Resumo: Alienação de posição acionária da União no capital social do IRB Brasil Resseguros S.A. é procedimento de desinvestimento, pois não existe poder de controle, fundado no preceito Constitucional que determina a intervenção estatal supletiva na economia, que trouxe paradoxos, pois ao tempo em que o estado reduziu sua participação, aumentou sua ingerência nas atividades empresariais. A hipótese levantada para o descompasso entre o desinvestimento realizado com base em regramento constitucional e o aumento do poder de controle estaria na existência da ação preferencial de classe especial (Golden share).
Palavras-chaves: Desinvestimento – Golden share – IRB Brasil Resseguros.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1 Levantamento histórico. 2.2 Aspecto normativo do desinvestimento. 2.3 Golden Share. 2.4 IRB-Brasil Resseguros S.A. 3. Considerações finais. 4. Referências.
Com a advento das eleições presidenciais em 2018, novo direcionamento na política econômica brasileira foi estabelecido, no sentido de menor intervenção estatal na economia. A organização administrativa da Presidência da República e seus Ministérios foi reestruturada pela Lei nº 13.844/2019, por sua vez regulamentada pelo Decreto nº 9.745/2019, estabelecendo o plano material para condução do processo.
Neste contexto, para reordenar o papel do Estado na economia fundado em políticas de desmobilização e desinvestimento, foi criada a Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, órgão específico singular do Ministério da Economia, com a incumbência de estabelecer as diretrizes e edição de atos no âmbito de sua competência.
Desinvestimento estatal é a operação de alienação de ativos nos casos de participação minoritária do Estado na economia, quando ausente o controle acionário, enquanto desestatização implica na retirada do Estado da economia, quando participa majoritariamente de atividade econômica.
A condução do processo de desinvestimento e desestatização busca dar vigor ao preceito constitucional que permite a participação estatal na economia apenas nos casos de relevante interesse coletivo ou quando for necessário em razão de imperativos de segurança nacional (art. 170 da Constituição Federal).
Porém, esse processo pode gerar situações conflitantes, quando ao tempo em que se realiza o desinvestimento, aumenta-se o poder estatal na economia, surgindo situação paradoxal e conflitante com o direcionamento constitucional, em virtude de estruturação societária particular.
A situação mencionada ocorreu no desinvestimento do IRB Brasil Resseguros S.A., quando após a alienação das ações ordinárias da União no capital social da empresa, a ingerência estatal na economia aumentou, paradoxalmente, em virtude da existência de ação preferencial de classe especial (Golden share).
A metodologia a ser utilizada para testar a hipótese acima relacionada será descritiva e doutrinária, no intuito de isolar o problema e aferir a possível causa do descompasso entre o preceito constitucional e o resultado do desinvestimento.
2.1 Levantamento histórico
Para Thomas Hobbes, o dever do Estado consiste em garantir a segurança para seus indivíduos, por meio da lei e da ordem, colocando limites ao estado da natureza, posição essa em que vigora a luta de todos contra todos. Ao renunciar à parcela da liberdade individual em prol do “Leviatã”, ser mítico que se põe acima de todos em nome do bem comum, surge a ideia de Estado nacional[1].
Atualmente o Leviatã pode se mostrar em vários tons distintos: pode assumir diretamente o papel de empreendedor ou proprietário; atuar como acionista majoritário de empresas, nas situações de sociedades parcialmente privatizadas; ou agir como acionista minoritário em sociedades empresariais (por meio de fundos soberanos, bancos de desenvolvimento ou empresas de participação)[2].
A discussão filosófica sobre intervenção do Estado no domínio econômico e qual o papel efetivo dos governos na consecução de seus ideais ganha mais importância em tempos de déficit e contingências orçamentárias.
Ao Constituição Federal, ao tratar do tema, não deixa dúvidas de que “a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo” (art. 173), tratando a intervenção estatal na economia de forma excepcional.
