MARIA MÁRCIA MATSUDA [1]
RESUMO: O presente artigo possui designo principal de analisar a proteção jurídica do nascituro na esfera civil brasileira. A cláusula civilista de outorga de personalidade jurídica firma seu termo inicial ao momento do nascimento com vida, mas, simultaneamente, garante proteção aos direitos do nascituro desde a concepção. Contudo, a perspectiva do nascituro ser sujeito de direitos é de grande discussão doutrinária jurisprudencial acerca do momento inicial da aquisição de direitos, ou seja, se tais direitos se aplicam antes ou após o nascimento com vida. Refere-se a uma pesquisa qualitativa, realizada pelo método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Posto isso, esse estudo busca aprofundar acerca dos direitos do nascituro diante do ordenamento jurídico brasileiro com foco no âmbito do Direito Civil. Assim sendo, inicia delineando acerca de conceitos intrínsecos para entendimento da temática, como pessoa, personalidade e capacidade. Em seguida, para melhor entender sobre o protagonista deste estudo, aborda a respeito da definição do termo nascituro para o ordenamento e doutrina. Prontamente, é redigida uma análise sob enfoque doutrinário acerca das três teorias mais aceitas pela jurisprudência contemporânea, sejam elas: teoria natalista, teoria da personalidade condicionada e teoria concepcionista. Posteriormente, analisa o nascituro como sujeito detentor de direitos e sua classificação quando a sua capacidade civil para figurar polos processuais visando a salvaguarda de direitos. Por fim, elenca direitos personalíssimos destinados ao nascituro de maneira expressa dentro no ordenamento jurídico, direcionando para a proteção garantida pela esfera civil brasileira. Nesse sentido, chega-se ao entendimento que o nascituro é detentor de ampla proteção jurídica, por todo ordenamento, principalmente no Direito Civil.
Palavras-chave: Direito Civil. Personalidade Jurídica Civil. Direitos do Nascituro.
ABSTRAT: This article has the main purpose of analyzing the legal protection of the unborn child in the Brazilian civil sphere. The civil legal personality clause gives its initial term at the moment of birth alive, but at the same time guarantees protection of the rights of the unborn child from conception. However, the prospect of the unborn child being the subject of rights is of great jurisprudential doctrinal discussion about the initial moment of the acquisition of rights, whether such rights apply before or after the live birth. Refers to a qualitative research, performed by the deductive method and the bibliographic and documentary technical procedure. That said, this study seeks to deepen the rights of the unborn child before the Brazilian legal system focusing on the scope of Civil Law. Thus, it begins by outlining intrinsic concepts for understanding the theme, such as person, personality and ability. Then, to better understand the protagonist of this study, it deals with the definition of the term unborn for the ordering and doctrine. Promptly, a doctrinal analysis is written about the three theories most accepted by contemporary jurisprudence, namely: natalist theory, conditioned personality theory and conceptionist theory. Subsequently, it analyzes the unborn child as a rights holder and its classification when its civil capacity to figure procedural poles aiming at safeguarding rights. Finally, it lists very personal rights intended for the unborn child expressly within the legal system, directing to the protection guaranteed by the Brazilian civil sphere. In this sense, it is understood that the unborn child has wide legal protection throughout the organization, especially in civil law.
Keywords: Civil Law. Civil Legal Personality. Unborn Child's Rights.
INTRODUÇÃO
O nascituro é um ser geneticamente autônomo de seus pais, com características e atributos únicos. A temática em torno do momento em que se inicia a proteção da pessoa humana no ordenamento jurídico é de grande relevância para a sociedade, pois a expectativa do ser que ainda está no ventre uterino ser passível de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais é de grande discursão entre doutrinadores, acarretando em consequências em outras áreas sociais como a medicina e seus avanços tecnológicos.
A personalidade, por definição, é um atributo que confere ao respectivo titular não apenas identidade e individualidade, porém especialmente a plena capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações. Segundo o art. 2o do Código Civil brasileiro, a personalidade da pessoa natural tem início a partir do nascimento com vida.
Embora o ordenamento civil seja positivo quanto ao início da personalidade, quando preceitua que “a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida”, a doutrina brasileira contemporânea não é pacifica, divergindo em posicionamentos e entendimentos acerca do real momento da aquisição da personalidade, em virtude do referido dispositivo legal prontamente não negligenciar, pondo a salvo, os direitos desde a concepção, ao passo que, também não menciona, de forma clara, o nascituro como pessoa meritória de personalidade propriamente dita, apenas lhe é assegurado direitos desde concepção em ventre materno.
Definir o momento que será marco do início da personalidade jurídica é de extrema importância para vislumbrar o instante em que ao indivíduo é destinado direitos e quisto como pessoa para o ordenamento. Três teorias principais se confrontam no tocante à definição do início da personalidade jurídica civil: a teoria natalista, que prevê o início da personalidade após o nascimento com vida, mas salvaguarda os direitos do nascituro; a teoria da personalidade condicionada, que interpreta os direitos em condição suspensiva, aguardando o nascimento com vida para serem efetivados; e a teoria concepcionista, que defende que a personalidade jurídica se inicia no momento da fecundação, quando o espermatozoide fecunda no óvulo, visto o nascituro ser detentor de direitos extrapatrimoniais, como o direito à vida e à integridade física, resguardados expressamente pelo ordenamento brasileiro.
Perante tal certame, a questão enseja uma análise detalhada acerca dos direitos assegurados desde a concepção, tanto os inerentes mesmo antes do nascimento, como os que só terão gozo sob requisito de separação do corpo materno e aferição de vida. Como hipótese para tal questionamento, entende-se que o nascituro é sujeito de direitos, merecedor portanto, de plena proteção jurídica.
Como método de análise, a abordagem do estudo será qualitativa, trabalhando com interpretações doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas da temática apreciada. Tendo por método dedutivo, aparelhando conceituação, fundamentos, características, através de ferramentas técnicas embasadas em pesquisas bibliográficas e documental. Por início, se faz jus a apresentação de definições fundamentais e comuns acerca do assunto. Seguindo ao posicionamento das doutrinas, explanando suas interpretações. Abordando, por fim, os direitos inerentes ao nascituro, fundamentados na legislação brasileira, com foco na codificação civil.
Identificar a proteção adequada e necessária ao nascituro pressupõe antecipadamente compreender a disciplina jurídica das pessoas adotada pela codificação civil, enquanto sujeitos de direitos e obrigações. Então, para que posteriormente possamos discorrer sobre a tutela jurídica do nascituro no âmbito civil, torna-se necessário o entendimento do conceito de pessoa natural, bem como personalidade, capacidade e demais conceitos norteadores referentes a temática, dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
A palavra “pessoa” provém do latim “personare”, sendo designação, a priori, da máscara utilizada pelos atores de teatro na antiguidade romana, que se ajustava ao rosto para amplificar o volume da voz e, mais adiante, codificava a diversificação dos papéis dos atores. A posteriori, a partir da Idade Média, a palavra pessoa passou a designar ser humano.
Na esfera jurídica, como se constata no artigo 1° do Código Civil Brasileiro, em seu caput: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.”, ou seja, pessoa é o ente físico ou moral, o qual adquire direitos e contrai obrigações no ordenamento jurídico. Este tal ordenamento é o que transforma relações humanas, de pessoas, em jurídicas, pressupõe uma determinação legal que lhes transmitem os efeitos necessários interpretados a cada caso. A relação jurídica é a relação humana que o ordenamento jurídico acha de tal modo relevante que lhe dá o prestígio de sua força coercitiva (RODRIGUES, 2007), sendo estabelecida entre todos na intenção de legitimar o interesse de cada indivíduo, tendo por titular a pessoa humana.
