Resumo: O presente artigo visa trazer os principais pontos da discussão existente entre Hart e Dworkin de forma a promover o conhecimento da importância dos princípios jurídicos, apesar do pensamento positivista.
Palavras Chave: Filosofia do Direito; Dworkin; Hart; Discricionariedade judicial; Princípios
Abstract: The present article aims to distinguish between the sensible principles, established and extendable in the limitation of the Derived Constituent Power according to the main voices of the doctrine.
Key-words: Philosophy of law; Dworkin; Hart; Judicial discretion; Principles
Sumário: 1. Introdução. 2. Debate entre Dworkin e Hart: discricionaridade judicial. 3. Do debate entre Dworkin e Hart: projeto descritivo e projeto normativo 4. Conclusão. 5. Referências.
1. Introdução
As correntes do positivismo jurídico tiveram e ainda possuem grande influência no pensamento jurídico contemporâneo. No entanto, desde muitos anos já existem críticas ao seu excesso formalismo, em especial porque historicamente o fracasso de sistemas extremamente formais provaram que a consagração positiva de direitos fundamentais não é suficiente para evitar sua violação. Apesar disso, pode-se perceber que ainda persiste na doutrina e jurisprudência, grande influência do positivismo.
Assim,procura-se aqui trazer as principais questões em relação a uma conhecida disputa intelectual se desenvolveu entre o jusfilósofo inglês Herbert L. Hart e o estadunidense Ronald Dworkin, em que este último elabora uma crítica feroz contra o positivismo, cabe observar que o objetivo deste artigo não é uma análise detalhada de tais movimentos, bem como suas críticas, defeitos e avanços, mas sim expor suas principais características, descrevendo seus principais aspectos de forma didática, para expor a ligação destas e a crítica ao positivismo, considerando o pensamento de Ronald Dworkin a partir de sua crítica à teoria de Hebert L. Hart.
2. Debate entre Dworkin e Hart: discricionaridade judicial
Segundo Hart, quando a aplicação das regras é duvidosa (em razão da textura aberta da linguagem) ou, ainda, quando não houver regras que contemplem o caso, a decisão judicial será discricionária e, assim, de certa forma, será criado um novo elemento da legislação. Nesses casos, portanto, as partes não têm direitos institucionais a serem preservados.
Sobre o tema da discricionariedade, sustenta Hart[1]: “os poderes de criação que eu atribuo aos juízes, para resolverem os casos parcialmente deixados por regular pelo direito, sejam diferentes dos de um órgão legislativo: não só os poderes do juiz são objecto de muitos constrangimentos que estreitam a sua escolha, de que um órgão legislativo pode estar consideravelmente liberto, mas, uma vez que os poderes do juiz são exercidos apenas para ele se libertar de casos concretos que urge resolver, ele não pode usá-los para introduzir reformas de larga escala ou novos códigos. Por isso, os seus poderes são intersticiais, e também estão sujeitos a muitos constrangimentos substantivos. Apesar disso, haverá pontos em que o direito existente não consegue ditar qualquer decisão que seja correcta e, para decidir os casos em que tal ocorra, o juiz deve exercer os seus poderes de criação do direito. Mas não deve fazer isso de forma arbitrária: isto é, ele deve sempre ter certas razões gerais para justificar sua decisão e deve agir como um legislador consciencioso agiria, decidindo de acordo com as sua próprias crenças e valores.”
Vejamos a crítica de Dworkin, a partir da síntese proposta por Ronaldo Porto Macedo Junior,[2] sobre a discricionaridade judicial admitida por Hart: “juízes tem a obrigação de aplicar uma regra sempre que dela se possa extrair de forma clara uma obrigação. Quando, pelo contrário, houver vagueza ou indeterminação, os juízes deverão agir discricionariamente. (...) nos casos difíceis, os juízes agem discricionariamente, não seguindo uma regra jurídica, mas sim criando uma nova regra jurídica e, assim, legislando intersicialmente. Nesse caso, a sua decisão, por não ter o seu conteúdo determinado por uma regra, não será certa ou errada, do ponto de vista jurídico.”
