Resumo: Este trabalho acadêmico visa delinear uma visão atual do instituto do estágio probatório na Administração Pública, cotejando os elementos definidos na Constituição Federal de 1988 (CF/88) com problemáticas práticas, inerentes à zona cinzenta que permeia a estabilidade funcional no serviço público. Para o melhor enquadramento do tema, questões doutrinárias relacionadas ao conceito, as dimensões, os requisitos, a aplicabilidade e eficiência do estágio probatório serão objeto do presente artigo. A análise da capacidade técnica e da aptidão funcional dos servidores será realizada sob a ótica estritamente jurídica, de forma a não prejudicar os administrados em razão de limitações não albergadas pela reserva legal. Nesta sonda, a partir desses substratos teóricos, identificaremos a repercussão que um vindouro aprimoramento na avaliação de estágio probatório trará ao equilíbrio fiscal do país, de sorte que a máquina pública possa ter instrumentos hábeis a excluir os servidores que recebem importâncias mensais da Administração, mas que não prestam o serviço público esperado.
Palavras chaves: Servidor público, estágio probatório, estabilidade, equilíbrio fiscal.
Abstract: This academic work aims to outline a current view of the institute of the probationary stage in Public Administration, comparing the elements defined in the 1988 Federal Constitution (CF/88) with problematic practices, inherent to the gray zone that permeates functional stability in the public service. For the best framing of the theme, doctrinal questions related to the concept, dimensions, requirements, applicability and efficiency of the probationary stage will be object of the present article. The analysis of the technical capacity and the functional aptitude of the servers will be carried out from the strictly legal point of view, so as not to prejudice those managed due to limitations not covered by the legal reserve. In this probe, from these theoretical substrates, we will identify the repercussion that a future improvement in the evaluation of probationary stage will bring to the fiscal balance of the country, so that the public machine may have skillful tools to exclude the servers that receive monthly amounts from the Administration, but which do not provide the expected public service.
Keywords: Public servant, probationary stage, stability, fiscal balance;
Sumário: 1. Introdução; 2. Aspectos jurídicos do estágio probatório. 3. "Aptidão" e "Capacidade" para a confirmação do estágio probatório. 4. Da possibilidade de requisição de servidor durante o estágio probatório. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.
1. Introdução.
O orçamento público, como consabido, é limitado, e, fincado nesta premissa, economistas afirmam que a restrição de gasto com pessoal (segunda maior despesa do Governo Federal, atrás apenas da previdência) é medida que se impõe, sob pena, inclusive, de faltar orçamento para saldar tempestivamente as despesas correntes do funcionalismo.[1]
Neste sentido, a correção de certas distorções na engrenagem da máquina pública – quaisquer que sejam os ideais políticos dominantes - é medida pujante, porquanto viabilizará o fôlego necessário para a realização dos investimentos necessários ao crescimento econômico e social do país.
Veja-se que, diante da despesa rubricada na Lei Orçamentária Anual destinado à manutenção do funcionalismo público, observamos, de logo, uma intensa (e necessária) discussão, no âmbito dos poderes executivo e legislativo, acerca dos normativos que regulam o regime jurídico dos servidores públicos, notadamente dos dispositivos que tratam da eficiência, remuneração, estabilidade e estágio probatório dos servidores.
De acordo com a proposta orçamentária enviada ao Congresso Nacional pelo Governo Federal[2], as despesas com servidores públicos em 2019 chegará ao montante aproximado de R$ 326 bilhões (incluindo inclui as despesas com servidores ativos, inativos e pensionistas dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública). Esta quantia corresponde a 22,6% do Orçamento — ou seja, a cada R$ 5 gastos pela União, R$ 1 vai para salários do funcionalismo.
