RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da origem do preconceito de gênero, partindo da perspectiva filosófica de Norberto Bobbio. Nesse caminho, busca-se investigar as circunstâncias históricas e sociais que põem a mulher em posições estereotipadas e os aspectos da sociedade patriarcal que incentivam e induzem a discriminação. Por derradeiro, partindo das reflexões do autor, sugere-se a superação do paradigma atual.
Palavras-chave: Direito Constitucional, Igualdade de gêneros, Direito das Mulheres.
Sumário: 1 Introdução; 2 A perspectiva histórica do preconceito contra a mulher; 3. Discriminação na perspectiva de Norberto Bobbio; 4 A mulher contemporânea e a discriminação; 5 Considerações Finais. Referências
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é o de estudar a origem do preconceito, mais especificamente a origem do preconceito contra a mulher, o preconceito de gênero. O estudo tem como base a doutrina de Norberto Bobbio.
Este estudo será dividido em três momentos.
O primeiro destina-se a adentrar na perspectiva histórica do preconceito contra a mulher, com o relato de fatos históricos que deram origem ao estigma e que o sustentam.
No segundo, buscar-se-á investigar a discriminação na perspectiva de Norberto Bobbio, com a exposição de ideias do autor acerca da temática.
Por derradeiro, terceiro trará a temática ao verniz contemporâneo, analisando a discriminação do gênero feminino por meio de um cotejo entre a teoria e a realidade.
2. A PERSPECTIVA HISTÓRICA DO PRECONCEITO CONTRA A MULHER
Desde a metade do século XIX até após a Primeira Guerra Mundial, as mudanças econômicas e culturais brasileiras tiveram forte influência na vida das mulheres, principalmente nos movimentos pela conquista do direito de voto na Inglaterra no final do século XIX e pelas greves industriais, que acarretaram um maior protagonismo da mulher no espaço social e político.
A urbanização e a industrialização fizeram com que as mulheres fossem para rua trabalhar e estudar, iniciando uma desconstrução do estereótipo de fragilidade e inferioridade, em conflito com os costumes patriarcais e o ideário da figura masculina como sinônimo de autoridade e poder.
Com o trabalho remunerado e a educação, as mulheres passaram a ter algum poder econômico e social e começaram a reivindicar por creches para deixar seus filhos, melhores condições de trabalho, além de protestar contra a tirania dos homens no casamento e sua infidelidade.
A partir do século XX, com os movimentos feministas, as mulheres paulatinamente começam a garantir seu espaço e autonomia na sociedade e na política.
Apesar de as mulheres se encontrarem num patamar muito superior em questão de direitos e cidadania em comparação a períodos pretéritos, a violência e a discriminação ainda são uma questão de extrema relevância.
A violência sofrida pelas mulheres, ainda hoje, não se trata apenas de violência doméstica - causada principalmente pelos companheiros -, mas sim pela violência social que consiste em qualquer tipo de discriminação ou exclusão devido o fato de ser mulher. Exemplos são os baixos salários em relação aos dos homens
Ainda há a violência psicológica resultante dos insultos sofridos, com afastamento da família, dos amigos, destruição dos bens da mulher, ameaça aos filhos entre outros tipos.
Vale notar que a mulher está sendo reconhecida como parte fundamental para a formação da família, já que no Brasil, em sua maioria, são elas as responsáveis pelo sustento através seu trabalho, da educação dos filhos e da casa.
3 DISCRIMINAÇÃO NA PERSPECTIVA DE NORBERTO BOBBIO
O preconceito sempre existiu na convivência dos homens em sociedade. Mesmo antes da própria existência do Estado, com os indivíduos vivendo em pequenos grupos nômades, ocorriam os conflitos tribais, dando azo ao preconceito.
Partindo das considerações de Norberto Bobbio, pode-se observar que o preconceito é extremamente perigoso ao meio social, pois se trata de uma opinião equivocada, errada.
Afirmada a premissa que o preconceito é uma opinião errônea também se atribui a ele uma irracionalidade, porque seu vício não pode ser corrigido no âmbito da razão ou da experiência.