As relações no âmbito jurídico norteiam dois fenômenos interdependentes: o poder e o dever de fazer, impondo-se como uma cadeia de poder, embasadas na ordem jurídica, implicando em subalternidade entre os sujeitos da relação. A ordem jurídica, representada esta pelo direito objetivo, é a norma estabelecida para vigorar em momento oportuno, para gerir suas relações em sociedade, se faz imperativa preceituando sanção a eventual descumprimento.
Pela acepção do direito subjetivo, na redação do doutrinador Silvio (RODRIGUES, 2007, p. 35), tal ordem “é a norma de prerrogativa que para o indivíduo decorre da norma objetiva, quando ele é o titular do direito”, não havendo o que se falar em direito subjetivo se não houver sujeito. Sendo, para tal, a permissão de fazer ou não fazer, para se ter ou não determinada coisa, empregando meios processuais para o cumprimento das normas eventualmente violadas. Decorrendo, bem como, para defesa dos direitos de cada pessoa, para, por exemplo, fazer cessar ato ilícito ou pleitear reparação de dano, sendo assegurados e garantidos por estas normas.
O Código Civil Brasileiro admite duas classificações para pessoa, podendo ser física (natural), a quem diz respeito ao ser humano, ou jurídica, a quem a norma atribui personalidade, reputada mais adiante.
A pessoa natural é conceituada amplamente, como o ser humano nascido com vida, independentemente de sexo, raça, cor, credo, nacionalidade, naturalidade ou outra classificação de qualquer natureza, o ente único, do qual e para qual decorrem as normas, aquele que possui atributos físicos, psíquicos e morais. De modo geral, o estado de pessoa para o ordenamento, tem início com o nascimento com vida e extingue-se com a morte.
Para Maria Helena Diniz, “[...] pessoa natural é o ser humano considerado como sujeito de direito e obrigações.” (DINIZ, 2014, p. 163). Sendo, portanto, o ser humano ou ente com aptidão para titularizar direito e deveres de ordem civil. Carlos Roberto Gonçalves complementa tal conceito de Diniz, lembrando que “para qualquer pessoa assim designada, basta nascer com vida, e desse modo, adquirir personalidade.” (GONÇALVES, 2011, p, 100).
Compete enfatizar, então, que toda pessoa natural evidencia a propriedade da personalidade, sendo consentido a realizar qualquer ação de ordem civil que pretende, exceto se houver proibição expressa. Assim, o referido artigo 1° do CC elucida conjuntamente, a definição de personalidade, sendo, portanto, a capacidade de direitos e deveres. Perfazendo a noção e definição de personalidade, o artigo 2° do dispositivo civil, em seu caput, prescreve: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
É possível constatar que toda pessoa possui personalidade jurídica, pois esta característica é inerente aos seres humanos após o nascimento, sob requisito impreterível nascer com vida, tornando-se sujeito de obrigações e deveres na ordem civil. Sendo esta, pressuposto para inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica. “Pode ser conceituada como sendo a soma de caracteres corpóreos e incorpóreos da pessoa natural ou jurídica” (TARTUCE, 2018, p.120), ou seja, aptidão para adquirir direitos e obrigações.
Tais direitos adquiridos pela aquisição da personalidade são chamados de direitos da personalidade, esses são inerentes à condição humana, vinculando-se ao indivíduo de maneira permanente e perpétua, pelo fato de emanarem do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo subjetivos, absolutos, extrapatrimoniais, indisponíveis, outorgados a todas as pessoas, imprescindíveis, impenhoráveis e vitalícios, e por meio deles salvaguardam-se direitos à vida, à integridade física, psíquica e moral, à liberdade (civil, política, religiosa, sexual, de pensamento, etc.), às criações intelectuais, dentre outros.
Da mesma forma, quando o dispositivo legal põe a salvo os direitos desde a concepção, o indivíduo ao ser gerado no ventre materno, já adquire direitos que o resguardam. E ao nascer com vida, torna-se pessoa. Tornando-se pessoa, este indivíduo adquire personalidade civil. Porém, a determinadas pessoas, a capacidade de exercício de seus direitos é delimitada pela lei necessitando de assistência ou representação de outrem.
Portanto, para ser considerada pessoa, basta que o indivíduo exista, mas para ser capaz de exercer todos seus direitos, é precípuo que o ser humano preencha os requisitos necessários para atuar como sujeito de uma relação jurídica. Nesse sentido, Caio Mario da Silva (PEREIRA, 2007) ensina que a capacidade jurídica se ajusta ao conteúdo da personalidade na mesma proporção em que a utilização do direito integra a ideia de alguém ser titular dele.
Assim sendo, capacidade civil é a faculdade legal de que dispõe a pessoa de praticar atos na vida civil, como contratar, adquirir direitos e contrair obrigações, é, portanto, o limite, a medida da personalidade, sendo plena para alguns e limitada para outros, podendo, ainda ser de direito ou de fato.
A capacidade de direito consiste na possibilidade que toda pessoa tem de ser sujeito de direito, isto é, figurar em um dos polos da relação jurídica, esta capacidade é conferida a todo ser humano, sem qualquer requisito, independente do seu grau de discernimento.
Entretanto, a capacidade de fato, nem todas as pessoas têm, denominada também como capacidade de exercício ou ação, é a faculdade de desempenhar pessoalmente os atos e negócios das relações jurídicas civis, sendo aferida pelos critérios delineados pelo legislador: de idade, estado psíquico e aculturação, mensurando a necessidade de representação ou assistência.
Caio Mario traz a perspectiva de que a capacidade de direito é, em verdade por definição, a capacidade jurídica propriamente dita, e a diferindo da capacidade de fato na seguinte citação: “a esta aptidão oriunda da personalidade, para adquirir os direitos na vida civil, dá-se o nome de capacidade de direito, e se distingue da capacidade de fato, que é a aptidão para utilizá-los e exercê-los por si mesmo” (PEREIRA, 2007, p.162).
A lei divide as pessoas físicas em capazes e incapazes, sendo que as capazes podem praticar atos e negócios jurídicos e as incapazes necessitam do auxílio ou intervenção de outrem para praticá-los.
A capacidade plena é aquela imputada a todos aptos a exercer os atos decorrentes da capacidade jurídica, sendo totalmente responsáveis por seus atos, capazes de tomar decisões. Tem como requisito precípuo, atingir a maioridade (18 anos) e não possuir deficiência mental.
A incapacidade é tratada nos artigos 3° e 4° do atual Código Civil, pode ser absoluta ou relativa. A incapacidade absoluta implica na plena proibição do exercício dos atos da vida civil, por falta de aptidão de praticá-los pessoalmente, o incapaz absoluto apenas poderá exercer perante intermédio de um representante legal. E os incapazes relativos são aqueles que não gozam de total capacidade de discernimento e autodeterminação, precisam ser assistidos por uma pessoa com capacidade plena.
De acordo com a redação dos artigos supracitados, nascimento com vida é, portanto, um dos pressupostos de admissibilidade da personalidade e início da capacidade civil. Nasceu-se com vida, independente se por poucos minutos ou segundos, consumou-se como pessoa, adquiriu, então, a personalidade, gerando todos os seus efeitos, e a capacidade de direito. Já a aquisição da capacidade de fato ou plena, se dará mediante autorização conferida por lei, após o preenchimento de particularidades impostas pelo legislador, para que possa atuar por si própria no exercício dos seus direitos ou no cumprimento de suas obrigações.
2.DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE NASCITURO
A apreciação da proteção ao nascituro, matéria deste artigo, perante a legislação vigente, passa pela compreensão do conceito de nascituro e a disposição quanto a ser sujeito de direitos, a fim de que possam ser identificados mais adiante os direitos que lhe são salvaguardados.