De fato, a Carta de 1988 buscou retirar da política brasileira o autoritarismo vivenciado outrora, fixando o conjunto de garantias individuais e coletivas que tonificam o Estado Liberal de Direito, entre eles os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, ordem econômica amparada na propriedade privada e na livre concorrência[3].
O Estado pode atuar somente episodicamente, nos casos em que os particulares não tenham interesse em intervir, de forma a salvaguardar todo interesse que se sobreponha ao particular, ou quando for para garantir a própria existência e razão de ser do Estado[4].
O princípio da livre iniciativa, com suporte Constitucional, não diz respeito unicamente à liberdade de comércio, compreendido como a não ingerência estatal no domínio econômico, concedendo a faculdade de criar e explorar atividade a título privado sem estar sujeito à restrição estatal, em amplas condições de concorrência.
Vai além, pois valoriza o trabalho humano em seu contexto social, sendo expressão voltada não somente ao capital, mas também ao trabalho e sua vertente associativa, propiciando a melhor organização do particular para fomentar a liberdade[5].
Depois da Segunda Grande Guerra, intervenções estatais na economia tornaram-se amplas, quando políticas de bem-estar social (Welfare State) ganharam força por meio de teorias intervencionistas keynesianas, surgindo uma onda de nacionalização de serviços estatais por empresas públicas.
No Brasil, a doutrina intervencionista visando desenvolvimento nacional tomou força institucional após 1964, quando o país assumiu o lugar do empresário, e não mero regulador da atividade exercida pelo particular, fundado na inexpressiva poupança interna insuficiente para implantação de grandes empresas privadas nacionais[6].
Esse movimento durou aproximadamente até o final dos anos oitenta, quando começou a ser questionada a eficiência estatal no oferecimento desses serviços, iniciando-se o movimento inverso, de cunho liberal, que buscava fortalecer o mercado e o setor financeiro[7].
Essa virada ganhou força com a grave crise econômica do final dos anos 70 e do começo dos anos 80, levada a efeito por conta do petróleo, iniciando um processo de desestatização que propunha como alternativa o modelo de Estado mínimo.
Na Inglaterra, a partir do final dos anos 1970, o governo da primeira-ministra Margareth Thatcher, guiado pelos ideais do pensamento econômico de Friedrich A. Von Hayek, iniciou a desestatização de companhias como British Telecom, British Gas e companhias de água e eletricidade[8], originando também a possibilidade da Golden share nas sociedades privatizadas[9].
Após esse primeiro movimento, iniciou-se na América Latina as primeiras desestatizações, na década de 80, sendo os pioneiros nesse processo Chile, México e Brasil. Deve-se considerar que não existe um modelo único de privatização, sendo possível contabilizar mais de 50 tipos diferentes, realizados globalmente no interesse das mais variadas políticas públicas.[10]
Na atualidade, governos se sofisticaram, diluindo as participações acionárias no poder de fundos de pensão ou bancos de fomento sem perder parcela do controle, técnica utilizada em larga escala por países ao redor do globo.[11]
Ao considerarem o elevado custo político das privatizações, já que existiam demasiadas controvérsias ideológicas no processo, muitas estatais foram parcialmente privatizadas, de modo que o Estado continuou operando por meio de participação acionária minoritária.
Entre 1979 e 1983, forte crise arrebatou o Brasil, período em que enfrentou desequilíbrios orçamentários e financeiros, devido à disparada do preço do petróleo, deixando a balança comercial nacional desfavorável, pois nessa época o país importava a matriz energética de países produtores[12].
Nesse cenário de recessão, durante os anos oitenta, apelidado de “década perdida”, o caminho para enfrentar a necessidade de cobrir o déficit orçamentário foram as privatizações.
As reformas do aparelho estatal por meio de desestatizações ganharam força no governo Collor (1990-1992), continuando no governo Itamar Franco (1992-1994) e se fortalecendo durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
O Programa Nacional de Desestatização buscava, na época, conter a expansão administrativa referenciada no Decreto-Lei 200/67, concentrando esforços estatais em áreas de mais necessidade, deixando a cargo da iniciativa privada a exploração da atividade empresarial propriamente dita.
