ADEMIR GASQUES SANCHES
RESUMO: O presente estudo teve como objetivo apontar a participação da Iniciativa Privada em suas ações de responsabilidade social. O direito público brasileiro reflete, em sua evolução histórica, a alternativa de tendências que se aproximam dos parâmetros comparativos no plano internacional. No período colonial, o absolutismo concentrava no poder monárquico o domínio da ordem econômica com a finalidade precípua de captação de recursos para o Erário Real. O objetivo deste estudo foi verificar o Projeto de Lei elaborado pelo Poder Executivo que institui normas gerais sobre as Parcerias Público-Privadas (PPP), visando tecer comentários no sentido de aperfeiçoá-lo. Apontou-se, ainda, uma reflexão sobre o Projeto de Lei à luz da experiência recente da administração pública com esse tipo de empreendimento, com a finalidade de sugerir aperfeiçoamentos a tal projeto.
Palavras-chave: Serviços públicos. Parceria público-privada. Eficiência.
ABSTRACT: The present study aimed to point out the Private Initiative's participation in its social responsibility actions. Brazilian public law reflects, in its historical evolution, the alternative of trends that are close to the international comparative parameters. In the colonial period, absolutism concentrated on monarchical power the dominance of the economic order with the primary purpose of fundraising for the Royal Treasury. The objective of this study was to verify the Bill prepared by the Executive Power that establishes general norms on Public-Private Partnerships (PPP), aiming to make comments in order to improve it. It was also pointed a reflection on the Bill in the light of the recent experience of public administration with this type of enterprise, with the purpose of suggesting improvements to such project.
Keywords: Utilities. Public-private partnership. Efficiency.
Sumário: 1. Introdução. 2. Referencial teórico: 2.1. Conceito de serviço público. 2.1.1. Prestação direta do serviço público. 2.1.2. Prestação indireta do serviço público. 2.2. A nova gestão pública. 2.3. Parceira público-privada: potencialidades, limitações e críticas. 2.4. Legislação aplicável. 2.5. Características do contrato de parceria público-privada. 3. Considerações finais. 4. Referências.
1 INTRODUÇÃO
As parcerias entre o agente público e o agente privado, tem um histórico abrangente em várias partes do mundo. Ao tempo em que tudo se modernizou, as PPP’s também foram se modificando e se ajustando quanto a sua definição e aplicação e, seu sistema regulatório.
A preferência por parcerias público-privadas surge especialmente no contexto em que há limitações orçamentárias e a impossibilidade do Estado de atender as demandas crescentes da sociedade. Encaixando-se na concepção do Estado Liberal ou Regulador, as PPP’s também são passíveis de serem aplicadas a outras concepções de Estado. Sendo de característica complexa, as PPP’s, envolvem três dimensões: dimensão Estado; dimensão Sociedade e dimensão Setor Privado.
A Lei 11.079/2004 instituiu normas gerais de licitação e contratação de PPP’s, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivos fundos especiais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e entidades controladas direta ou indiretamente. No Brasil, a Legislação Federal serve de base para os demais entes federativos. Entre o ano de 2003 e o ano de 2008, diversos estados e municípios tiveram leis específicas de parceria público-privada editadas.
Moreira (2005) menciona a urgência da equiparação da Administração Pública à iniciativa privada no que toca a uma maximização na utilização de verba pública e à diminuição do excesso do que ele chama de formalidades.
O presente estudo busca verificar a hipótese de que essa parceria trouxe benefícios para todas as partes envolvidas, evidenciando o possível papel da iniciativa privada como mecanismo de mudança na situação pública atual, além da fomentação do desenvolvimento da sociedade.
Apesar de um cenário nacional econômico muito preocupante, nota-se o crescimento da iniciativa privada, que em pouco tempo deve se recuperar e voltar a ser produtiva e geradora de riqueza.
Logo, a atuação junto ao setor público mostra-se como possibilidade de um novo seguimento de atuação promissor. Apesar de notar-se alteração no modelo e na concepção do papel a ser representado pelo Estado brasileiro, procurando diminuir sua atuação no segmento econômico e na prestação de serviços públicos, passando a utilizar-se de ferramentas reguladoras e fiscalizadores, a realidade de que, segundo Pestana (2006), há muito a fazer para que os interesses dos cidadãos possam ser assistidos de forma satisfatória, assegurando o mínimo de qualidade de vida.