O significado da palavra nascituro está presente nos diversos dicionários jurídicos brasileiro, sendo possível a abstração do seguinte raciocínio explanado por Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico, conceitua nascituro como “aquele que há de nascer, cujo os direitos a lei põe a salvo; aquele que, estando concebido, ainda não nasceu e que, na vida intrauterina.” (DINIZ, 2005, p. 378). Logo, entende-se por nascituro o ser já concebido, em desenvolvimento no ventre feminino, aguardando nascimento.
Compete mencionar nesse estudo, outro desentendimento doutrinário que surge a respeito da literatura do art. 2º do atual ordenamento civil é se o termo nascituro abrange ou não o embrião não implantado, tendo interpretações e entendimentos distintos dividindo doutrinadores. A amplitude conceitual, englobando o embrião ao termo, é discutida em face aos avanços da biomedicina e suas técnicas reprodutivas, passando-se a questionar se deveria abranger também o ser concebido fora do ventre materno (através da fecundação in vitro).
Na perspectiva de a implantação intrauterina materna não ser um divisor de águas jurídico, compreende-se o embrião como uma das fases sucessivas do desenvolvimento humano. Como perfilhada com essa linha de entendimento, citamos Silmara Juny de Abreu, que acompanhando tais avanços de reprodução assistida, atribui à expressão nascituro como “aquele que está por nascer, já concebido” e conclui em seguida que “o conceito amplo de nascituro – o que já de nascer – pode abarcar tanto o implantado como o embrião pré-implantatório” (CHINELLATO, 2007, p.51). Sendo este, portanto, meritório de todos os direitos garantidos ao nascituro (em seu conceito restrito).
Maria Helena (DINIZ, 2014) contesta a amplitude conceitual entendida por Juny, descreve o embrião como sendo o fruto da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, tendo vida extrauterina, não podendo, portanto, ser confundido ou englobado ao termo nascituro, apesar de entender que os direitos civis do embrião também tenham que ser expressamente garantidos.
Posto isso, Diniz idealizou uma proposta legislativa, que inspirou o Projeto de Lei n. 6.960/2002, direcionando ao então Deputado Ricardo Fiuza, autor da PL, e pela qual o art. 2º do atual dispositivo ficaria com a seguinte redação: “A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e do nascituro”. Ressalta-se que o referido projeto legislativo foi arquivado, mas reproposto recentemente pelo Deputado Arnaldo Faria de Sá, encontrando-se em tramitação sob número 699/2011.
Silmara Juny (CHINELLATO, 2007) apesar de admitir que embrião e nascituro possam ter capacidades distintas perante o ordenamento, a autora é contrária a mudança elaborada por Diniz, por entender que: Acrescentar a palavra não-jurídica e restritiva “embrião” significa negar qualidade de nascituro que já tem. A lei poderá distinguir a capacidade do nascituro do não-implantado.
Ricardo Fiúza (FIUZA, 2005), de forma paralela a esse impasse, ressalva a importância da hermenêutica Jurídica, alude que questões não consolidadas, como a dos embriões, não devem ser reguladas pelo ordenamento civil, uma vez que se há avanço científico em curto espaço de tempo superando celeremente a norma legal, aposta que o Código Civil deva trazer comandos abertos em função das rápidas transformações sociais e políticas.
Apesar da controvérsia, para uma melhor técnica científica, vamos nos ater a conceituação majoritária e restrita do termo, englobando apenas aos já concebidos em ambiente intrauterino. Sendo compreendido, portanto, como aquele que há de nascer, ente concebido, que se encontra em ambiente intrauterino materno subordinado ao cordão umbilical ligado ao corpo de sua genitora.
3. O INÍCIO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: PRINCIPAIS ESCOLAS DOUTRINÁRIAS
Apesar do entendimento genérico de que apenas torna-se pessoa e adquire personalidade ao nascer com vida, considerando, para tanto, o nascituro como ente despersonificado e despersonalizado, não há que se negar que este é um ser humano em pleno desenvolvimento. Posto isso, originou-se diversas correntes que buscam pontificar o exato momento do início da personalidade, e argumentar se o ser já concebido, pode ser ou não considerado personificado e personalizado, visto o ordenamento expressar importância em salvaguardar seus direitos.
Uma das problemáticas mais discutidas enfrentada pelo Direito Civil diz respeito ao início da personalidade civil, no tocante à pessoa do nascituro. O dispositivo legal traz o impasse por utilizar as expressões “nascimento” e “concepção”, silenciando uma posição concreta quanto à sua personalidade. Posto isso é que, doutrinadores do Direito se dividiram quanto à posição e interpretação da codificação. Três grandes teorias buscam definir a situação jurídica do nascituro: a teoria natalista, a teoria da personalidade condicional e a teoria concepcionista.
A legislação brasileira, como regra, adota de forma teórica que o marco inicial da personalidade civil se dá com o nascimento com vida, porém assegura direitos ao nascituro, desde a concepção, instante em que se inicia a formação do ser humano.
Segundo Carlos Roberto (GONÇALVES, 2011), Caio Mário Pereira ensina que o nascimento ocorre quando a criança é separada do ventre da materno, não importando que tenha sido o parto natural, feito com o auxílio de recursos obstétricos ou mediante intervenção cirúrgica. O fundamental é que se desfaça a unidade biológica, de forma a constituírem mãe e filho dois corpos, com vida orgânica própria, mesmo que não tenha sido cortado o cordão umbilical.
Caso seja verificado o falecimento da criança após esse desvinculamento do corpo da mãe, é verificado o momento da morte, aferido por meio de um procedimento pericial médico-legal, com o caráter de averiguar se chegou a aspirar ar, mesmo que tenha sido um único suspiro, certificando, dessa forma, se o bebê nasceu vivo ou morto.
O procedimento habitual clínico, chamado de docimasia pulmonar hidrostática de Galeno, consiste este em depositar o pulmão do feto em um vasilhame com água, caso sustente-se na superfície, houve respiração, laudo positivo à vida, compete então, por consequência, o título de personalidade civil e todos os seus efeitos. Lavra-se então, duas certidões, a do nascimento e a do óbito. Caso o pulmão venha a submergir, entende-se que não houve sequer uma inspiração de ar, ou seja, já nasceu morto, denominado natimorto, aquele que veio ao mundo extrauterino sem vida, não fazendo jus aos direitos adquiridos pela personalidade civil (GONÇALVES, 2011).
Contudo, ao que se refere ao ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno, apesar da legislação não lhe conceder expressamente o título de personalidade civil, são preservados seus interesses futuros e garantidos direitos constitucionais apoiados a dignidade da pessoa humana. Consequentemente, nasceu diversas teorias visando explicar e entender a controvérsia de ser ou não despersonalizado, visto ser detentor de direitos. Posto isso, apoiados na premissa do âmbito jurídico, que tem por base a análise e interpretação das leis a cada caso, bem como aliados a levantamentos e estudos de outras ciências, como biologia e a medicina para melhor entendimento processual, os juristas têm originado distintas jurisprudências formando precedentes firmados no entendimento de tais doutrinas. Para entender quando se inicia a personalidade do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro se faz jus a compreensão de três correntes mais aceitas pelos juristas e seguidores: a teoria natalista, a teoria concepcionista e a teoria da personalidade condicionada.
Alguns doutrinadores conservadores apoiam-se na linha positivista, alinhados a letra da lei pura e simples, ao qual declara que o nascituro não tem ainda personalidade, sendo considerado um ente despersonificado, uma figura excepcional, a que se refere alguma proteção legal. Enfatizam que só há aquisição de personalidade, caso haja o nascimento com vida, oposto a isso, jamais a adquiriu.