Para Dworkin, dentro de uma democracia constitucional, haverá sempre um direito das partes a ser preservado. Isso porque tanto as regras como os princípios integram o direito, sendo ambos de aplicação vinculante para o juiz. “Nesse sentido, os princípios forneceriam uma base para o dever judicial: identificar as preocupações e tradições morais da comunidade que efetivamente sustentam as regras”[3].
Importante esclarecer que o uso dos princípios, para Dworkin, não são feitos a partir de um caráter discricionário, ou seja, os princípios jurídicos a servirem de suporte às decisões judiciais não dependem das preferências pessoais do juiz. Para tanto, sustenta que a interpretação dos princípios, apesar de envolver controvérsias no processo de atribuição de seus sentidos, possui um conteúdo cognitivo objetivo. Essa parte do pensamento do filósofo norte-americano será abordada ao longo do presente trabalho.
Antes de encerrar esse tópico é importante não perder de vista que a argumentação do filósofo norte-americano tem como pressuposto a concepção de democracia comunitária. Interessa, pois, descobrir se o indivíduo tem ou não um interesse a ser preservado em face do Estado. Caso positiva resposta, esse direito deve ser assegurado (ao indivíduo) pelo poder público (judiciário). “Trata-se de uma imposição da moralidade política que aparece, no âmbito do discurso jurídico, sob a forma de princípios
3. Do debate entre Dworkin e Hart: projeto descritivo e projeto normativo
Hart, ao ler as críticas de Dworkin sobre seu trabalho, aduz que seu projeto filosófico pretendeu apenas ser descritivo, ou seja, apenas compreender as práticas sociais que permitem identificar o que o direito é. Dito de outro modo: identificar a natureza geral do direito e explicitá-lo. Sua teoria, portanto, não pretendeu a resolver casos jurídicos específicos e também não pretendeu avaliar, mediante perspectivas morais ou éticas, o conteúdo do direito. Sua teoria limita-se, portanto, a indicar o que o direito é; não o que o direito deve(ria) ser.
Como pressuposto, Hart sustenta que o direito é uma estrutura social complexa, dotada de um aspecto normativo (na medida em que visa regular os comportamentos da comunidade a que se destina) que, apesar das muitas variações que apresenta ao longo do tempo e nas diferentes culturas a que se dirige, sempre assumiu a mesma forma geral e a mesma estrutura. Seu projeto filosófico pretendeu descrever tais elementos, ou seja, os elementos que permitissem identificar o que é o direito.[4]
Hart indica, pois, que sua intenção foi apresentar uma teoria do direito que identificasse as características mais evidentes do sistema jurídico moderno. Sua tarefa, portanto, é meramente descritiva e, nesse sentido, moralmente neutra, já que não pretende justificar as estruturas descritas. Dito de outra forma: afirma que descreve o direito como um observador externo, não participante da prática social descrita. Descreve, portanto, apenas as maneiras, a partir das quais, os participantes de determinada comunidade veem o direito.
Dworkin refuta tais argumentos aduzindo que é impossível colocar-se externamente ao direito (ou seja, colocar-se externamente à prática social que pretende descrever) e, a partir daí, fazer análises neutras sobre algo que, necessariamente, envolve conteúdo moral (o direito, ao dispor sobre os comportamentos, possui conteúdo moral). Nega, portanto, a possibilidade de haver divisão entre níveis de discurso, assim sendo “discursos de primeira ordem, substantivos, e segunda ordem, metadiscursos com propósito descritivo.”[5]
Dito de outra forma: para Dworkin, como o direito envolve conteúdos morais – que é o próprio conteúdo substancial das regras de conduta – não há como identificar o direito sem implicações morais ou éticas. Nesse sentido, não há como fazer um estudo meramente descritivo do direito.
