RESUMO: O presente artigo científico visa abordar como ocorreu a evolução histórica da legislação ambiental no ordenamento jurídico brasileiro, abrangendo as principais as leis que surgiram no intuito de tutelar algum bem jurídico voltado para o meio ambiente até os dias de hoje, enfatizando os crimes ambientais nelas instituídos. Com o intuito de lapidar a compreensão do tema, optou-se por uma breve conceituação sobre direito ambiental e meio ambiente sobre a óptica jurídica pátria. Além disso foi abordada a ideia de um estudioso argentino Adolfo Perez Esquivel quanto a uma possível inclusão dos crimes ambientais considerados de maior impacto entre os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional de Haia, demonstrando a relevância jurídica e social do tema que se mostra tão determinante para a qualidade de vida de todos os seres humanos. Observou-se que o citado Tribunal somente julga crimes de guerra, genocídio, crimes de agressão e crimes contra a humanidade, no entanto, não seriam os crimes ambientais crimes contra a humanidade?
Palavras-chave: Direito Ambiental, Crimes Ambientais, Tribunal Internacional de Haia
ABSTRACT: This scientific article aims to address how the historical evolution of environmental legislation occurred in the Brazilian legal system, covering the main laws that emerged in order to protect some environmental good to the present day, emphasizing the environmental crimes instituted therein. In order to sharpen the understanding of the theme, we opted for a brief conceptualization on environmental law and environment on the legal perspective of the country. In addition, the idea of an Argentine scholar Adolfo Perez Esquivel was approached regarding the possible inclusion of environmental crimes considered to have the greatest impact among the crimes under the jurisdiction of the International Criminal Court in The Hague, demonstrating the legal and social relevance of the issue that is so determining for the quality of life of all human beings. It was noted that the aforementioned Court only judges war crimes, genocide, aggression crimes and crimes against humanity, however, would not environmental crimes be crimes against humanity?
Key words: Law, Environmental Law, Environmental Crimes, The International Court of The Hague
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONCEITUAÇÃO DE DIREITO AMBIENTAL.
2.1 CONCEITUAÇÃO DE MEIO AMBIENTE. 3. CRIMES AMBIENTAIS. 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA. 3.2 CRIMES AMBIENTAIS: CRIMES CONTRA A HUMANIDADE? 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO
O homem, no decorrer da história, nunca se atentou tanto ao cuidado com o meio ambiente quanto nas últimas décadas. Mas sua percepção e conscientização foi um processo longo até entender plena e completamente a necessidade da preservação do meio ambiente. Não somente devido aos problemas atuais que atingem nosso planeta, como também por ser primordial que haja a preservação dos recursos naturais para as futuras gerações.
O mundo todo presencia várias crises em diversas vertentes. Já é nítida a falta de valores morais e éticos das pessoas, o aumento da violência, do desrespeito e o avanço das desigualdades sociais. E nesse mesmo toar, é incontestável a crise ambiental que enfrentamos, principalmente no que diz respeito aos recursos hídricos.
Pontua-se que o desenvolvimento econômico e tecnológico ocasionou, mesmo que despropositadamente, em desgaste e poluição que necessitam ser analisados e combatidos. Diariamente, em vários meios de comunicação, são divulgados diferentes tipos de agressões do homem ao meio ambiente: a contaminação por resíduos nucleares, pela disposição de lixos químicos, domésticos, industriais e hospitalares de forma inadequada; as queimadas; o desperdício dos recursos naturais não renováveis; o desmatamento indiscriminado, etc. Com o reconhecimento da crise ecológica um processo para sua devida retenção foi iniciado.
Vale observar que com o passar do tempo, as normas que regem o direito ambiental surgiram vagarosamente e de modo discreto, como o Decreto nº 4.421 de 28 de dezembro de 1921, que criou o “Serviço Florestal do Brasil”; também o Decreto nº 27.973 de 23 de janeiro de 1934, criando o primeiro Código Florestal brasileiro; o Decreto nº 24.643 de 10 de julho de 1934, criador do “Código de Águas”; e o Decreto nº 24.645 de 10 de julho de 1934, estabelecendo “medidas de proteção aos animais”. No entanto, esses decretos eram bastante confusos e em seu texto não eram apresentadas punições rigorosas aos criminosos ambientais que depredavam o ecossistema livremente por vários anos sem sofrer quaisquer sanções, ao menos na seara penal.