Proposições estas, amparadas pela teoria natalista, prevalecida ante entre os autores do Direito Civil, denomina o nascituro como spes hominis (traduzindo do latim: simples esperança de pessoa), não podendo ser considerado pessoa, concretizando sua existência apenas com respiração pós-natal, e tendo os seus direitos, que eram, em verdade, mera expectativa, efetivados. Ou seja, ausente de direito e personalidade, só a adquirindo pós-nascença.
Como apreciadores dessa interpretação, temos Silvio Rodrigues, San Tiago Dantas, Silvio de Salvo Venosa e, Caio Mário da Silva Pereira, o qual prescreve fazendo jus a equivalente interpretação:
O nascituro não é ainda pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito. (PEREIRA, 2007, p.153)
Essa teoria, no entanto, é muito criticada, pois não consegue responder ao quê ou quem de fato seria então o nascituro, haja vista que, para ela, não é considerado pessoa. Sendo considerada, por muitos, ultrapassada sob a ótica dos avanços da medicina e da ampla tutela jurídica do nascituro dentro do nosso ordenamento. Nesse seguimento, Flávio Tartuce condena tal corrente, sustentando os seguintes argumentos:
Do ponto de vista prático, a teoria natalista nega ao nascituro até mesmo os seus direitos fundamentais, relacionados com a sua personalidade, caso do direito à vida, à investigação de paternidade, aos alimentos, ao nome e até a imagem. Com essa negativa, a teoria natalista esbarra em dispositivos do Código Civil que consagram direitos àquele que foi concebido e não nasceu. Essa negativa de direitos é mais um argumento forte para sustentar a total superação dessa corrente doutrinária. (TARTUCE, 2018, p.88)
Outrora, essa corrente afigurou-se como entendimento majoritário no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente, passou a não ser mais tão consagrada, devido a críticas e aos avanços de outras áreas sociais. Porém, se mostra secundariamente como interpretação afeiçoada a alguns juristas.
Uma segunda corrente bastante difundida é a da personalidade condicional. Compete a priori mencionar que alguns autores configuram esta teoria como mista, mencionando que esta mescla as duas principais correntes, a natalista, ora já mencionada, e a concepcionista, descrita adiante.
A teoria da personalidade condicionada explícita que o nascituro goza de direitos personalíssimos como direito à vida e à integridade física, porém a proteção aos direitos patrimoniais somente se manifesta após o nascimento com vida, então só se materializam com a condição de o feto vir a nascer. A personalidade existe enquanto não nascido, porém só irá de fato consolidar sua capacidade de fato após o nascimento, elencando os direitos do nascituro em sujeição a uma condição suspensiva, os ditos, direitos eventuais. Na hipótese de não se verificar o nascimento com vida, não haveria personalidade. (TEPEDINO; RODRIGUES, 2003)
Esta condição suspensiva está regulamentada nos artigos 121º e 125º do CC/2002, subordinando o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto, e ensejando que a eficácia do negócio jurídico estará sujeita à condição suspensiva, e enquanto esta não se concretizar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa. Classificando o nascituro como titular de direito eventual, ao qual, de acordo com o artigo 130º, do mencionado dispositivo, “é permitido praticar os atos destinados a conservá-lo.” Em caso de momento impreterível processual, figuraria este, sob representação de sua genitora.
Como aficionados a essa teoria, temos Clóvis Beviláqua, Washington Monteiro, Arnaldo Rizzardo, Miguel Maria de Serpa Lopes, dentre outros. Lopes, citado por Wilian Artur Pussi em sua obra, preconiza de maneira taxativa:
De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o nosso Código Civil, fica subordinado à condição de que o feto venha a ter existência; se tal se sucede, dá-se a aquisição; mas, ao contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter ocorrido um aborto ou por ter o feto nascido morto, não há uma perda ou transmissão de direitos, como deverá se suceder; se ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em casos tais, não se dá a aquisição de direitos. (LOPES, Apud PUSSI, 2008, p. 94)
Dessa maneira, o nascituro não teria personalidade jurídica, já que esta se inicia com nascimento com vida e quando a lei confere a ele direitos, constituem-se aí situações excepcionais. Quando a lei “põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”, dissocia o conceito de personalidade do conceito de subjetividade. O nascituro não é pessoa, mas já é sujeito de direito, no entanto sob condição aquisitiva.
A contrariedade dessa corrente com o atual ordenamento, problematizam os autores não entusiastas desse posicionamento, é o fato de que culmina posicionando os direitos existenciais em estado de potencial também, pois não responde de fato a questão que envolve os direitos inerentes ao nascituro. Encontrando-se vinculada, em verdade, pura e simplesmente à temática patrimonial. E tais direitos não podem estar sujeitos à condição suspensiva, termo ou encargo, como defende tal doutrina, vistos que estes, encontram amparo constitucional. Flávio afirma que “em um ordenamento que preceitua a personalização civilista, bem como a sua constitucionalização, uma proposição fundamentalmente patrimonialista não deve prevalecer.” (TARTUCE, 2018, p. 88)
Embora essa corrente não seja muito popular entre os doutrinadores, sendo vista até como simples desdobramento da teoria natalista, é possível encontrar essa premissa sendo adotada em julgados recentes na nossa jurisprudência.
Por fim, a doutrina que vem ganhando força em nosso ordenamento: a teoria concepcionista. Para esta doutrina, a personalidade inicia desde a concepção e não do nascimento com vida, uma vez que o nascituro é detentor de direitos que não guardam relação com o nascimento.
Para Professora Maria Helena (DINIZ, 2014), quando falamos no termo “personalidade civil” estamos, de maneira legítima, nos referindo à personalidade material do indivíduo, a que está vinculada a um fundamento, à matéria, aos direitos patrimoniais adquiridos. Tendo esta, o nascimento com vida como requisito para aquisição da personalidade apenas material. Portanto, antes da vida extrauterina, o nascituro seria detentor de uma ramificação da personalidade, denominada formal. Ou seja, nasceu-se com vida, adquiriu personalidade material, caso nasça morto, jamais adquiriu personalidade dita civil, mas de toda forma possuiu personalidade formal, enquanto nascituro.
Teríamos então, dois tipos de direito, um condicionado ao nascimento com vida, e outro que faz parte da essência do nascituro. Sendo este possuidor dos direitos da personalidade não condicionados a nenhum fator, que não o de serem pessoa humana em pleno desenvolvimento intrauterino.
Flávio (TARTUCE, 2007), doutrinador aficionado pela teoria concepcionista, pontifica em sua obra “A Situação Jurídica do Nascituro: Uma Página a Ser Virada no Direito Brasileiro”, que a previsão de proteção aos direitos da personalidade no CC/2002 em seus artigos 11 e 12 é um dos grandes méritos da codificação. Conceitua esses direitos como sendo aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade, sendo os principais o direito à vida, à integridade físico-psíquica, à honra, à imagem, ao nome e à intimidade. E enfatiza que Direito Penal é perfilhado a doutrina concepcionista, pois garante proteção a vida do nascituro tipificando o aborto em crimes contra a pessoa.
Segundo Tartuce (TARTUCE apud TEPEDINO, 2007), Gustavo Tepedino expõe que a proteção ampla dos direitos da personalidade também inclui o nascituro, que, pelo dispositivo atual, tem direitos assegurados pela lei, não afastando a proteção constitucional, não sendo, portanto, mera expectativa de direitos, como se afirma nas outras interpretações. Flávio afirma que: “O nosso sistema adotou a teoria concepcionista, pois não se pode negar ao nascituro esses direitos fundamentais e tidos como de personalidade. Assim, o nascituro tem direito à vida, à integridade físico-psíquica, à honra, à imagem, ao nome e à intimidade.” (TARTUCE, 2007, p. 167)
Portanto, para os concepcionista, pelo fato do nosso ordenamento jurídico resguardar os direitos do nascituro, se há o entendimento de que o nascituro é considerado pessoa pelo ordenamento, sendo detentor de personalidade jurídica mesmo antes do nascimento, tendo de qualquer forma, a possuído nascendo vivo ou morto.