Pautada nestes números alarmantes, a equipe técnica do novo Ministério da Economia[3], tem indicado, reiteradamente, como salutar a imediata limitação das despesas com pessoal, isto é, aquela “considerada pelo somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas”.[4]
Uma das discussões mais hodiernas acerca dos custos com pessoal tem relação com a rápida estabilização dos servidores nos cargos públicos. É que a ineficiência dos meios de controle utilizados no estágio probatório transforma o Estado – em certa medida – numa estrutura (caríssima) improdutivos e desidiosos. Reflexo disto é a permanência no funcionalismo de servidores descompromissados, fato que, ao fim e ao cabo, imobiliza avultante parte do orçamento público.
Destarte, a exclusão de agentes inaptos do serviço público – ainda que durante a aferição da aptidão funcional-, exige que a Administração observe procedimentos administrativos mínimos, sendo vedadas a exoneração ou a demissão sem o correspondente inquérito administrativo e demais formalidades legais de apuração da capacidade laboral do servidor.[5]
O resultado desta equação, incontestavelmente, traz custos imensuráveis ao erário, razão porque as questões jurídicas que circundam o estágio probatório merecem especial análise neste artigo.
2. Aspectos jurídicos do estágio probatório.
Em síntese, o estágio probatório configura o período em que o servidor é observado e submetido a sucessivas avaliações, a fim de ser aferida a sua aptidão para o exercício do cargo público. Ou seja, durante um certo tempo de sua trajetória no serviço público, por expressa imposição constitucional, o servidor terá a sua aptidão funcional permanentemente examinada pela Administração.
A aprovação do servidor pela comissão especial de desempenho é requisito essencial para a aquisição da estabilidade no serviço público. Forte no propósito deste mecanismo constitucional de controle, Di Pietro assinalou que o estágio probatório “tem por finalidade apurar se o servidor apresenta condições para o exercício do cargo, referentes à moralidade, assiduidade, disciplina e eficiência.”.[6]
O período de estágio probatório, pois, se destina a verificar a aptidão para o exercício do cargo, a adaptação às regras do serviço público, o respeito às normas da instituição, bem como a correta postura do servidor. Ou seja, o servidor precisa ser acompanhado de perto pelo Administrador, dia a dia, com vistas a cumprir a accountability que lhe é constitucionalmente exigida para o exercício da função.
Somente após sua confirmação, findos os três anos de avaliação, é que seria razoável admitir a promoção na carreira, do contrário poderia ocorrer, por exemplo, de determinado servidor ser promovido a uma nova categoria e depois exonerado por inaptidão, o que se revela um comportamento contraditório (“venire contra factum proprium”) por parte da Administração.
Merece nota, neste ponto, o fato de que o estágio probatório deve acompanhar o prazo para aquisição de estabilidade no serviço público (três anos), porquanto embora estabilidade e estágio probatório sejam institutos jurídicos distintos, não há como dissociá-los.
A estabilidade, portanto, se dá no serviço público, o estágio probatório, conforme asseverado, é um período avaliativo que se realiza para fins de demonstração da aptidão do servidor para o exercício do cargo, sendo obrigatório, inclusive, nos casos em que o servidor já é estável no serviço público.
Tal entendimento está sedimentado no âmbito dos Tribunais Superiores (STF: AI 754.82/DF, STA 310/SC; STJ: AgRg no MS 14.396, RMS 23.689/RS, MS 12.523), e nos órgãos da Administração Pública Federal, consoante se extrai do Parecer n° AC-17.[7]
Sabe-se que Constituição Federal (CF/88), quando da sua promulgação, estabeleceu no art. 41 que a estabilidade do servidor público ocorreria após dois anos de efetivo exercício no cargo - normativo reproduzido inicialmente no art. 21 da Lei 8.112/90.
Todavia, a Emenda Constitucional 19/98 alterou o art. 41 da CF/88, fixando o prazo de três anos para a aquisição da estabilidade, nos seguintes termos:
Art. 41/CF. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (...)
§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.