O estudo em tela busca elucidar e contribuir para as discussões acerca das Parcerias Público-Privadas, dando visibilidade ao tema, bem como exemplificando possíveis alternativas ao setor privado de contribuição no desenvolvimento da sociedade e melhor desempenho do setor público.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Conceito de serviço público
Sob o ponto de vista doutrinário, Maria Sylvia Zanella di Pietro (2015) define serviço público como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.”
Por sua vez, Edmir Netto de Araújo (2015, p.132) define serviço público como:
Toda atividade exercida pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, para a realização direta ou indireta de suas finalidades e das necessidades ou comodidades da coletividade, ou mesmo conveniências do Estado, tudo conforme definido pelo ordenamento jurídico, sob regime peculiar, total ou parcialmente público, por ele imposto.
No que se refere ao direito positivo, a Constituição brasileira indica quais atividades são consideradas serviços públicos nos artigos 21, incisos X, XI, XII, XV e XXIII, e 25, parágrafo 2º. São elas:
Serviço postal e o correio aéreo nacional; serviços de telecomunicações, serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água; navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais; serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; os portos marítimos, fluviais e lacustres; serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; serviços e instalações nucleares de qualquer natureza; a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados; serviços locais de gás canalizado (ARAÚJO, 2015).
Os serviços públicos classificam-se, conforme Hely Lopes Meirelles (2013), em serviços públicos propriamente ditos, serviços de utilidade pública, serviços próprios do Estado, serviços impróprios do Estado, serviços administrativos, serviços industriais, serviços gerais ou individuais.
A Constituição Federal, em seu artigo 175, caput, elenca as formas de oferecimento dos serviços públicos, quais sejam:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Deste dispositivo, há basicamente duas formas de prestação dos serviços públicos, a direta e a indireta, que, por conveniência e oportunidade, podem ser utilizadas pela Administração Pública.
2.1.1 Prestação direta do serviço público
Partindo do princípio de que a classificação mais adequada à Constituição de 1988 é aquela que divide a prestação em direta e indireta, quando se fala em execução direta do serviço público, abrange-se a execução pela Administração Pública direta, aquela formada pelos órgãos sem personalidade jurídica, e pela Administração Pública indireta, de que trata o art. 37, caput da Constituição, constituída pelas entidades com personalidade jurídica própria, isto é, as autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas. Observe-se que a titularidade de um serviço público significa a competência legal para prestá-lo e executá-lo, regulamentando e disciplinando sua execução (ARAÚJO, 2015).
Sendo assim, a titularidade de um serviço só pode ser atribuída através de lei e ao Poder Público, nele compreendidas apenas as pessoas políticas integrantes da Administração direta. Esses entes políticos podem transferir partes específicas de suas competências para entidades da Administração indireta através de uma lei, não havendo necessidade de contrato de concessão ou permissão, que serão melhor analisados adiante. É certo que, mesmo nesses casos, a competência genérica continua com a pessoa política instituidora (ARAÚJO, 2015).
2.1.2 Prestação indireta do serviço público
A forma “tradicional” de prestação de serviço público é a executada diretamente pela Administração Pública, vista no tópico anterior. No entanto, não obstante a regra seja a prestação direta, percebe-se o aumento do trespasse da execução desses serviços a terceiros, que se incumbem de prestá-los à comunidade, conforme disciplinado pelo Estado. Isso deriva da realidade que o país vive, na qual a demanda por comodidades públicas por parte dos administrados é cada vez maior, enquanto que os recursos públicos são cada vez mais escassos, sendo a Administração Pública sozinha incapaz de propiciar à coletividade todos os serviços dos quais necessita (ARAÚJO, 2015).
Assim, a Administração Pública pode, ao invés de prestar ela mesma o serviço, permitir que uma entidade privada seja a prestadora do serviço, através do instituto da delegação. Neste caso, o Estado mantém a titularidade do serviço e delega apenas sua execução a empresas de natureza privada, diferentemente do que ocorre com as entidades da Administração Pública indireta, que, como visto, recebem parte da titularidade do serviço (ARAÚJO, 2015).
Esta delegação pode ser efetivada por meio de ato administrativo ou de contrato, variando de acordo com a modalidade de delegação a ser realizada. Araújo (2015, p. 183) menciona:
(...) após a promulgação da Constituição vigente, ficou claro e expresso que as concessões e também as permissões (art. 175, I) se submetem ao regime contratual administrativo, mediante licitação: a precariedade e o ato unilateral reservam-se agora aos raros casos de “autorização” administrativa (...)