Esse entendimento é afeiçoado pelos seguintes doutrinadores: Silmara Juny Chinelato, Pontes de Miranda, Rubens Limongi França, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Roberto Senise Lisboa, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Francisco Amaral, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Antonio Junqueira de Azevedo, Gustavo Rene Nicolau, Renan Lotufo e Maria Helena Diniz.
Como se pode notar, a teoria concepcionista tem prevalecido entre a maioria dos autores civilistas contemporâneos do Direito Civil Brasileiro. Da mesma forma, tem ganhado força pelos juristas, sendo uma das premissas mais adotadas no ordenamento.
Portanto, como se percebe, atualmente não existe uma pacificidade ou unanimidade nos tribunais brasileiros sobre qual interpretação é adotada pelo atual ordenamento jurídico a respeito do início da personalidade jurídica da pessoa, devido a essa dinâmica e instigada discussão doutrinária. Porém, de acordo com a jurisprudência contemporânea, se há real inclinação súpero à teoria concepcionista em relação às demais. Avançando, então, a firmar entendimento de que ao indivíduo ainda em concepção é atribuído personalidade.
4. O NASCITURO COMO SUJEITO DE DIREITO
Compete iniciar o estudo acerca do nascituro explanando como sujeito de direitos, bem como sobre sua capacidade de agir. Mesmo não havendo redação expressa, o dispositivo legal ao assegurar direitos, nos leva à convicção de que o nascituro é um ser sujeito de direito. Isto porque, o nascituro pode ser titular ou portador de direitos, circunstância que define a qualidade jurídica de sujeito de direito.
Maria Helena Diniz nos ensina que:
Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento de um dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção de decisão judicial. (DINIZ, 2014, p. 113).
O direito como representação da própria expressão da vida, é exercido, de modo independente de valores e princípios políticos ou mesmo religiosos, destacando-se, portanto, direitos de vida, de proteção, de liberdade, de defesa, garantindo a todos o direito de vir ao mundo, amparado na lei, dando-se a proteção real mesmo ao nascituro, futuro ser humano que está em desenvolvimento.
O nascituro, não sendo diferente de qualquer outra pessoa, é detentor de proteção, desde a sua concepção. Porém, o fato de ser sujeito de direitos, não constitui que ele possa exercer seus direitos de forma plena, pois se enquadra nos prescritos do artigo 3º do nosso Código Civil, sendo considerado absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil, assim como os recém-nascidos.
O nascituro é, portanto, sujeito de direito, possuindo capacidade de direito, mas não de exercício, devendo seus pais ou, na incapacidade ou impossibilidade deles, o curador, zelar pelos seus interesses, tomando medidas processuais em seu favor. Podendo esses, por exemplo, administrar os bens que irão pertencer-lhe, se nascer com vida, defender em seu nome a posse, resguardar sua parte na herança, aceitar doações, pleitear indenizações, resguardando então, as suas expectativas de direito patrimonial.
5. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO NASCITURO NA LEGISLAÇÃO CIVIL BRASILEIRA
É possível se encontrar direitos destinados ao nascituro elencados em todo o ordenamento jurídico atual, seja no direito brasileiro ou internacional, direitos esses, personalíssimos como o direito à vida e à integridade física. Porém, o Código Civil Brasileiro é o dispositivo legal em que se encontra o maior rol de disposições elencadas a respeito do nascituro, dentre as quais: a cláusula geral de outorga de personalidade jurídica que firma o seu termo inicial ao momento do nascimento com vida mas, simultaneamente, garante proteção aos direitos titularizados pelo nascituro; direito ao recebimento de alimentos; o direito ao reconhecimento de paternidade; o direito à sucessão testamentária ou legítima; o direito à curatela e à representação; e, o direito à receber doação.
Embora o nascituro não seja considerado expressamente pessoa pelo ordenamento civil, é fato ser detentor de proteção legal pelo supramencionado artigo 2º do CC/2002, em virtude da sua condição de indivíduo concebido e ainda não nascido, de ser humano em desenvolvimento. Logo, independentemente de ter ou não o atributo de personalidade jurídica, ele possui direitos fundamentais assegurados que configuram um sistema protetivo, com natureza de direitos da personalidade, conferindo a ele, de toda forma, tutela jurídica civil.
Note-se que seria ilógico proteger direitos civis desde a concepção intrauterina se não concedesse salvaguarda legal, garantindo-lhe imprescindivelmente, alinhando ao princípio da dignidade humana, o direito à vida e à sua integridade física para que justamente possa gozar de tais direitos. Assim, qualquer violação à integridade do que está por nascer pode ser considerado um ato obstrutivo do gozo de direitos.
O prestígio do valor da dignidade humana e de seu expoente, o direito à vida, está exposto na Magna Carta Brasileira, em tratados de direito internacional que se vinculam ao direito pátrio, no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, demonstrando que o Direito Brasileiro é coerente na proteção ao nascituro, especificamente em sua proteção e resguardo à integridade física e ao desenvolvimento sadio, visando o nascimento e a vida.
O direito à vida do nascituro desde a concepção é amplamente protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Conquanto, não é uma concessão jurídica. Trata-se de um direito inerente à condição humana, desde o momento em que o ser humano é concebido, pois, antes de existir um ordenamento jurídico, já havia vida. Sendo, portanto, papel do Direito garantir que a existência humana, em qualquer etapa, seja respeitada, posto ser pressuposto ao exercício de todos os seus direitos.
A Constituição Brasileira proclama em seu artigo 5º a inviolabilidade do direito à vida e tal proteção concerne não só ao direito de existir, mas incorpora o direito de nascer e de viver com dignidade, cabendo, pois, ao Estado garantir a continuidade da vida e dignidade enquanto subsistir.
O direito internacional sempre se firmou quanto ao reconhecimento de todos os seres da raça humana como humanos, não sendo, portanto, possível afastar o nascituro da proteção à vida.
Nesse sentido, a Declaração de Genebra, de 1924, já estabelecia a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial, o que veio a ser acentuada com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, assinada pelo Brasil, e pela Convenção sobre os Direitos da Criança[2]. Esta convenção acolhe a concepção de desenvolvimento integral da criança, definida segundo seu artigo 1º como “todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, pela legislação aplicável, a maioridade seja atingida mais cedo”. Em verdade, na referida convenção, não há definição expressa da idade início para criança, motivo pelo qual nada impede que seja compreendido também o nascituro.
Cabe mencionar também, como aliada a proteção à vida do nascituro, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969[3] predispõe sobre do direito à vida sob proteção legal desde o nascimento, enfatizando que “ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.