Para Oliveira[8], as referidas modificações trazidas pela EC 19/98 (ampliação do período de estágio probatório e imposição da avaliação especial de desempenho) “vai ao encontro do princípio da eficiência inserida pela referida Emenda no art. 37, caput, da CRFB.”.
Já Bandeira de Mello, divergindo frontalmente da juridicidade do § 4º incluído pela EC 19/98[9], afirmou: “Sem embargo, ao nosso ver – repita-se – tal possibilidade de perda de cargo do servidor estável, prevista neste § 4º do art. 169 introduzido pelo “Emendão”, não é comportada pelos limites a que uma emenda constitucional tem que se submeter.”.
Fato é que, numa análise sistêmica dos dispositivos constitucionais vigentes, extraímos quatro requisitos que devem ser atendidos cumulativamente para a obtenção da estabilidade: (i) aprovação em concurso público; (ii) o cargo deve ser de provimento efetivo; (iii) três anos de efetivo exercício; (iv) aprovação em avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.
No âmbito Federal, quanto ao estágio probatório, a Lei 8.112/90 assim normatizou o texto constitucional:
"Art. 20. Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo, observados os seguinte fatores:
I - assiduidade;
II - disciplina;
III - capacidade de iniciativa;
IV - produtividade;
V- responsabilidade. (...)
A ideia dos críticos remete a ilação de que a iterativa ausência de filtros eficazes para confirmação estágio probatório – pressuposto constitucional para a aquisição da estabilidade – fomenta a inevitável permanência da esmagadora maioria dos servidores nos quadros da Administração, sem que haja a necessária exclusão dos servidores improdutivos ou inaptos[10].
A esse respeito, Sudano defende, coerentemente, que “O estágio probatório encontra-se muito distante desses sistemas de gestão de desempenho discutidos atualmente, embora incorpore muitas das críticas elencadas nos problemas e dificuldades de implementação de um processo de avaliação de desempenho”.[11]
Em endosso, Carvalho Filho tece servas críticas ao estágio probatório:
Lamentavelmente, o estágio probatório até agora só existiu na teoria, pois que, ressalvadas raríssimas exceções, jamais conseguiu verificar qualquer sistema de comprovação adotado pela Administração que permitisse concluir por uma avaliação honesta e efetiva sobre os requisitos para o desempenho dos cargos públicos. Como é lógico, acabam ultrapassando esse período servidores ineptos, desidiosos e desinteressados, que, em consequência, adquirem estabilidade e ficam praticamente insuscetíveis de qualquer forma de exclusão. Talvez aqui esteja um dos males do sistema de estabilidade funcional, fato que tem estimulado os legisladores a mitiga-lo ou simplesmente erradica-lo dos quadros das garantias do servidor.[12]
Na prática, é-nos consabido que estas avaliações são vistas em geral como fontes de atritos, insatisfações e frustrações para aqueles que a concebem e aplicam, bem como para aqueles que são alvos de sua aplicação[13]
Há, inclusive, uma proposta do Governo Federal no sentido de se reformular a forma de exame do estágio probatório. A ideia visa fixar um sistema com regras mais rígidas para a estabilização dos servidores, impondo aos novos integrantes da Administração Pública a comprovação de que possuem capacidade (em sentido amplo) para desempenhar o múnus público de forma mais efetiva e producente.[14]
3. "Aptidão" e "Capacidade" para a confirmação do estágio probatório.
Uma das questões levantadas tormentosas sobre o estágio probatório diz respeito à possibilidade de se reprovar servidor público na fase avaliativa, dada a sua inaptidão física ou mental para o exercício do cargo, lastreando-se na presença dos vocábulos "aptidão" e "capacidade", estampados no art. 20 da Lei 8.112/90.
Ou seja, seria possível que o servidor público seja reprovado no estágio probatório por motivo de doença que o tenha mantido afastado das suas atividades funcionais por período integral ou parcial do respectivo estágio probatório. Para solucionar a questão, importante, de início, que façamos uma análise sistêmica dos institutos.