Vale mencionar que há serviços classificados como indelegáveis, ou seja, que não podem ser delegados a particulares. Em outras palavras, serviços indelegáveis são aqueles que somente podem ser prestados pela Administração, não admitindo delegação de sua execução a terceiros, em razão de estarem relacionados com as atividades inerentes do Poder Público, como o serviço de segurança nacional, por exemplo (ARAÚJO, 2015).
2.2 A nova gestão pública
A primeira grande reforma na área pública, analisada por Weber, foi a chamada Reforma Burocrática (ou Reforma do Serviço Público) e relacionava-se à formação de um serviço público profissionalizado. Ela ocorreu em meados do século XIX na Europa ocidental, no início do século XX nos EUA e na década de 30 no Brasil (PESTANA, 2006).
Posteriormente, quando se evidenciou a necessidade de mudança e a as deficiências na organização e funcionamento do setor público, emendas constitucionais que objetivassem garantir a reforma do Estado adquiriram o status de “importância fundamental” na agenda do Brasil. Isso tudo teve como cenário o início do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995 (PESTANA, 2006).
Em sequência a primeira emenda aprovada, que tinha como finalidade dar fim aos monopólios estatais do setor energético e do setor de comunicações, são propostas três emendas constitucionais significativas e enviadas ao congresso: reforma tributária, reforma da previdência social e reforma administrativa.
Quatro anos depois, segundo Bresser-Pereira (1999) apenas a Reforma Gerencial da Administração Pública pode ser considerada como um verdadeiro êxito e a segunda verdadeira reforma do setor público. A partir desse ponto, apesar de muitas vezes ser confundido com a mesma definição de administração pública, o termo “gestão pública” traz como significado o rompimento da administração pública tradicional, que já não servia para cumprir o seu propósito, e a adoção de ferramentas da gestão do setor privado.
Desta forma, Drucker (1993), que diagnosticou uma “revolução” da gestão, considera que gestão não se refere à hierarquia organizativa de uma administração clássica (o que geralmente ocorria na América Latina na época, com falsas reformas que apenas acarretavam mudança no organograma da administração quando um novo governo tomava posse), mas à capacidade de promover a inovação sistemática do saber e tirar dela o máximo rendimento na sua aplicação à produção,
Bresser-Pereira (1999) afirma que a Reforma Gerencial de 1995 substituiu a administração pública burocrática misturada a práticas clientelistas ou patrimonialistas por uma administração pública gerencial, que adota os princípios da "nova gestão pública" (new public management). A reforma trouxe flexibilidade aos processos e os regulamentos burocráticos, conferindo um grau mais elevado de autonomia às agências governamentais e aos seus gerentes. Foi considerada um novo fenômeno histórico que ganha ainda mais força quando fica claro que uma das razões pela crise fiscal do Estado da época era sua ineficiência estrutural da administração pública burocrática.
Segundo Matias-Pereira (2009), o principal desafio dos governos e da administração pública no mundo contemporâneo é promover o desenvolvimento econômico e social sustentável, num ambiente de mudanças de paradigmas, que estão impactando de maneira profunda na sociedade, em especial nas áreas econômicas, sociais, ambientais, culturais e tecnológicas. Com isso, governos e administrações públicas precisam se preocupar em utilizar-se de ferramentas inovadores de relacionamento com a sociedade. Nesse sentido, muito mais do que elevar o nível do desempenho da gestão pública, há a necessidade latente de enfoque também no que toca a ética, a moral e a transparência na administração pública (MATIAS-PEREIRA, 2009).
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, define-se no Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado a Reforma Gerencial, buscando substituir a então gestão burocrática. A tendência de promover a reforma do Estado tem como fundamento a preocupação dos governos em empreender esforços para modernizar e agilizar a administração pública (MATIAS-PEREIRA, 2009).