Na participação minoritária estatal no domínio privado, chamadas por Aragão de empresas público-privadas, existem “[...] instrumentos especiais de direitos societário, como um acordo de acionistas ou uma Golden share, que lhe dá poderes além dos assegurados a qualquer sócio pela legislação societária, mas sem que deixe de ser um acionista minoritário ou assuma parte do controle da sociedade”[13].
Quando das desestatizações, “[...] havia uma preocupação com interesses estratégicos da União, que poderiam ser afetados após a alienação de suas ações [...]”, motivo pelo qual foram previstos mecanismos permissivos da regulação estatal, como o acordo de acionistas e a ação preferencial de classe especial (Golden share)[14].
2.2 Aspecto normativo do desinvestimento
Atualmente existem, no âmbito federal, 134 empresas estatais, sendo 46 de controle direto e 88 de indireto,[15] além de vasta carteira de investimentos por intermédio do BNDES, banco de fomento com amplas atribuições na indução da economia[16].
Para reordenar o papel do Estado no domínio econômico, deve-se seguir o procedimento legal, com a inclusão no Programa Nacional de Desestatização (Lei nº 9.491/97), que objetiva reordenar a posição estratégica do Estado na economia, contribuir para a reestruturação dos setores público e privado, com a retomada de investimentos, de modo a permitir que a Administração concentre esforços em atividades estatais prioritárias.
Nos casos de desinvestimento, as participações acionárias da União serão depositadas no Fundo Nacional de Desestatização, que será administrado pelo BNDES, gestor do fundo com competência para proceder à alienação das cotas, depois de autorizado por decreto presidencial.
O Conselho Nacional de Desestatização (CND), órgão superior de decisão do PND, possui a função de recomendar inclusão ou exclusão de empresas e participações, para reestruturação societária. A partir da Lei nº 13.334/2016, suas funções são desempenhadas pelo Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (CPPI), constituído por membros do alto escalão federal.
2.3 Golden Share
A ação preferencial de classe especial, conhecida doutrinariamente como golden share, possui fundamento no art. 17, §7º, Lei de Sociedades Anônimas (LSA), assim como no art. 8º da Lei nº 9.491/1997, que permitem a sua criação no processo de desestatização, conferindo poderes de veto às deliberações da assembleia-geral nas matérias especificadas pelo estatuto.
No intuito de fazer frente às necessidades orçamentárias, as desestatizações possibilitaram a transferência de empresas públicas para o setor privado, mantendo-se a influência do Poder Público sobre determinadas questões de interesse, por meio da Golden share.
É uma maneira de manter a intervenção estatal na economia em condições desproporcionais à participação acionária, porquanto, com parcela ínfima ou simbólica, permite-se elevado poder de governança e administração[17].
Concede direito decisório de forma desproporcional ao direito de propriedade na empresa, sob o fundamento de proteger interesse público, estando presente em solo nacional, assim como na Alemanha, França e Itália, apesar de ser medida desincentivada pela União Europeia, por ser potencial impeditivo do livre circulação do capital[18].
Assim, a Golden share possui nítido vetor regulatório ou planejador, uma vez que permite ao Estado influenciar os caminhos e a governança societária, viabilizando a transferência da propriedade a grupos privados para o exercício da atividade econômica, sem, no entanto, se afastar dos atos de gestão, mantendo o interesse público que ficará sob o resguardo do Poder Público[19].
Ao conceituá-la também como vetor regulatório, Carvalhosa leciona que é “[...] instrumento direto de política pública que pode substituir, em certa medida, as funções de uma agência estatal reguladora”, lembrando, ainda, que este instrumento “[...] acarreta diminuição no preço de venda das empresas privatizadas, justificando-se unicamente pela prevalência do interesse público”[20].