Vê-se, então, perfunctoriamente, quais foram as balizas dispostas pelo legislador para avaliar a capacidade do servidor: assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade.
Ato contínuo, adentremos à gênese da questão inicialmente indagada, qual seja, se o servidor público que não compareceu ao local de trabalho, em virtude de licença para tratamento da própria saúde, poderá ser reprovado no estágio probatório em razão do não cumprimento dos atributos de aptidão e capacidade, insertos no art. 20, caput, do estatuto federal.
Fazendo uma análise pendular das normas dispostas, vislumbro, em um primeiro momento, a existência de duas premissas que poderiam sustentar, na hipótese trabalhada, a tese da possibilidade de reprovação do servidor em estágio probatório.
A primeira, de que os termos "aptidão" e "capacidade", insertos no caput do art. 20 da Lei 8.112/90, denotariam a possibilidade de a Administração Pública averiguar, mesmo durante o transcurso do estágio probatório, a sanidade física e mental do servidor, nos termos do art. 5º, VI da Lei 8.112/90.
A segunda, de que a Administração Pública teria o poder-dever de reprovar o servidor no estágio probatório, independente da interpretação dada aos termos "aptidão" e "capacidade", sob o fundamento de que os incisos I e II, do art. 20 da Lei 8.112/90 exigiriam do servidor a observância ao fator da "assiduidade”.
Portanto, estando o servidor afastado do exercício das funções por motivo de saúde pessoal - hipótese não elencada no § 5º do art. 20 do Estatuto dos Servidores-, haveria irresistível descumprimento dos fatores exigidos nos incisos I e II do diploma em referência. Entrementes, como se demonstrará adiante, nenhuma das duas premissas prospera.
Isso porque, quanto à primeira premissa, tenho que a admissão do servidor deve ser feita antes do ingresso no cargo público. Não há respaldo jurídico para se fundamentar um "bis in idem" na avaliação de saúde do servidor, visto que os requisitos de aptidão e capacidade física/mental são exigidos tão somente para o ingresso no serviço público, como rezam os arts. 5º, VI e 14 da Lei 8. 112/90, in verbis:
Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o gozo dos direitos políticos;
III - a quitação com as obrigações militares e eleitorais;
IV - o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo;
V - a idade mínima de dezoito anos;
VI - aptidão física e mental;(...)
Art. 14. A posse em cargo público dependerá de prévia inspeção médica oficial
Parágrafo único. Só poderá ser empossado aquele que for julgado apto física e mentalmente para o exercício do cargo."
Observe-se que o legislador criou o exame admissional com o corolário de avaliar a saúde do servidor antes do seu ingresso no serviço público, evitando, com isso, que pessoas entrassem nos quadros da Administração com graves doenças preexistentes que as impossibilitassem de exercer suas funções, impedindo, ao fim e ao cabo, a própria falência do sistema, resultante do pagamento desmedido de aposentadorias e pensões. Esse foi o intuito do texto esculpido nos artigos 5º e 14º do estatuto federal.
Diversamente, a ideia de que os termos "aptidão" e "capacidade", contidos no caput do art. 20 da Lei 8.112/90, dariam ao administrador o poder de avaliar a saúde do servidor e exonerá-lo - nos casos de doença superveniente à posse - durante todo o período do estágio probatório, constitui uma interpretação legislativa equivocada, que restringe direitos dos administrados sem amparo legal.
É dizer, a aptidão física e mental passaria, hermeneuticamente, a ser um requisito para a aprovação no estágio probatório.
É curial fixar, destarte, que o estágio probatório é sim o período de avaliação da aptidão e capacidade do servidor para o desempenho do cargo. Todavia, a capacidade que se exige neste período é uma capacidade técnica/funcional, relacionada ao desempenho, à produtividade e à eficiência do servidor no exercício de sua função.