Como afeiçoado a proteção integral à vida do nascituro pelo ordenamento, podemos citar o ilustre doutrinador Ives Gandra, em seu artigo “Constituição Garante o Direito à Vida Desde a Concepção”, que nos faz o seguinte apontamento:
A Constituição brasileira declara, no caput do artigo 5º, que o direito à vida é inviolável; o Código Civil, que os direitos do nascituro estão assegurados desde a concepção (artigo 2º); e o artigo 4º do Pacto de São José, que a vida do ser humano deve ser preservada desde o zigoto. O argumento de que a Constituição apenas garante a vida da pessoa nascida — não do nascituro — e que nem sequer se poderia cogitar de "ser humano" antes do nascimento é, no mínimo curioso: retira do homem a garantia constitucional do direito à vida até um minuto antes de nascer e assegura a inviolabilidade desse direito a partir do instante do nascimento. De rigor, a Constituição não fala em direito inviolável à vida em relação à pessoa humana, mas ao ser humano, ou seja, desde a concepção (GANDRA, 2008)
Faz-se importante mencionar que o art. 60, § 4º, da CF proclamou os direitos e garantias fundamentais cláusulas pétreas, inalterados sequer por emenda constitucional, mas apenas por meio de uma nova Assembleia Constituinte. Posto isso, a vida, bem maior do ser humano, é direito fundamental inviolável, isto é, cláusula pétrea protegida pela Magna Carta. Com isso, a interpretação dos dispositivos constitucionais e legais deve ser no sentido de proteger a vida de maneira geral, inclusive a uterina, a partir da concepção.
Aliado a esse aparato jurídico internacional, constitucional, menciona-se como suporte jurídico à vida do nascituro, o Código Penal Brasileiro, que posiciona-se como defensor ao direito à vida desde a concepção, ao proibir qualquer prática atentatória contra a vida ainda no ventre materno, criminalizando o aborto, independente do período de desenvolvimento intrauterino que se encontre e resguardando o respeito a sua integridade física e moral, o qual elenca o nascituro nos crimes contra pessoa.
Outrossim, podemos citar como salvaguarda de direitos ao nascituro, o nosso Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/90), que visa à proteção integral da criança e adolescente, considerando criança, de acordo com seu artigo 2º, “a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” Note-se que, da mesma forma que na Convenção dos Direitos da Criança supracitada, a lei é omissa quanto à idade mínima da criança. Interpreta-se então de maneira sistemática que o nascituro também está no rol de destinatário das normas protetivas.
O referido estatuto estabelece que a criança tem direito à proteção de sua vida e saúde, cumprindo às políticas sociais públicas garantindo-lhe o nascimento sadio e harmonioso com dignidade, sendo este um direito fundamental. A lei ainda determina que a mulher em período gestacional seja acompanhada por profissionais da saúde, bem como tenha atenção humanizada e nutrição adequada, antes, durante e depois do nascimento, visando a proteção e desenvolvimento do feto.
Como observa-se não é propriamente a gestante a destinatária da norma protetiva, mas sim o seu filho que ainda está por nascer, mesmo porque ela pode ter mais do que dezoito anos de idade, estando fora do alcance do artigo 2º supracitado da Lei 8.069/90, e como disposto no § 9º, a genitora é detentora do dever de dar início e contínuo comparecimento ao acompanhamento de sua gestação.
Associada ao direito à vida e à integridade física, podemos já citar o direito a alimentos do nascituro, chamado alimentos gravídicos, o qual garante ajuda de custo paterna à gestante. São considerados em sentido lato, ou seja, são destinados a todas as despesas comuns no que diz respeito a gestação e desenvolvimento saudável do feto, podem incorporar, portanto, tanto alimentos, como assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicações e demais prescrições preventivas e terapêuticas a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.
O referido direito é regulamentado por lei própria, nº 11.804, de 5 de novembro de 2008, denominada LAG (Lei dos Alimentos Gravídicos). A partir da entrada em vigor desta lei, passou-se a prever deliberadamente a obrigação alimentar em favor da gestante por meio de alimentos gravídicos. Subsidiariamente, é disciplinado no Código Civil, de acordo com a seção “Dos Alimentos” compreendida do art. 1.694 ao 1.710; no Novo Código de Processo Civil, e na Lei nº 5.478/68.
A Lei de Alimentos Gravídicos determina o pagamento de valores suficientes para garantir à preservação da vida do feto, sendo filtrado pelo binômio possibilidade-necessidade (possibilidade da parte ré e necessidade da parte autora), incluindo despesas referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. A obrigação deverá pendurar desde a concepção até o parto, oportunidade em que tais alimentos convertem-se na chamada pensão alimentícia em favor da criança.
Compete mencionar que a legitimação ativa para propositura desta ação é da gestante, não do nascituro, atuando a mãe no polo ativo em face do nascituro. Após o nascimento com vida, a titularidade transfere-se a prole. A legitimidade passiva para figurar a ação é do suposto genitor do nascituro. Uma vez que o nascituro passa pelo princípio da paternidade responsável, entendendo o legislador que, o ser humano precisa ter acompanhamento e amparo bilateral (materno e paterno) desde a concepção e a necessidade de celeridade da execução dos alimentos gravídicos em prol da gestação e desenvolvimento saudável e bem acompanhado do feto. Os alimentos gravídicos podem ser fixados mesmo antes de comprovada a paternidade.
O magistrado deve estar apenas convencido de indícios trazidos aos autos que a paternidade exista, como por exemplo, provas testemunhal, documental e fotos, consubstanciados na relação existente entre autora e réu, para que sejam deferidos os alimentos. É o que dita o art. 6º da referida Lei: “Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.” Sendo permitido, ao possível pai, propor a ação de investigação de paternidade apenas quando a criança nascer, pois no impasse entre a dúvida do suposto pai e a necessidade da mãe e filho, o primeiro deve ser superado em favor do segundo ( DIAS, 2015), levando-se em conta sempre o interesse e bem-estar do menor.
Ainda que a Lei de Alimentos Gravídicos (artigo 2º, parágrafo único) consagre que os alimentos são custeados pelo pai, não afasta supletiva aplicação do dispositivo civil, o qual impõe obrigação complementar a terceiros em caráter subsidiário. Posto isso, é possível exigir alimentos gravídicos aos avós, com fulcro no CC (arts. 1.696 e 1.698) e em toda jurisprudência e doutrina (DIAS, 2015).
Os procedimentos adotados em tal ação, bem como condutas acerca do cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de prestar alimentos, pena privativa de liberdade em caso de débito não justificado em juízo, dentre outros trâmites são regulados por leis comuns de processos alimentícios pelo disposto nas Leis nº 5.478/68 (Lei de Alimentos) e Novo CPC.
Da mesma forma, pode o pai ter sua paternidade reconhecida ainda que anterior ao registro efetivo realizado pós nascimento, por meio de outro direito inerente ao nascituro: o direito ao reconhecimento de filiação paterna. Este tem efeito ex tunc, retroagindo a data da concepção. Pode, portanto, o genitor, com receio de falecer não esperar o nascimento para legitimar o filho, mesmo que ainda em ambiente intrauterino. Independentemente que o filho nasça sem vida, o reconhecimento existiu e foi válido, tornando disponível todos os seus efeitos jurídicos (DIAS, 2010).
O artigo 1.609, parágrafo único do Código Civil garante este direito. Vejamos o disposto: “O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.” Tal direito é igualmente tratado pelo ECA (arts. 26 e 27), reconhecendo que o estado de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.
O reconhecimento da paternidade é um ato disposto para declarar a filiação extramatrimonial, constituindo relação entre pai e filho e dando início aos efeitos jurídicos desse vínculo perfilhados a outros direitos do nascituro, como por exemplo, a o direito alimentício e direito de participação na sucessão testamentária paterna, caso o pai venha a falecer após o reconhecimento e antes do parto.
No que concerne ao direito a sucessão, seja por legitimidade ou testamentária, o nascituro possui capacidade sucessória prevista expressamente no ordenamento civilista em seu artigo 1.798, o qual prescreve: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.” Tem, portanto, legitimidade para suceder, mas, compete mencionar que só se exteriorizará sob condição do nascimento com vida. É o que dispõe o § 3º do artigo 1.800 do mesmo dispositivo legal: “Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.”