Sobre este particular, existe consulta formulada ao Tribunal de Contas da União, tombada sob o nº 025.285/2017-3, que trata de questionamento referente à competência e à possibilidade de supressão, sem contrapartida financeira, de direitos conferidos à União por meio de ações de classe especial (golden shares) criadas quando da desestatização de companhias federais, cuja relatoria é do Ministro José Múcio Monteiro que, em função da assunção da presidência daquela Corte, foi transferida para o Ministro Raimundo Carreiro[21].
Até o momento, não existe conclusão do julgamento, já que foi suspenso em razão de pedido de vista formulado na sessão ordinária do plenário em 18/7/2018, pelo Ministro Vital do Rêgo. É uma questão intrincada, pois visa discutir a eventual existência de valor precificado na golden share, caso de fato exista, e como seria feito o pagamento pela eventual renúncia aos poderes pela União.
2.4 IRB-Brasil Resseguros S.A.
O Instituto de Resseguros do Brasil - IRB, foi criado em 1939 pelo presidente Getúlio Vargas (Decreto-lei nº 1.186, de 3 de abril de 1939), visando fortalecer e apoiar o desenvolvimento do mercado segurador nacional, assim como reter no país riscos de empresas nacionais, seara dominada antes por resseguradoras estrangeiras. Com a criação, conferiu-lhe o monopólio e a regulação do mercado securitário[22].
O mercado de resseguros tem a função de pulverizar os riscos de maior volume, podendo atuar no resseguro de empresas seguradoras, ou na retrocessão, atuando juntamente com outras resseguradoras. Pela grandeza dos objetos segurados, é um mercado de extensão internacional, bastante competitivo.
Como as companhias do mercado segurador não possuem capital suficiente e recursos adequados para aceitar todos os sinistros contratados, devem se proteger também de eventuais riscos do negócio. Por essa razão, a resseguradora atua como “seguro do seguro”, ou “seguro do resseguro”, pulverizando os riscos existentes e propiciando o funcionamento do mercado[23].
Na época da fundação do IRB o mundo se recuperava dos efeitos da crise de 1929, com a indústria do cafeeira nacional perdendo espaço nas exportações e o mercado nacional adotando política de substituição de importação.
Em verdade, a partir de 1933 o mercado interno já se recuperava da crise, graças à política anticíclica em curso (governo comprando os estoques dos cafeicultores) e ao panorama internacional de elevados preços de mercadorias importadas, aumentando o interesse pelas atividades econômicas internas. Combinado com o conflito bélico de 1939 e ampliação de anseios nacionalistas, surgiu forte corrente na defesa da indústria nacional capaz de atender às necessidades do mercado interno.[24]
Bens industriais provenientes do exterior a baixo custo, somados à inversão industrial interna em razão da redução de produção de café, impactaram positivamente o fomento industrial interno, que necessitaria de segurança para a sua atuação, no dinâmico processo de geração de renda[25], criando ambiente propicio ao surgimento da resseguradora nacional.
A Carta de 1937 se inclinava à atuação estatal no domínio econômico somente para suprir as “deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção” (art. 135), com feição liberal na forma, mas forte atuação política na atividade industrial, com a cartelização da economia e o ambiente altamente regulamentado, desde o café até a produção de mandioca.[26]
Em 1946 houve a consolidação da legislação relativa ao IRB (Decreto-Lei nº 9.735, de 4 de setembro de 1946), fomentando as operações de resseguro e retrocessão, operações garantidas pela União, visando também ao mercado estrangeiro.
Com a edição do Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, o IRB foi transformado em sociedade de economia mista, permanecendo como órgão regulador de resseguro, a partir da criação do Sistema Nacional de Seguros Privados, monopolizando o exercício da atividade de resseguro, chamando-se agora IRB Brasil Resseguros S.A.
Em 1997 foi incluído no Programa Nacional de Desestatização (PND) por meio do Decreto nº 2.423, de 16 de dezembro de 1997, processo que não foi adiante em razão de suspensão judicial decorrente de medida liminar concedida nos autos da ADIN nº 2.223-7, haja vista a discussão referente à transferência de funções regulatórias e fiscalizatórias para a SUSEP, antes conferidas ao IRB.
