempo que o empregado, sendo quando a empresa se encontra em local de difícil acesso, e sendo também o transporte fornecido pela empresa, o período que o empregado ficou dentro do veículo, será computado na jornada do empregado como tempo a disposição.
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas/UNIFEMM. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário UNA de Sete Lagoas. Pós-graduado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Professor de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Advogado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FELIPE AUGUSTO SILVA CUSTóDIO, . A desconsideração da personalidade jurídica na Justiça do Trabalho: os novos rumos do Direito Trabalhista com o advento da Lei 13.467/2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2019, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53297/a-desconsiderao-da-personalidade-jurdica-na-justia-do-trabalho-os-novos-rumos-do-direito-trabalhista-com-o-advento-da-lei-13-467-2017. Acesso em: 23 dez 2024.
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