Os pais do ser ainda em ventre materno, ao contrário dos genitores de filhos já nascidos, não administram o bem herdado, posto a condição do nascimento com vida. Mesmo possuindo direito a sucessão, não será direito adquirido caso venha a nascer sem vida (natimorto). Ou seja, nada que seria dele passará a seus herdeiros, por exemplo para seus pais. Tudo continuará como se nada tivesse acontecido no que diz respeito a sucessão.
Portanto, o nascituro tem direito a sucessão, porém tal direito só se concretizará com o nascimento com vida, caso seja natimorto, não ocorrerá sucessão, os bens não irão para os herdeiros do natimorto e sim ficará como se sucessão alguma tivesse sido feita. É um direito eventual, mas que se torna um direito pleno a partir do nascimento com vida do nascituro.
Podemos citar também, outra via disponível para destinar bens ao nascituro: o direito a doações. Tal como conceitua o art. 538 do código civilista, doação é o “contrato em que uma pessoa, por liberdade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.” No que se refere ao nascituro, o art. 542 determina que: “A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal.”
Nesse sentido, a partir do momento em que houver a liberalidade por parte do representante legal do nascituro, esse poderá usufruir do que tenha sido doado, tendo a posse e percebendo os frutos consequentes da doação. Da mesma forma como acontece na sucessão, em caso de natimorto, a doação será considerada inexistente, regressando o patrimônio ao doador.
O nascimento com vida do filho esperado investe o infante da titularidade da pretensão de direito material, até então apenas uma expectativa resguardada. Efetivando-se a condição suspensiva, se exerce o efeito ex tunc (retroativo) em seu favor, com a transmissão de todos os bens de sua parte hereditária, além dos frutos e rendimentos respectivos obtidos desde o falecimento do testador.
Outro direito atribuído ao nascituro, é o direito de ser parte em uma lide. Tendo em vista, o nascituro não conseguir ele próprio provocar o judiciário para resolver a lide, este será assistido através de representação, compreendendo aqui a figura de seus pais, por ambos ou somente um na falta do outro, ou por curatela, sendo constituído por um terceiro, em caso de impossibilidade de seus genitores.
No que diz respeito à representação, em consonância aos artigos 1.634, inciso VII, e 1.690 do CC/2002, compete a ambos os pais, sob pleno exercício do poder familiar, representar os filhos judicial e extrajudicialmente menores de dezesseis anos, nos atos em que forem partes na vida civil. A lei silencia quanto ao início etário, subentende-se então, que abrange também o filho ainda no ventre materno.
Em caso de falecimento do pai, e a mãe não estiver apta a exercer o poder familiar (caso em que, por exemplo, a gestante esteja interdita ou sofra de doença mental, não possuindo, portanto, plena capacidade de seus próprios atos civis), em conformidade ao artigo 1.779 do referido dispositivo civil, será designado um curador ao nascituro.
O direito à curatela visa a proteção dos interesses do nascituro, visto a impraticabilidade de seus pais e este ser incapaz. Sendo o curador um representante legal, o qual pratica atos civis de conveniência ao nascituro, até que este nasça, da mesma forma que seria cabível aos genitores. Após nascimento com vida, a curatela é extinta, oportunidade em que a este será nomeado tutor.
O nascituro tem, portanto, o direito de ser parte numa lide, através de seu representante ou curador. Sendo disponível a este, a capacidade de garantir o gozo de seus direitos ainda no ventre materno, podendo ser parte, no polo processual passivo ou ativo.
Por fim, trataremos acerca do direito de reparação por dano moral. Direito esse que, ainda que não seja expressamente disposto pelo ordenamento, vem ganhando força na atual jurisprudência, com decisões favoráveis ao nascituro, fundamentadas no princípio da dignidade da pessoa humana e apreço à doutrina concepcionista.
De acordo com o desenvolvido neste estudo, o nascituro é um ser geneticamente distinto de seus genitores e detentor de direitos expressos pelo ordenamento brasileiro, principalmente, pelo Código Civil. A ele, dentro do ordenamento civilista, como dito anteriormente, é reconhecido o direito de ser parte em uma lide, através de representação de seus pais ou designação de um curador, garantindo seu direito de gozo em direitos essencialmente patrimoniais. Mas, e os direitos extrapatrimoniais, aqueles personalíssimos, como direito à vida e à integridade física, aqui estudados também? Sendo este, titular de direitos subjetivos extrapatrimoniais reconhecidos desde a concepção, denota-se evidente a possibilidade de ocorrência de violação, e consequente padecimento de danos de ordem moral pelo nascituro.
Compete lembrar a discursão doutrinária teórica acerca da perspectiva de o nascituro titularizar tais direitos desde a concepção, enfatizamos aqui que os direitos extrapatrimoniais, não são meras expectativas condicionadas ao momento do nascimento com vida, sendo passiveis de violação. Neste contexto, é, por obvio, perceptível a adoção da teoria concepcionista da personalidade como fundamento jurisprudencial para titularizar o gozo de direitos personalíssimos dedicados também ao nascituro, sem detrimento da aplicabilidade da corrente natalista ou da personalidade condicionada aos seus direitos patrimoniais, que estes sim, dependem do nascimento com vida para que se efetivem.
De acordo com o artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal, é garantida a proteção de qualquer ameaça ou efetiva lesão a direitos. Sendo devida, portanto, a reparação de danos a ele causados em virtude de sua violação.
Em último recurso, caso o direito de reparação dos danos não seja visto como disponível ao nascituro, com fulcro ao princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar, os violadores possuem responsabilidade civil perante entre os familiares e o próprio Estado.
Outrossim, a jurisprudência, de forma majoritária, vem construindo abundantes precedentes em processos com vistas favoráveis a indenização por reparação de danos morais ao nascituro. Como ilustra a decisão do Superior Tribunal Federal, proferida pelo relator Ministro Gilmar Mendes, senão vejamos:
Trata-se de agravo interposto contra decisão de inadmissibilidade de recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, ementado nos seguintes termos: ACOMPANHAMENTO PRÉ-NATAL DEFICITÁRIO. NATIMORTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DANOS MORAIS, QUANTUM DEBEATUR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O dever de assistência à saúde, compromisso do Estado assumido constitucionalmente (art. 196 da CF), impõe-se indistintamente aos entes públicos, exigindo das distintas esferas de governo a prestação de serviços de saúde satisfatórios. 2. A interdependência é ínsita ao serviço prestado porque integral é a assistência à saúde. Há legitimidade do apelante para figurar no polo passivo da demanda, conforme reiterados precedentes onde tem reconhecida a responsabilidade solidária dos entes federativos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 3. A postura omissiva do recorrente em adotar as medidas necessárias ao adequado acompanhamento pré-natal foi determinante para a morte do nascituro e revela a deficiência na prestação do serviço público, suficiente para autorizar o devido ressarcimento por danos morais conforme estabelece o art. 37, § 6º, da Constituição da República e 43 do Código Civil. 4. O valor arbitrado a título de danos morais objetivou minorar o imensurável sofrimento enfrentado pela apelada com a dolorosa perda do filho, elidir os prejuízos suportados e prevenir a reincidência em erro, tendo sido atendido ao critério da justeza, observado o parâmetro da razoabilidade. (...) (STF - ARE: 1006600 AC - ACRE 0001096-63.2011.8.01.0001, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 13/11/2016, Data de Publicação: DJe-244 18/11/2016). [4]
A referida decisão do relator favorável ao ressarcimento por danos morais a genitora em face da morte do nascituro, condenando o Estado por atitude omissiva, visto que esse tem obrigação constitucional em prestar serviço e assistência satisfatória. Destinando, então, a sua genitora o pagamento indenizatório, vislumbrando minorar a sofrimento pela perca da vida do nascituro.