Em outras palavras, esta linha de pensamento espelha a missão de concretização da atividade gerencial das funções públicas. A doutrina administrativista nos mostra que partir do momento em que houve a transformação do modelo de "Estado Social" para o "Estado Regulador", a Administração passou a se ocupar de funções gerenciais, deslocando o foco do princípio da legalidade para enfatizar o controle de resultado a ser obtido, com o cumprimento de metas e emprego eficaz do dinheiro público, aumentando a qualidade dos serviços prestados pelo Estado.
A Administração Pública gerencial busca o atingimento de metas com a eficiência necessária, sendo a criação do estágio probatório um dos mecanismos instituídos para avaliar - após a investidura no cargo-, a comprovação da capacidade e da aptidão do servidor para o desempenho das atividades que lhes são exigidas.
Neste sentido, a Lei 8.112/90, ao versar sobre a aptidão e a capacidade do servidor no exercício de suas funções, não fez menção à avaliação de saúde. Veja-se que o próprio normativo define o que se busca avaliar com os termos "capacidade" e "aptidão": assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade do servidor.
Não pode o administrador, portanto, lançar mão de equivocada hermenêutica para restringir direitos dos administrados. A sanidade física e mental do servidor é aferida, por expressa disposição legal, em momento específico: antes da investidura no cargo público (art. 5º VI, da Lei 8.112/90) - e não no momento de avaliação do estágio probatório (Art. 20 da Lei 8.112/90).
Inexistindo dispositivo legal que justifique o ato administrativo a ser emanado, impossibilitado estará o ente político de encampar esta linha interpretativa. Não há falar, pelo todo exposto, na plausibilidade jurídica da primeira premissa trabalhada.
Em relação à segunda premissa (de que a Administração Pública teria o poder-dever de reprovar o servidor no estágio probatório), em que pese a licença para tratamento da própria saúde não estar taxativamente elencada no art. 20, § 5º do estatuto federal, esta ausência de subsunção, por si só, não justifica a exoneração do servidor no estágio probatório.
A uma, porque o período de afastamento para tratamento da própria saúde é considerado como de efetivo exercício (art. 102, VIII, "b" da Lei 8.112/90); A duas, porquanto o servidor que goza de licença para o tratamento da própria saúde não comparece ao local de trabalho em razão da própria enfermidade, com a chancela da Administração (concessão da licença), afastando qualquer aplicação analógica que indique possível violação ao requisito da assiduidade, previsto no art. 20, I, da Lei 8.112/90.
O entendimento alhures reflete-se na inteligência do art. 102, VIII, "b", da Lei 8.112/90:
"Art. 102. Além das ausências ao serviço previstas no art. 97, são considerados como de efetivo exercício os afastamentos em virtude de:
(...)
VIII - licença:
(...)
b) para tratamento da própria saúde, até o limite de vinte e quatro meses, cumulativo ao longo do tempo de serviço público prestado à União, em cargo de provimento efetivo;"
Portanto, o período de afastamento para o tratamento da própria saúde conta como tempo de efetivo exercício, não impedindo a estabilização do servidor no cargo, desde que observadas as regras avaliativas de desempenho. Veja-se, não obstante, a mais recente e pacífica posição do STJ sobre o tema, em diametral convergência com o entendimento aqui exposto:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. DEMISSÃO. CONTRARIEDADE A DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXAME VIA APELO ESPECIAL. INVIABILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI 12.016/2009. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ALÍNEA "C". NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. (...) O fundamento do ato demissório é de falta de assiduidade e de higidez física, pois há debilidade permanente conforme os laudos do Instituto Médico Legal (fls. 355 e 358). Esses fundamentos, contudo, não são suficientes a ensejar a demissão do impetrante. O afastamento para tratamento de saúde não pode ser considerado como falta para nenhum efeito, nem sequer para o de reconhecimento de não comparecimento ao trabalho, de forma que não pode ser considerada inassiduidade do servidor. (...) .".