O conceito de direito, para Dworkin, diante do conteúdo moral que lhe é intrínseco, será interpretativo; ou seja, será formado a partir de discussões substantivas, cuja solução demanda interpretações e valorações (não podendo, portanto, ser moralmente neutro).
Hart não compartilha dessa premissa. Para Hart[6] “seria inútil buscar qualquer objetivo específico para o direito, que não fosse o de constituir um guia para a conduta humana e de oferecer critérios para a sua crítica, a partir das características distintivas: primeiro, o fato de que provê, por meio de normas secundárias, a identificação, a modificação e a imposição de seus padrões; e, segundo, sua pretensão geral à primazia sobre outros padrões.”
Dworkin tem um ponto de vista completamente diferente com relação a isso, já que para o filósofo norte-americano há um objetivo específico no direito, a saber, legitimar o uso da coerção estatal.[7]
Ao longo do trabalho o objetivo do direito defendido por Dworkin (que decorre do conceito de direito por ele adotado) será desenvolvido. O objetivo foi explicitado nessa parte do trabalho apenas para que ficassem claras as diferenças que marcam o pensamento dos filósofos ora analisados.
4. Conclusão
Diante do quadro que caracteriza o Brasil, no que se refere ao alto grau de discricionariedade nas decisões judiciais hoje produzidas, a teoria de direito dworkiniana se coloca como importante ferramenta para ser estudada.
Estudar uma teoria estrangeira não pode ser feita sem ressalvas, já que cada teoria, mesmo com pretensões universais, é construída a partir da realidade diversa (ou seja, a partir de referenciais históricos e políticos específicos). Todavia, os aportes democráticos da teoria de Dworkin se mostram de grande valia para um olhar crítico sobre as decisões judiciais produzidas no Brasil, em especial diante da discricionariedade que se faz presente em grande partes delas. Discricionariedade essa que, ao substituir o sistema jurídico pela moral do julgador, termina por contribuir para a implosão de um sistema jurídico construído a partir do marco democrático.
5.Referências
DWORKIN, Ronald. A Raposa e o Porco-Espinho. Justiça e Valor. Editora Martins Fontes. São Paulo: 2018.
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
HART, Herbert. O Conceito de Direito. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009,
MACEDO JUNIOR, RONALDO PORTO. Do xadrez à cortesia. Dworkin e a Teoria do Direito Contemporânea. Editora Saraiva. São Paulo: 2014.
MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica. 2 edição. EDITORA JusPODVM. Bahia, 2018.
STRECK, Lenio. Lições de Crítica Hermenêutica do Direito. 2 edição. Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2016.
NOTAS:
[1]HART, H.L.A. O conceito de direito. 3 ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Clouste Gulbekian, 1994b p. 322 apud MACEDO JUNIOR, RONALDO PORTO. Do xadrez à cortesia. Dworkin e a Teoria do Direito Contemporânea. Editora Saraiva. São Paulo: 2014, p.160.
[2]MACEDO JUNIOR, RONALDO PORTO. Do xadrez à cortesia. Dworkin e a Teoria do Direito Contemporânea. Editora Saraiva. São Paulo: 2014, p.160.
[3]MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica. 2 edição. EDITORA JusPODVM. Bahia, 2018, p. 127.
[4]MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica. 2 edição. EDITORA JusPODVM. Bahia, 2018, p. 128.
[5]MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica. 2 edição. EDITORA JusPODVM. Bahia, 2018, p. 133.
[6]HART, H.L.A. O conceito de direito. 3 ed. Tradução de A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Clouste Gulbekian, 1994b p. 321 apud MOTTA, Francisco José Borges. Ronald Dworkin e a Decisão Jurídica. 2 edição. EDITORA JusPODVM. Bahia, 2018, p. 130.
[7]DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2017, p. 110-147.
Advogada. Bacharel pela Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PADUA, Gabriela Mosciaro. O debate entre Dworkin e Hart e a discricionariedade judicial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 set 2019, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53390/o-debate-entre-dworkin-e-hart-e-a-discricionariedade-judicial. Acesso em: 23 dez 2024.
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