Esse modelo gerencial proposto se diferenciava principalmente por ser caracterizar pela descentralização, eficiência e busca por resultados. Conforme escrito por Luiz Bresser Pereira (1999, p. 06), a Reforma Gerencial de 1995 englobada mudança relacionado a diversos pontos:
A reforma envolve: a) a descentralização dos serviços sociais para estados e municípios; b) a delimitação mais precisa da área de atuação do Estado, estabelecendo-se uma distinção entre as atividades exclusivas que envolvem o poder do Estado e devem permanecer no seu âmbito, as atividades sociais e científicas que não lhe pertencem e devem ser transferidas para o setor público não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado; c) a distinção entre as atividades do núcleo estratégico, que devem ser efetuadas por políticos e altos funcionários, e as atividades de serviços, que podem ser objeto de contratações externas; d) a separação entre a formulação de políticas e sua execução; e) maior autonomia e para as atividades executivas exclusivas do Estado que adotarão a forma de "agências executivas"; f) maior autonomia ainda para os serviços sociais e científicos que o Estado presta, que deverão ser transferidos para (na prática, transformados em) "organizações sociais", isto é, um tipo particular de organização pública não-estatal, sem fins lucrativos, contemplada no orçamento do Estado (como no caso de hospitais, universidades, escolas, centros de pesquisa, museus, etc.); g) assegurar a responsabilização (accountability) através da administração por objetivos, da criação de quase-mercados, e de vários mecanismos de democracia direta ou de controle social, combinados com o aumento da transparência no serviço público, reduzindo-se concomitantemente o papel da definição detalhada de procedimentos e da auditoria ou controle interno – os controles clássicos da administração pública burocrática – que devem ter um peso menor.
Segundo Bresser-Pereira (1999) “a aprovação de grandes reformas depende de quatro fatores: necessidade, concepção e desenho, persuasão democrática, e alianças”. Sendo a reforma proposta aprovada pelo Congresso com alterações mínimas do original, optou-se pela Gestão pela Qualidade Total como principal estratégia de gerenciamento a ser adotada pelas organizações do Estado.
Há necessidade quando a reforma responde a uma demanda social real. O desenho adequado da reforma, isto é, o fato de que o texto ou o conteúdo das novas instituições propostas respondem efetiva e claramente aos objetivos visados, é essencial para sua aprovação. Em terceiro lugar, nas democracias as reformas dependem de um debate nacional através do qual a opinião pública possa ser persuadida. E em quarto, para conseguir o apoio dos políticos no Congresso, é necessário, além da aprovação da opinião pública, estabelecer alianças estratégicas (BRESSER-PEREIRA, 1999).
2.3 Parceria público-privada: potencialidades, limitações e críticas
Segundo Hiernaux (1997) parceria define-se “em torno da utilização de recursos e/ou descoberta de interesses comuns articuláveis”. A efetivação do desenvolvimento sustentável, que contempla não apenas o desenvolvimento econômico, mas também o social e ambiental, exige ações complexas, que não dependem de apenas um único ator, no caso, o poder público (MATIAS-PEREIRA, 2009). Sendo assim, a articulação entre administração pública e empresas se mostra não apenas como algo possível, mas, possivelmente, em algum grau, necessário.
Ainda de acordo com Matias-Pereira (2009), é preciso ter em conta que respeitadas as diversidades e as diferenças, é factível identificar interesses comuns.
Além de limitações legais, existem complicações no que tange junção do setor público e privado. Exemplos internacionais de insucessos devem-se basicamente as falhas legais e regulatórias, inadequado processo de seleção das empresas privadas, má avaliação dos custos e investimentos, falta de adequados agentes regulatórios ou de descontrole das parcerias e menosprezo de possíveis desvantagens de riscos (NUNES, 2004).
As parcerias público-privadas (PPP) situam-se no que toca os limites mínimos e máximos da participação da iniciativa privada. Enquadram-se, inclusive, no âmbito político-ideológico da terceira via, já que ao mesmo tempo se distanciam da visão liberal dos serviços públicos (que objetivam principalmente o Estado mínimo) e da perspectiva que considera a provisão estatal de serviços públicos uma questão de princípios (HM TREASURY, 2002).
As discussões acerca das PPP’s, sobretudo a presença da iniciativa privada de forma participativa em empreendimentos de natureza pública, não é um acontecimento recente. Com origens em fenômenos ocorridos no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, essa concessão evidencia-se como presente em diversas partes do mundo. O canal de Suez, cuja concessão foi adjudicada em 30 de novembro de 1854 à Compagnie Universelle du Canal Maritime de Suez é um dos mais significativos exemplos (PINA E TORRES, 2003).