(STJ -REsp Nº 1.691.998 - SP, Rel. Min. Herbman Benjamin, Publicado em 03/10/2017). Grifos nossos.
Em resumo: a ausência do servidor, no caso previsto no art. 102, VIII, "b", da Lei 8.112/90, é justificada e conta como efetivo exercício, não havendo respaldo legal para punir o colaborador acometido de enfermidade durante o estágio probatório, sob o frágil argumento de que as faltas contabilizadas durante a licença ensejariam sua inassiduidade.
4. Da possibilidade de requisição de servidor durante o estágio probatório.
Como é consabido, o estágio probatório configura o período em que o servidor é observado e submetido a sucessivas avaliações, a fim de ser aferida a sua aptidão para o exercício do cargo. Ou seja, durante um certo tempo de sua trajetória no serviço público, por expressa imposição constitucional, o servidor terá a sua aptidão funcional permanentemente examinada pela Administração.
A Constituição Federal (CF/88), quando da sua promulgação, estabeleceu no art. 41 que a estabilidade do servidor público ocorreria após dois anos de efetivo exercício no cargo - normativo reproduzido inicialmente no art. 21 da Lei 8.112/90.
"Art. 41/CF. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (...) § 4º Como condição por comissão instituída para essa finalidade. ". Para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho
A requisição é que a transferência do exercício do servidor/empregado, sem alteração da lotação no órgão de origem e sem prejuízo da remuneração ou salário permanentes, mormente nos casos em que houver ausência de servidores suficientes ou para a prática de atividade especializada no órgão de destino.
A requisição deve ser encarada como um procedimento de índole excepcional, já que não é, em si, uma forma de provimento (seja originário ou derivado) em cargo público. Ao revés, trata-se de instituto jurídico que se presta a atender situações específicas, marcadas pelo signo da excepcionalidade, sempre com o escopo de viabilizar a continuidade na prestação dos serviços públicos pelo órgão requisitante, que, por contingências inerentes ao próprio cotidiano da Administração Pública.
Como todo ato administrativo, deve observância aos postulados constitucionais que regem a Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição Federal), pelo que sua utilização pressupõe a consecução de resultados positivos para o serviço público e satisfatórios das necessidades da comunidade e de seus membros.
No âmbito da Administração Pública Federal, o Decreto n° 9.144/17, que revogou explicitamente o Decreto n° 4.050/01, dispôs sobre as cessões e as requisições de pessoal em que a administração pública federal, direta e indireta, seja parte.
Não obstante, há uma multiplicidade de diplomas normativos que tratam da requisição, ex vi da Lei n. 9.007, de 17 de março de 1995 (Presidência da República); Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 (CADE); Lei nº 8.682, de 14 de julho de 1993 (Advocacia-Geral da União –; Lei nº 9.020, de 30 de março de 1995 (Defensoria-Pública da União), etc.
Ao observarmos, num primeiro momento, que a requisição garante a manutenção dos direitos inerentes ao cargo ocupado pelo servidor, concluímos em seguida que existe uma insofismável preocupação do legislador em manter todos os efeitos da vida funcional do servidor requisitado, enfatizando ainda que deve ser considerado como efetivo exercício no cargo ocupado no órgão de origem.
Neste sentido, reza o § 3º, do art. 20 da Lei n. 8.112/90, que o servidor em estágio probatório poderá exercer quaisquer cargos de provimento em comissão ou funções de direção, chefia ou assessoramento no órgão ou entidade de lotação, e somente poderá ser cedido a outro órgão ou entidade para ocupar cargos de Natureza Especial, cargos de provimento em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, de níveis 6, 5 e 4, ou equivalentes.
Contudo, em razão dos princípios gerais que regem a interpretação e a aplicação do direito, os órgãos consultivos da Administração Pública tem-se posicionado no sentido de aplicação das leis especiais em detrimento das gerais, o que possibilitaria a viabilidade de outras exceções em relação à cessão/requisição de servidor em estágio probatório.