Em 15 de janeiro de 2007, foi sancionada a Lei Complementar nº 126, que abriu o mercado ressegurador brasileiro, quebrando o monopólio do IRB, passando a ser empresa resseguradora local, perdendo a qualidade de órgão regulador, atribuição que foi conferida à Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
Em virtude da abertura do mercado ressegurador, o IRB se reestruturou, retomando processo de desestatização por meio da Resolução nº 3, de 7 de abril de 2011, o qual havia sido suspenso pela Resolução CND nº 32/2000.
Após esse processo inicial de desestatização do IRB, nos termos da legislação vigente, a empresa tornou-se sociedade privada da qual a União detinha participação minoritária (11,73% do capital votante), com 10% do capital vinculado ao Acordo de Acionistas, que permite que ela integre o denominado “Bloco de Controle” da sociedade. O primeiro Acordo firmado entre as mesmas partes é de 24 de maio de 2013, tendo sido, em 12 de agosto de 2015, aditado e consolidado[27].
Em 2017, o IRB abriu o capital com o lançamento das ações no Novo Mercado da B3, nível máximo de Governança, assumindo a 8ª posição entre os 10 maiores resseguradores do mundo em valor de mercado.
Em decorrência de acordo de acionistas pactuado entre o bloco de controle, foi criada, na forma do art. 17 da Lei das Sociedades Anônimas e do art. 8º da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, ação preferencial de classe especial de titularidade exclusiva da União (golden share).
Com a edição do Decreto nº 9.811, de 30 de maio de 2019[28], foram incluídas as ações ordinárias detidas pela União no capital social do IRB no Programa Nacional de Desestatização, designando-se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES como responsável pela execução e pelo acompanhamento dos atos necessários à alienação, frisando que a golden share não foi incluída no processo de venda.
Em 23 de julho de 2019 a sociedade empresária comunicou ao mercado a alienação, por parte da União, da totalidade de sua participação, exceto pela ação preferencial de classe especial, no âmbito de oferta pública com esforços restritos de distribuição secundária, deixando de participar do acordo de acionistas, assim como do grupo de controle da companhia[29].
Na mesma data foi publicado fato relevante pela sociedade informando que, após a liquidação da oferta pública, houve a rescisão do Acordo de Acionistas da Companhia, ficando sem controlador definido (capital pulverizado)[30].
Observa-se que o poder relacionado à golden share, após a alienação da posição acionária da União e consequente rescisão do acordo de acionistas, foi majorado, pois duas cláusulas estão intimamente ligadas ao acordo de acionistas, quais sejam, as que se referem à definição de políticas de subscrição e retrocessão e à transferência de controle acionário da sociedade. Vejamos:
Art. 8 A Golden Share confere à União, em caráter permanente, direitos de veto nas deliberações sociais ou negócios jurídicos a respeito das seguintes matérias:
I - mudança de denominação da Sociedade ou de seu objeto social;
II - transferência de controle acionário da Sociedade, observado o disposto no § 1º deste art. 8º;
III - alteração ou aplicação da logomarca da Sociedade;
IV - definição das políticas de subscrição e retrocessão, representadas por normas de caráter geral, sem indicação individualizada de negócios, devendo esse direito ser exercido de forma a se buscar o equilíbrio econômico-financeiro das carteiras correspondentes, salvo disposição expressa em acordo de acionistas do qual a União faça parte;
V - operações de transformação, fusão, incorporação e cisão que envolvam a Sociedade, que possam implicar em perdas de direitos atribuídos à Golden Share; e
VI - qualquer alteração dos direitos atribuídos à Golden Share, sem a anuência escrita manifestada pela União.
§ 1º Não está sujeito ao veto da União de que trata o inciso (ii) do art. 8º deste Estatuto Social as transferências de ações que sejam realizadas em conformidade com acordo de acionistas do qual a União faça parte.