Ensina Bobbio (2002, p. 104):
Em geral, pode-se dizer que se distinguem daquela opinião errônea em que consiste o preconceito todas as formas que podem ser corrigidas mediante os recursos da razão e da experiência. Precisamente por não ser corrigível ou por ser menos facilmente corrigível, o preconceito é um erro mais tenaz e socialmente mais perigoso.
O preconceito coletivo é aquele preconceito entre grupos, ou seja, um atribui ao outros qualidades pejorativas, gerando a rivalidade. Este julgamento negativo recíproco entre os grupos acende a discriminação.
A discriminação entre os grupos, por sua vez, incita o sentimento de superioridade, ainda mais perigoso, do qual decorre a ideia de que o mais perigoso e, portanto, superior, deve comandar, intimidar ou até mesmo eliminar o grupo inferior.
Da relação entre superior-inferior podem derivar tanto a concepção de que o superior tem o dever de ajudar o inferior a alcançar um nível mais alto de bem-estar e civilização, quanto a concepção de que o superior tem o direito de suprimir o inferior. Somente quando a diversidade leva a este segundo modo de conceber a relação entre superior e inferior é que se pode falar corretamente de uma verdadeira discriminação, com toda as aberrações dela decorrentes. BOBBIO (2002, p. 109/110)
A discriminação em uma superficial observação seria a mera diferenciação existente entre as pessoas. Contudo, averiguando-a profundamente, vislumbra-se que a primeira é uma injusta e desproporcional forma da segunda.
A diferenciação, ao contrário da discriminação, é por muitas vezes necessária, assim entende MORAES (2010, p. 413):
Como salientava Montesquieu, o verdadeiro espírito da igualdade está longe da extrema igualdade, tanto quanto o céu da terra. O espírito de igualdade não consiste em fazer que todo mundo mande, ou que ninguém seja mandado; consiste em mandar e obedecer aos seus iguais. Não procura não ter chefe; mas só ter como chefe seus iguais. No estado natural, os homens nascem bem na igualdade; mas não poderiam permanecer assim. A sociedade os faz perdê-la, e eles não se tornam de novo iguais senão por meio das leis. Tal é a diferença entre a democracia regrada e aquela que não é: nesta, só se é igual como cidadão; na outra, também se é igual como magistrado, como senador, como juiz, como pai, como marido, como senhor.
A nossa Constituição da República Federativa do Brasil prevê em seu artigo 5ª o seguinte:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)
No exposto artigo pode-se observar que a Constituição assegurou que todos são iguais perante a lei, ainda garantindo esta igualdade ao fecho do dispositivo. Ao tratar desigualmente indivíduos considerados iguais, percebe-se a exacerbada discriminação que já nos ensinou BOBBIO (2002, p.107):
Pode-se dizer que se tem uma discriminação quando aqueles que deveriam ser tratado de modo igual, com base em critérios comumente aceitos nos países civilizados (para deixar mais claro, refiro-me aos critérios fixados no art. 3 da Constituição Italiana), são tratados de modo desigual.
As desigualdades podem ser naturais ou sociais. A natural em regra não pode ser modificada e a social, como é derivada do meio social e da história, são passíveis de alteração.
Todos podem ver que a diferença entre homem e mulher é natural, ao passo que a diferença lingüística é social ou histórica. Tanto isso é verdade que um homem não pode se transformar em mulher e vice-versa (senão em caso excepcionais), mas um homem pode falar duas ou mais línguas, podendo até mesmo ocorrer que num certo período da vida tenha falado uma língua e num outro período passe a falar uma língua diversa. BOBBIO (2002, p. 112)
Analisando as premissas e conceitos expostos neste capítulo, pode-se ter uma base da natureza do preconceito, para que na próxima etapa haja um aprofundamento quanto ao preconceito direcionado à mulher.
4 A MULHER CONTEMPORÂNEA E A DISCRIMINAÇÃO
As diferenças naturais entre homens e mulheres são evidentes, físicas e biológicas. Porém, essas diferenças entre homens e mulheres acabaram por se transformar em estereótipos que derivam dos costumes, das ideologias de uma sociedade, ou seja, “uma desigualdade natural foi agravada pela superposição por uma desigualdade criada pela sociedade” (BOBBIO, 2002 p.113).