Corroborando com o entendimento aqui empossado, o Parecer Vinculante GQ-162/AGU (de caráter normativo e munido de força vinculante a todos os órgãos e entidades da Administração Federal) afirma que o estágio probatório não seria fator impeditivo da requisição ou cessão de servidor:
"A exegese dos arts. 20 da Lei n. 8.112 e 47 da Lei Complementar n. 73, combinado com o art. 5º da Lei n. 8.682, conduz ao resultado, indubitavelmente mais razoável e consentâneo com o interesse da Administração, de que servidor submetido a estágio probatório pode ser requisitado ou cedido para esta Advocacia-Geral da União, independentemente das atribuições a serem nela desempenhadas.".[15]
Acrescente-se, ainda, nesta linha interpretativa, que não pode o administrador lançar mão de equivocada hermenêutica para restringir direitos dos administrados, porquanto a inexistência de normativo que vede a requisição de servidor público durante o estágio probatório, afasta o direito do ente ou órgão requisitado de encampar uma conduta proibitiva de atuação.
Ou seja, há juridicidade na requisição de servidores que estejam em cumprimento do estágio probatório, independentemente da função a ser ocupada e quaisquer que sejam as atribuições desempenhadas no órgão de destino. O estágio probatório não representa motivo proibitivo da requisição de servidores públicos, seja pela inexistência de normativo proibitivo da liberação, seja pelo fato de que a requisição conta-se para todos os efeitos da vida funcional do servidor, nos termos descritos pelo Parecer Vinculante GQ-162/AGU.
5. Conclusão.
Vimos neste artigo questões específicas a respeito ao estágio probatório no serviço público. Perpassamos inicialmente pela ideia de que os termos "aptidão" e "capacidade", insertos no caput do art. 20 da Lei 8.112/90, não conferem à Administração Pública o poder de condicionar a aprovação em estágio probatório à confirmação da atual sanidade física e mental do servidor, sendo o exame admissional o momento específico para a avaliação médica (arts. 5º, VI e 14 da Lei 8112/90).
Não obstante, exemplificamos o porquê da impossibilidade jurídica do servidor afastado do exercício de suas funções para tratamento da própria saúde (art. 102, VIII, "b", da Lei 8.112/90), obter, apenas por essa razão, ser reprovado no estágio probatório, já que a licença é justificada e conta como efetivo exercício, o que provoca a subversão da cogitada transgressão disciplinar por inassiduidade.
Certo é que, no atual cenário de austeridade fiscal, a otimização dos gastos com o pessoal é temática central para o Governo Federal, que precisa lançar mão de mecanismo de gestão para a consecução de um equilíbrio fiscal. Neste condão, a otimização do custo-benefício das despesas com pessoal exige a correção de gargalos multifacetários que prejudicam o funcionamento do sistema, a exemplo da mecanização formal da avaliação no estágio probatório, retratada neste artigo.
É por esta razão que diversos projetos estão sendo encaminhados ao Congresso Nacional com o corolário de flexibilizar a estabilidade dos servidores públicos, alterar a forma de avaliação dos servidores e, ao fim e ao cabo, fixar a desejada reforma administrativa.
Para se ter uma ideia do grau de materialização das propostas sobre o tema, em dezembro de 2018, o então Ministro do Planejamento, Esteves Colnago, afirmou em entrevista ser urgente a necessidade de alteração da metodologia atualmente utilizada para aferição do estágio probatório. Segundo o Ministro, "Para saber se quem passou na prova está capacitado a trabalhar, a trabalhar em equipe. Estágio probatório perdeu a capacidade de ver quem se destaca. Usos e costumes levam a que a grande maioria entre no serviço público.".