Veja-se que o poder de veto, antes condicionado ao acordo, tornou-se ilimitado com a retirada da União e consequente rescisão do acordo. Com a alienação e a saída da União do Acordo, não existe nenhuma exceção a ser respeitada pela cláusula especial, aumentando-se o poder de veto da União.
A situação extraordinária indica que, mesmo após a alienação, fazendo frente ao preceito Constitucional de mínima intervenção, o poder de gerência na sociedade aumentou, pois o poder de veto a transferências acionárias e a eventuais políticas de subscrição de risco e retrocessão será ilimitado.
Hipoteticamente, poderá a União vetar incondicionalmente transferências de controle acionário da sociedade e definição de políticas de subscrição e retrocessão, sem observância de qualquer baliza constante do acordo rescindido.
O cenário do mercado ressegurador é bem distinto daquele de 1939, data da criação do Instituto, em que o mundo se recuperava da grave crise de 1929. Dessa forma, ao se retirar do IRB, o estado permanece de maneira mais forte no mercado, evidenciando-se evidente conflito com o mandamento Constitucional de intervenção apenas quando houver relevante interesse coletivo e imperativos de segurança nacional.
Se normativamente a previsão Constitucional endossa a atuação estatal apenas nos casos de relevante interesse coletivo, quando for necessário, decorrente de imperativos da segurança nacional, no mundo dos fatos, a questão toma contorno diverso, mormente em decorrência de acordos de acionistas ou cláusulas preferenciais (golden share).
Se, a partir da análise normativa, os valores embutidos no preceito constitucional nos levam à menor intervenção, reservada aos casos de relevante interesse coletivo e aos motivos de segurança nacional, a análise dos fatos nos leva a crer que, mesmo com a alienação da participação, restaria ainda grande intervenção do Estado no domínio econômico.
A retirada do estado do meio econômico, no sentido de valorizar a Constituição, é intrincada e possui variados conflitos no caminho. O cumprimento ao preceito constitucional de intervenção excepcional apenas em situações de interesse coletivo ou segurança nacional traz complexidades que podem surgir no curso do processo.
Desinvestir traz consequências legais e questionamentos acerca de quais instrumentos devem ser usados, além de apresentar variações interventivas, como o caso das ações preferenciais de classes especiais, que ganham força no momento da retirada.
A melhor forma para que seja de fato valorado o preceito constitucional parece ser a comunhão de esforços entre legislativo, executivo e judiciário, objetivando ambiente mais promissor para geração de empregos, renda e riqueza.
Neste sentido, partindo dessas reflexões coletivas das três esferas de poder, poderia ser discutida a necessidade da ação preferencial de classe especial na atualidade, a partir de estudos constitucionais comparados.
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[1] MICKLETHWAIT, John; WOOLDRIDGE, Adrian. A quarta revolução. São Paulo: Pemguin, 2018.
[2] MUSACCHIO, Aldo. Reinventando o capitalismo de Estado: o Leviatã nos negócios: Brasil e outros países. 1ª ed. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2015.
[3] PAIM, Antonio. História do liberalismo brasileiro. 2ª ed. rev.e ampl. São Paulo: LVM, 2018. Pp. 265.
[4] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. Pp.77.
[5] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e crítica. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012. Pp. 169 ss.
[6] SZTAJN, Rachel. Notas sobre privatização. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e financeiro. Nova Série. Ano XXXIX. N. 117. Jan-mar/2000. P.103.
[7] BEZERRA, Helga Maria Saboia. La golden share como instrumento de control estatal en empresas privatizadas. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos. Publicação do Curso de Pós-graduação em Direito da UFSC. Ano XXXI. Julho de 2010.
[8] Idem.
[9] OLGUIN, Pedro Rocha. A importância da Golden share no direito empresarial brasileiro e as novas possibilidades de utilização na sucessão empresarial. In: Revista Advocacia Dinâmica. Ano 2012. Fascículo semanal nº 52. P. 856.