A mulher, ao longo da história - e ainda hoje - tem que lidar com o estereótipo criado pela sociedade, de que é um ser frágil e inferior aos homens, de que seu dever não passa de cuidar do lar, marido e filhos, mesmo representando, na realidade populacional brasileira, um contingente maior.
Ainda na sociedade atual, nos deparamos com a discriminação disfarçada em estereótipos de beleza, por exemplo, e de símbolos sexuais, como são os que a mídia impõe.
O art.2º da Declaração dos Direitos Humanos, que condena qualquer tipo de descriminação, inclusive o de sexo e raça, propiciou às mulheres a oportunidade de se imaginarem diferentes e de começarem a desenvolver mudanças na sociedade através de suas lutas.
Como ensina BOBBIO (2004, p.51):
os direitos do homem são direitos históricos, que emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas produzem.
A discriminação em geral e a para com a mulher em particular afronta um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, o princípio da dignidade humana. Isso porque, se um indivíduo é privado de seus direitos, ou enfrenta em sua vida discriminações que restrinjam até sua liberdade há um claro sinal que os fundamentos, princípios e direitos fundamentais do ordenamento jurídico pátrio estão sendo demasiadamente desrespeitados.
Atualmente tanto nas relações sociais amparadas pelo direito quanto nos processos onde os princípios se fazem cada vez mais presentes é necessário que estes mandados de otimização sejam efetivados e implementados em toda sua extensão.
Exige-se tal atuação para que o Estado cumpra com seus objetivos: igualdade, liberdade, fraternidade, dignidade de toda pessoa humana e também a própria democratização e constitucionalização de todos os direitos, relações sociais e esferas de poder.
Considerando essa constante democratização, segundo KELSEN (2003, p.181), o controle constitucional deve ser reforçado. Para isso a jurisdição constitucional é de extrema importância, pois ela “é um meio de proteção eficaz da minoria contra os atropelos da maioria”, auxiliando na manutenção da prevalência dos preceitos constitucionais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A igualdade em qualquer âmbito é fundamento nescessário para a consolidação de um verdadeiro Estado Democrático de direito. Tal igualdade, contudo, não é absoluta, pois certas diferenciações entre as pessoas devem ser feitas, na medida das desigualdades enfrentadas.
Ensina ÁVILA (2010, p.147):
A promoção das finalidades constitucionalmente postas possui, porém, um limite. Esse limite é fornecido pelo postulado da proibição de excesso. Muitas vezes denominado pelo Supremo Tribunal Federal como uma das facetas do princípio da proporcionalidade, o postulado da proibição de excesso proíbe a restriçao ecxessiva de qualquer direito fundamental.’
Pode-se constatar que mesmo com as grandes mudanças realizadas em consequência da luta em relação à condição e o papel da mulher na sociedade, a discriminação ainda é uma constante, não apenas na forma de violência doméstica, mas na exposição midiática de estereótipos de beleza, gerando violência psicológica nas mulheres que porventura não se encaixem no padrão estabelecido.
A sociedade em geral, homens e mulheres, deve ter em mente que as diferenças naturais se mostram cada vez menos importantes num mundo de tecnologia, sendo a esfera de poder transferida da força física para o conhecimento e, neste último aspecto, não há qualquer fragilidade ou desigualdade a distinguir os sexos.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. L’età dei Diritti/Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
_________________. Elogio da serenidade e outros escritos morais. Elogio dela mitezza e altri scritti morali/Trad. Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:< www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.html>. Acesso em: 11 set. 2019.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
________, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: comentários aos artigos 1º e 5º da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1997.
KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Bacharela em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Uniderp Anhanguera. Pós-graduanda em Direito Administrativo pela PUC Minas. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAVI, Jéssica Campos. A origem do preconceito de gênero sob a perspectiva de Bobbio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 set 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53434/a-origem-do-preconceito-de-gnero-sob-a-perspectiva-de-bobbio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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Por: Marcos Antonio Duarte Silva
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Por: LETICIA REGINA ANÉZIO
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