Na década de 1970 começaram a surgir os primeiros movimentos em prol da conservação do meio ambiente. Em 1972, na capital da Suécia, Estocolmo, foi realizada a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (ECO-72). Já a Segunda Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente (ECO-92 ou RIO-92) aconteceu 20 anos mais tarde, na cidade do Rio de Janeiro em 1992, e em 2009, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), foi realizada na cidade de Copenhagen. Além dos movimentos em âmbito mundial, a população está cada vez mais engajada com os problemas ambientais, se tornando temáticas de escolas e ações comunitárias.
No passado, havia certa dificuldade a respeito do tema analisado, uma vez que tais crimes eram tratados como contravenções penais, isto é, eram abordados como infrações menos severas. Dessa forma, a Lei nº 9.065 de 12 de fevereiro de 1998, veio trazendo em seu escopo sanções um pouco menos brandas, punindo todos os agressores do meio ambiente, havendo uma considerável intervenção por parte do Estado.
Logo, pode-se considerar que a Lei nº 9.065/98, conhecida também como Lei de Crimes Ambientais, nasceu para modificar algumas infrações que eram tratadas como contravenções, transformando-as em crimes. Esta lei, que será explicitada com maior afinco ao longo do texto do presente artigo, prevê a também a criminalização de pessoas jurídicas, estabelece quais são os atos lesivos ao meio ambiente, bem como a refutação correspondente por parte do poder público, tanto na seara penal quanto administrativa.
Entretanto, há algumas complicações quanto à aplicabilidade da Lei de Crimes Ambientais, especialmente no aspecto cultural, visto que na grande maioria dos casos, o precursor do crime ambiental, ainda um pouco ignorante quanto à importância da conservação do meio ambiente à sua volta, não se vê como um infrator, ou seja, para o mesmo sua atitude está ligada a valores culturais, não considerando que está cometendo um crime. Assim, pode-se aferir que o caráter de prevenção que a Lei nº 9.065/98 tenta impor, resta prejudicado, ainda que minimamente.
Tal fato se dá uma vez que a sociedade, até um passado bem próximo, não era habituada a cultura ambiental, acarretando em uma percepção errônea com relação às legislações ambientais, pois acreditavam que tais leis eram, de certo modo, injustas. Leva-se tempo e esforço governamental para que as pessoas mudem seu ponto de vista e cabe aqui um ditado popular: “se não é pelo amor, que seja pela dor”.
Assim, dada a gravidade acarretada pela destruição do Meio Ambiente, há que considerar a ideia de uma possível inserção dos crimes ambientais no rol de crimes julgados pelo Tribunal Penal Internacional de Haia. Tal idéia parte de um argentino, arquiteto, escultor e ativista de direitos humanos, Adolfo Pérez Esquivel. De início faz-se necessário o entendimento do tema, com todas as suas implicações, começando por uma estruturação histórica a respeito do Tribunal Penal Internacional e sua competência, além da legislação de proteção ao meio ambiente no Brasil e no mundo, passando em seguida à análise da necessidade de uma modificação no Estatuto de Roma, tratado que estabeleceu a Corte Penal Internacional, para só então, adentrarmos ao posicionamento da sociedade e de estudiosos do Direito a respeito do assunto.
Existem várias leis e princípios a dispor sobre as questões ambientais em uma perspectiva internacional. Protocolos como o de Kyoto ou o de Montreal, nos convidam a olhar mais atentamente para o meio ambiente. A Declaração Universal dos Direitos Humanos atrai nossos olhares no sentido de reconhecermos que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é de grande importância entre os direitos fundamentais de terceira geração. O próprio direito à vida está intimamente ligado ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois só podemos falar em qualidade de vida quando temos a consciência de que o cenário em que vivemos pode ser preservado. Quando observamos o atual contexto econômico mundial, percebemos que as relações econômicas se colocam acima do reconhecimento da necessidade de se estabelecer um equilíbrio ecológico.