As modificações no instituto do estágio probatório, portanto, serão inevitáveis, dado o desejado aprimoramento na sistemática para a estabilidade dos servidores públicos como forma de redução do déficit fiscal do Governo Federal.
6. Referências bibliográficas..
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SUDANO, Andréia Di Camilla Ghirghi Pires. Estágio Probatório e Reformas na Gestão Pública: um estudo de caso da avaliação no início de carreira no Estado de São Paulo / Andréia Di Camilla Ghirghi Pires - 2010.
[1] Em reunião realizada na Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, o Presidente Jair Bolsonaro afirmou que, caso não concretizada a reforma da previdência “vai faltar dinheiro para pagar quem está na ativa”. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-05/bolsonaro-diz-que-trabalha-para-melhorar-ambiente-de-negocios-no-pais Acesso em: 25 mai. 2019.
[2] Lei Orçamentária Anual de 2019 é aprovada pelo Congresso. Disponível em: < http://www.planejamento.gov.br/noticias/lei-orcamentaria-anual-de-2019-e-aprovada-pelocongresso>. Acesso em: 16 mai. 2019.
[3] A Medida Provisória nº 870/2019 estabeleceu a estrutura do atual Ministério da Economia, diante da fusão dos extintos Ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Disponível em: <http://www.economia.gov.br/acesso-a-informacao/institucional>. Acesso em: 17 mai. 2019.
[4] ABRAHAM, Marcus. Curso de direito financeiro brasileiro. 5.ed., rev. atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2019. Pág. 416.
[5] O STF tem posicionamento firmado quanto à necessária formalização de inquérito administrativo para a exoneração do servidor em estágio probatório (Súmula 21/STF).
[6]DI PIETRO, Marya Sylvia Zanella. Direito Administrativo. - 23. ed. – São Paulo:Atlas, 2010. Pág.596.
[7] Disponível em: < http://www.agu.gov.br/atos/detalhe/8436 (DOU 16/07/2004). <Acesso em: 18 mai. 2019.
[8] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende ... [et al.]. Constituição Federal Comentada. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. pág. 586.
[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 291.
[10] Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 116/2017, em regulamentação ao art. 41, § 1º, III da Constituição Federal, que objetiva enrijecer as regras de avaliação de desempenho para aquisição de estabilidade. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128876. Acesso em: 23 mai. 2019.
[11] SUDANO, Andréia Di Camilla Ghirghi Pires. Estágio Probatório e Reformas na Gestão Pública: um estudo de caso da avaliação no início de carreira no Estado de São Paulo / Andréia Di Camilla Ghirghi Pires - 2010.153 f.
[12] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32. Ed. [2. Reimpr.] – São Paulo: Atlas, 2018, pág. 724.
[13] BARBOSA, L. Meritocracia a brasileira: o que é desempenho no Brasil. Revista do Serviço Público, Brasília-DF, v. 120 (3), n. 47, p. 58-102, set.-dez. 1996
[14] Planejamento quer avaliar desempenho de servidor recém-contratado. Disponível em: < https://folhadirigida.com.br/servidor/mudanca-no-estagio-probatorio-recebe-criticas>. Acesso em: 17 mai. 2019. No mesmo sentido: <https://oglobo.globo.com/economia/planejamento-quer-avaliar-desempenho-de-servidor-recem-contratado-23302690>. Acesso em: 17 mai. 2019.
[15] Disponível em: < https://www.agu.gov.br/atos/detalhe/8341.> Acesso em: 23 mai. 2019.
Advogado da União (AGU), lotado no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Mestre em Direito pelo Instituto de Direito Público de Brasília - IDP, Especialista em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pela Escola de Magistratura de Pernambuco - ESMAPE, Bacharel em Direito pela UNINASSAU e Graduado em Comunicação Social pela UNICAP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Felipe Augusto Viégas Alves e. O redesenho do estágio probatório dos servidores públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2019, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53365/o-redesenho-do-estgio-probatrio-dos-servidores-pblicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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