Segundo Pestana (2006, p.87):
Parece-nos que se estabelecem, no Brasil, novos tempos, em que, mediante a publicização, ainda que relativa, do que é particular, assim como da particularização, não obstante relativa, do que é público, concessões e alargamento de princípios até então fundamentais de uns e outros, forja-se um novo tipo de relação jurídica, que poderá trazer benefícios a toda coletividade, não só por aprimorar a prestação de serviços públicos, como, sobretudo, por antecipá-la, pois, sabemos, as dificuldades crônicas financeiras do estado brasileiro habitualmente postergam, quando não verdadeiramente suprimem os investimentos que possam beneficiar a coletividade.
De modo geral, a intenção e objetivos das parcerias público-privadas tem sido avaliadas como positivas, nos meios políticos e científicos, conforme aborda Stiglitz (2003) que afirma que ao aquilatarem o papel apropriado do governo, procuram incorporar o entendimento das limitações tanto do governo como dos mercados. (...) A visão predominante procura encontrar caminhos para governo e mercados trabalharem juntos, cada um fortalecendo o outro.
2.4 Legislação aplicável
As Parcerias Público-Privadas foram instituídas pela Lei nº 11.079/2004, alterada algumas vezes, pela Lei 11.409/2011, Lei 12.766/2012, Lei 13.043/2014 e Lei 13.137/2015.
Aplica-se subsidiariamente às PPP’s, em matéria de licitação, conforme o artigo 12 da Lei 11.079, a Lei 8.666/93 (DI PIETRO (2015).
A Lei 11.079/2004 institui, em seu artigo 1º, normas gerais para licitação e contratação de Parcerias Público-Privadas para a União, Distrito Federal, Estados e Municípios, estando em consonância com o artigo 22, inciso XXVII da Constituição Federal, que traz em seus incisos os assuntos que competem privativamente à União no que tange à legislação, o que inclui normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e para as empresas públicas e sociedades de economia mista (DI PIETRO (2015).
Pelo parágrafo único do artigo 1º, a lei se aplica aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O dispositivo em voga teve uma leve alteração em sua redação recentemente, através da Lei 13.137/2015, que acrescentou que a lei se aplica aos órgãos da administração pública direta dos Poderes Executivo e Legislativo (DI PIETRO (2015).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2015) alerta que não seria correta a aplicação da lei à Administração Indireta, como dispõe o parágrafo único do artigo 1º. A autora explica que quando a entidade da Administração Indireta desempenha um serviço público, já o faz porque o respectivo ente da Administração Direta, titular do serviço, a criou com essa finalidade específica, a de prestar certo serviço público. Ou seja, a entidade da Administração Indireta nunca é titular originária de determinado serviço público, pelo que ela não poderia transferir a execução do serviço a terceiros, podendo no máximo celebrar contratos de prestação de serviços ou, caso atue como concessionária de serviço público, fazer uma subconcessão.
Logo, uma entidade da Administração Indireta não pode figurar como parceiro público em um contrato de parceria público-privada na modalidade de concessão patrocinada, somente na modalidade de concessão administrativa, desde que o contrato não tenha por objeto a prestação de serviço público de titularidade do Poder Público.
A Lei 11.079/2004 contém normas gerais, obrigatórias para União, Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como normas federais, aplicáveis apenas a União, sendo fácil distingui-las, haja vista o Capítulo VI da lei, que tem como título “Disposições aplicáveis à União”, iniciando no artigo 14 e encerrando no artigo 22. Posto que esses dispositivos não tem aplicação obrigatória aos demais entes da federação, cada um pode disciplinar a matéria dentro de sua competência legislativa suplementar, permitida pela Constituição, em seus artigos 24, §2º e 32, aos Estados e Distrito Federal, respectivamente (DI PIETRO (2015).
Neste sentido, vários Estados legislaram acerca da matéria, alguns antes mesmo da promulgação da Lei Federal 11.079/2004, sendo certo que tais leis estaduais tiveram de se adequar à legislação federal. Eis algumas dessas leis estaduais: Lei nº 11.688/2004, do Estado de São Paulo; Lei nº 9.290/2004, do Estado da Bahia; Lei nº 14.868/2003, de Minas Gerais; e Lei nº 12.234/2005, do Rio Grande do Sul.
2.5 Características do contrato de Parceria Público-Privada
O contrato de PPP deve respeitar, basicamente, os artigos 23 da Lei 8.987/95 e 5º da Lei 11.079/2004. Dentre as cláusulas obrigatórias do referido contrato, convém citar a previsão dos fatos que venham a caracterizar a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia, uma vez que, cumpre salientar, esta participação financeira por parte da Administração Pública é a característica principal da PPP.