O trabalho não pretende esgotar o tema em questão, uma vez que sua vastidão tornaria tal intenção inviável e até mesmo impossível. Há apenas o desejo de discutir o papel do Direito dentro de um assunto cujo conhecimento se mostra cada vez mais importante, principalmente na atualidade, em que os recursos naturais se apresentam, dia após dia, mais escassos, e o meio ambiente gradativamente desprotegido.
2. CONCEITUAÇÃO DE DIREITO AMBIENTAL
Para Paulo Affonso Leme Machado, o direito ambiental é visto como um sistematizador, ou seja, ele é responsável por fazer a conexão entre a jurisprudência, a legislação e a doutrina no que diz respeito ao meio ambiente.
José Afonso da Silva conceitua direito ambiental dizendo que:
“O Direito Ambiental deve ser considerado sob dois aspectos:
Pelas palavras de Luís Paulo Sirvinskas o direito ambiental “é a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta”.
Dessa forma, temos bem explanada a conceituação de direito ambiental. No entanto, faz-se necessário conceituar também o que vem a ser meio ambiente, haja vista que o mesmo é o objeto principal do direito ambiental.
2.1CONCEITUAÇÃO DE MEIO AMBIENTE
O meio ambiente é tratado como um bem jurídico que necessita de grande destaque. É necessário compreender que nenhum outro interesse tem a difusidade que ele tem, pois pertence a todos indivíduos e ao mesmo tempo a ninguém em particular e sua preservação a todos aproveita e sua deterioração a todos prejudica.
Em 31 de agosto de 1981 foi instituída a Lei nº 6.938 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, a qual, em seu artigo 3º, inciso I, conceitua o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Pela inteligência de Celso Antônio Pacheco Fiorillo, trata-se de um conceito jurídico indeterminado, assim colocado de forma proposital pelo legislador com vistas a criar um espaço positivo de incidência da norma. Isto é, caso houvesse uma definição precisa de meio ambiente, diversas situações, que normalmente seriam supremas na órbita de seu conceito atual, poderiam deixar de sê-lo pela eventual criação de um espaço negativo próprio de qualquer definição.
Para o doutrinador José Afonso da Silva, o meio ambiente é tido como sendo “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento da vida de todas as formas”.
Desta forma, pode-se intuir que há uma distinção conduzida pela doutrina em meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.
O artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) diz que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Logo, pode-se concluir que o artigo citado acima refere-se ao meio ambiente natural compreendendo a atmosfera, o solo, a água, a fauna, a flora, dentre outros que enquadram-se nesta espécie.
Analisando ainda a Constituição Federal, considerada nesse contexto como a Constituição Verde, por ter tratado com mais afinco da questão ambiental, observamos que, por sua vez os artigos 215 e 216, tratam da questão do meio ambiente cultural, estabelecendo o que segue:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (...)
No que tange o meio ambiente artificial, o doutrinador Luís Paulo Sirvinskas define como sendo “aquele construído pelo homem. É a ocupação gradativa dos espaços naturais, transformando-os em espaços artificiais”, podendo-se citar como exemplos as pinacotecas e bibliotecas.
E finalmente o artigo 200, VII e VIII da CRFB/88, apesar de estar tratando do Sistema Único de Saúde, estabelece sobre o meio ambiente laboral, ou seja, o mesmo refere-se a proteção do indivíduo em seu ambiente de trabalho, devendo-se atentar às normas de segurança:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
(...)
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
3. CRIMES AMBIENTAIS
3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A degradação do meio ambiente representa, atualmente, um dos maiores problemas pelos quais a humanidade vem passando e sua repercussão se deve principalmente ao fato de que tal destruição coloca em risco a própria continuidade da vida dos seres humanos no planeta Terra. Tal afirmação, a princípio parece exagerada, entretanto, é necessário lembrar que, dependendo da intensidade do crime ambiental, a vida de diversas pessoas pode ser atingida em consequência do crime. Por ser tão importante é que o meio ambiente merece proteção, que se dá ao redor do mundo através de diferentes meios, sejam jurídicos ou políticos.