[10] MOREIRA, Terezinha. O processo de privatização mundial: tendências recentes e perspectivas para o Brasil. Revista do BNDES. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 97-112, jun, 1994.
[11] THE ECONOMIST. Special Report: The visible hand. State capitalism´s global reach: New masters of the universe. Edição de 21 de janeiro de 2012.
[12] LAZZARINI, Sérgio. Capitalismo de Laços: Os donos do Brasil e suas conexões. São Paulo: Bei Comunicação, i, 2015, p. 115.
[13] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas Estatais: o regime jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 459.
[14] SCHWIND, Rafael Wallbach. O Estado acionista: empresas estatais e empresas privadas com participação estatal. São Paulo: Almedina, 2017, p. 385.
[15] Informações podem ser acessadas no “panorama das estatais. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/assuntos/empresas-estatais/panorama>.
[16] Mais informações sobre a carteira acionária podem ser obtidas por divisão em empresas abertas, fechadas, fundos de investimentos e debentures, além das formas previstas para concessão de investimentos. Disponível em: <https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-operacoes-bndes/carteira-acionaria>.
[17] GUEDES, Filipe Machado. A atuação do Estado na economia como acionista minoritário: possibilidades e limites. São Paulo: Almedina, 2015, p. 162 ss.
[18] ENRIQUES, Luca; HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier; PARGENDLER, Mariana. The Basic Governance Structure: Minority Shareholders and Non-Shareholders Constituencies. In: The Anatomy of Corporate Law: A Comparative and Functional Approach. 3ª ed. New York: Oxford University Press, 2017.
[19] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresa público-privada. Revista dos Tribunais – RT, ano 98, n. 890, p. 33-68, dez. 2009.
[20] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 1º volume: arts. 1º a 74. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 236-237.
[21] O conteúdo da consulta formulada é o seguinte: É possível suprimir direitos conferidos pelas ações de classe especial (golden share), quando da desestatização de empresas estatais sem contrapartida financeira, e seria o CPPI a autoridade competente para tanto? E, no caso de direitos específicos definidos além das disposições de Resolução do CND, a competência seria do Ministro de Estado da Fazenda? (Informações disponíveis em: https://portal.tcu.gov.br/sessoes/).
[22] Revista do IRB. Ano 60. Nº 282. Número especial. Rio de Janeiro. P. 7.
[23] MARTINS, João Marcos Brito. Resseguros: Fundamentos Técnicos e Jurídicos. 2ª ed. Rev. Atual. E-book, 2019.
[24] FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 34 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 263-273.
[25] Idem, p. 273-285.
[26] FAORO, Raymundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Globo, 2012, p. 811.
[27] Informações sobre o acordo de acionistas extraídas do sítio eletrônico do IRB, relação com investidores (https://ri.irbre.com/ptb), em junho de 2019.
[28] Assim versa o artigo 1º do Decreto: “Ficam incluídas no Programa Nacional de Desestatização - PND, para os fins do disposto na Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, as 36.458.237 (trinta e seis milhões quatrocentos e cinquenta e oito mil duzentos e trinta e sete) ações ordinárias de emissão do IRB Brasil Resseguros S.A. detidas pela União” (disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Decreto/D9811.htm).
[29] Comunicado ao mercado acessível no sítio eletrônico da companhia, seção “relações com investidores” (endereço: https://ri.irbre.com/ptb/aviso-aos-acionistas-comunicados-fato-relevante).
[30] Fato relevante acessível no sítio eletrônico da companhia (https://ri.irbre.com/ptb/aviso-aos-acionistas-comunicados-fato-relevante).
Procurador da Fazenda Nacional, atua na Coordenação-Geral de Assuntos Societários (CAS/PGFN).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, Daniel Brasiliense e. Desinvestimento Estatal: análise do IRB-Brasil Resseguros S.A. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2019, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53406/desinvestimento-estatal-anlise-do-irb-brasil-resseguros-s-a. Acesso em: 23 dez 2024.
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