O artigo 11, inciso III da Lei 11.079 de 2004, por sua vez, dispõe que o contrato deve prever mecanismos privados de resolução de conflitos, como a arbitragem, a ser realizada no Brasil conforme a Lei 9.307 de 1996 (Lei da Arbitragem). Isso demonstra a tendência de se utilizar a arbitragem nos contratos administrativos. Contudo, a constitucionalidade de tal previsão é duvidosa, tendo em vista o art. 5º, XXXV da Constituição brasileira, segundo o qual nenhuma lesão a direito ou interesse poderá ser subtraída pela lei à apreciação do Poder Judiciário.
O contrato deve definir ainda certas metas e padrões de qualidade e disponibilidade, segundo os quais se avaliará o desempenho do parceiro privado. De acordo com esse desempenho, será realizado o pagamento de remuneração variável ao mesmo, tudo nos termos do artigo 6º da Lei 11.079/2004. Ademais, uma sociedade de propósito específico deve ser constituída pelo licitante vencedor da concorrência a fim de implantar e gerir o objeto da parceria, não podendo a Administração ser titular da maioria do seu capital com direito a voto.
Reza o artigo 9º da Lei 11.079/2004 que tal sociedade deve obedecer aos padrões de governança corporativa e pode assumir a forma de companhia aberta, admitindo-se que seus valores mobiliários sejam negociados no mercado.
Destaca-se que, como determina o artigo 2º, parágrafo 4º da Lei 11.079/2004, não é possível celebrar um contrato de PPP quando seu valor for inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); ou quando o período de sua prestação seja inferior a 5 (cinco) anos; ou quando seu único objeto for o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o estudo bibliográfico apresentado, verifica-se que as parcerias público-privadas, constitui uma viável oportunidade para a Administração Pública solucionar questões relacionadas à infraestrutura e serviços públicos. O modelo se mostrou positivo em relação à melhoria da gestão. A utilização de investimentos de parceiros privados em programa de PPP’s garante a eficiência que a Administração Pública deve primar.
No entanto, não são soluções absolutas, capazes de substituir completamente o modelo antigo, sendo certo que a Administração Pública deve identificar a modalidade mais adequada para cada tipo de projeto, de forma a melhor atender aos interesses da sociedade e à legislação.
Verificou-se que, da interação entre os setores público e privado tendem a diversos benefícios como o aumento da qualidade e eficiência nos serviços prestados, maior transparência dos gastos públicos e redução do impacto orçamentário.
Logo, verifica-se a tendência de o instituto da parceria público-privada assumir uma importância cada vez maior, tanto para o crescimento do país, quanto para o bem-estar da sociedade, por incentivar a viabilização de serviços públicos essenciais e a implantação de melhor infraestrutura nas cidades.
4. REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 132.
BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1999). Reflexões Sobre a Reforma Gerencial Brasileira de 1995. Revista do Serviço Público, 50(4), 1999:5-30.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 28ª edição. São Paulo: Atlas, 2015, p. 141.
DRUCKER, P. La sociedad poscapitalista. Madrid: Apóstrofe, 1993.
HIERNAUX, J.P. O partenariado, uma perspectiva de desenvolvimento do trabalho social. In: J. Estivil (Org.). O partenariado social na Europa: uma estratégia participativa para a inserção. Porto: Cadernos REAPN, 1997. P.77-88.
HM TREASURY. Building better partnerships. London, 2002.
MATIAS-PEREIRA, José. Manual de gestão pública contemporânea. 2 ed. São Paulo. Atlas, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 39ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 379.
MOREIRA, Márcia Maria. O Controle Interno como Paradigma da Administração Pública Gerencial. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 890, 10 dez. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7569>. Acesso em: 20 jul. 2019.
NUNES, S. P. P. Em defesa do interesse público, contra o vale tudo da PPP. Nota técnica, Inesc, n.87, abr. 2004.
PESTANA, Marcio. A concorrência pública na parceria público-privada (PPP). São Paulo: Atlas, 2006.
PINA, V.; TORRES, L. La iniciativa privada en el sector público: externalización de servicios y financiación de infraestructuras. Madrid: Asociación Española de Contabilidad y Administración de Empresas, 2003.
Graduando em Direito e Assessor Parlamentar da Câmara Municipal de Ilha Solteira/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Alexandre Dias da. Administração Pública e suas relações com os agentes privados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 ago 2019, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53303/administrao-pblica-e-suas-relaes-com-os-agentes-privados. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.