As Constituições de diferentes países em todo o mundo, por diversas décadas já tratavam do tema da proteção ao meio ambiente. A constituição de 1947 da Itália já conferia tutela às paisagens. As Constituições mais recentes, em especial, dos países do continente americano, principalmente a partir da década de 1970, passaram a dar uma maior relevância à proteção ambiental. A garantia de um meio ambiente livre de contaminação se fazia presente na Constituição do Chile em 1972. Ainda neste ano, na Lei Maior do Panamá falava-se no direito a um meio ambiente saudável. Em 1980, a Carta do Peru trazia o direito de habitar em um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado e adequado para o desenvolvimento da vida e a preservação da paisagem e da natureza, sendo dever do Estado prevenir e controlar a contaminação ambiental. Em 1976 uma lei ordinária francesa já enunciava a proteção aos espaços naturais e às paisagens, além da preservação das espécies animais e vegetais, etc. Outras Constituições como as de Cuba, El Salvador, Guatemala e México, também se manifestaram nesse sentido.
Como se vê, a necessidade de proteção ao meio ambiente é algo há muito tempo já praticamente inquestionável em diversos países ao redor do mundo. Não seria diferente no Brasil. Nossa Constituição Federal também já mencionava o assunto desde 1988 sendo que o artigo 225 já trazia em sua redação os pilares da proteção constitucional a um bem de especial relevância. Por ser um país reconhecido mundialmente por suas riquezas naturais, o Brasil demanda uma legislação rica e eficaz. Diz a redação do artigo 225 que:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”. (BRASIL. Constituição,1988)
Observa-se, no entanto, que antes da promulgação da CRFB/88, destacava-se a Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965, o chamado o Código Florestal, que disciplinava quanto à utilização e preservação das florestas, bem como das demais vegetações.
Cabe obtemperar que tal lei fora recepcionada pela Carta Maior. O artigo 26 do referido Código Florestal de 1965 previa diversas formas de contravenções, o que representou enorme avanço para a preservação ambiental, visto que tinha como finalidade coibir atos que viessem a degradar/destruir a flora.
Há que se considerar que houve um lapso temporal de 33 anos entre o Código Florestal de 1965 e a Lei de Crimes Ambientais de 1998. Logo, esta revogou diversas infrações contempladas pelo antigo código florestal, convertendo-as em crimes, para que os criminosos ambientais pudessem ser punidos mais severamente. Diante da insuficiência do artigo aparato jurídico de 1965, foram elaborados novas tipificações penais com penas majoradas. Afinal o que ocorreu foi um majoramento no que diz respeito ao rigor, mesmo que ambas as leis não empreguem o encarceramento dos infratores, exceto no caso de reincidência.
O Código de 1965 perdeu relevância no que tange às infrações penais. Apesar das normas não repetidas na Lei nº 9.605/98 terem permanecido em vigência até certo período, visto que, com a implementação da Lei nº 12.651 de 25 de maio de 2012 (Novo Código Florestal) tais dispositivos foram revogados, pois a referida lei optou por não cuidar da esfera penal.
Percebe-se que, pelo texto do artigo 26 da Lei nº 4.771/65 havia a possibilidade de três tipos de sanções, sendo elas: prisão, multa ou ambas cumuladas: “constituem contravenções penais, puníveis com três meses a um ano de prisão simples ou multa de uma a cem vezes o salário mínimo mensal, do lugar e da data da infração ou ambas as penas cumulativamente”
As agravantes penais davam-se, sem prejuízo das contidas no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940) e na Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688 de 03 de outubro de 1941), assim dizia o artigo 31 do referido Código Florestal de 1965, in verbis:
Art. 31. São circunstâncias que agravam a pena, além das previstas no Código Penal e da Lei de Contravenções Penais:
b) cometer a infração contra a floresta de preservação permanente ou material dela provindo.
Já a redação do artigo 29, do Código que fora revogado, discorria sobre quem recairia as penalidades, conforme segue:
Art. 29. As penalidades incidirão sobre os autores, sejam eles:
a) diretos;
b) arrendatários, parceiros, posseiros, gerentes, administradores, diretores, promitentes compradores ou proprietários das áreas florestais, desde que praticadas por prepostos ou subordinados e nos interesses dos proponentes ou dos superiores hierárquicos;
c) autoridades que se omitirem ou facilitarem, por consentimento ilegal, na prática do ato.
Assim, analisando-se o artigo supracitado, observar-se a tentativa em responsabilizar àquele que de algum modo corroborasse para a prática infracional.