A mesma premissa foi adotada pelo STJ em outro julgado em que o nascituro foi considerado pessoa, ente da família tratado igual aos demais, consentindo reparação por dano moral de caráter indenizatório no valor de R$ 100.000,00 aos seus genitores, em razão da violação do direito à vida do nascituro, buscando amenizar a dor da família e punição do causador. Reconhecendo o STJ, em vista disso, coerência na majoração da verba indenizatória pela morte do nascituro e assegurando inviabilidade na abertura do Agravo Regimental para revisão dos valores por parte do reclamado, visto não haver parâmetros para medir o valor da perca da vida da prole e expectativa de formação da família. Dessa forma, onerando o Estado ao pagamento à família do nascituro:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. MORTE DO NASCITURO. DANO MORAL. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA VERBA FIXADA. SÚMULA 7-STJ. 1. Verifica-se que a instância de origem, ao entender que houve demonstração do nexo causal e estabelecer o montante da indenização, decidiu a controvérsia com fundamento no suporte fático-probatório dos autos. Desse modo, é inviável analisar a tese defendida no Recurso Especial, a qual busca afastar as premissas fáticas estabelecidas pelo acórdão recorrido, pois inarredável a revisão do conjunto probatório dos autos. Aplica-se o óbice da Súmula 7/STJ. 2. Ademais a jurisprudência deste Superior Tribunal é no sentido de que a revisão dos valores fixados a título de danos morais somente é possível quando exorbitantes ou insignificantes, em flagrante violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o que não é o caso dos autos em que a verba indenizatória foi fixada em R$ 100.000,00 (cem mil reais). A verificação da razoabilidade do quantum indenizatório esbarra no óbice as Súmula 7/STJ. 3. Agravo Regimental não provido. (STJ – AgRg no REsp: 1471155 RN 2014/0185163-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data do Julgamento 23/10/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data da Publicação: DJe 27/11/2014) [5]
A priori, os danos acolhidos à reparação eram exclusivamente patrimoniais, envolvendo apenas alimentos e direitos sucessórios. Hoje, os juristas têm acolhido danos morais de maneira majoritária.
As últimas duas décadas, todavia, representaram uma reviravolta neste cenário. O amplo reconhecimento da efetividade dos valores constitucionais veio exigir, por toda parte, a releitura crítica dos institutos jurídicos tradicionais, mesmo à margem dos atos legislativos. No âmbito da responsabilidade civil em particular, a valorização do papel interpretativo das cortes e a inserção no debate jurídico de aspectos sociais, econômicos e éticos, antes marginalizados, parecem enfim, preparar o caminho para transformações há muito esperadas. (SCHREIBER, 2011, p. 119)
Posto isso, pode-se afirmar que reconhecimento dos direitos da personalidade do nascituro tem conduzido naturalmente ao reconhecimento da responsabilização civil decorrente de sua violação, o que harmoniza com a redação da Constituição em que pese, privilegia a condição existencial da pessoa humana e sua dignidade, não esgotando sua proteção.
Portanto, a reparação ao dano moral é um direito que vem sido reconhecido fundamentado sob o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1°, inciso III, CF), bem como, na inafastabilidade da proteção jurisdicional (art. 5°, inciso XXXV, CF), inerentes a condição de pessoa humana, independente do grau de desenvolvimento, sendo dever solidário reconhecido também ao nascituro a reparação de agravos por ele sofridos.
CONCLUSÃO
O nascituro é a primeira forma de vida humana, é alguém que ainda não nasceu, mas é a vida humana em pleno desenvolvimento ainda que em ventre materno. É ser único, com características próprias distintas e independentes de seus genitores. Posto isso, é merecedor de atenção devida e plena proteção jurídica de todo o ordenamento brasileiro, visto que esse nasceu para tutelar a vida, vislumbrando tornar as relações sociais passivas, assegurando direitos e destinando obrigações para harmonia e coexistência justa e igualitária entre todos.
Ainda que haja embate doutrinário quanto ao atributo ou não da personalidade jurídica do nascituro, constata-se um ponto em comum entre as teorias adotadas pelos juristas pátrios, o de que o nascituro possui direitos desde a concepção. Tal afirmação pode ser compreendida na teoria natalista, na forma de expectativas tuteladas; na teoria da personalidade condicionada, sob a forma suspensiva; ou, como coloca a teoria concepcionista, de forma plena desde a concepção.
Porém, com personalidade jurídica, legalmente declarada ou não, existe para o nascituro mais do que simples tutela patrimonial. Existem, em verdade, direitos reconhecidamente protegidos pelo Código Civil, pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e por tratados internacionais dos quais o Brasil é anuente, mesmo antes do nascimento. A doutrina da proteção integral abraça, em verdade, a criança desde a concepção. Logo, cabe ao juiz, frente a esse parâmetro essencial, partir dessa premissa básica para suas decisões fundamentais, com base no direito decorrente do valor da dignidade da pessoa humana, o direito à vida, este explicitamente previsto em nosso ordenamento, tanto na esfera constitucional, como na infralegal; e no melhor interesse do nascituro, assim como a criança já nascida, gozando de proteção especial.
Impõe-se, dessa forma, a conclusão de que ao nascituro assiste direitos patrimoniais, e extrapatrimoniais, tanto material quanto moral, podendo titularizar o âmbito processual fazendo frente a violações a quaisquer direitos. Se assim não fosse, não teria sentido a disposição do artigo 2º do Código Civil, que resguarda esses direitos desde o momento da concepção, bem como não se justificaria a punição legal do aborto tipificada no Código Penal Brasileiro. A integridade corporal se insere no mesmo princípio, pois sua violação implica evidente risco à sobrevivência do feto ou ao seu pleno desenvolvimento como ser humano. Essa proteção ampla dos direitos da personalidade também inclui o nascituro, que, pelo sistema atual, tem direitos reconhecidos e assegurados pela lei.
Diante das considerações apresentadas, independente que qual corrente se defenda sobre o início da personalidade civil, podemos constatar que direitos são garantidos desde a concepção da pessoa humana, sendo reconhecidos pelo nosso ordenamento e, na prática, pela jurisprudência, como direito à vida, integridade física, honra, imagem, alimentos, filiação; bem como direitos pertinentes as questões patrimoniais, sendo detentor de direito de sucessão e doação; e para garantir o gozo de tais direitos, lhe é outorgado direito a representação e curatela, possuindo capacidade então de fazer parte de uma lide. Desse modo, assegurando reparação por eventuais danos materiais e morais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. In: Vade Mecum Compacto. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 51ª ed. Brasília, DF: Edições Câmara, 2017.
______. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art266>. Acesso em: 20 jul. 2019
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[1] Docente da disciplina de Direito Processual Civil do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1995) e Mestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2000).
[2] Adotada pela ONU em 1989, ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, entra em vigor em 23 de outubro de 1990, sendo promulgada através do Decreto nº 99.710, em 21 de novembro de 1990. Inteiro teor disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm.
[3] Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, São José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969. Também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, foi ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, ingressando no Direito Interno Brasileiro através do Decreto nº 678, promulgado em 06 de novembro de 1992. Consagra princípios na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Inteiro teor disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm.
[4] Inteiro teor em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/406764553/recurso-extraordinario-com-agravo-are-1006600-ac-acre-0001096-6320118010001?ref=serp.
[5] Inteiro teor em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/153771103/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-resp-1471155-rn-2014-0185163-1/relatorio-e-voto-153771123?ref=juris-tabs.
Discente do Curso de Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas – CIESA. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Luane Portela. A proteção dos direitos do nascituro na legislação civil brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53448/a-proteo-dos-direitos-do-nascituro-na-legislao-civil-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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