Dada a necessidade de uma lei ordinária para assegurar a efetiva proteção ao meio ambiente, em 1998, como já dito, foi editada no Brasil a lei 9.605/98. com o intuito de regulamentar o artigo 225 da CRFB/88. A referida lei, além de versar sobre os crimes ambientais, também atenta-se às infrações de cunho administrativo, bem como aspectos de colaboração internacional voltados para a preservação ambiental.
As leis criminais ambientais brasileiras anteriores à lei 9.605/98 não apresentavam a necessária eficácia, visto que continham dispositivos juridicamente pobres e tecnicamente defasados. Toda a legislação de proteção ao meio ambiente se tornou necessária em virtude da dificuldade de inserção do tema em nosso Código Penal, por sua vastidão e principalmente por conjugar conteúdos variados como penais, administrativos e internacionais.
3.2 CRIMES AMBIENTAIS: CRIMES CONTRA A HUMANIDADE?
Observa-se que tal diploma, ora em examine, demonstra um progresso político na questão da proteção ambiental, por batizar uma regulação da penalidade administrativa com sanções mais rigorosas, além de tipificar os crimes ambientais, mesmo na forma culposa.
Ainda assim, os crimes ambientais não alcançaram a proporção que deveriam. Para que se possa tratar da possibilidade de inserção dos crimes ambientais no rol de crimes julgados por um Tribunal Penal Internacional, devemos partir da ideia de que tais crimes devem ser considerados tão graves quanto crimes contra a humanidade. Os Princípios de Nuremberg, aprovados pela Organização das Nações Unidas, admitidos como integrantes do ius cogens (normas do direito internacional, que as partes não podem anular) em quase todos os tribunais penais internacionais, trouxeram pela primeira vez a definição do que seriam crimes contra a humanidade, em 1950, após o holocausto.
Em linhas gerais, considera-se que são crimes contra a humanidade o assassinato, o extermínio, a escravidão, a deportação (entre fronteiras nacionais) e o deslocamento forçado de população (dentro de um país), a detenção arbitrária, a tortura, o estupro, a prostituição forçada e outras formas de abuso sexual, a perseguição por motivos políticos, raciais ou religiosos, o desaparecimento forçado de pessoas, além de outros atos desumanos realizados em massa.
Exemplos há, ao longo da história, de vazamentos de petróleo que prejudicaram milhares de pessoas, seja por agir diretamente na saúde, seja por inviabilizar o uso sustentável e equilibrado de recursos naturais. Já houve situações de vazamentos de materiais radioativos, poluição de rios, queimadas de áreas que deveriam ser preservadas, além de diversos outros crimes que não foram julgados com a severidade devida. E no topo da lista estão os rompimentos das barragens em Mariana em 2015 e em Brumadinho em 2019.
Para dar fim a esta impunidade é que sugere que estas grandes catástrofes ambientais sejam equiparadas aos crimes contra a humanidade e passem a competir ao Tribunal Penal Internacional de Haia.
O Tribunal Penal Internacional de Haia tem competência para julgar os seguintes crimes: crimes de guerra, genocídio, crimes de agressão e crimes contra a humanidade. Trata-se de crimes que não prescrevem, visto que, se consumados, atingem toda a humanidade.
A competência deste Tribunal, entretanto, se restringe a julgar crimes ocorridos apenas em Estados que tenham aderido à sua criação e ainda assim, apenas subsidiariamente, pois só é competente após terem sido adotados no Estado todos os seus recursos processuais próprios. Ademais, o Tribunal Penal Internacional limita-se a julgar crimes ocorridos após sua criação.
O estudioso Adolfo Perez Esquivel afirma que os crimes contra a natureza, principalmente quando são de maior impacto, atingem tantos seres humanos e seres vivos como um todo, em alguns casos em longo prazo, em outros casos de forma imediata, que, por suas consequências podem ser equiparados aos genocídios e aos crimes contra a humanidade. Seria um réu em potencial, perante o Tribunal Penal Internacional de Haia, por exemplo, um indivíduo que destrói uma floresta para plantar transgênicos, ou um minerador que polui milhões de litros de água por dia, entre outros.
Obviamente, é necessária uma minuciosa descrição das condutas contra o meio ambiente que seriam consideradas competência de um Tribunal Internacional e certamente, por ocasião da criação de uma câmara especial neste Tribunal para o julgamento desses crimes tal descrição seria feita por especialistas capacitados para analisar o alcance de tais condutas lesivas e o impacto ambiental.
De qualquer forma, é válida a afirmação de Luiz Regis Prado, no sentido de que:
“A questão ambiental, emerge, portanto, no terreno político-econômico e da própria concepção de vida do homem sobre a Terra. Destarte, toda política ambiental deve procurar equilibrar e compatibilizar as necessidades de industrialização e desenvolvimento com as de proteção, restauração e melhora do ambiente”
O Tribunal Penal Internacional com sede em Haia se ocupa, especialmente, dos crimes de guerra e contra a humanidade. Uma importante questão que se apresenta atualmente, num contexto em que a natureza, da qual toda a sobrevivência humana depende, está sendo progressivamente destruída, é: destruir a natureza constitui um delito tão grave quanto os genocídios ou os assassinatos cometidos pelas ditaduras? Esta é uma dúvida que paira sobre a cabeça de muitas pessoas.
De fato, à primeira vista, quando se fala em genocídio, em crimes de guerra, em crimes contra a humanidade, o sentimento de repulsa é bem maior que quando se fala em crimes ambientais. Entretanto, pense, por exemplo, no acidente nuclear de Chernobyl, em 1986, em que um reator da usina nuclear explodiu e provocou outras sucessivas explosões, causando contaminação por radiação, que ainda nos dias de hoje causa preocupações em grande parte da Europa. Uma teoria, é que a culpa pelo acidente teria sido de alguns dos operadores da usina.
Diversos outros exemplos podem ser citados, como o recente desastre em Fukushima, que embora provocado por causas alheias ao controle humano, pode ter causado certa negligência frente à responsabilidade pelo controle de outros incidentes causados como consequência e que poderiam ser evitados. Pode-se citar ainda o grande vazamento de petróleo ocorrido em 2010 no Golfo do México, que colocou em risco fauna e flora da região.
Outro exemplo é a contaminação em Love Canal, um local projetado para natação e canoagem, próximo às Cataratas do Niágara, que foi vendido para uma empresa para servir de depósito de resíduos químicos, tendo sido este depósito posteriormente aterrado e sobre ele, construída uma escola e diversas moradias, sendo observado que com o tempo os estudantes e moradores dessa região passaram a ter uma série de problemas de saúde ocasionados pela contaminação.
Por fim, vivemos aqui no Brasil dois grandes desastres ambientais causados por imprudência de uma empresa mineradora, haja visto os rompimentos das barragens em Mariana e em Brumadinho, este último com mais de 240 mortos identificados e outros tantos desaparecidos.
Agora, vejamos: Estes acontecimentos, por muitos considerados como catástrofes ambientais, não tiveram consequências desastrosas, tão graves quanto quaisquer dos outros crimes que hoje são julgados pelo Tribunal de Haia? Será que constituindo uma câmara especial para o julgamento de crimes ambientais da intensidade dos citados acima, não estaríamos coibindo a prática destes crimes, ou pelo menos viabilizando a necessária punição aos responsáveis por eles?
Para se instituir uma corte própria para os crimes ambientais é preciso modificar o Estatuto de Roma, que legitima a corte penal, sendo necessário para isso, em primeiro lugar, da aprovação de dois terços dos países signatários do estatuto. Assim, será possível julgar as catástrofes ambientais provocadas pelo homem e os atentados contra o planeta da mesma forma que julgamos os crimes contra a humanidade, nivelando-os à mesma categoria.
Outro problema a ser enfrentado é a soberania dos países, um aspecto bem delicado, pois vai de encontro ao frágil equilíbrio entre as nações. Na Corte de Haia, os países, de certa forma, renunciam a parte de sua soberania e entregam o acusado para julgamento. A soberania está relacionada com valores e qualidade de vida, mas todos concordariam que a soberania alimentar é mais importante que a soberania dos Estados? Num mundo individualista como o nosso, é realmente possível pensar que os países abririam mão de seu poder individual a fim de pensar num bem maior, especialmente um não palpável e baseado no futuro?
São considerados crimes ambientais as agressões ao meio ambiente e seus componentes (flora, fauna, recursos naturais, patrimônio cultural) que ultrapassam os limites estabelecidos por lei. Ou ainda, a conduta que ignora normas ambientais legalmente estabelecidas, mesmo que não sejam causados danos ao meio ambiente. Pensemos sobre esse raciocínio de Esquivel:
“Qual a diferença entre o assassinato de milhares de civis em um ataque no Afeganistão e a matança de milhares de pessoas por contaminação da água? Ou entre a fome causada pelos conflitos tribais na África e a fome causada pela destruição do solo e uso indevido da terra? Morte é morte em qualquer lugar, assim como a fome é terrível e devastadora em qualquer parte do mundo. No entanto, poucos param para pensar no estrago que as catástrofes ambientais causam diariamente ao planeta e às pessoas que o habitam. A contaminação da água e do solo e a destruição da biodiversidade acarretam doenças, pobreza e falta de comida”.
Infelizmente, a sociedade não está preparada para deixar de provocar danos ao meio ambiente, embora tenha adquirido consciência moral nos últimos anos. Não apenas ela, mas as grandes corporações e o próprio governo são responsáveis pela degradação ambiental.
Embora o Brasil tenha avançado na criação de uma legislação ambiental, a gestão dos problemas relacionados ao meio ambiente necessita de profissionais especializados e uma maior participação do governo e da coletividade, que pode ser alcançada com uma consciência ambiental cultivada desde cedo na escola e em casa, e no exemplo dado pelos pais e autoridades às crianças. Mas este é um projeto que precisa de tempo e amadurecimento da população, além de verbas que não podem absolutamente ser desviadas e é uma ideia essencialmente futura.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância de um direito fundamental de um país pode ser analisada a partir do tratamento legislacional que uma nação lhe confere. No Brasil, a proteção ao meio ambiente surgiu com grande destaque na Constituição da República de 1988, que lhe dedica um Capítulo próprio, e por isso é também conhecida como Constituição Verde.
Atentou-se também ao fato de que o bem jurídico vida depende, para a sua integralidade, entre outros fatores, da proteção do meio ambiente com todos os seus consectários, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.
Após 11 anos da promulgação de nossa Constituição, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) nasceu para regulamentar o artigo 225 da citada Carta Magna e revogou vários artigos do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65). O mesmo foi totalmente revogado pelo novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), no entanto este optou por não abordar tipificações penais.
O ordenamento jurídico pátrio passou a adotar punições mais severas, pois dispositivos que eram tidos apenas como infrações administrativas sofreram modificações e passaram a ser tipificados como crimes em decorrência do surgimento da Lei nº 9.605/98.
Além disso, possibilitou a responsabilização penal de pessoas jurídicas públicas e/ou privadas, conforme redação do Art. 225, §3º da Carta Maior. Neste íntere, a Lei nº 9.605/98 regulamentou tal possibilidade, representando um enorme avanço para a legislação ambiental brasileira. Cabe ressaltar que também foi instituído o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica, buscando punir as pessoas que utilizam-se de pessoas jurídicas como meio de proteção para a promoção de crimes contra o meio ambiente.
Entretanto, observou-se, com a elaboração do presente trabalho, que, apesar do Brasil ter avançado na criação de uma legislação ambiental, dada a gravidade de alguns crimes ambientais, pondera-se a ideia da inserção dos mesmos no rol de crimes julgados pelo Tribunal Penal Internacional de Haia.
Tal Tribunal julga crimes de guerra, genocídio, crimes de agressão e crimes contra a humanidade. Logo, o precursor de tal pensamento, defende a ideia de que necessitam ser punidos todos aqueles de que alguma forma ameacem a vida de bilhões de habitantes da Terra.
Enfim, a proposta da criação de uma câmara na corte de Haia para o julgamento de crimes ambientais poderia ter a prerrogativa de evitar o pior no futuro e permitir uma opção de equilíbrio ambiental por instrumentos mais democráticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Pós-graduado em Direito Ambiental - Oficial do Ministério Público de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Laís Galgani. A gravidade de crimes ambientais: revisão doutrinária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 set 2019, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53409/a-gravidade-de-crimes-ambientais-reviso-doutrinria. Acesso em: 23 dez 2024.
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